Uma coisa puxa outra e outra…

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Por Alexandre dos Santos em 22/11/2021 às 21h

O ator franco-senegalês Omar Sy, uma das maiores estrelas do audiovisual francês, anunciou que será o protagonista “Father & Soldier”, drama que conta a história de soldados das ocupações coloniais recrutados compulsoriamente para lutar pela França durante a I Guerra Mundial.

No filme, personagem de Sy faz o caminho contrário: ele mesmo se apresenta como voluntário para proteger o filho de 17 anos que foi forçado a se alistar.

A associação é imediata com o livro “Irmãos de Armas” de David Diop, outro franco-senegalês, que venceu o International Booker Prize de 2021. O livro – lançado no Brasil em 2020 pela editora Nós e com post-resenha no @africa_em_livros – conta a história de dois amigos recrutados no Senegal para combater nas trincheiras europeias da I Guerra Mundial e usados para amedrontar os soldados inimigos porque eram vistos como selvagens, inumanos, violentos e sem piedade. O livro é excelente.

O anúncio do filme, que conta uma passagem obscura da história francesa, já incomoda os racistas da extrema direita e os puristas, da mesma forma quando “A Batalha de Argel”, clássico do diretor italiano Gillo Pontecorvo foi proibido na França em 1966, apesar de ter conquistado o Leão de Ouro em Veneza. O filme conta as atrocidades cometidas por franceses e argelinos durante a guerra de independência da Argélia (1954/1962). Só teve uma estreia à altura da importância do filme em 2004.

Algo parecido aconteceu com “Fora da Lei”, do franco-argelino Rachid Bouchareb. Foi muito bem recebido em Cannes em 2010 e concorreu ao Oscar de filmes estrangeiro pela Argélia em 2011, o longa foi acusado de ser “antifrancês” por contar, pelo lado argelino, os massacres cometidos pelos soldados franceses e os bastidores da criação da Frente de Libertação Nacional (FNL). grupo armado que liderou a guerra pela independência argelina.

Tirailleurs foram recrutados do oeste e do norte da África para lutar pela França nas guerras. Enquanto Father & Soldier explora eventos ocorridos em 1917, o filme pode ajudar a chamar mais atenção para os eventos de dezembro de 1944, quando o exército francês matou centenas de soldados coloniais em um campo de desmobilização fora de Dakar, no Senegal. Seu crime? Exigindo o pagamento de seus salários justos, que eram, de qualquer modo, menos da metade do que seus colegas franceses brancos.

O pai do cinema africano, o senegalês Ousmane Sembène, usou o “massacre de Thiaroye” como tema de “Camp de Thiaroye”, de 1988. Em dezembro de 1944 o exército francês assassinou centenas de soldados senegaleses no “Campo de Thiaroye” (que reunia soldados franceses e do Senegal na periferia de Dakar, a capital senegalesa) porque eles “ousaram” exigir das autoridades coloniais francesas receber o mesmo soldo que os soldados brancos, que ganhavam três vezes mais. O filme ganhou o Prêmio Especial do Júri em Veneza.

A França manteve um silêncio culposo sobre essa tragédia e sobre o envolvimento e as mortes de soldados do continente africano nas duas Guerras Mundiais.

O racismo francês e a guerra na Argélia também são pontos de reflexão no clássico “Os Condenados da Terra”, de Franz Fanon, psiquiatra e filósofo da Martinica (ex-colonia francesa). Além de “Os Condenados”, com nova edição lançada pela editora da Universidade Federal de Juiz de Fora, temos também outras obras dele lançadas no Brasil. “Pele Negra, Máscaras Brancas”, pela editora UBU, que também publicou “Alienação e Liberdade”; também “Por Uma Revolução Africana”, pela editora Zahar e “Escritos Políticos”, pela editora Boitempo.

Se tiver um tempo e a curiosidade, vale procurar pelos filmes e pelos livros do Fanon.

Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

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