Respira, Maré: localização entre vias expressas representa alerta para saúde respiratória

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Informações levantadas pela Campanha Climão apontam que percentual de mortes que podem estar associadas à poluição atmosférica é, proporcionalmente, maior na Maré do que no contexto mundial

Por Tamyres Matos*, em 28/10/2021 às 13h30

A Carta de Saneamento da Maré publicada pelo laboratório de dados data_labe – em parceria com a Redes da Maré e a Casa Fluminense – em setembro deste ano reforça o alerta: “a saúde respiratória dos moradores da Maré precisa de atenção”. De acordo com informações levantadas pela Campanha Climão** publicadas no início de 2021, o percentual de mortes que podem ter relação com a poluição atmosférica é mais elevado no conjunto de favelas do que quando se pensa no contexto mundial. No mundo inteiro, são 184 óbitos a cada 100 mil pessoas. Já na Maré, são 266 mortes a cada 100 mil habitantes.

“É um fato que a localização e as condições habitacionais da região da Maré, um corredor onde circulam muitos carros movidos a combustíveis fósseis, afetam a saúde respiratória das pessoas. Esses poluentes microscópicos alcançam a população destas comunidades e isso resulta em alterações, especialmente para aqueles que já são portadores de problemas de natureza respiratória, como asma, bronquite e outras alergias crônicas. Eles já têm alteração do sistema respiratório porque depuram menos os poluentes que chegam.”

Alexandre Pinto Cardoso, ex-diretor Geral Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Hospital do Fundão) e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

O boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em 2016 apontou que as doenças respiratórias crônicas (DRC) representavam à época cerca de 7% da mortalidade global, o que corresponde a 4,2 milhões de óbitos anuais. No Brasil, em 2011, estas doenças foram a terceira causa de morte no conjunto de doenças crônicas não transmissíveis. Tais enfermidades podem resultar em limitações físicas, emocionais e intelectuais.

Moradora da Nova Holanda desde que nasceu, Gabriella Silvestre Pereira, de 30 anos, lida há algum tempo com a alergia dos filhos Luiz Felipe e Enzo Gabriel. Ela explica que os dois apresentam quadro de resfriados constantes e congestão nasal desde muito pequenos, inclusive precisando de internação. A auxiliar de almoxarifado conta que descobriu o problema quando tinha plano de saúde, mas a continuidade do tratamento ocorreu pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Gabriella Silvestre Pereira, moradora da Nova Holanda, Maré posa com os filhos. Foto Matheus Affonso

“Cada um faz o tratamento em um hospital diferente, ambos foram encaminhados pela Clínica da Família. Um deles é tratado no Hospital do Fundão e o outro no Hospital dos Servidores, onde eu pego a vacina deles. Aqui na Maré é comum gente com esses problemas de saúde, é normal ter muita poeira dentro de casa. Tem minha sogra, meus cunhados, a avó do meu marido… não sei se é alguma predisposição genética, mas a maioria dos familiares do meu marido e meu marido também tem alergia.”  

Gabriella Silvestre Pereira, moradora da Nova Holanda, Maré

No olho do furacão 

Mas por que a situação é diferente na Maré em comparação, por exemplo, com o bairro do Jardim Botânico? As desigualdades passam por diversos fatores, como a condição das casas e a arborização da região, mas o fato de a Maré ser cortada pela Avenida Brasil, pela Linha Vermelha e pela Linha Amarela é marcante para as consequências. O contato com as fontes de emissão de poluentes é diverso, desde os gases emitidos pelos automóveis – como citado pelo professor da faculdade de Medicina da UFRJ Alexandre Cardoso, até a quantidade de fábricas, indústrias e a queima de lixo.

“A concentração de poluição do ar naquela região aumenta muito quando o vento sopra pra terra e fica marcado o acúmulo de poeira nos parapeitos das janelas das casas. Essas partículas ficam depositadas na janela porque são muito grandes, mas as microscópicas penetram nas vias respiratórias das pessoas e podem criar problemas”, detalha Alexandre. 

De acordo com a publicação da Campanha Climão no site da Redes da Maré, o ar que respiramos contém grande quantidade de gases e pequenas partículas líquidas e sólidas que impactam fortemente o meio ambiente e causam riscos à saúde. Durante o percurso, os veículos automotores liberam dióxido de enxofre (SO2), um composto químico altamente tóxico e cuja inalação pode causar forte irritação.

Essa poluição atmosférica atinge os pulmões e pode causar mortes precocemente. Uma das parcelas da população mais afetadas pelo problema é composta pelos pequenos mareenses. Segundo dados da Redes Maré, em 2018, houve 30 óbitos de crianças de até 5 anos por doenças respiratórias. O excesso de calor e a dificuldade da circulação do ar têm relação direta com os avanços do aquecimento global e representam uma situação de difícil controle por parte dos moradores da Maré.

“O reflexo do descaso comum nesse país é quando não se pensa na qualidade de vida das pessoas que residem ao redor de grandes estradas, quando não há algum tipo de planejamento por parte dos representantes do poder público. Ao se construir vias como essas, é primordial medir as consequências para esse entorno. Em outros países, é comum que se plantem árvores, por exemplo, para segurar esses efluentes, para que eles não cheguem às comunidades.”

Alexandre Cardoso, professor da faculdade de Medicina da UFRJ

De acordo com o especialista, apesar do difícil controle, há alguns caminhos que podem ser pensados para minimizar as consequências da poluição atmosférica: para moradores de casas com ar condicionado, trocar o filtro com uma frequência maior do que a recomendada; se for possível, vedar o cômodo para que as partículas não penetrem nas casas com as janelas fechadas; o uso de máscaras – característica importante dos cuidados com a pandemia de covid-19 – também pode ajudar a reduzir os efeitos da poluição.

A médio e longo prazo, Alexandre ressalta a importância de se diminuir circulação dos carros, investir em energias mais limpas, além da compensação em forma de políticas públicas para os problemas que não podem ser revertidos rapidamente.

Conscientização ambiental é o caminho

Na Maré, além do Parque Ecológico da Vila dos Pinheiros e a Vila Olímpica, poucos locais têm árvores. Andando pelas ruas, é possível perceber algumas iniciativas de moradores que buscam pelo menos cultivar plantas ou criar os seus próprios canteiros como alternativas. A arborização é essencial para melhorias na qualidade de vida, pois representa mais equilíbrio no meio ambiente e uma melhor qualificação na condição do ar.

Por exemplo, quem desce do ônibus na entrada da Vila do João, na Linha Amarela, logo percebe uma muda de Pau-Ferro. A proposta é da Escola Municipal Professor Josué de Castro, que havia começado a deixar as áreas internas do colégio mais verdes e agora parte para o entorno. Outros pontos que receberam esse tipo de ação foram a ciclovia próximo ao Conjunto Pinheiro e ao ponto de ônibus da Avenida Brasil, na Vila do João. 

As mudas começaram a ser plantadas fora da escola no dia 22 de abril, em comemoração ao Dia Internacional do Planeta Terra, após doação do coletivo Olaria Verde e dos pais. “É uma prática da escola que estamos levando para a comunidade. Um exemplo é nosso cantinho de pingue-pongue que terá coqueiro no entorno. Além de plantar, os alunos estão produzindo placas com mensagens de conscientização para o cuidado da natureza”, conta Christiane Lagarto Fontoura, diretora da Escola Municipal Professor Josué de Castro. De acordo com os idealizadores do projeto, o próximo passo será o plantio de mudas próximo ao valão entre a Vila do João e o Conjunto Esperança.

O Parque Ecológico é  uma grande área florestal onde se conservam diversas espécies de plantas e, como consequência, tem-se um ar mais fresco naquela região mareense. Mas, apesar da sua importância, o lugar tem sido degradado e conta apenas com a preservação vinda de moradores e garis comunitários. Como resultado das pesquisas ambientais da Campanha Climão, conclui-se que é importante mobilizar as entidades locais e a vizinhança para pensar a revitalização do espaço e multiplicar o local com mais verde.

*Contribuiu para a pesquisa desta reportagem a estudante Sthefani Maia, vinculada ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

**A Campanha Climão é uma das frentes do projeto Maré Verde, da Redes da Maré. A iniciativa selecionou colaboradores do conjunto de favelas pela Chamada Pública A Maré que Queremos e realiza pesquisas sobre o impacto das mudanças climáticas na Maré

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