Redes da Maré emite pesar pelo assassinato do indigenista Bruno Pereira e jornalista Dom Phillips

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Organização defende urgência para elucidação do caso que chocou o país

Por Redes da Maré, em 21/06/2022, às 13h.

No fim da tarde de ontem (20/6), a ONG Redes da Maré publicou em seu site oficial uma nota de pesar em relação ao caso de Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, mortos brutalmente na região do Vale do Javari, na Amazônia. O crime ganhou repercussões nacionais e internacionais, e conta com apelo de instituições que trabalham com a pauta dos direitos humanos.

Leia na íntegra o pronunciamento:

”Nós, tecedoras e tecedores da Redes da Maré, instituição com um longo histórico de atuação no conjunto de 16 favelas da Maré, no Rio de Janeiro, viemos nos juntar ao conjunto de pessoas e instituições que, de forma indignada, manifestam tristeza e revolta pelo assassinato brutal do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. Nos solidarizamos com suas famílias e amigos.

Foto: Evaristo Sá/AFP. Site MST.

É, mais uma vez, inadmissível que outras duas vidas tenham sido ceifadas, de forma tão cruel, por denunciarem os múltiplos e sistemáticos ataques contra a vida dos povos indígenas da TI Vale do Javari e sua morada, a floresta Amazônica. Apesar dos distintos contextos, podemos dizer que isso também acontece com aqueles que defendem as vidas que pulsam nas favelas e periferias desse país.

Todos os dias no Brasil, milhares de pessoas gritam e trabalham por justiça, seja porque seus filhos foram assassinados, suas casas invadidas, seus rios contaminados, suas terras devastadas, seus corpos violados. A situação se agrava e constatamos estarrecidas a violência do Estado direcionada a uma parcela da população, em sua maioria, historicamente sujeita à violência racial e de gênero.

Assistimos ao enraizamento de grupos milicianos que servem a um projeto de destruição do nosso país. Através de práticas de militarização da vida em nome de um lucro a qualquer custo, ameaçam a existência de quem insiste, nas florestas e favelas deste país, em uma vida que, apesar do colapso climático e da violência policial, guarda em seus territórios a sabedoria de quem sabe cuidar e viver coletivamente.

É estarrecedor verificar que o Brasil é o 4º país no qual mais morrem ativistas de direitos humanos por assassinato no mundo, atrás apenas da Colômbia, México e Filipinas. Esse número vem crescendo assustadoramente nos últimos anos, incentivado pela política de desmantelamento das ações de proteção e fiscalização promovidas intencionalmente pelo governo Bolsonaro. A situação é ainda mais dramática ao se considerar a série histórica produzida pela Organização das Nações Unidas (ONU): entre 2015 e 2019, foram 1.323 vítimas, das quais 174 no Brasil, o que nos eleva ao 2º lugar na lista de países mais perigosos para defensores dos direitos humanos.

Dom Phillips esteve na Maré. Visitando a Redes da Maré, se mostrou interessado em conhecer o trabalho que realizamos na região e em compreender nossos principais desafios para contribuir com a melhoria da qualidade de vida e garantia de direitos desta população. Esteve sempre muito sensível às nossas causas, sendo um aliado em publicizar muitas das violações de direitos que fazem parte do cotidiano dos moradores, em especial aquelas relacionadas às negligências e violências praticadas pelo estado.

Em maio de 2019, Dom publicou uma matéria no jornal The Guardian na qual denunciou abertamente a dinâmica criminosa da polícia militar durante as operações realizadas na Maré, que fazem uso de práticas de extermínio e colocam em risco a vida da população local, por meio de disparos de balas feitos de helicópteros contra as casas e ruas da favela. Em sua cobertura dos fatos, ele constatou que “o novo governador de extrema direita do Rio, Wilson Witzel, à época, prometeu um “massacre” de gângsteres armados usando helicópteros e atiradores – levando a comparações com a sangrenta guerra às drogas do presidente filipino Rodrigo Duterte. Agora, crescem os temores de que a mesma política esteja sendo implementada no Rio, alimentada por um recorde de 434 mortes em confrontos com a polícia nos primeiros três meses deste ano”. Assim fazia Dom, emprestava seu profissionalismo às lutas que mais precisam de apoio para alcançarem a justiça, seja na favela ou na floresta.

Ilustração de @CrisVector. Site da Revista Cariri.

Por isso, é fundamental nunca esquecer que uma sociedade verdadeiramente democrática precisa garantir às pessoas que defendem a ampliação da garantia de direitos que suas vozes sejam públicas, que sejam ouvidas e respeitadas, sem correrem o risco de terem suas vidas interrompidas ou violentadas, tornando-se vítimas da necropolítica que se fortalece despudoradamente em nosso país. Não podemos viver sob ameaças por denunciarmos a necessidade urgente de se construir outras formas de viver, seja no campo, na cidade ou na floresta.

A agenda de promoção do desenvolvimento econômico e social sustentável já está mais que estabelecida globalmente e urge como imperativo de proteção do planeta, dos povos originários, das novas gerações e de toda população mundial, sem a qual aprofundaremos as tragédias ambientais e as desigualdades sociais que já nos atravessam de forma mais intensa nos últimos anos. Bruno e Dom eram profissionais que colocaram seu trabalho a serviço de publicizar essas mazelas do Brasil. Eles foram assassinados por tentar mostrar a verdadeira usurpação da riqueza e da democracia deste país que vem caracterizando os tempos que vivemos.

Nós da Redes da Maré nos juntamos a Bruno e Dom e a milhares de vozes, nas cidades e nas florestas que lutam por seus direitos. A dor que nos atinge de modo coletivo não pode ficar impune. Essa brutalidade precisa de um ponto final. É inadmissível que, num país que se diz democrático, ativistas ambientais e defensores de direitos humanos corram o risco de vida por fazerem seu trabalho com coerência e engajamento.

Clamamos e chamamos atenção para o fato de que essas mortes e tantas outras não podem ser normalizadas. Não podemos aceitar que pessoas sejam ameaçadas e assassinadas por transformarem sua indignação em lutas concretas. Por lutarem por um mundo mais justo e denunciarem o absurdo e os abusos cometidos todos os dias por grupos paramilitares, milicianos ou, mesmo, pelo estado brasileiro. Essa necropolítica precisa acabar. Em que momento da história permitimos que o absurdo virasse regra? Que o ilegal se tornasse legal? Que a impunidade prevalecesse? Quando perdemos a nossa humanidade?

Tecedoras e tecedores da Redes da Maré.

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2022”.

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