Um Rio realmente para todos

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João Ker

“Como é o Rio de Janeiro no qual você quer morar pelos próximos 4 anos? O que precisa mudar para que ele se torne realidade? Como você, morador da Cidade (nem sempre) Maravilhosa, pode contribuir para que essas mudanças sejam feitas?”. Essas e outras perguntas deram o tom do “Encontro de Favelas”,no Centro de Artes da Maré, em 26 de agosto. Por lá, mais de 90 representantes da sociedade civil se uniram para debater o Plano Estratégico organizado pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB) e apresentar uma nova versão do documento, para que as necessidades da periferia não fossem ignoradas.

O Plano Estratégico é o contrato que  Crivella firma com o Rio para o seu mandato: o que ele pretende implementar, mudar e melhorar está escrito ali em forma de metas. A sociedade carioca deve reavaliar e reinvidicar as 65 iniciativas e 101 metas propostas pela Prefeitura, em até 90 dias após a entrega do Plano, que começou a ser articulado pela Casa Fluminense, que produziu três oficinas abertas sobre o tema. O resultado dessas discussões foi entregue aos responsáveis na 1ª audiência pública realizada pela Prefeitura.  “Na nossa forma de atuação, temos uma preocupação com o monitoramento de políticas públicas, sempre buscando isso de forma participativa”. ”, explica Henrique Silveira, 31 anos, coordenador da Casa Fluminense. “Agora, iremos consolidar uma segunda versão desse documento. Precisamos de uma audiência com a Prefeitura e outros membros da sociedade civil para negociar quais são as mudanças possíveis.

Mas Prefeitura do Rio não parece estar muito engajada com o que os cidadãos realmente querem. A plataforma digital oferecida pelo governo havia prometido várias etapas de consulta pública, mas dois meses depois de entregar o Plano, apenas uma sessão foi realizada. A participação foi mínima:  354 pessoas responderam a um levantamento que nem fazia menção às metas. As audiências públicas, graças à falta de divulgação, não tiveram representatividade popular  expressiva , assim como não houve um trabalho de conscientização que explicasse, de forma clara, qual a base e as propostas do Plano.

Os três encontros públicos organizados pela Casa Fluminense ajudaram a consolidar um novo documento de demandas populares. Nele, são estabelecidos 12 pontos prioritários, além de 44 metas comentadas e reavaliadas com base no que o povo precisa. “Precisamos fazer um esforço em cima das metas que queremos alteradas. Queremos ver acontecer! Os políticos deveriam ter mais cautela na hora de prometer qualquer coisa. E a sociedade precisa estar mais atenta para cobrar tais promessas”, finaliza Henrique Silveira.

PRINCIPAIS PONTOS E REINVIDICAÇÕES:

SEGURANÇA PÚBLICA

Não à toa, esse foi o Grupo de Trabalho com o maior número de participantes, um fato que por si só já diz bastante sobre as demandas da periferia. Basicamente, a discussão pode ser resumida em um pedido: que a segurança do Rio de Janeiro seja acessível para toda a cidade, e não apenas para o entorno da orla, como o Plano prevê. “Não acreditamos que segurança comunitária se faça com mais polícia. Hoje, mesmo sem ter esse poder, a Guarda Municipal já é repressiva, violenta e abusa do uso desmedido da força. É preciso uma capacitação melhor desse serviço.” explica Marina Motta, da Redes da Maré.

EDUCAÇÃO

O ponto prioritário é o aumento de 73,7% das matrículas em tempo integral na Rede pública, até 2020. No caso específico da Maré, um dos pontos mais cruciais foi a suspensão das aulas por causa das operações policiais no horário escolar. “Os únicos comentários feitos eram sobre a reposição de aulas. O que nós queremos é a ausência de operações nesse horário, até porque as reposições nunca são no mesmo nível”, explica Alexandre Dias, professor de uma escola municipal da comunidade: “a Secretaria de Educação tem de discutir com a Secretaria de Segurança Pública do Estado”, afirma. Dentre os outros pontos que mereceram destaque nas rodas de conversa e não foram contemplados pelo Plano Estratégico estão o acesso de jovens com problema de mobilidade às escolas; o número de alunos em sala de aula; e a falta de auxiliares da educação – pedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais.

SAÚDE

A falta de transparência nas propostas foi o maior incômodo para os moradores de favela, já que o Plano não explica como as metas lançadas – como a abertura de novas Clínicas de Especialidades – podem ser efetivadas com o atual orçamento carioca.  “Isso não é um mal negócio, mas precisamos entender que não pode haver nenhuma diminuição. E é importante que esse atendimento não seja feito à custa de quem mora na favela”, aponta André Lima, Conselheiro de Saúde em Manguinhos. O Grupo de Trabalho também levantou um plano de carreira para agentes de saúde; questionou a falta de atenção à saúde mental e a dificuldade de acesso aos tratamentos pela rede pública.

CULTURA

A carência de um entendimento amplo e inclusivo sobre o que é a cultura evidenciou a necessidade de mais fomento ao setor, assim como  maior democratização do  acesso. “O direito aparece só no que diz respeito ao consumo da cultura em padrões já pré-estabelecidos. Não há nada sobre a produção ou mobilização. É um lugar no qual você não tem nem autonomia de escolha no que quer consumir – é apenas voltado para o que eles acham válido”, explicam Isabela Souza,  do Observatório de Favelas; Luiza Fenizola, da Comunidades Catalisadoras; e Jaqueline Andrade,  assistente social da Redes da Maré.

Outra ideia rechaçada pelo Grupo foi a criação de um Museu da Escravidão. “O objetivo é debater que tipo de memória queremos. Quando você cria um museu com esse nome, está restringindo a história negra aos movimentos de escravidão e liberdade. O pior é que não fala exatamente sobre a cultura negra, mas sobre a escravidão, uma pauta eternamente ligada à negritude. É como se a gente só fosse isso”, queixou-se Jaqueline.

MEIO AMBIENTE

Uma das principais falhas do Plano é a falta de atenção a áreas que não têm interesse turístico ou comercial. Com isso, a necessidade de coleta seletiva e saneamento básico para toda a cidade, assim como a inclusão dos catadores nesse processo mostrou-se essencial; o aumento da área verde em periferias, com a implementação do Parque Urbano de Madureira e do Parque Urbano da Serra da Misericórdia, e a criação de uma Política Municipal de Agricultura Urbana foram pontos levantados. “Nós queremos aproveitar essas ações para gerar trabalho e renda nas próprias comunidades, com a permacultura. Por que não capacitar a comunidade para fazer os serviços e gerar não só renda, mas também responsabilidade social na manutenção desses aspectos?” – questiona Edson Gomes,  do projeto Verdejar Socioambiental.

HABITAÇÃO E MOBILIDADE

Aqui, mais uma vez, a sociedade pede transparência, honestidade e bom senso. É o caso do estudo levantado em 2014 e nunca divulgado  sobre o custo real e o faturamente dos transportes públicos, assim como o cumprimento da promessa de construir habitações de interesse urbano no Porto Maravilha. “Tocamos muito no assunto das remoções, que realocaram pessoas em condomínios habitacionais longe de onde  moravam anteriormente. O ideal é existir uma oferta de espaço para os negócios no território onde essas casas são construídas. Isso já acontece na Maré e em outras favelas, até porque os desenhos dessas moradias não contemplam a realidade das famílias que vivem ali”, esclarece Renan Braga, dos projetos Maré Sem Fronteiras, Piratas de Bici e MobRio.

Ilustração feita para o evento

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