Sem ciclovias, ciclistas procuram outros locais para andar de bike na Maré

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Por Dani Moura e Hélio Euclides, em 19/03/2021 às 10h

Editado por Edu Carvalho

No último dia cinco desse mês, por volta das 17h, chovia na Rua Principal, esquina com Rua Teixeira Ribeiro, na Nova Holanda. Com dificuldades para se trafegar, um ciclista acabou por bater com um motoqueiro local. Por sorte, os dois não tiveram ferimentos graves. Pode parecer bobo, mas essa é uma situação recorrente entre os moradores do território que usam bicicleta para se locomover, dividindo os espaços mais curtos nas vias do conjunto de favelas. Mas não era o que esperavam, quando viram até pouco tempo a realização de uma pintura sinalizando a demarcação de uma eventual ciclovia. 

No final de 2015, as ruas principais começaram a receber obras para ciclofaixa. Ao todo, foram gastos 5 milhões para uma 18km de uma via especial para ciclistas. O projeto ligaria a Maré, a Cidade Universitária da UFRJ e Bonsucesso. Do periódo de construção do projeto, ficaram algumas placas, bicicletários nas passarelas e um pequeno pedaço de ciclovia, embaixo da Linha Amarela.

O Maré de Notícias abordou o tema na edição 83, em dezembro de 2017, quando avaliou a obra realizada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Pedro Francisco, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança, lembra muito bem sobre o fiasco da ação. “O resultado foi o pior possível, nunca funcionou”. Ele acrescenta que o local necessita de um plano mais amplo de mobilidade urbana. “Nossas comunidades não têm nem espaço na calçada para o pedestre, imagina para as bicicletas. Falta ordenamento, um projeto de organização por parte do governo. Não temos mobilidade nenhuma”.

Alguns poucos moradores utilizam a ciclovia interna da Vila Olímpica da Maré e a outra, no entorno dos campos de futebol do Conjunto Pinheiros. Muitas pessoas se aventuram a seguir pela ciclovia da Cidade Universitária, algo não seguro. Celso Roberto, professor de educação física, não consegue esquecer o atropelamento em agosto de 2020, quando um carro subiu a calçada e causou a morte de Rodrigo Leite, morador da Baixa do Sapateiro. “Precisamos sair da favela, pois não se tem qualidade nas ciclovias na Maré. Prometeram o Parque da Maré, retiraram os barracos da Maclaren e nada da obra. Espaço para caminhada, corrida e bike, isso nunca existiu”, reclama. Ele acrescenta que até o momento não se tomou nenhuma providência de proteção para quem caminha até a Cidade Universitária.

O uso da bicicleta como turismo

Com a pandemia, aumentou o número de bicicletas nas ruas. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, existem mais bicicletas do que carros no Brasil, com cerca de 50 milhões de bikes, contra 41 milhões de automóveis. Nas estradas ainda há uma falta de respeito ao Código de Trânsito Brasileiro. O resultado é que a quantidade de atropelamentos de ciclistas cresceu 45%, passando de 1.064 óbitos em 2012 para 1.545 em 2018, conforme a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet). Um exemplo da falta de atenção ao ciclista ocorreu em 2012, quando Marcia Shoo, jornalista que ajudou na fundação do Maré de Notícias morreu ao ser atropelada por um caminhão, quando fazia uma trilha em Alagoas. 

Apesar da fragilidade, em agosto do ano passado, as vendas de bikes aumentaram 118% no Brasil em comparação ao mesmo período de 2019, segundo uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas. Em tempos de pandemia, a população vem usando a “magrela” para fugir da aglomeração no transporte público. Outros evitam ficar horas dentro de um ônibus fechado e preferem viajar de bicicleta, um segmento chamado de cicloturismo, uma maneira muito saudável, econômica e ecológica de se fazer turismo.

Franklin Alexandre, mais conhecido como Alexandre Show, ex-morador da Nova Holanda e Parque União, é adepto do cicloturismo há dois anos. “Começou logo após eu iniciar minhas práticas de corrida de rua. Logo fui tomando gosto por pedalar e conhecer lugares turísticos, até mesmo espaços onde poucos vão e assim descobrindo vários seguimentos e rotas”, comenta. Alexandre confessa que em cima da bicicleta já conheceu todos os pontos da cidade, já partiu para outros municípios e para fora do Estado do Rio.

“O cicloturismo sempre é uma forma de viajar e expandir os caminhos de uma forma saudável e que por meio do pedal posso levar outros a descobrirem o quão bom é poder sair do local onde reside”, conclui. 

Franklin Alexandre (Alexandre Show) com adeptos do cicloturismo.
Foto: arquivo pessoal.

Para fortalecer esse segmento, há projetos que estimulam o turismo de bicicleta. Um destes projetos é realizado pelo Instituto Aromeiazero, que busca ideias para a melhoria nas condições de vida da população, fortalecimento das economias locais e promoção da mobilidade segura e reativação dos espaços públicos em territórios periféricos. As seis ideias pré-selecionadas receberão mentorias em cicloturismo e impacto socioambiental, protocolos de segurança sanitária contra a covid-19, plano de negócio e gestão financeira. Além disso, quatro propostas receberão uma bolsa de R$ 600, por dois meses para estruturar e potencializar suas atividades. As inscrições vão até o dia 28 de março e podem ser feitas clicando aqui.

Para quem desejar dar os primeiros passos em cima da bicicleta, nunca é tarde para aprender. Para quem ainda tem um certo medo, existe um grupo de pessoas que ajudam não só a aprender, mas também a praticar suas pedaladas, com  recomendações de rotas, acompanhamento no trânsito e várias dicas. O Bike Anjo reúne um grupo de amantes da bicicleta, que formam novos ciclistas. “Me dá muita satisfação ver alguém pedalando pela primeira vez. Me lembro quando comecei a pedalar e a sensação de liberdade. Além disso, é sempre bom ressaltar que uma bike na rua é um carro a menos”, diz Mirella Domenich, voluntária do Bike Anjo. Para quem desejar dicas de como pedalar ou saber onde o grupo vai realizar suas oficinas, veja aqui.

Mirella Domenich e demais voluntários do Bike Anjo – antes da pandemia. Foto: arquivo pessoal


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