Pesquisa revela que ingredientes para pratos típicos apresentaram um aumento de 3,28%
Hélio Euclides e Jorge Melo
Edição #162 – Jornal Impresso do Maré de Notícias
“Olha a chuva. É verdade! Olha o preço baixo. É mentira!”. Uma série de acontecimentos prejudicaram o orçamento da população: as chuvas no Rio Grande do Sul, o consumo maior de produtos juninos e o dólar, que atingiu no dia 20 de junho o valor de R$ 5,46. Como sempre, o consumidor mais pobre foi o mais prejudicado e assustado com os preços nas prateleiras dos supermercados, feiras e sacolões.
Preços interligados
A interligação da economia, faz com que algo que acontece em um determinado lugar, atinja outros. Com as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em maio deste ano, enquanto pessoas perderam familiares e bens, em outros estados, havia quem pegava a calculadora para avaliar prejuízos e possíveis lucros com a situação.
O vilão da vez foi o arroz, que já vinha em alta desde o início do ano, em virtude de condições climáticas. Depois das enchentes no Rio Grande do Sul, que é um grande produtor do país, o que se viu foram consumidores correndo para estocar o produto, uma justificativa para mais aumento. No fim de maio, o arroz atingiu a sua maior cotação: R$ 122 a saca (50 kg), uma alta de 15% em relação ao início do mesmo mês.
Explicando o problema
O Governo Federal precisou intervir e decidiu importar 300 mil toneladas de arroz, por meio de um leilão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A proposta era que o saco de cinco quilos ficasse entre R$ 20 e R$ 25.
A tentativa de leilão foi um fiasco. O agronegócio justificou que empresas sem histórico de atuação no mercado de cereais participaram do leilão e arremataram lotes. Outra alegação é que o Rio Grande do Sul é responsável por 70% da produção nacional do grão, mas já havia colhido 80% do cereal antes das inundações. Argumentaram ainda que o Brasil é um grande produtor de arroz, com um aumento no ano de produtividade em torno de 7% a 8%, negando um problema de abastecimento.
Choveu formas de tentar frear a importação. O Partido Novo entrou com uma liminar que suspendeu o leilão e impediu a realização de outro evento. A Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o leilão, justificando que criaria instabilidade de preços, prejudicando produtores locais de arroz. Já os deputados ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) protocolaram uma denúncia junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), alegando que a importação pode ser usada como propaganda, já que a embalagem terá a logomarca do governo, o que pode ser considerado crime, por ser ano eleitoral.
Do outro lado do cabo de guerra, apoiadores do governo consideram a rotulagem razoável, já que o arroz será comprado com verba pública. O Conab também defende um novo leilão explicando que dessa vez serão contratadas empresas com capacidade técnica e financeira. O governo explica que planeja um novo edital moderno juntamente com a Advocacia Geral da União (AGU) e Controladoria Geral da União (CGU) para buscar correções. A urgência é justificável pelas questões logísticas que dificultam o escoamento temporário dos alimentos para o restante do Brasil, já que estradas gaúchas foram destruídas.
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Não só o arroz
Além do arroz, o Rio Grande do Sul também é um dos maiores produtores nacionais de soja, trigo e carnes, segundo dados da Conab. Outro problema climático que atingiu o estado, um ciclone subtropical, em 2008, resultou no aumento do arroz em cerca de 40% no atacado e 20% no IPCA em um mês, naquele ano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram a importância da economia gaúcha, que atingiu R$ 581,3 bilhões em 2021. O estado representa a quarta maior economia do país, com 6,5%.
Em entrevista ao site da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Alessandra Ribeiro, economista da tendências, destacou que a mudança de clima em função do El Niño afetou a oferta de alimentos in natura como cebola e batata. Em razão das enchentes do Rio Grande do Sul, ela espera ainda altas de preços mais persistentes de arroz, trigo e soja, o que poderá impactar indiretamente pães e carnes.
Procura e oferta
Os pratos típicos juninos não podem faltar nesta época: bolo de fubá, canjica, pamonha, milho, maçã do amor, cocada, arroz doce, caldo verde, curau, cuscuz, e tantos outros que dão água na boca.
O problema é que muitas dessas comidas utilizam em seu preparo ingredientes parecidos, o que causa maior procura e, segundo os produtores, justifica a alta dos preços neste período. É o caso do coco seco, que no início do ano custava R$ 120 o saco de 20 quilos. Com a chegada das festas, já é possível encontrar o produto por R$ 220.
Um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), revelou que ingredientes e insumos para os pratos típicos dessas celebrações apresentaram um aumento de 3,28% em comparação com o mesmo período do ano passado.
A Maré sente
O aumento do valor dos legumes é confirmado por Barbosa Lima, proprietário de um sacolão da Vila dos Pinheiros. “Ainda bem que baixou o preço da banana. Agora o que está com o preço lá no alto é a batata e a cebola. Acredito que seja em função das chuvas do Sul”, comenta. Segundo o FGV IBRE a batata inglesa subiu 60,66% nos últimos 12 meses, e no final de maio, o saco de 25kg chegou ao patamar de R$ 220.
“Sempre arrumam desculpas para aumento de preço. A batata no Ceasa agora no final de junho é possível encontrar entre R$ 140 e R$ 150 a boa, o que ainda é caro. Eles fazem o que querem, pois, a batata mais barata é toda ruim”, analisa Francisca de Oliveira, feirante da Nova Holanda.Cláudia Alves, da Vila dos Pinheiros, atua há 14 anos no ramo de alimentação, além de se considerar uma economista da favela. “O preço está em alta da farinha, batata, trigo, arroz e óleo. Colocam a culpa na enchente, mas antes o preço do arroz já estava em R$ 30. Acredito que é uma desculpa, a vilã mesmo é a inflação. Eu não repasso isso para os meus clientes, a tabela dos buffets é a mesma apesar da inflação. Percebo que as pessoas se aproveitam da situação para aumentar, um dia a batata é R$ 13 o quilo, já no outro é R$ 15”, reclama.