Sonho de cervejeiro

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Na Maré, cerveja artesanal está ligada à alimentação saudável

Jorge Melo

“Vamos tomar uma cerveja?” Quantas vezes essa frase é repetida diariamente?

A cerveja, sem dúvida, é parte da nossa cultura. Uma gelada é o complemento perfeito para muitos momentos: o papo sem compromisso, a resenha depois da pelada, comemorar uma conquista; o churrasco do fim de semana, a praia no verão, ou mesmo, aliviar uma dor de cotovelo.

Cerveja no Brasil é coisa séria.  Somos o terceiro maior produtor do mundo, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.  No entanto, o povo que mais consome cerveja é o tcheco. A média na República Tcheca é de 140 litros per capita por ano. O brasileiro é apenas o décimo sétimo da lista. No Brasil, os números impressionam: 14 bilhões de litros/ano; mais de dois milhões e setecentos mil empregos, diretos e indiretos, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja.  Esses são os números das cervejas produzidas industrialmente. No Brasil, a mais vendida é a Skol, que também é a quinta mais consumida do mundo.

Nos últimos tempos, no entanto, surgiu uma novidade nesse “território de gigantes”: a cerveja artesanal, uma moda ou tendência, como preferem alguns, está estimulando paladares e mercados. Na realidade não é tão novidade assim, já que nos primórdios da cerveja a produção era totalmente artesanal. Produzidas em pequenas quantidades, as cervejas artesanais permitem maior controle da qualidade e a seleção mais apurada dos ingredientes, o que não é possível na produção industrial. Além de permitir muitas experiências e misturas diferentes, que vão da pimenta ao chocolate.

O processo aparentemente é simples, mas cheio de detalhes que exigem um extremo cuidado. Definida uma receita, vem a moagem do malte. Depois é realizada a brassagem, que é o cozimento dos grãos de malte de cevada para a produção do mosto.  Depois, a fermentação, que dura em média dez dias – o que no processo de produção das cervejas artesanais é natural, e não ocorre na indústria, em que a fermentação é acelerada. Mas os grandes diferenciais são o aroma e o paladar, alcançados com combinações criativas e acompanhamento cuidadoso de todas as fases. Cada uma das fases tem os seus mistérios.  Se você se interessou, a maioria dos cervejeiros amadores e até alguns profissionais gostam de dar dicas e a internet está repleta de informações. E só pesquisar.

Cerveja artesanal na Maré

Seguindo a tendência, a Maré também tem a sua cerveja artesanal, chamada Caetés. Foi desenvolvida pelo Coletivo Roça Rio, que trabalha com produtos agroecológicos de pequenos produtores do Estado do Rio de Janeiro, vende produtos orgânicos, além de abrir o seu espaço, no Morro do Timbau, para atividades culturais e comunitárias. O nome Caetés é uma homenagem à rua onde está instalada a lojinha do Coletivo.

A cerveja Caetés foi criada pela brasileira Geandra Nobre e pelo alemão Timo Bartholl. Ele se apressa em dizer que o fato de ser alemão não tem nenhuma relação com a criação da cerveja, pois “na Alemanha nem consumia muito e nem imaginava que um dia iria produzir uma cerveja”.  A produção é pequena, são 240 litros por mês de Caetés que, embora tenha uma receita básica, está sempre mudando, “é sempre uma cerveja nova”, diz Geandra. Dois bares, no centro do Rio de Janeiro, já vendem a Caetés, que também, dependendo da quantidade e do bairro, pode ser entregue em domicílio.

Geandra e Timo são moradores da Maré e adeptos dos conceitos de autogestão, economia coletiva e comércio justo. Segundo Geandra, a ideia da cerveja surgiu num Encontro de Economias Comunitárias, a partir de um curso gratuito, dado pelo cervejeiro André Nader, um dos mais conhecidos cervejeiros do mercado artesanal. Do curso participaram pessoas das favelas da Babilônia, Acari, Alemão e Morro dos Macacos. Timo diz que “produzir a própria cerveja artesanal tem tudo a ver com a nossa proposta de produtos mais naturais, mais saudáveis, mais próximos de quem consome, com mais qualidade; o principal objetivo da produção da Caetés é mostrar que um produto de qualidade, no caso a cerveja artesanal, sem transgênicos, pode ser vendido a um preço que qualquer cidadão pode pagar.

Não existem ainda dados precisos sobre a participação das artesanais no mercado das cervejas, mas os produtores acreditam que deve estar em torno de 1%. No entanto, novos fabricantes artesanais surgem todos os dias, quase como uma febre. Segundo dados da ABRACERVA – Associação Brasileira de Cervejas Artesanais, o Brasil pode chegar ao fim de 2018 com, pelo menos, mil fábricas.  A produção, por enquanto, está concentrada nas regiões Sul e Sudeste.

A união dos produtores artesanais

Em setembro de 2O17 foi criada, com 50 sócios-fundadores, a Associação das Microcervejarias Artesanais do Rio de Janeiro. De acordo com a nova entidade, existem aproximadamente 170 produtores artesanais na cidade, entre fábricas e “cervejarias ciganas”, aquelas que produzem em plantas de terceiros.  A primeira meta da Associação, que ainda está se organizando, é realizar um levantamento para saber exatamente quantas são as cervejarias artesanais e a situação delas no Rio de Janeiro.

O Complexo do Alemão foi a primeira favela a ter a sua própria cerveja artesanal.  Animado pela presença de turistas, atraídos pelo projeto das UPP – Unidades de Polícia Pacificadora e pela inauguração de um teleférico, Marcelo Ramos investiu num bistrô, o Estação R&R e na produção da cerveja artesanal. O projeto das UPPs fracassou e o teleférico vive parado, mas a Cerveja do Complexo do Alemão continua fazendo sucesso e atraindo admiradores de todas as regiões da cidade.

Um pouco de História

A cerveja chegou ao Brasil no distante ano de 1637, com a Invasão Holandesa em Pernambuco. Você se lembra daquela aula de História?  Pernambuco, na época, era o maior produtor de açúcar do mundo. Com Maurício de Nassau, um aristocrata culto e moderno para os padrões do século XVII e encarregado de administrar a conquista, veio um cervejeiro, que montou uma pequena fábrica em Recife. Mas pouco se sabe sobre a produção e a qualidade da cerveja.

Por volta de 1830, com os alemães, as coisas começaram a tomar forma. Os imigrantes fabricavam para o próprio consumo e essa era uma tarefa das mulheres. As primeiras fábricas surgiram no Rio de Janeiro, São Paulo e Sul do País, na segunda metade do século XIX.  Daí em diante a cerveja, sempre gelada, ganhou o coração dos brasileiros, até chegar às megafábricas e voltar ao princípio com o sucesso das cervejas artesanais. Quem pretende ir além do simples consumo pode consultar vários livros, a literatura é vasta. Sugerimos dois, “Os primórdios da Cerveja”, de Sérgio de Paula Santos, curtinho e bem informativo. Quem for mais exigente, pode comprar “Larrouse da cerveja”, de Ronaldo Morado, mas o preço é de vinho francês, um pouco caro. Mas lembre-se de beber com moderação. E nunca dirija após ter bebido cerveja, seja artesanal ou não, ou qualquer outra bebida alcoólica. A Lei Seca, que tem tolerância zero no nível do teor alcoólico, também está bem cara.

ONDE ENCONTRAR

Roça Rio

A Roça Rio fica na Rua dos Caetés, 82. Morro do Timbau – segundas, quintas e sextas, a partir das 16 horas. – [email protected]

Associação das Microcervejarias Artesanais do Rio de Janeiro: www.abracerva.com.br

Estação R&R

www.bistroestacaorr.com.br

Travessa Jalisco, 32. Ramos – quartas e quintas, das 18h à meia-noite; sextas e sábados, das 18h às 2h.

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