O reconhecimento de Maia à efetividade da política de cotas foi sinal relevante e alentador
Por: Flávia Oliveira – Ao Jornal O Globo
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A semana absolutamente caótica na política e na economia eclipsou um capítulo relevante da política de ações afirmativas no Brasil. Num intervalo da queda de braço que travou com Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu parlamentares e representantes do movimento negro para ouvir sobre os impactos das reformas na população afro-brasileira. O ponto central do encontro foi o projeto de lei da deputada Dayane Pimentel (PSL-BA) para revogar a Lei 12.711, conhecida como Lei das Cotas. Promulgada em 2012, a legislação instituiu nas universidades públicas federais a reserva de 50% das vagas para estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas; metade deve ser destinada a pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
Representantes de Uneafro Brasil, Movimento Negro Unificado, Geledés, Unegro, Ceert, Marcha de Mulheres Negras e Educafro, entre outras entidades, receberam na reunião a garantia de que a revogação da lei não será examinada. “No passado, sempre defendi as cotas pelos cortes socioeconômicos, mas foi vitoriosa no Brasil nos últimos anos a cota racial, que deu resultados positivos. E eu não acho que é a hora de a gente fazer uma inversão nesse encaminhamento”, disse o presidente da Câmara. Também participaram as deputadas Benedita da Silva (PT-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Áurea Carolina (PSOL-MG) e o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
O reconhecimento de Rodrigo Maia à efetividade da política de cotas foi sinal tão relevante quanto alentador. Foi o DEM, partido do deputado, que arguiu a constitucionalidade do sistema no Supremo Tribunal Federal, em 2009. Três anos depois, os ministros validaram a reserva de vagas por dez votos a zero. Mais tarde, aprovaram o sistema também nos concursos para servidores civis e militares.
No Brasil, 55% dos habitantes se autodeclaram pretos ou pardos. O grupo é também maioria nos indicadores socioeconômicos precários (desemprego, analfabetismo, baixa renda, informalidade, escassez de serviços básicos), mas quase invisível nos espaços de poder. Nos três primeiros anos da lei federal de cotas, 150 mil estudantes negros ingressaram em universidades públicas, segundo a antiga Secretaria de Políticas de Igualdade Racial. No último censo do ensino superior (2016) do Ministério da Educação, mais de 2,4 milhões de negros e indígenas estavam matriculados, 30% dos universitários. Em dois anos, a proporção aumentou oito pontos percentuais. Os critérios de reserva de vagas certamente contribuíram para o resultado.
“A política de cotas raciais é uma conquista que não permitiremos perder. É responsabilidade não só do movimento negro, mas de toda a sociedade, defender umas das políticas mais efetivas e eficazes, no sentido de diminuir desigualdades sociais, que o pais já experimentou”, disse o historiador Douglas Belchior, representante do Uneafro na reunião.
O Rio de Janeiro foi pioneiro no sistema de cotas raciais, implementado no vestibular 2003 da Uerj e da Universidade do Norte Fluminense (Uenf). Em 2008, entrou em vigor a lei que instituiu 20% das vagas para alunos da rede pública, 20% para negros ou indígenas, 5% para pessoas com deficiência e filhos de policiais, bombeiros ou inspetores de segurança mortos ou incapacitados. No ano passado, o então governador Luiz Fernando Pezão encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei recomendando a renovação.
A proposta tomou por base uma avaliação da Procuradoria Geral do Estado (PGE). O documento mostrou que a proporção de estudantes negros na Uerj saiu de 7% em 2007 para 13% em 2016; na Uenf, estabilizou-se em 21%; na Universidade da Zona Oeste (Uezo), 33%. O coeficiente de rendimento dos cotistas (nota 7) se assemelha ao dos não cotistas; nos cursos de Matemática e Física são 20% maiores. A evasão é menor entre os cotistas: 26% tinham desistido até metade do curso, contra 37% dos que entraram por livre concorrência.
A PGE recomendou a prorrogação da lei por mais dez anos por considerar que, no Rio, o sistema de cotas “tem se mostrado bem-sucedido na alteração das profundas distorções históricas na distribuição de oportunidades no quadro econômico, social e político brasileiro”. A lei foi aprovada na Alerj e sancionada pelo governador em setembro passado. As cotas seguem.