Ronda Coronavírus 04/06 – Peregrinação por atendimento médico

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Boletim “De Olho no Corona!” aponta pelo menos 631 casos de coronavírus na Maré, o dobro dos oficiais

Chegamos ao terceiro mês de pandemia no Brasil, que já ultrapassa 550 mil casos confirmados. Na Maré, que já lidera o ranking em número de contaminados nas favelas do Rio, a edição 5 do Boletim “De Olho no Corona!”, da Redes da Maré, aponta 631 casos entre os confirmados por testes ou sintomas. O dado, que é de 1 de junho é bem distante do informado pelo Painel Rio Covid-19 no dia 03 de junho, de 230 casos. A enorme subnotificação de casos, porém, não é a única e nem a maior questão da pandemia na Maré: os moradores que têm sintomas tem lidado com muitas dificuldades de conseguir atendimento virou uma verdadeira peregrinação. 

Peregrinação das unidades de saúde

Entre os dias 25 de maio e 1 de junho, os casos confirmados de coronavírus na Maré aumentaram mais de 50%, de acordo com os dados coletados pela equipe do “De Olho no Corona”. Na mesma proporção que aumentam os casos subnotificados, aumentam as dificuldades para receber o tratamento ideal. Dos 631 casos, pelo menos 420 pessoas tiveram sintomas da Covid-19 e não conseguiram realizar nenhum tipo de exame. Isso representa quase 70% do total identificado. 

Desde o início da pandemia, a recomendação do Ministério da Saúde e de algumas autoridades médicas do país é de não procurar unidades de saúde ao apresentar sintomas leves de Covid-19. A orientação nesses casos é o isolamento social domiciliar por 14 dias. A justificativa é que se as pessoas que tivessem sintomas leves também procurassem unidades de saúde, o sistema seria ainda mais sobrecarregado.

Segundo o documento mais recente que determina protocolos de atendimento para os casos do novo coronavírus, publicado no dia 12 de maio, pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, casos leves devem ser monitorados pela Unidades Básicas de Saúde à distância a cada 48 horas até 14 dias após o início dos sintomas. Os casos graves devem ser avaliados na Atenção Primária e, de acordo com o quadro clínico, devem ser encaminhados para hospitais ou Unidades de Pronto Atendimento. Não é essa a realidade dos atendimentos na Maré.

Ana Paula, moradora da Nova Holanda, na Maré, foi a três hospitais para que tivesse atendimento médico para o coronavírus

Muitos desses pacientes acabam retornando às unidades de saúde, como aconteceu com a Ana Paula. Depois de passar pela Clínica da Família e uma clínica particular, onde fez os exames e diagnosticou o coronavírus, a moradora foi parar no terceiro hospital, já que os sintomas não melhoraram: “Fui ao Hospital Municipal  Evandro Freire e demorei muito para ser atendida. Quando recebi atendimento médico, disseram que de fato eu precisaria de internação, mas não tinham vaga. O médico disse que eu tinha a opção de esperar em uma cadeira no corredor ou fazer o tratamento em casa. Fui para casa, gastei mais de 300 reais com remédio.” 

Falta de medicamentos

Além da exposição ao vírus nesse processo de peregrinação em busca de atendimento, outra consequência da falta de um atendimento inicial são os custos. A falta de medicamentos, e a indicação de medicamentos com alto custo, também foram questões apontadas por moradores acompanhados pela equipe da Redes da Maré. Além disso, temos recebido relatos de pessoas que tem se automedicado. O gerente de uma farmácia da Vila do João informou ao Maré de Notícias que nunca houve tanta procura por remédios como a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina em um espaço tão curto de tempo. Lembramos que a eficiência desses medicamentos no tratamento do vírus ainda é questionada. 

Sucateamento da Saúde

O agravamento dos sintomas e em alguns casos o óbito, também é consequência da falta de investimento na saúde pública. Apesar da pandemia ter pego o mundo de surpresa e poucos locais estarem preparados para a demanda que surgiu com a contaminação em massa, a cidade do Rio de Janeiro vem sofrendo com a precarização da saúde não é de hoje. Ao longo de 2019, as equipes das Clínicas da Família tiveram muitos atrasos salariais, além de demissões e faltas de insumos básicos para o funcionamento adequado. Em janeiro de 2020, a Prefeitura assinou a rescisão do contrato com a Organização Social (OS) Viva Rio, que ficava responsável por 78 unidades de saúde no município do Rio, entre eles, sete na Maré, culminando na demissão de funcionários de diversas áreas.

Segundo o levantamento do boletim, 56 pessoas relataram não ter conseguido acessar nenhuma unidade de saúde e 10 delas foram em mais de uma unidade e voltaram para casa sem nenhuma orientação. Neste momento de pandemia persistem os relatos de deficiência no acompanhamento dos casos que estão em isolamento domiciliar, falta de medicamentos, lotação na UPA e extrema dificuldade no encaminhamento dos casos graves, hospitais superlotados, falta de testagem e poucos leitos disponíveis para internação.

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