Silêncio, violações e medo

Data:

Jéssica Pires

A semana começou com o cotidiano dos moradores sendo interrompido por policiais do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar (COE) – Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e Batalhão de Choque, às 5h30 da manhã desta segunda-feira (10/06). Uma operação policial que foi marcada por intensos confrontos armados quando as forças policiais chegaram nas favelas Parque União, Nova Holanda, Parque Maré e Rubens Vaz, na Maré. Mas também marcada por ações silenciosas de policiais que circulavam a pé.

Durante todo o dia, confrontos armados espaçados, e uma série de violações de direitos foram identificados.

Segundo a equipe do Maré de Direitos (projeto da Redes da Maré que atua na assistência sociojurídica nas violações de direitos durante as operações policiais na Maré), foram relatados casos de invasão de domicílios seguidos da apreensão de aparelhos celulares. Segundo os moradores atendidos pela equipe, não foi apresentado mandado para essas ações. Em todos os relatos foram identificadas violências físicas e psicológicas: “Você sabe que a gente não leva ninguém preso. Se tiver que tirar a gente tira em um lençol”, foi uma das frases ouvidas por moradores ditas pelos policiais.

Numa outra casa, uma senhora e uma jovem grávida, pediram acolhimento na sede da Redes da Maré, depois de terem sua casa invadida e celulares vasculhados, com informações apagadas pelos policiais. A jovem grávida passou mal e foi levada para atendimento de emergência.

Entre os relatos recebidos, dois casos de assédio. Policiais submeteram duas jovens a ficarem de roupas íntimas para serem revistadas. É válido destacar que pela lei, a abordagem policial a mulheres pode ser realizada apenas por mulheres.

Uma casa, que supostamente seria utilizada por membros de um grupo armado, foi incendiada na região conhecida como Tijolinho, na Nova Holanda. A região do “Tijolinho” é fruto de um processo coletivo de moradores que organizou de forma orgânica a construção de pequenos prédios e casas, muito próxima umas às outras. Esta região apresenta precariedade em sua estrutura física e saneamento básico, onde vem sendo identificado elevado número de violações de direitos. Por volta das 7h moradores desta localidade procuraram a Redes da Maré informando sobre o incêndio que aconteceu no primeiro andar de um prédio de quatro andares. Outras três famílias que moram no mesmo prédio, acordaram com o calor e a fumaça. Uma das moradoras do prédio relatou que teve que sair às pressas com seu filho de casa: “Fiquei com medo do fogo lamber o prédio todo”. Os moradores relataram, ainda, que o incêndio causou danos estruturais ao imóvel. O corpo de bombeiros foi acionado, mas quando chegou o incêndio já havia sido controlado pelos moradores. Comerciantes da região também denunciaram a invasão de estabelecimentos comerciais e a quebra de equipamentos. Um morador relatou ainda que uma bomba caseira foi lançada para dentro da Escola Municipal Osmar Paiva Camelo.

As escolas da Maré nestas 4 favelas ficaram fechadas hoje. As clínicas da família Adib Jatene, Jeremias Moraes da Silva e Diniz Batista também tiveram atendimento suspenso devido a operação. A assessoria de imprensa da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro não retornou nosso contato sobre a operação policial até o momento de fechamento desta matéria. Até 19h40 a operação não havia terminado, moradores relatavam a presença de policiais nas favelas.

Até o momento, são mais de doze horas de operação, com inúmeros relatos de violências e violações de direitos. Este tipo de operação policial além de paralisar a vida cotidiana da Maré e desrespeitar direitos não possui eficácia no combate ao crime organizado.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Uma bicicleta que leva livros e promove inclusão social

A bicicleta faria parte do espaço de leitura da escola, mas quando os alunos demonstraram interesse em usar o equipamento, os educadores viram uma oportunidade de incluir também nas aulas de educação física

Além do autismo: a vida vibrante de Daniel

Daniel que é camelô e percorre o território vendendo vários itens é a prova viva de que o autismo vai muito além do diagnóstico.

Núcleo Piratininga de Comunicação forma há 20 anos comunicadores com o olhar para a favela

O NPC tem como defesa os direitos humanos e a busca por uma sociedade mais justa. O seu desafio é a produção e a disseminação de conteúdo que desafia as narrativas convencionais.