Irmãs e professoras, Adriana e Monica relatam suas experiências no contexto atual
Outubro é marcado pelo Dia dos Professores (15), uma data que não é apenas de comemoração, mas de luta. Para falar dos desafios e expectativas, o Maré de Notícias convidou duas irmãs, Adriana Bezerra e Monica Bezerra, para compartilhar seus relatos sobre a profissão no momento atual. Elas lecionam na Escola Municipal Professor Paulo Freire, na Vila dos Pinheiros e utilizam o Maré de Notícias em sala de aula.
Ser professora nos tempos atuais: um desabafo
Fui moradora da Maré até pouco tempo e pude viver todas as dificuldades que um morador de favela enfrenta. Durante minha vida escolar fui aluna de escola pública. Assim, pude presenciar essa realidade intensamente ao ponto de desejar para meu futuro a profissão de professora, a fim de realizar esse trabalho de forma a contribuir na vida das crianças do mesmo modo que muitos professores contribuíram de forma tão maravilhosa em minha vida.
Cheguei à universidade pública com o auxílio de um pré-vestibular comunitário que realizei na Fiocruz, e a partir da escolha acadêmica que fiz encaminhei minha vida profissional para a educação após me formar em Pedagogia. Hoje dou aula na Escola Municipal Professor Paulo Freire, que fica localizada na Vila dos Pinheiros, e atuo em uma turma de 4º ano.
Engana-se quem acha que ser professor é uma profissão de menor valor. Infelizmente não somos valorizados como a educação merece. Atualmente vivemos um momento político onde nossa conduta é tida como algo a temer, e como professora isso muito me entristece, pois como nosso grande educador Paulo Freire afirmou “ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção”. Dessa forma, tudo o que fazemos em nossas salas de aula é ensinar nossos alunos a pensar, a criar, a arriscar, porque é assim que a aprendizagem acontece.
Só quem está dentro de uma sala de aula sabe a real necessidade que passamos com a falta de recursos e investimentos, mas isso nunca foi motivo para que nós deixássemos de realizar nosso trabalho da melhor forma possível. Não conheço outra profissão que invista tantos recursos próprios, como fazemos tantas vezes. Nós nos envolvemos com nossos alunos inevitavelmente, porque a educação envolve afeto e no ato de afetar e ser afetado não conseguimos seguir em nossas aulas sem considerar se nossos alunos dormiram bem ou se estão alimentados.
Nesse ano de 2020 nós fomos pegos de surpresa com essa pandemia que nos tirou de cena presencialmente. Estamos vivendo momentos muito difíceis, pois a aula que era garantida igualmente para todos nos foi tirada, evidenciando a desigualdade social.
“Mas professora você não está dando aula on-line?” A resposta seria sim se eu considerasse apenas a minha tarefa de passar conteúdos. A realidade de uma escola pública dentro de uma favela merece ser observada com muita cautela. Estar em casa não garante que meus alunos estejam tendo acesso aos conteúdos que sigo encaminhando desde que as aulas presenciais foram suspensas.
Muitas crianças dependem do celular do responsável, pois computador nem sempre faz parte da realidade deles. Celular com internet é outra questão, já que muitas vezes a prioridade é colocar comida na mesa. Isso quando o responsável não sai para trabalhar levando o seu telefone e a nossa mensagem sequer chega até a criança.
Diante de toda essa realidade, desanimar nunca fez parte. Sabemos que tem um “grupinho” ali que nos aguarda diariamente e seguimos acreditando no que é possível e não no que gostaríamos de fazer.
Apesar de todas essas questões que destaquei, não me vejo em outro tipo de trabalho, pois não tem alegria maior em ver um aluno aprendendo e se desenvolvendo. É muito gratificante perceber que conseguiu atingir o seu objetivo. Melhor ainda é receber a visita de ex-alunos para contar sobre suas vidas e principalmente para dizer que ainda guarda boas lembranças de quando foram seus alunos. Isso não tem preço!
Os professores na pandemia
Minha trajetória como professora teve início na adolescência, quando dava aulas particulares na casa de meus pais, na Maré, onde morava. Somente anos depois, já adulta, ela se solidifica com a aprovação para o curso de Pedagogia na UFRJ. Com a conclusão do curso em 2015, iniciei minha dedicação profissional na Secretaria Municipal de Educação, inicialmente na Escola Municipal Teotônio Vilella, no Conjunto Esperança. Desde 2016, atuo como professora de ensino fundamental da Escola Municipal Professor Paulo Freire, na Vila dos Pinheiros.
Escrevo o presente texto a pedido de meu amigo Hélio Euclides, do Maré de Notícias, e aproveito o momento para refletir sobre minha prática como professora neste difícil período de pandemia por conta da covid-19.
Ficar sem o contato presencial dos alunos tem sido a pior coisa que me aconteceu nos últimos tempos. A necessidade de me reinventar a cada dia, e superando minhas próprias limitações e incertezas para motivar meus alunos, é um grande desafio diariamente. O cuidado com minha família e a sobrecarga de trabalho é algo que quem está de fora nem imagina.
Hoje não vou à escola dar as aulas, elas acontecem de forma remota. Estando em casa, preciso cuidar da alimentação, limpeza e demais afazeres domésticos, o que aumenta a carga de trabalho, sobremaneira, já que na escola tínhamos um local adequado, limpo pela equipe de limpeza da Comlurb, e almoço na hora, preparado pelos agentes. Em casa preciso fazer tudo ao mesmo tempo que dou assistência remota aos alunos, que entram em contato via WhatsApp.
No início imaginávamos que seriam apenas alguns dias de afastamento, porém este período foi sendo estendido e já se vão sete meses. Tive que aprender a lidar com tecnologias que antes não considerava e muitas delas eram muito mais familiares para as crianças do que para mim.
Não imaginava a dificuldade de produzir e editar um vídeo. Nem as formas de envio e recebimento pelos alunos, que muitas vezes tem dificuldades para baixar os vídeos enviados. É ainda mais dificultoso participar on-line, pois a maioria acessa as aulas por celular. Poucos têm o próprio aparelho, e outros precisam usar os aparelhos de seus responsáveis, ficando dependentes dos momentos em que eles podem disponibilizar o uso dos seus aparelhos. Alguns responsáveis trabalham fora de casa e só podem emprestar o celular para os filhos à noite.
Infelizmente, apesar de todo o esforço, não é possível se comunicar com todos os alunos. Uma parte da turma não tem acesso às aulas remotas por não terem as ferramentas necessárias para tal. Saber desta realidade também é um obstáculo a ser enfrentado, para não desanimar.
Nestes novos tempos, recorrer a nosso patrono Paulo Freire é a melhor forma de lembrar que educação se faz com muita dedicação, num processo de ensinar aprendendo e aprender ensinando. “Somente na comunicação tem sentido a vida humana. […] O pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade.” Freire 1987.
Vivendo esta nova realidade, a comunicação com os alunos me possibilita pensar alternativas para juntos construirmos algo que possa envolver-nos emocionalmente na superação dos desafios destes tempos de pandemia. Sabendo que não conseguirei contato com todos, e que não existe um processo de educação neutra, a dedicação permanece da melhor forma possível. Certa de estar longe do ideal, mas comprometida com o vínculo de amor e amizade para com os alunos que fora possibilitado com o contato de forma remota.