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Páscoa aperta e Ovos de Páscoa ganham opções mais baratas

     Com o aumento dos preços no chocolate, a Maré busca alternativa para não deixar a Páscoa amargar

Por Maria Clara Paiva e Hélio Euclides (*)

Com a chegada da Páscoa e o aumento no preço dos chocolates, moradores do Conjunto de Favelas da Maré buscam alternativas para não deixar a data passar em branco. Apesar da desaceleração da inflação no último ano; segundo estimativa do Banco Central, a inflação teve um leve reajuste para baixo de 5,96% para 5,95% em 2023; os ovos de Páscoa estão, em média, 12% mais caros, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). 

Chocolate amargo

Apesar de mais em conta que os ovos, os produtos à base de chocolate também sofreram aumentos acima da inflação. Nos últimos 12 meses, até janeiro, os preços do chocolate em barra e dos bombons acumularam alta de 13,61%, segundo o IPCA. É a maior variação desde fevereiro de 2017. 

Segundo a economista e professora da Faculdade Alvares Peteando, de São Paulo, Nadja Heinrich, “esse é um movimento que vem acontecendo há alguns anos, principalmente, após a pandemia, sendo reflexo de dois principais fatores: o preço do cacau no mercado internacional vem subindo consideravelmente e no pós-pandemia, o preço de insumos importados (por conta da depreciação do câmbio) e de embalagens plásticas e de papel também sofreu com a alta.”

Para Nadja Heinrich, essa disparidade de preços vem diminuindo o interesse na compra dos ovos.

“No caso dos chocolates, o aumento de preços é reflexo da escassez do cacau no mundo. A indústria brasileira de moagem de cacau depende em grande parte da importação desta matéria-prima. Os consumidores estão buscando soluções mais baratas que vão desde às barras e bombons de marcas conhecidas, como as opções de fabricação artesanal de ovos e bombons.”

Nadja Heinrich, economista e professora da Faculdade Alvares Peteando, de São Paulo.

O que dizem os produtores

Nice Bacelar (50), nascida e criada na Nova Holanda, não tem planos de comprar ovos de Páscoa. “Todo ano a gente tenta presentear os parentes, né? Só que eu estou comprando caixa de bombom e separando”. Célia Maria dos Santos (72) é aposentada, moradora da Nova Holanda desde 1965 e deve seguir os mesmos passos. “Não ovo, porque o ovo está caro, mais de cinquenta e poucos reais. Mas vou dar caixa (de bombom) e desejar paz para todo mundo né. Um “bombonzinho” que dê com amor é uma boa Páscoa” 

Os ovos passam por um processo de produção complexo, são embalados manualmente e as embalagens são mais caprichadas do que os chocolates comuns. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicap), “investimos em um longo período de preparação, cerca de um ano e meio antes da data comemorativa, para atender às demandas e preferências do público.” Além do mais, o ovo de Páscoa tem um custo maior pela questão transporte, estocagem e decoração, as fábricas também montam os túneis de ovos nas grandes redes. 

Alternativas

Nathalia Ladeira (33) é moradora do Parque União, dona da loja de doces artesanais Rainha das Delícias e disse ter notado o aumento no preço dos materiais, principalmente no chocolate. Nathália começou suas vendas há 5 anos na Maré e hoje possui duas lojas móveis no centro do Rio. 

Em outros anos, a confeiteira observou que nessa época sua agenda já estava cheia, mas ainda tem esperança por ter criado sua clientela. “Ano passado coloquei os produtos mais em conta e consegui vender bem mesmo e acredito que esse ano, por já saberem que trabalho com os ovos, a venda pode aumentar bastante.” Nathalia também afirmou que, na Maré, o que mais vende são os produtos mais baratos. 

Segundo Nadja Heinrich, “Provavelmente haja uma mudança cultural neste sentido, uma vez que os consumidores vêm buscando opções alternativas, desde o aumento na compra de barras de chocolate e bombons, bem como a compra ou confecção de ovos caseiros.”

Dicas de empreendedores de chocolates na Maré:
Rainha das Delícias – @rainhadasdeliciasoficial – (21)99901-2425
Gisele Aluna – @gidoces_654
Kit Confeiteiro – (21) 97215-3566 – (27) 99251-7309

(*) Maria Clara é estudante universitária vinculada ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Secretário Nacional das Periferias na Maré no domingo, 2/4

Guilherme Simões dialogou com coletivos e organizações locais e circulou pela favela Marcílio Dias 

Por Jéssica Pires

A visita foi uma iniciativa da própria secretaria e se iniciou com uma conversa na Associação de Moradores de Marcílio Dias e um circuito por pontos da região que apresenta sérios desafios no campo da habitação e da urbanização. Guilherme Simões, secretário da pasta que integra o Ministério das Cidades, recriado no atual governo Lula, é militante do movimento de moradias há 18 anos e foi professor do Curso Pré-Vestibular da Redes da Maré. Ele apresentou as frentes de atuação da secretaria: a urbanização de favelas e a prevenção de deslizamentos e as estratégias pensadas para ampliação da atuação da secretaria. 

Representantes de diversas organizações da Maré (Redes da Maré, Maré sem Preconceito, Maré Vive, Instituto Vida Real, Instituto Maria e João Aleixo, Observatório de Favelas, Casa Resistências, Organização Seja Democracia, Garotas da Maré, Maré 0800, Amarévê, Mulheres em Resistência, representantes da mandata da deputada Renata Souza, CEASM, O Cidadão, Frente de Mobilização da Maré, Mães da Maré, Gato de Bonsucesso, Projeto Impactando Kelson e Horta Maria Angu) estiveram presentes na agenda, apresentando pontos de pautas que podem ser observadas e acompanhadas pela secretaria. Também estiveram presentes presidentes de associações de moradores de favelas da Maré e representantes da Secretaria Municipal de Ambiente e Clima.

A Associação de Moradores de Marcílio Dias apresentou um documento com demandas mapeadas sobre a região. Foi comum nas falas dos representantes das organizações o sentimento de representatividade que surge com a liderança de Guilherme à frente da pasta. 

O secretário chamou atenção para a importância da participação popular mais profunda na elaboração das ações e estratégias da secretaria. É objetivo do ministério investir em urbanização em territórios vulneráveis e periféricos, porém com maior participação popular. É objetivo da secretaria conceder premiações para iniciativas em territórios periféricos que tenham tido experiências exitosas e realizar nos próximos meses um grande evento que possa coletivizar essas pautas. 

Shyrlei Rosendo, coordenadora do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes de Maré, trouxe a necessidade dessa participação ser mais diversa, com organizações que têm uma estrutura menos consolidada, mas acompanham o histórico da falta de investimento em manutenção e desenvolvimento na Maré. A pauta do racismo ambiental também foi destacada durante a conversa dos coletivos. Douglas Alencar, coordenador da organização Seja Democracia chamou atenção para as especificidades de formação e desenvolvimento dos territórios. 

A secretaria, que faz parte do Ministério das Cidades, está realizando a Caravana das Periferias, que será uma série de visitas em favelas e periferias de todo o país para construir um plano e política nacional de atuação nesses territórios. Neste sábado, o Secretário visitou a Rocinha, Morro da Providência e Duque de Caxias. No domingo Guilherme passou pelo Chapéu-Mangueira, Cascadura e Complexo do Alemão, além da Maré.

Confira mais da cobertura do Maré de Notícias nas redes sociais: @maredenoticias

Inscrições abertas para o Festival 3i

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Evento acontece entre os dias 5 e 7 de maio no Rio de Janeiro

 Ajor (Associação de Jornalismo Digital) abriu as inscrições para o Festival 3i 2023. Um dos principais eventos de jornalismo e empreendedorismo da América Latina, o 3i volta ao Rio de Janeiro para sua 4ª edição nacional, que acontecerá nos dias 5, 6 e 7 de maio, na Casa da Glória, região central da capital carioca.

Com um formato novo, que combina as tradicionais mesas de debates com workshops e apresentações de cases de sucesso, o evento coloca em pauta a sustentabilidade do ecossistema de mídia e os caminhos para um jornalismo cada vez mais inovador. 

O evento conta ainda com perspectivas para o novo jornalismo, abordando temas como o uso de dados e o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas para melhor execução do trabalho jornalístico; a preocupação com o bem-estar e segurança de profissionais, a adaptação às novas linguagens e plataformas de distribuição; o desenvolvimento de metodologias diversas de gestão e o estímulo à mentalidade de produto.

O passaporte para os três dias de evento custa R$250. Também serão disponibilizados ingressos por dia, no valor de R$150. Todas as alternativas têm meia entrada para estudantes. Profissionais de organizações associadas à Ajor também têm 50% de desconto na inscrição. Você pode comprar seu ingresso aqui.

Esta edição conta com patrocínio de Google, Meta, Luminate, Fundação Tide Setubal, Clua (Climate and Land Use Alliance) e produção da Cardápio de Ideias Comunicação e Eventos.

“O 3i Nacional está renovado, tanto em sua marca como em sua estrutura, com o objetivo de ser uma referência nacional em discussões sobre inovação e sustentabilidade do setor. Estamos muito felizes por voltar a realizar presencialmente este evento tão essencial para fortalecer o ecossistema de jornalismo digital brasileiro”, afirma Maia Fortes, Diretora Executiva da Ajor. 

Formatos

Entre os convidados desta edição, constam nomes do jornalismo nacional e internacional que estão inovando no desenvolvimento de modelos de negócio viáveis e em novas perspectivas para o mercado digital. A programação completa do evento será divulgada nas próximas semanas pelo site www.festival3i.org.

Além das mesas de debate, que acontecerão pelas manhãs e tardes do evento, o Festival também contará com apresentações de cases de sucesso no estilo “Ted talks” durante os intervalos. 

Os participantes poderão se inscrever em workshops que acontecerão paralelamente à programação, durante todo o evento, com temas como “Saúde mental nas redações”, “Como fomentar a mentalidade de produto na minha redação?” e “Como transformar uma ideia em um roteiro do Youtube?”. As vagas são limitadas e os inscritos serão selecionados por ordem de chegada.

Obra de saneamento na Maré nunca foi concluída

Iniciada pela CEDAE em 2013, há 10 anos, a obra da rede de esgoto se encontra inacabada e pior, sem responsável 

 Por Júlia Motta (*)

Há anos, os moradores do Conjunto de Favelas da Maré esperam o cumprimento da promessa de uma rede de esgoto que atenda às necessidades da população. Em 2023, essa promessa completa dez anos. De acordo com o projeto da Companhia Estadual de Águas e Esgoto-CEDAE, com previsão de início em 2013, seriam construídos troncos-coletores para levar o esgoto da Maré até a Estação de Tratamento de Esgoto da Alegria, no Caju. Hoje, o que temos é uma obra inacabada e água contaminada escorrendo pelas ruas. 

O principal problema é que o sistema de coleta é antigo, construído quando havia poucas casas. Acontece que hoje já são 140 mil moradores, de acordo com o Censo Maré 2019. O poder público não acompanhou esse crescimento para suprir a ocupação do Conjunto de Favelas e hoje os mareenses enfrentam esgoto a céu aberto e, em período de enchentes, entrando nas casas.

O Sistema de Esgotamento Sanitário da Maré está saturado, operando acima do seu volume limite. Mariane Rodrigues, coordenadora do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré, relata que apesar da coleta acontecer, há uma sobrecarga visível. “A gente vê, em temporadas de seca, o esgoto correndo, que vai direto para a Praia de Guanabara, no Conjunto Esperança.”

O elefante branco

A obra dos troncos-coletores fazia parte do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, o PDGB, criado há 28 anos e não concluído até hoje. A verba para as obras foi suspensa, e a ligação do esgoto da Maré com a ETE Alegria, que hoje opera com apenas 15 a 20% de sua capacidade, nunca aconteceu.  

Apesar da obra completar dez anos, os moradores da Maré não têm esclarecimentos sobre seu andamento. Mariane Rodrigues afirma que “as informações, por exemplo, que constam na Ação Civil Pública-ACP são muito vagas com relação a isso. Eles sempre falam que de fato houve obras, mas foram de manutenção, estruturantes”. 

À época da promessa, em 2012, o Maré de Notícias publicou uma matéria registrando o comprometimento, e em 2021, nove anos depois, foi publicada outra reportagem cobrando a finalização da obra. Além disso, todo ano o Jornal traz relatos de denúncias sobre a situação do saneamento básico no Complexo.

“As ruas são valas puras, mesmo com o sol a água transborda. Sem falar nos insetos que proliferam, como ratos, lacraias e baratas. Já cheguei a contrair uma bactéria na perna. Sempre foi assim, mas piorou com os anos, após o aumento do número de casas. Precisamos de uma solução”, nos contou Daiana Ventura, em 2021, na matéria Regiões da Maré sofrem com galerias de águas pluviais e descarte de esgoto inadequado. Além dela,  Samanta Gracie, Dona Tereza, Vitor Félix, Ruth Osório e muitos outros moradores ouvidos pelo Jornal registraram seus relatos de descaso do poder público com saneamento básico da Maré.

Mão na massa

Diante desse quadro, os próprios mareenses tomam providências. Numa tentativa de melhorar a situação, alguns moradores fazem ligações com as “bocas de lobo”, responsáveis pelo escoamento da água da chuva, com destino aos rios. Isso gera um ciclo de poluição das águas e nenhuma solução definitiva é tomada. “A gente consegue ver uma manilha, que deveria sair só água da chuva, saindo esgoto que vai direto pra Baía de Guanabara”, reforça Mariane Rodrigues.

Durante esses dez anos de obra, a coordenadora aponta que ao invés de melhorias, o que se viu foi a precarização do sistema de saneamento. “São bueiros e bocas de lobo cada vez mais entupidas.” E apesar das cobranças, não há um diálogo com a atual concessionária, Águas do Rio, que se tornou responsável pelo esgotamento sanitário do Rio de Janeiro em 2021. 

Segundo Mariane Rodrigues, há quatro anos, a Redes da Maré tinha contato com o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA), onde conseguia informações através de um defensor público parceiro da Redes, “mas depois que o GAEMA foi desfeito, alguma coisa mudou dentro do Ministério Público e a gente não consegue mais informações. Então há uma dificuldade de acompanhar esse processo”, finaliza Mariane Rodrigues reforçando que ela está tentando resgatar através da Lei de Acesso à Informação.

Esgoto transbordando

Como mais uma consequência do problema, os moradores também sofrem na época das enchentes. Com as bocas de lobo entupidas pela ligação incorreta com as redes de esgoto, a água da chuva não consegue escorrer. “A gente concorda [com a ligação ETE-Alegria] no sentido de que precisamos de obras estruturantes e de atualização”, esclarece Mariane Rodrigues. “Mas junto com essa obra a gente precisa de algumas ações de Educação, de assessoria técnica aos moradores, para que eles entendam qual que é a responsabilidade deles no sentido do que pode ou não fazer”, 

Por essa razão, a coordenadora defende que deve haver uma parceria entre a Águas do Rio, responsável pela rede de esgoto, e a Prefeitura, que trata das águas pluviais. “Não é só o esgoto ali que a gente precisa tratar, né? A gente precisa tratar do saneamento como um todo”, concluí Mariane Rodrigues.

Quem é o responsável?

Durante a investigação, o Maré de Notícias descobriu que a obra não está nem com a CEDAE, nem com a Águas do Rio. Apesar de ter começado a atuar como concessionária dos serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário do estado do Rio de Janeiro no lugar da CEDAE, em 2021, a Águas do Rio afirmou não ter essa obra em seu planejamento e está responsável apenas pela extensão das redes de abastecimento de água na Maré.

A empresa indicou o contato da CEDAE, que por sua vez disse que por não ser mais a responsável pelo esgotamento sanitário no Rio de Janeiro, não pode informar sobre a obra, e indicou que poderia estar sob comando do Programa de Saneamento Ambiental, que assumiu uma série de projetos de saneamento.

O PSAM é uma iniciativa de ampliação do serviço de saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro, criado em 2011. Em seu site, existe, de fato, a obra da ETE-Alegria, intitulada “Faria Timbó”, nome do tronco-coletor a ser construído. Porém, entre os bairros abrangidos pela obra, não consta a Maré. 

Há previsão de que o Conjunto de Favelas vai receber outro tronco, “Roquete Pinto”, para solucionar o problema do sistema de esgoto sanitário e de drenagem pluvial. A expectativa é de mais espera, já que essa nova obra está na fase de licitação, que é o processo de seleção e contratação de uma empresa para execução da obra. 

Dez anos depois, os moradores do conjunto de favelas da Maré continuam sem a obra, sem um sistema de esgoto compatível com suas necessidades e sem respostas.

(*) Julia Motta é estudante universitária vinculada ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

A quem interessa um jornalismo sanguinário?

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A incansável questão dos veículos da grande mídia que seguem criminalizando as favelas e fechando os olhos para o que há de positivo

Por Rennan Letta (*)

O jornalismo tradicional carece de uma ocupação favelada. Começo com essa afirmação pois, em pleno 2023, é incabível que o foco de alguns programas e até mesmo emissoras ainda seja criar sensacionalismo e estereotipar as favelas. A relação da grande mídia com as favelas, tema do meu TCC “O IMPACTO DO JORNALISMO COMUNITÁRIO NAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO: OS CASOS EXEMPLARES DO VOZ DAS COMUNIDADES E DO FALA ROÇA” e de tantos outros trabalhos, continua a seguir padrões que não cabem mais nos dias atuais.

Nesta segunda-feira (27/03), o jornal Balanço Geral, da TV Record, apresentado pelo Tino Júnior, exibiu ao vivo um lamentável acontecimento em Guadalupe. Um caminhão de carga foi roubado e traficantes da região estavam distribuindo as mercadorias. A reportagem fez a Polícia Militar agir rapidamente, com o envio do blindado Caveirão para o local, resolvendo a questão e começando um intenso tiroteio. Entretanto, o novo episódio dessa relação entre o jornalista que vive no ar condicionado e a realidade das favelas não parou por aí: o helicóptero subordinado ao apresentador – intitulado de “Mosquito Fofoqueiro” – ficou por mais de duas horas sobrevoando o local exibindo o furto, a chegada da polícia, a troca de tiros, a fuga dos bandidos pela mata, pessoas andando na rua e outras dezenas de informações e imagens que serviam um prato cheio para o programa criar sensacionalismo e dizer que o bairro, que tem mais de 47 mil moradores e mais de 3 milhões de metros quadrados, se resume à violência mostrada por eles.

Após ver – contra a minha vontade, diga-se – essa cobertura jornalística, eu fiz a seguinte postagem no Twitter:” O programa do Tino Junior ficou 2h mostrando imagens de helicóptero em Guadalupe. Não é possível que a visão editorial da Record seja só isso. Não tem NADA produtivo para mostrar? Não tem NADA no Rio de Janeiro, nas favelas, nenhuma ação que precise de visibilidade?”. Uma indagação que vem pautada não apenas por ser a minha área de pesquisa acadêmica, mas pela experiência de ter feito parte da equipe de jornalistas do Voz das Comunidades por mais de três anos, vivendo a fundo a cobertura sobre as favelas do Rio de Janeiro – no território, não do ar do escritório. Ainda assim, o questionamento foi respondido com uma série de ataques do Tino Junior, que repetiu diversas vezes o meu nome ao vivo por mais de cinco minutos, como se eu fosse contra à exposição dos criminosos e, obviamente, sem eu ter o direito de resposta. Além disso, o apresentador postou em seu Twitter, o que gerou uma onda de ataques direcionados a mim, ao Voz e a outros comunicadores de favela, feitas por contas fakes e fãs do programa e do Tino.

Essa conduta jornalística de desumanização das faveladas ajuda a perpetuar a visão de que a favela é um território marginalizado e todos os seus moradores são “bandidos”, ainda que nunca tenham entrado para o tráfico. É importante lembrar que essa desumanização, que fortalece o racismo estrutural no Brasil, já ocorria no Rio de Janeiro pré-Abolição e continuou quando, a partir de 1897, as favelas surgiram. O jornalismo comunitário, que parte de dentro da favela, começou a propor a mudança de visão midiática sobre esses locais. Na base da cobertura da grande mídia é possível observar a falta de conhecimento territorial e a necessidade de mostrar o óbvio – que a criminalidade existe. As matérias, geralmente, são pautadas pelos releases da própria polícia militar, o que gera a invalidação das falas dos moradores ou, muitas vezes, estes sequer são ouvidos sobre toda a situação que aconteceu. Isso não vem de agora. É fato que o crime existe, tanto na favela quanto fora dela. Inclusive, com conhecimento e, às vezes, aval do Estado. Qual é o objetivo, então, de se mostrar por mais de duas horas algo que todos já sabem, enquanto deixa invisível ações positivas que precisam de um impulsionamento?

Entre 2005 e 2006, no artigo ‘Comunidade e humanismo prático: a representação da periferia no Rio de Janeiro’, Raquel Paiva e Gabriela Nóra listaram 645 matérias sobre favelas do Rio de Janeiro, das quais 498 (77,2%) traziam um olhar sobre a violência e tráfico de drogas. Em 2019, os principais jornais impressos do Rio de Janeiro – O Dia, Extra, O Globo e Meia Hora – noticiaram as favelas em suas respectivas capas 84 vezes em 92 dias, sendo 80 de forma negativa e apenas 4 de forma positiva, como mostrou o jornalista Michel Silva em seu trabalho ‘Quem vê capa não vê coração’.

Portanto, isso precisa mudar. Se o jornalismo tradicional continua virando o rosto para o que há de bom e reforçando estereótipos e sensacionalismo nas favelas, o trabalho desenvolvido nos veículos de comunicação comunitária sai em defesa do povo e do território. Resguardar a comunidade para que os serviços essenciais cheguem é uma atividade diária nas redações que, muitas vezes, viram locais de atendimento social para os moradores. A ajuda vai além da denúncia e das manchetes; é uma ação política. Ação que gera cultura, educação e projeção para os moradores.

O trabalho do jornalismo comunitário, realizado no Voz das Comunidades, Fala Roça, Maré de Notícias, Frente CDD etc, mostrou que, dentro das favelas, há muitas histórias e muito conteúdo para além dos problemas de violência. Esporte, cultura, empreendedorismo, comunicação e tecnologia ocupam espaços que sempre foram dados somente à barbárie. Ficou evidente que não basta apenas o conhecimento sobre lide, release, título, fotografia, edição de vídeo, entre outras técnicas do jornalismo tradicional: o jornalista que quer cobrir as favelas deve se preparar e ter a consciência de que as notícias contêm todo um cenário social que importa na abordagem, na apuração e na publicação de cada matéria. E que a diversidade das pautas importa muito.

Por fim, reafirmo: falta mais favela na grande mídia, por mais que os veículos de comunicação comunitária venham ganhando cada vez mais espaço de visibilidade, sobretudo na internet. A rede aberta de televisão ainda tem um alcance muito maior e mais efetivo. Quantas pessoas da favela estão apresentando algum jornal na TV aberta? Quantos editores da TV aberta são favelados(as)? Quantos produtores? São questionamentos pertinentes e que precisamos, sim, reivindicar. As nossas histórias não podem ser contadas sempre por alguém de fora, que muitas vezes nunca pisou no território e não tem compromisso nenhum com o que aquela fala vai gerar. Não podemos mais normalizar que ataques sejam feitos em rede aberta, para milhões de pessoas, sem que tenhamos ao menos o direito de resposta. Não é sobre fingir que nas favelas não existe violência, mas sim sobre mostrar o que há de bom. Até porque, nos bairros ricos também existe violência, tráfico e roubos. Mas quantas vezes vocês viram o Mosquito Fofoqueiro sobrevoar a orla de Copacabana ou o Vivendas da Barra?

Rennan Letta é jornalista, escritor e poeta, autor do livro Palavras do Mundo. Comunicação é sua área de investigação com ênfase em movimentos sociais, periféricos e favelados. Cria da comunidade Mata Machado, é fundador e CEO da Casa Favela. @rennanleta em todas as redes sociais.

Os artigos publicados nesse site não necessariamente expressam a opinião do jornal.

“Força Flu” fortalece a Páscoa na Maré

  Uma das mais tradicionais torcidas organizadas do Fluminense há 8 anos promove ações sociais na Maré

Por Maria Clara Paiva (*)

No próximo sábado (8), a Torcida Força Flu realiza uma ação social de Páscoa no Conjunto de Favelas da Maré. O evento acontece a partir das 14h na rua Capitão Carlos 313, na Baixa do Sapateiro, e prevê atender, em média, 100 crianças. Com uma programação livre, a organizada vai equipar o local com piscina de bolinhas e pula-pula, além de oferecer lanches e distribuir caixas de bombom. A Força Flu é uma das mais tradicionais torcidas organizadas do Fluminense e há 8 anos promove ações sociais na Maré.

Ana Isabel de Azevedo, monitora do comando feminino da TFF, diz que o objetivo da ação é proporcionar um dia especial na vida das crianças.

“Essa é à nossa maneira de levar esse carinho, esse afeto, até essas crianças. Nas nossas ações já chegamos com introdução de alimentos, brincadeiras, e não há dinheiro no mundo que pague cada sorriso, cada abraço. Sempre é muito gratificante estar ali e saber que você fez a diferença na vida daquela criança”.

Ana Isabel de Azevedo, monitora do comando feminino da TFF

O financiamento das ações é feito através de doações por depósito bancário (PIX) ou pessoalmente, na hora do evento. A maior parte das doações vem dos componentes da torcida e de moradores e comerciantes da rua Capitão Carlos. Existem também contribuintes de fora e toda doação é bem-vinda.

E já deixamos aqui nosso convite para que se outra torcida organizada ou outras pessoas quiserem contribuir com algum tipo de ajuda, pode entrar em contato conosco do Comando Feminino da Força Flu nas nossas redes sociais, toda ajuda é muito bem-vinda; e falar que mais que levantar a bandeira da nossa Torcida, levantamos a bandeira da paz, do lazer e do esporte, favela é lugar de paz.”

Ana Isabel de Azevedo, monitora do comando feminino da TFF
Foto: Força Flu

(*) Maria Clara Paiva é estudante universitária vinculada ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)