Trabalhador sim, mas em situação de rua

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Com aumento da quantidade de pessoas nas ruas, até mesmo uma parcela dos profissionais que entregam comida em serviços de aplicativos não tem o que comer

Maré de Notícias #127 – agosto de 2021

Por Amanda Pinheiro e Edu Carvalho

Associado às altas taxas de desemprego (recorde de 14,7% no 1º trimestre de 2021), o crescimento da população em situação de rua é uma das consequências da maior crise sanitária dos últimos cem anos, e tem provocado também um aumento na procura por ajuda de quem, antes da pandemia, conseguia sobreviver com o seu trabalho.

Integrantes do Projeto Ruas, que presta assistência à população em situação de rua no Rio de Janeiro, afirmam ter percebido uma mudança de perfil dos que estão sendo acolhidos através dos encontros.

“Recebemos muitas pessoas que antes da pandemia não estavam em situação de rua, mas que agora não têm o que comer. Fomos pegos de surpresa, por exemplo, com a chegada de entregadores de aplicativos de entrega que, às vezes, passam horas trabalhando, mas não têm dinheiro para se alimentar ou acesso a comida”, relata Larissa Montel, gestora executiva do projeto.

O que antes era uma ronda semanal, com rodas de conversas de voluntários, onde todos jantavam juntos e faziam atividades lúdicas, viraram ações emergenciais nos bairros de Copacabana, Glória, Largo do Machado e Tijuca.

“Cada dia mais as calçadas estão recebendo pessoas que nunca moraram na rua. Ou que haviam morado, mas tinham saído. A grande maioria, por conta das crises sanitária e econômica que vivemos”, diz Karol Abrantes, uma das fundadoras do Projeto Nossa Entrega.

Acolhimento e redução de danos na Maré

Há três anos, a Redes da Maré inaugurou o Espaço Normal que, além de atender usuários de drogas, faz o atendimento da população em situação de rua, oferecendo cozinha comunitária, banheiros com doações de roupas limpas e uma sala de estar com TV.

Durante a pandemia, a instituição fechou as portas, mas não parou o atendimento. No dia 2 de junho, a equipe promoveu a vacinação contra covid-19 nas ruas. Luna Arouca é coordenadora do projeto e explica que o Espaço dispõe redutores de danos (pessoas que trabalham junto a usuários de drogas, realizando atividades educativas e culturais) que acompanham continuamente as pessoas atendidas.

“Se tem gente com fome, dá de comer!”

A coordenadora conta que o projeto começou a entregar quentinhas por causa do isolamento social. Essa ação, segundo ela, mantém o vínculo estabelecido entre a população atendida e a equipe do Espaço Normal, que conta com ajuda externa para funcionar.

“A gente fez parceria com a Casa das Mulheres, que já tinha o bufê e as cozinheiras da Maré. E a captação de recursos da própria rede para o período da campanha permitiu que isso acontecesse”, diz.

Além de Luna, o Espaço Normal tem coordenação de Elivanda Canuto, além de quatro redutores de danos, uma assistente social, uma psicóloga e a equipe de acompanhamento do eixo de Desenvolvimento Territorial. Antes da pandemia, o espaço atendia cerca de 60 pessoas por dia; agora, são 150. 

Segundo a Prefeitura do Rio, somente em 2021 houve um número recorde de atendimentos à população em vulnerabilidade social: foram 444.849 nos primeiros cinco meses do ano, 22% a mais que no mesmo período de 2020 (350.049 atendimentos).

De acordo com o Censo da População em Situação de Rua 2020, foram identificadas 7.272 pessoas nessas condições na cidade do Rio; destas, 76,6% eram pretas ou pardas. Segundo a Secretaria de Assistência Social, os motivos que levam a essa realidade são, entre outros, conflitos familiares e o uso de drogas. 

Espaço Normal é referência no atendimento a pessoas em situação de rua – Foto: Douglas Lopes


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