Talento que ultrapassa fronteiras

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Jovens da Maré, formados na ELDM, ganham o mundo com sua arte e técnica apurada

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Hélio Euclides

No Maré de Notícias, Edição 68, de agosto de 2016, um dos textos mostrava dois dançarinos formados pelo Núcleo 2 de Formação Intensiva e Continuada, da Escola Livre de Dança da Maré, criada e dirigida por Lia Rodrigues Companhia de Danças, em parceria com a Redes da Maré: Rafael Galdino, morador do Parque União, e Gustavo Glauber, cria da Nova Holanda. Eles integraram, por três anos, a turma do Programa Training Cycle da Escola PARTS (Estúdios de Investigação e Formação em Artes Performativas) da Bélgica. Agora, os jovens estão prestes a se formar em uma das mais renomadas escolas da Europa e do mundo. A vez agora é de Luyd Carvalho, e Marllon Araújo, ambos da Nova Holanda, que estão fazendo as malas para passarem o próximo triênio como alunos dessa escola de dança contemporânea.

Luyd e Marllon fizeram audições para a PARTS há três anos, mas acertaram na trave. Isso não abalou o trabalho. Ao contrário. Enche-os de garra e motivação. Assim, dedicaram-se ainda mais, estudaram ainda mais e, este ano, realizaram o sonho de ficarem entre os 45 escolhidos de um total de 1.196 inscritos – gente de todos os cantos do planeta que sonha o mesmo sonho dos meninos da Maré. “A ida deles mostra um resultado de muito esforço para alcançar o que buscamos:  profissionalização e continuidade. Essas aprovações vêm dar legitimidade e reforça todo o nosso trabalho. Isso renova a esperança de que é possível viver da dança e que nunca devemos desistir”, exalta Gabriel Lima, coordenador da Escola de Dança da Maré. Os dois jovens atualmente fazem licenciatura em dança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Coração de estudante – e de bailarino – da favela

Luyd de Souza começou na dança aos 14 anos, com o hip hop no Centro de Artes da Maré. Depois, passou pela dança urbana e, em 2014, deu os primeiros passos na dança contemporânea, integrando o Núcleo 2. “A Escola de Dança da Maré tem uma formação muito boa, dá de 10 a 0 em muitas. Ela me deu muito material para compor o que sou, foi uma vivência”, destaca. Ludy já participou de turnê internacional, mas agora é diferente, será uma estada. “É uma escola com professores e coreógrafos renomados. Vou de coração aberto para receber essa formação”.

Marllon Araújo iniciou sua vida artística cedo, aos 8 anos, dançando em festas. Em 2011, ingressou na Escola de Dança da Maré, com a prática da dança contemporânea. “É como se fosse minha segunda casa. A partir daí, conheci outros espaços, com um relacionamento com o mundo, realizando vários intercâmbios, com seis viagens pela Europa”, lembra.

A futura temporada em Bruxelas faz o jovem pensar no futuro. “Agora quero saltar alto para chegar lá. O diferencial é que vou estudar dança sem medo dos tiros e do caveirão. A dança me deu experiências, mas não me mudou, sou o mesmo favelado, que pretende voltar para essa favela”, conclui.

Ludy e Marllon viajam no dia no dia 4 de julho, inicialmente para aulas de reforço em inglês. Só depois disso é que começará a formação em dança. O único problema é o dinheiro – Ah! Esse vil metal… Os alunos precisam de recursos para arcarem com as despesas. Eles vão tentar ser contemplados com a bolsa, que vai ajudá-los na inscrição do curso que é de 4,5 mil euros, e a temporada de formação é de 12 mil euros. Os gastos cotidianos referentes a um ano em Bruxelas ficam em cerca de 18 mil euros…

Para realizar seu sonho, Ludy, Marllon, suas famílias e amigos estão realizando inúmeras atividades para arrecadar dinheiro. Todos podem ajudar aos meninos da Maré (essas duas forças da natureza do território!). Para auxiliá-los, basta contribuir com qualquer quantia a partir de R$ 25, por meio da página: http://www.vakinha.com.br/vaquinha/557236. Contribua! Você não vai se arrepender de apostar nesses talentos!


ELDM: muito mais que uma escola de dança

Um espaço de arte, educação, dança, formação e cidadania

Em agosto de 2008, o Centro de Artes da Maré passou por reformas e adaptações para as atividades de criação da Lia Rodrigues Companhia de Dança. Uma parceria da Redes da Maré com a Companhia, que proporcionaria oficinas de dança e expressão corporal abertas à comunidade e a outras atividades. Essa junção já dura oito anos, desde outubro de 2011, com o objetivo de democratizar o acesso dos moradores à arte e à dança, articulando ações de educação e profissionalização, formação de plateia e práticas socioeducativas.

A escola funciona com um núcleo de oficinas abertas ao público e o Núcleo 2, dedicado à formação de 20 jovens. “Ela cria possibilidades, não pensamos num único perfil; se o aluno se tornar biólogo e o que aprendeu servir para sua carreira, já valeu. Queremos formar pessoas por meio da dança. No Núcleo 2 não se aprende só dança, tem aula de inglês e música. Há também palestras sobre temas que envolvam o território. Isso não acontece em outros locais de dança”, conta Gabriel Lima, coordenador da Escola de Dança da Maré.

Atualmente, a escola tem cerca de 300 alunos em sete diferentes oficinas. Depois dessa trajetória, outros parceiros agregaram à escola, como Hermès, fundação francesa e Price Claus, holandesa. De acordo com Gabriel Lima, o foco não é apenas a dança, mas o território. “Nós sobrevivemos e existimos, mas quem atira de helicóptero não sabe disso. Estar aqui é um desafio, e não dá só para falar de dança, enquanto as pessoas se abrigam em banheiros para se proteger de tiros”, relata.

Para Isabella Porto, coordenadora do eixo arte cultura da Redes da Maré, o trabalho de formação soma com a de ser dançarino. “Este ano, a ênfase do trabalho é uma reflexão sobre os eixos da Redes da Maré. Partimos para uma formação cidadã, algo além da dança. Esse é um projeto já consolidado, com uma trajetória de conquistas”, destaca. Ela acredita que um fato importante é a proximidade com a Lia Rodrigues, que inspira e motiva os bailarinos. Detalhe importante: este ano a Lia Rodrigues Companhia de Danças completa 29 anos de trabalho – uma trajetória dedicada à dança e à Maré.

“A primeira vez que eu pisei no Centro de Artes da Maré foi quando eles inauguraram o espaço em 2009; até então o Galpão era apenas tomado por um único palco. Eu cresci naquele lugar. Eu tinha apenas 13 anos de idade, quando uma amiga me convidou para fazer aulas avulsas de dança contemporânea, que até então eu não fazia ideia do que fosse. Vi pessoas indo e vindo, construções e mais construções para que, então, se tornasse a Escola livre de Dança da Maré. Tive contato com pessoas incríveis. Coreógrafos e espetáculos renomados. Foi lá que conheci grande parte dos meus amigos, que com o passar dos anos, se tornariam a minha família. Basicamente foi a minha segunda casa!” (Gustavo Glauber, bailarino, ex-aluno da Escola de Dança da Maré, prestes a se formar na Escola PARTS, na Bélgica).

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