Fundada por moradores da Maré, tem por objetivo trabalhar na construção de projetos que contribuam para a garantia de direitos dos mareenses
Maré de Notícias #122 – março de 2021
Por Flávia Veloso e Thaís Cavalcante
As ações e iniciativas por aqui são pensadas a partir de um processo que envolve produção de conhecimento, a elaboração de projetos e ações e, ainda, um trabalho de mobilização para a incidência em políticas públicas. A Associação Redes de Desenvolvimento da Maré ou Redes da Maré, tem uma trajetória longa de atuação que vem dos anos 80, quando, alguns dos seus fundadores, já atuavam nas lutas comunitárias por direitos. O dia 8 de março é o dia em que a instituição foi formalizada legalmente. É, também, o Dia Internacional das Mulheres e um dia de luta por seus direitos. “Temos muito orgulho de termos escolhido formalizar juridicamente a Redes da Maré esse dia. É uma escolha simbólica e política pela importância das mulheres nas lutas que temos na região historicamente”, comenta Eliana Silva, diretora fundadora da Redes da Maré.
“Em 2012, fiz um teste para a Escola Livre de Dança da Maré (ELDM), onde fiquei por seis anos. Essa formação me deu um olhar maior para o que eu queria seguir como profissão. Também me ajudou na faculdade e me deu experiência para eu fazer apresentações dentro e fora do país”, conta Jeniffer Rodrigues, hoje professora de dança. Criado em parceria com a coreógrafa Lia Rodrigues, o projeto completa dez anos oferecendo formação e atividades gratuitas (assim como todos os outros programas da instituição).
Ex-aluna do Curso Preparatório para o Ensino Médio, projeto desenvolvido pela Redes da Maré, Lorena Froz era frequentadora diária da biblioteca. “Participei de cursos dentro da Redes desde muito nova. Por isso, escolhi o preparatório. Considero os projetos que tem na Maré de extrema importância; em um país tão desigual e corrupto, eles são um dos poucos meios de acesso à cultura e ao pensamento crítico”. Lorena é uma das 4,5 mil pessoas beneficiadas por um dos projetos desenvolvidos pela instituição ao longo destes 24 anos. Foi justamente no caminho da educação que essa trajetória começou: o desafio de reverter o número muito baixo de moradores da Maré com acesso à universidade. Na década de 1990, quando o trabalho começou, menos de 0,5% da população da Maré tinha ingressado no ensino superior – percentual muito abaixo daquele registrado em áreas não periféricas do Rio de Janeiro.
A criação de um pré-vestibular comunitário foi o primeiro passo para mostrar o potencial dos moradores da Maré na conquista do direito ao ensino superior. Desde então, o trabalho vem produzindo números cada vez mais significativos, como aponta o último Censo Maré: 3,5% dos moradores das favelas da Maré acima de 18 anos têm ou já tiveram acesso à universidade. Apenas em 2019 a associação tornou possível a aprovação de 55 moradores para o ensino superior. Na esteira da iniciativa outras surgiram, como cursos preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Aprendemos com o tempo que, juntamente com a população da Maré, esses programas podem, de fato, garantir direitos básicos, além de ser uma espaço de luta fundamental para superarmos as representações negativas e preconceituosas de quem mora nas favelas. A formalização, então, aconteceu já de forma amadurecida com a experiência dos anos iniciais desse e de outros projetos. Aprendemos com o tempo que, juntamente com a população da Maré, esses programas podem, de fato, garantir direitos básicos, além de ajudarem na luta para superarmos as representações negativas e preconceituosas de quem mora nas favelas”, diz Eliana Sousa Silva, cofundadora da Redes da Maré, sobre seu primeiro projeto em educação.
“Tudo o que a Maré conseguiu de melhoria é fruto da luta dos próprios moradores e de instituições como a Redes da Maré, através da pressão local”
Edson Diniz, diretor da Redes da Maré.
Conquista coletiva de direitos
A luta por direitos básicos das 16 comunidades que formam a Maré vem do início de suas histórias, na década de 1940, quando havia apenas a Baixa do Sapateiro, o Parque Maré e o Morro do Timbau. Fruto de um processo de ocupação da área por migrantes em busca de trabalho (principalmente de nordestinos), a região, alagadiça, carecia de quaisquer serviços públicos. Seus primeiros moradores viviam em casas de madeira, sem eletricidade e água encanada.
“Quando chegava a noite, os moradores acendiam a luz em casa e a energia caía, ficávamos todos no escuro. A água era raridade; trazíamos em barris do outro lado da Avenida Brasil. Foi tudo conquistado com trabalho de formiguinha”, contou Helena Edir, moradora da Nova Holanda desde os anos 1980, diretora da Associação de Moradores surgida na época e uma das fundadoras da Redes da Maré.
As lutas dos moradores das seis favelas (Parque União, Parque Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau) aconteciam através da articulação comunitária em pequenos grupos: comissões foram criadas para tratar do fornecimento de energia e um grupo de mulheres se mobilizou para exigir água encanada, creche e escolas. Desse movimento é que surgiram as associações de moradores; depois, as organizações não governamentais (ONGs) e, mais recentemente, coletivos engajados na luta por direitos. “Tudo o que a Maré conseguiu de melhoria é fruto da luta dos próprios moradores e de instituições como a Redes da Maré, através da pressão local”, explica Edson Diniz, diretor da Redes da Maré.
Uma pandemia de desafios
O enfrentamento da pandemia de covid-19 exigiu mais do que o esperado pela instituição. Até o fim de fevereiro, o território, com cerca de 140 mil pessoas, era líder em casos da doença: cerca de 2,5 mil pessoas infectadas, de acordo com o Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas do Rio de Janeiro.
A Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus, realizada pela Redes da Maré entre março e dezembro de 2020, firmou parcerias entre organizações e recebeu apoio de voluntários para diminuir o impacto da doença na vida da população mareense. Seis frentes de trabalho foram fundamentais para esta atuação: atendimento à população em situação de rua; segurança alimentar; acesso à saúde (direitos, cuidados e prevenção); produção e difusão de informações e conteúdos seguros; geração de renda; e apoio a artistas e grupos culturais locais.
Foram mais de 54,7 mil pessoas atendidas diretamente; 65 mil refeições entregues para pessoas em situação de rua; mais de 17,6 mil famílias atendidas com cestas básicas e kits de limpeza e higiene. Todas as 16 favelas da Maré foram alcançadas, graças ao trabalho de 300 pessoas engajadas na campanha.
As parcerias feitas durante o período de crise sanitária foram de grande importância. Uma delas é o Conexão Saúde – De olho na Covid, projeto que desde agosto atua por meio de ações, como telemedicina, testagem e um centro de isolamento para atenção integral que beneficia moradores da Maré e de Manguinhos. A ação é uma parceria de instituições como Centro Comunitário Manguinhos, Cruz Vermelha, Dados do Bem, Estáter, Fiocruz, Redes da Maré, SAS Brasil, Todos Pela Saúde e União Rio. O Dados do Bem, organização responsável pela testagem, realizou até o dia 08 de fevereiro 9.637 testes de covid-19 na Maré. Já a Telemedicina, realizada pela SAS Brasil, iniciou as atividades no território em julho de 2020 e até o momento, realizou 2.592 atendimentos médicos e 1.309 atendimentos psicológicos, além de 610 casos de suspeita ou confirmação de covid-19.