Decisão do STF em caso de morte na Maré obriga Estado a indenizar vítimas de violência policial

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Em 2015, Vanderlei foi atingido dentro de sua casa, na Vila dos Pinheiros, durante uma operação feita por agentes do Exército e policiais militares

Maria Teresa Cruz

Edição #160 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

A morte do mareense Vanderlei Conceição de Albuquerque, de 34 anos, há seis anos, deu origem à decisão histórica do Supremo Tribunal Federal que, obriga o Estado a indenizar familiares e vítimas de ferimentos ou morte por arma de fogo em operações policiais. 

O julgamento do caso pelo STF começou em outubro do ano passado e terminou em abril deste ano, quando, por 9 votos a 2, os ministros aceitaram a tese de responsabilização do Estado quando, durante operação policial, uma pessoa é morta ou ferida por arma de fogo. Os ministros também decidiram estender a mesma decisão para casos semelhantes que venham a acontecer no futuro, a chamada “tese de repercussão geral”.

Última instância

Em 18 de junho de 2015, Vanderlei foi atingido dentro de sua casa, na Vila dos Pinheiros, durante uma operação feita por agentes do Exército e policiais militares. À época, a Maré estava ocupada pelas Forças Armadas. Duas semanas após a morte de Vanderlei, o Exército passou a operação que, oficialmente era chamada de “pacificação da Maré”, à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ao todo, foram 14 meses de ocupação.

Na ocasião, familiares de Vanderlei relataram que ele foi atingido dentro de casa, que trabalhava como auxiliar de pedreiro e era responsável por parte do sustento do lar. A versão oficial indicava que policiais e agentes do Exército estavam sob intensa troca de tiros com grupos armados que atuam na região, quando a vítima teria sido atingida dentro de casa. 

A família entrou com um pedido de indenização e perdeu em duas instâncias. A perícia não foi capaz de identificar de onde partiu o projétil que matou Vanderlei,  principal argumento do Estado para dizer que não havia como identificar quem era o responsável pela morte.

O caso chegou então à última instância da justiça brasileira: o Supremo Tribunal Federal (STF), cuja sentença determinou  que, independentemente de onde veio o tiro, a família de Vanderlei tem direito a ser indenizada. Para o STF, o Estado tem responsabilidade direta pela atuação de seus agentes.

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Perícia

Para Marcela Cardoso, advogada do Eixo Direito a Segurança Publica e Acesso a Justiça da Redes da Maré, o desfecho do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1385315, o nome técnico dessa ação, representa uma importante vitória. 

“A decisão tira das vítimas e familiares a responsabilidade de provar que o dano foi causado pelo Estado e traz para o Estado a responsabilidade sobre o exercício do seu poder de polícia com mais cautela e respeito aos direitos e garantias fundamentais dos brasileiros. Anteriormente a essa decisão, as mortes e ferimentos causados por agentes do Estado em operações policiais eram consideradas como danos colaterais ao exercício da função estatal”, explica.

Marcela aponta para outro fator que foi tema de grande discussão neste processo: a dificuldade de realização da perícia em operações policiais. “A polícia civil quase nunca entra em territórios para fazer perícia, sob a alegação de risco aos seus agentes em territórios ditos conflagrados.”

A advogada aponta que um segundo ponto é a necessidade de se criar a cultura da perícia, já que os moradores não preservam o local do fato. Na necessidade de socorrer as vítimas e de retirar todos os vestígios violentos, como sangue e projéteis, dos seus espaços de convívio, as ruas e casas são lavadas, tirando os possíveis indícios do crime.

O tema da perícia é tão importante que apareceu na fala do relator da ação, o Ministro Edson Fachin. “A atividade da perícia aqui é fundamental, relevante imensamente para que se possa apurar a realidade dos fatos e para aportar elementos suficientemente probatórios. Isso significa que, especialmente os estados, devem ter um aparato técnico e de recursos humanos com autonomia administrativa e financeira para realizar essas perícias”.

Protegendo direitos

Marcela Cardoso destaca o trabalho de acompanhamento e atendimento jurídico realizado pelo Eixo junto a familiares vítimas de violência policial, como um importante espaço para que transformações como essa gerada pela decisão do STF aconteçam. 

“Essa decisão muda o absurdo dessas ilegalidades e a pretensa simetria entre Estado, vítimas e familiares, se configurando enquanto uma grande vitória contra as impunidades, a blindagem estatal diante das arbitrariedades de seus agentes e reforçando juridicamente o cerco contra essa política pública de segurança, pautada em poder de polícia, violência e morte”.

O Maré de Notícias procurou a família de Vanderlei para comentar o caso, mas não obteve retorno até o fechamento da edição.

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