Audiência Pública da ADPF das Favelas vai discutir estratégias de redução da letalidade policial no Rio

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Sessão virtual acontece nesta sexta(16) e na segunda (19) terá a participação de 60 pessoas, organizações ou coletivos

Por Daniele Moura em 15/04/2021 às 13h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Em 17 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu os principais critérios para participação da audiência pública da ADPF 635, conhecida como a ADPF das Favelas. Ao todo, até o dia 31/01/2021, data do limite para a inscrição, foram recebidas 114 pedidos. Desse total, 66 foram deferidos e irão participar da sessão que acontece na próxima sexta-feira (16/4) e segunda-feira (19/4). Entre os selecionados estão representantes da Redes da Maré, Coletivo Fala Akari, Movimento Negro Unificado (MNU), Rede Rio Criança, Human Rights Watch, Movimento Mães de Manguinhos, Conselho Nacional de Direitos Humanos, Conectas, Fórum Basta de Violência! Outra Maré é Possível, Grupo de Mães Vítimas da Maré, Associação de Oficiais Militares do Rio de Janeiro e a Secretaria do Estado da Polícia Militar do Rio. Cada um dos selecionados terá 20 minutos de fala. A audiência será transmitida ao vivo pelo Youtube da TV Justiça.

As audiências públicas têm como finalidade criar um espaço de debate e diálogo das mais diversas vozes dos mais variados grupos sociais que podem, à luz de suas representatividades e experiências, colaborar para uma decisão mais justa. Todas as instâncias da justiça têm audiências públicas. No caso da ADPF das Favelas, o órgão julgador é o STF. 

ADPF das Favelas

A Ação apelidada como “ADPF das Favelas”, a ADPF-635 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) foi solicitada em novembro de 2019 pedindo que fossem reconhecidas e sanadas as graves violações ocasionadas pela política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro à população negra e pobre das periferias e favelas. Foi proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) e construída coletivamente com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, MNU, Iser, IDMJR, Coletivo Papo Reto, Coletivo Fala Akari, Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência, Mães de Manguinhos, todas entidades e movimentos sociais reconhecidas como amicus curiae (amigo da corte) no processo.

Desde junho de 2020, após decisão do ministro Edson Fachin, referendada em agosto pelo plenário do STF, as operações policiais no Rio foram suspensas durante a pandemia de covid-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, e comunicada imediatamente ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 

Medidas Protetivas

A decisão do colegiado também pediu uma série de medidas que deveriam ser adotadas pelo Governo do Estado do Rio, com o intuito de reduzir os impactos causados pela violência nesses locais. Como nenhuma medida foi cumprida pelas autoridades fluminenses, em 06 de novembro do ano passado, as entidades notificaram ao STF sobre o descumprimento das medidas, entre elas a suspensão das operações policiais em tempos de pandemia. 

O pedido aconteceu após operação policial na Maré, realizada em 27 de outubro, em que uma jovem grávida de quatro meses perdeu o bebê após ser atingida por um disparo. De acordo com apuração da Redes da Maré, divulgada aqui no Maré de Notícias, a partir dos relatos de vizinhos, não havia confronto no momento em que a jovem foi alvejada. Ela estava na porta de sua casa e foi socorrida pelos próprios moradores. Os agentes policiais responsáveis pela ação, segundo a apuração, recolheram as cápsulas e limparam as manchas de sangue, descumprindo determinação do STF que exigia preservação da cena do crime.

Em 26 de novembro, o ministro Edson Fachin, em resposta à notificação, pede o cumprimento das metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial pelos órgãos competentes,  a serem verificadas pelo Judiciário e Ministério Público do Estado, além do Conselho Nacional do Ministério Público. 

Os dados de 2020 confirmam os impactos favoráveis da decisão do STF na vida da população mareense. Em 2019, foram registradas 39 operações policiais na Maré, um aumento de 144% em relação a 2018. Porém, com a suspensão das operações durante a pandemia, houve uma redução de 59% neste número, passando de 39 para 16 em 2020 e uma diminuição de 85% no número de mortes em operações policiais em relação a 2019. Um saldo de 29 vidas mareenses salvas.

Essas vitórias são frutos da mobilização dos moradores de favelas, das organizações e dos movimentos sociais que atuam na Maré. Em 2017, uma outra ação também ajudou a diminuir a letalidade na Maré. A Ação Civil Pública (ACP) da Maré determinou medidas protetivas nas ações policiais que não expusessem a população ao risco ainda maior, como a presença de ambulância e GPS e câmeras nas viaturas policiais. Em sua decião em junho, Fachin determinou que as operações não impedissem a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária realizadas por moradores e organizações que atuam não só na Maré, mas nas favelas brasileiras. 

Morador não é Alvo

A decisão do STF proíbe operações policiais durante pandemias; uso do helicóptero como plataforma de tiro; operações policiais próximas a escolas e uso das instituições de ensino como base operacional. Também foi decidida a preservação da cena de crime e proibida a remoção dos corpos; que o Ministério Público passe a investigar homicídios cometidos por policiais, priorizando casos de crianças; e que a redução de letalidade policial se torne indicador de qualidade para gratificação de policiais.

É importante destacar o que esses avanços representam para a luta pelo direito à vida nas favelas: das 34 mortes em operações policiais na Maré em 2019, 62% ocorreram em operações com o uso de helicóptero, o que evidencia a capacidade letal deste instrumento. Além disso, 25 das 34 mortes tiveram as cenas dos crimes desfeitas, sendo quase impossível se estabelecer investigações.

Saiba mais

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – um tipo de ação judicial, prevista no artigo 102, § 1º, da Constituição Federal de 1988, que tem por objetivo impedir que o poder público pratique condutas inconstitucionais contra a sociedade.

Em novembro, ADPF nº 635/RJ, ou ADPF das favelas (como foi batizada pelas organizações envolvidas), foi proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da comprovação do aumento de operações policiais violentas e do crescimento considerável da letalidade policial nessas ações, que aconteceram em 2019, no Rio de Janeiro. A ação discute e propõe à Suprema Corte que declare inconstitucional a política de Segurança Pública adotada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, obrigando o governador, dentre outras medidas requeridas, a elaborar um plano de redução da letalidade nas operações policiais realizadas nas favelas.

Este plano deverá prever a proteção à comunidade escolar, participação social (transparência) na sua elaboração, e proibição do uso de helicópteros como plataforma de tiro. Dentre outros detalhes, os autores da ADPF propõem o prazo de 90 dias para que o Governo apresente o plano ao STF.

A participação de organizações sociais na discussão da ADPF 635 é fundamental, pois pluraliza a ação, trazendo diferentes pontos de vista, interesses e argumentos da vivência sobre quem acompanha de perto as violações cometidas. Essa participação é possível por meio de amicus curiae ou “amigos da corte”.

Para ser amigo da corte é necessário ser uma entidade ou instituição e demonstrar a capacidade de levar contribuições relevantes para o julgamento, além de demonstrar sua representatividade para discutir. São amicus curiae, na ADPF 635, a Redes da Maré, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Organização Conectas, o Movimento Negro Unificado e o ISER (Instituto de Estudos da Religião). O Coletivo Papo Reto, Movimento Mães de Manguinhos, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Fala Akari, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Social também colaboram na discussão do processo.

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