A luta continua mesmo em meio à pandemia

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Atletas de jiu-jitsu moradores da Maré finalizam o ano com conquistas 

Por Hélio Euclides, em 23/12/2020, às 16h
Editado por Andressa Cabral Botelho

No início de 2020, a Maré estava em festa com a notícia de que seus lutadores se destacaram em campeonato na Califórnia, nos Estados Unidos. O restante do ano seria promissor, mas a pandemia do covid-19 interrompeu competições e treinos. A viagem que os lutadores fariam em novembro para Dublin, na Irlanda, ficou para 2021. Contudo, apesar das paralisações, há dois meses algumas disputas ocorreram e os meninos lutadores de jiu-jítsu trouxeram premiações para a favela. 

Na competição no início do ano, nos Estados Unidos, quatro atletas adolescentes do Parque União superaram os obstáculos da falta de patrocínio e da difícil aquisição do visto para participar da competição Pan Kids de jiu-jitsu. Eles trouxeram na bagagem quatro medalhas. Na edição 107, o Maré de Notícias trouxe a história da equipe Maré Top Team e apresentou a expectativa deles com a competição. Para Lucas Santana, de 15 anos, faixa azul, que trouxe a medalha de prata, o importante foi representar a favela e o jiu-jitsu em uma competição internacional.

A pandemia interrompeu a trajetória de lutas dos meninos. Jacilda Santana, mãe de Lucas, conta que este período foi difícil, com treinamento presencial suspenso, ocorrendo apenas acompanhamento do mestre pelo WhatsApp, com repetições de posições que já sabiam. “O recomeço foi difícil. Alguns achavam que a pandemia tinha acabado, mas ficamos receosos do início dos treinos presenciais. Aos poucos, o Centro de Treinamento no Parque União foi reaberto, com precaução, todos de máscara e uso de álcool em gel e número reduzido de alunos. Fomos nos enquadrando para a melhor forma”, comenta. 

Lucas e sua mãe, Jacilda. Foto: Arquivo pessoal

Neste final de ano aconteceram apenas dois campeonatos disputados pela equipe: o Brasileiro e o Torneio de Lutas Casadas, em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio. Lucas trouxe para a Maré um cinturão e uma medalha de ouro. Para os cuidados com os atletas, nas competições pode ter apenas um acompanhante, diferente de antes que toda família podia assistir. Todas as pessoas presentes estavam de máscaras. Agora em dezembro, com o aumento no número de casos de infectados, os alunos retornaram às férias dos treinos. “Há uma possibilidade de retorno em fevereiro, se tiver tudo certo. Meu desejo é que tudo melhore em 2021, não só no esporte, mas no geral e que meu filho consiga um patrocínio”, expõe. 

Pela luta de dois vitoriosos

O Maré de Notícias, da edição 103, de agosto de 2019, trazia a história dos irmãos lutadores de Jiu-Jitsu na categoria pena: Akyllys Torres, de 10 anos, de faixa amarela e Athylla Torres, de 8 anos, de faixa cinza, do Projeto Social José Aldo de Lutas, que fica na Associação de Moradores do Conjunto Esperança. Na matéria, Akyllys descrevia a expectativa de competir na Califórnia. No início do ano, ele realizou o sonho de competir no exterior, representando a Maré. Seu  pai, Júlio Cesar, contou na época que a grande dificuldade era a falta de dinheiro e que a viagem só seria possível com a ajuda de amigos e comerciantes locais. 

Assim como os meninos do Parque União, os irmãos do Conjunto Esperança almejavam a viagem para Dublin, que foi interrompida pela pandemia. “Num momento difícil como este, tivemos que aprender a reinventar, pois vivemos de venda de bolo de pote, faxinas e obras. Os meninos têm um avô cadeirante e com Alzheimer, que nessa fase recebe a ajuda dos Especiais da Maré. Tivemos que nos adaptar a essa situação tão crítica”, conta Cesar. Ele lembra que o recomeço não foi simples, precisou de força para dar continuidade aos trabalhos do dia-a-dia. 

Assim como a vida cotidiana, manter os treinos foi bem complicado para os irmãos, pois ficaram praticamente parados por cerca de sete meses. “Eu passava exercícios físicos para eles, assistíamos lutas na internet e um treinava com o outro. Com isso, eles não perderam o ritmo”, diz o pai. Este ano foram poucas as competições que retornaram e eles só conseguiram participam com a ajuda de amigos, pois ambos não têm patrocínio. Ao todo, nestes dois meses foram 11 competições com restrições. Os irmãos conseguiram premiar em todas, com 22 medalhas e sete cinturões. Nestes quatro anos que treinam, Akyllys e Athylla já conseguiram 159 medalhas, nove cinturões e três troféus.

Athylla e Akyllys Torres em competição este ano. Foto: Flash Sport

Em 2020, as competições que eles mais gostaram foi a com premiação de cinturões. A Copa Company, disputada na Barra da Tijuca, foi a mais marcante, com desafios de crianças de alto nível, tendo um atleta da Itália. Os irmãos ainda disputaram competições em Itaboraí e Espírito Santo. Eles também se destacaram, em competição de judô, na Usina de Campeões, em Manguinhos, na qual foram tricampeões. “Que o próximo ano ainda seja melhor. Peço muito a Deus que esta pandemia acabe e tenhamos a vida normalizada. A pandemia atrapalha muito as pessoas e é pior para quem mora na rua. Quando acabar isso, que as pessoas valorizem mais a vida e ajudem mais o próximo”, conclui.

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