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A trajetória de uma favela cheia de boas histórias

Por Hélio Euclides

A história da Baixa está diretamente ligada à evolução e à expansão da própria cidade do Rio de Janeiro. Além da abertura da Avenida Brasil, a Baixa do Sapateiro cresceu juntamente com o projeto de construção do novo campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), naquela que seria conhecida como ilha do Fundão, e da ponte Oswaldo Cruz, que liga a Linha Amarela à Cidade Universitária. 

Alguns dos primeiros moradores eram operários que trabalharam na abertura da Avenida Brasil e ergueram seus barracos com sobras do material de construção. Atanásio Amorim, Genival Albuquerque e Teófilo Dias são alguns dos primeiros moradores, cujos nomes se sobressaem na história da Baixa do Sapateiro, quando a comunidade foi erguida.

A ocupação do território começou em 1947, na área alagadiça e de baixada do Morro do Timbau. Um pequeno grupo de palafitas foi chamado de Favelinha do Mangue de Bonsucesso. Existem algumas versões para a origem do atual nome da favela: alguns contam que tem a ver com um morador que exercia a profissão de sapateiro no início da ocupação.

Origem do nome

Outros dizem que o nome é alusão à Baixa dos Sapateiros, bairro da cidade de Salvador na Bahia, que também se formou a partir de aterramentos. Outros ainda alegam que o nome faz referência à vegetação de manguezal, conhecida popularmente como sapateiro, que era usada na produção de tamancos.

Charles Gonçalves, baiano de 62 anos, presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, defende a primeira versão: o nome se refere a um sapateiro que morava na Rua das Oliveiras. 

“A Baixa nasceu em torno da construção da antiga Rua Variante, atual Avenida Brasil. Além de sapateiros, a comunidade tinha muitas costureiras e também alfaiates. Com orgulho, a nossa associação de moradores foi a primeira em uma favela a ter o seu estatuto.”

Senhor Charles conta dos seus 50 anos de história na Maré, sempre na mesma rua. Ele viveu em palafitas, e passou pela carência do básico, como água e luz, e pelo aterramento do local. 

“Eu lembro ainda do rola-rola [barril fechado com rolha e envolto em pneu usado para transportar água] e da balança, de ir desengonçado pegar água no bicão. A favela cresceu, veio o progresso, o saneamento, o asfalto, mas tudo conseguido depois de muita luta. Hoje a Baixa é melhor, mas ainda falta muita coisa, os governantes estão atrasados na oferta dos serviços. Até temos saúde e educação, mas com falhas”, reclama. 

Histórias de um lugar

Lindete Barbosa tem 56 anos; ela vive na Baixa do Sapateiro desde que nasceu e, por isso, conhece muitas histórias. Na infância, viveu na Praça do Dezoito, oficialmente batizada de Luís Gonzaga em homenagem ao Rei do Baião e ao grande número de mareenses com origem do Nordeste do Brasil.

Um antigo chiqueiro deu lugar à praça e o nome pelo qual ela é conhecida: 18 é o número do porco no jogo do bicho. Essa é uma das histórias narradas no livro Lendas e Contos da Maré: “Eu cheguei a ver um porco com cara de gente!”, conta Lindete. 

Ela ainda recorda o tempo em que a favela era considerada uma área nobre: “Nós tomávamos banho na Praia da Maré! Quando a maré enchia muito, as águas vinham até o pé do morro”, conta.

Através de gerações

Outro local importante da comunidade para Lindete é o Largo IV Centenário, antiga Rua União da Baixa do Sapateiro, que teve o nome mudado quando a cidade do Rio completou 400 anos de fundação. 

“Eu vivi no Largo e, como a maioria dos moradores da Baixa, estudei na Escola Municipal IV Centenário. Minhas filhas também foram alunas de lá; é um colégio de geração para geração. São muitos anos vivendo aqui, mas sinto saudades do passado, pois hoje a favela é muito barulhenta e os moradores sofrem com os buracos nas ruas.”

Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro descobriremos como nasceu a favela de Marcílio Dias. Até lá!

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