Por: Angélica Ferrarez de Almeida
(NUMIM)
Este ano de 2018 estamos diante de um duplo desafio, refletir sobre a sociedade e a democracia no país, já que vivemos os chamados dos “130 anos do pós Abolição” e no próximo ano viveremos os “130 anos de Proclamação da República”.
Ainda hoje, a memória do cativeiro e toda a sua estrutura colonial, racista e escravocrata estão presentes no projeto de Brasil, que foi pensado pós Abolição da escravidão. Seja nas relações sociais, na arquitetura, na economia, nas entranhas do racismo, nas narrativas das gerações de descendentes de libertos e seus sucessores. Seja na constituição de caminhos para compreendermos as experiências das comunidades remanescentes de quilombo, na cultura urbana da cidade, no processo de favelização, na criminalização da cor negra, na construção de nosso complexo político ou num projeto de República frágil que só favoreceu aos grupos poderosos.
Entretanto, o pós Abolição ganha, principalmente nestes 130 anos pós 1888, um novo óculos hermenêutico, a fim de descolonizar o olhar, desconstruir certos mitos. O primeiro deles, o de que a lei Áurea foi uma bondade da princesa imperial – na verdade, a escravidão não servia mais aos interesses de grupos poderosos, havia virado um “peso econômico” – ; o segundo, mais recente: o da democracia racial onde “todos seriam iguais” independentemente da cor da pele, mas que não se sustenta diante de qualquer dado que mostre as respeito de como vivem os descendentes dos negros e negras na sociedade brasileira. É um momento único quando a gente se pergunta: “pós Abolição para quem? ”.
É preciso refletir sobre a complexidade das relações raciais no contemporâneo e cada vez mais as sobre as relações de gênero na sociedade brasileira. Quando a gente se pergunta quem ocupa os espaços de poder na sociedade, vem outra interrogação, onde estão os descendentes do pós Abolição?
Estamos vivenciando, a partir da organização do povo negro, um movimento de ampliação dos estudos que consideram trajetórias e formas de associações da população negra, no período do chamado Pós-Abolição. Movimento que cresce, seja na cidade ou no campo, como caminho para a compreensão das estratégias assumidas diante da exclusão social, que tomou corpo com a estrutura do racismo, após o fim do sistema socioeconômico escravista.
Considerar que a sociedade brasileira do Pós-abolição resolveu todas as mazelas, injustiças e o racismo provocados pelos mais 300 anos de escravidão, é um posicionamento que cega e impede o aprofundamento e a compreensão de diferentes aspectos políticos e sociais aí implicados.
Ao mesmo tempo, é preciso considerar toda a luta da comunidade negra por se fazer presente a partir de um novo lugar de fala. É preciso ainda lutar pelo reconhecimento de que a cidadania plena implica direitos iguais para todas as pessoas e que a cor da pele não pode ser, jamais, critério para o não reconhecimento desses direitos. Enxergar a importância histórica, sociocultural e econômica do povo negro para o Brasil é fundamental para consolidarmos nossa democracia, 130 anos depois da Abolição.