Desafios no ensino de altas habilidades

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Álvaro Melo (7) e familia, moradores Vila dos Pinheiros, trilham a luta por adaptações no ensino ideal para o menino

Editada em 05/07/2023, às 07:45h

A Educação para alunos com altas habilidades é prevista por lei no Brasil, mas a realidade para o acesso a esse direito é bem diferente. Embora a Maré tenha 49 escolas, não há registro de núcleos especializados em alunos com altas habilidades e superdotação. O direito à Educação na favela foi tema neste mês de junho no 4° Seminário de Educação na Maré. São muitos os atravessamentos que os estudantes de favelas lidam diariamente, contudo, os que tem desafios como o de altas habilidades lidam no cotidiano com ainda mais entraves.

Álvaro Melo tem 7 anos, é autodidata e aluno da rede municipal de ensino. Aos 4 anos de idade já apresentava características de superdotação, quando aprendeu a ler sozinho, em casa, em apenas 15 dias. De acordo com a mãe, Priscila, a surpresa e felicidade pela habilidade do filho também trouxe grandes desafios: “Nessa fase, aos 4 anos, ele começou a ver hora em relógio analógico, a se interessar por línguas estrangeiras, por robótica, programação, xadrez e construção de games. Só que isso passou a ser um problema devido à falta de recursos e de acesso, principalmente em ambiente escolar em que toda a equipe desconhecia o proceder em casos de altas habilidades e superdotação (AH/SD). Desconheciam até mesmo o que realmente são altas habilidades e quais são os indicadores e comportamentos a serem observados”, contou.

A psicóloga e integrante do Conselho Federal de Psicologia, Izabel Hazin, conta que as características comportamentais são envoltas em muitos mitos e isso dificulta a vida da criança, como por exemplo, de que pessoas com altas habilidades conseguem fazer tudo sozinha sem um ambiente adequado. De acordo com Hazin, existem três grandes fatores a serem observados no aluno com altas habilidades: o envolvimento muito grande com as tarefas, a criatividade e o desempenho em alguma área do conhecimento acima da média: “É importante destacar que quando falamos de altas habilidades, não estamos falando só de desempenhos ligados às disciplinas escolares. Esse desempenho acima da média pode ser em áreas como esporte, música e artes. As altas habilidades não significam nota 10 em tudo ou que o aluno seja um nerd. Esse pressuposto social pode gerar desafios e sofrimento para criança”.

Izabel Hazin diz que a sociedade pode afetar negativamente as crianças com altas habilidades:

“Esse desenvolvimento que é qualitativamente diferente vai depender muito de como o ambiente sociocultural lida com essa forma atípica de ser e estar. Na maioria das vezes, o sofrimento causado na criança é construído pela sociedade cheia de expectativas e com rótulos do senso comum”.

Izabel Hazin, psicóloga

A psicóloga continua e aborda o papel da instituição educacional nesse processo: “Cabe à escola lidar com a diversidade social e dessa aprendizagem distinta. Essas crianças seguem caminhos alternativos para resolução de problemas e o ensino rígido exige que eles sigam um percurso tradicional sem considerar as altas habilidades e especificidades daquela criança.” 

Assim como a psicóloga enfatiza a importância do ambiente adequado para desenvolver as altas habilidades, Priscila luta todos os dias para que a rede municipal de ensino garanta o direito à educação especial do pequeno Álvaro:

“Ao invés de disponibilizarem profissionais especializados nas áreas em que ele demonstra habilidades e interesses, disponibilizaram alguns atendimentos semanais com Agente de Apoio à Educação Especial (AAEE), que é um profissional de nível médio cujas atribuições do cargo se limitam a cuidados e higiene de crianças com deficiências. E é óbvio que se nem professores com formação superior estão conseguindo dar conta de acompanhar o ritmo de raciocínio do aluno com altas habilidades e superdotação, não vai ser o Agente de Apoio à Educação Especial de nível médio que irá”

Priscila Melo, mãe Álvaro Melo, estudante com altas habilidades

A família acionou a Defensoria Pública para que haja sala de recursos específica com equipamentos e profissionais especializados, além da aceleração de série de forma adequada. Também acionaram o Ministério Público e o Conselho Tutelar, que acolheram a família a recorrer ao Ministério dos Direitos Humanos. Porém não houve atualização do caso até o presente momento.

Diante da situação, os familiares de Álvaro decidiram, por conta própria, pela Educação Domiciliar. Após três anos fora do ambiente escolar, Álvaro retornou a escola por solicitação da Defensoria, mas as condições de aprendizagem já fazem o aluno cogitar a evadir novamente. Cabe dizer que a educação domiciliar não é regulamentada no Brasil e a educação escolar é obrigatória para a faixa etária de 4 a 17 anos.

Atualização (05/07/2023, às 07:45h):

A Secretaria Municipal de Educação, informou para o Maré de Notícias, em nota, “que o material pedagógico de Adriano foi encaminhado ao Instituto Helena Antipoff pela equipe escolar e validado pela professora pós-doutora em altas habilidades, Jacqueline Mac Dowell”.

A responsável pelo aluno compareceu ao Instituto Helena Antipoff para uma reunião com a equipe da Sala de Recursos de referência em altas habilidades e superdotação, onde manifestou o desejo de oferecer outros estímulos ao aluno.

Foram mencionadas opções como as Naves do Conhecimento, o Laboratório de Robótica da UFRJ especializado em altas habilidades, bem como a participação em atividades de xadrez (incluindo campeonatos) e aulas com abordagem STEAM e cultura maker a partir de agosto, as quais, essas últimas, a responsável manifestou interesse. Um encontro está agendado para a segunda semana de julho, com a professora da Sala de Recursos da unidade, para acompanhamento e planejamento do segundo semestre. Por fim, o Instituto Helena Antipoff afirmou, por meio da secretaria, que está acompanhando e orientando o trabalho realizado pela Sala de Recursos onde Adriano é atendido.

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