Iniciativa faz parte do programa de extensão da UNIRIO em parceria com a Redes da Maré
Samara Oliveira
Uma parceria que já dura há 12 anos, ganha mais um capítulo no Conjunto de Favelas da Maré. O programa “Teatro em Comunidades” da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em parceria com a Redes da Maré, faz parte do programa de extensão do Departamento de Ensino do Teatro da universidade, e está com inscrições abertas.
Podem se inscrever crianças e adolescentes de 8 a 17 anos no Centro de Artes da Maré (CAM) localizado na Rua Bittencourt Sampaio, nº 181, e a partir dos 14 anos, sem limite de idade, para compor a turma intergeracional devem se inscrever no Centro Municipal de Saúde Américo Veloso, localizado na Rua Gérson Ferreira, nº 100, em Ramos. As aulas começam neste sábado (1), mas as inscrições seguirão abertas para preencher todas as vagas e também para abrir lista de espera para as próximas turmas.
A iniciativa de extensão foi criada em 2011 coordenada pela professora Marina Henriques Coutinho desde então.
“Vejo essa parceria entre UNIRIO e Redes como uma política de via de mão dupla, na qual os saberes produzidos na universidade dialogam com os saberes produzidos na Maré. A parceria contribui com a formação dos(a) licenciandos(as) em Teatro (Unirio) e também com a formação pessoal e artística das crianças e jovens mareenses que, muitas vezes, entram em contato com a linguagem do teatro pela primeira vez. Há também uma ação de formação de público quando apresentamos a Maré de espetáculos no CAM. As peças que montamos abordam, quase sempre, com humor e crítica, temas relativos às vivências dos participantes no território. Percebo este programa como uma ação política que busca democratizar não apenas o acesso à arte mas, principalmente, a produção de arte pelos próprios moradores da Maré”, afirma Coutinho.
Quem acaba comprovando as palavras da coordenadora de que o projeto contribui para a formação pessoal e artística dos jovens mareenses é a Elymara Cardoso, de 30 anos, que viu sua vida mudar através da iniciativa. Após assistir uma peça no Teatro João Caetano sobre uma história que se passava em Uganda, na África, mas não ver nenhum ator negro no palco Elymara saiu do espetáculo certa de que queria fazer teatro, mesmo cursando letras na época.
Foi assim que ela encontrou o programa, se tornou aluna e em seguida prestou vestibular para ingressar na UNIRIO para cursar licenciatura em teatro em 2017. No mesmo ano, foi convidada para ajudar nas aulas do projeto e em paralelo a sua formação na universidade ficou seis anos lecionando no programa de extensão. Atualmente atriz e professora de teatro, Elymara fala como o projeto oferece oportunidades para os marreenses.
“Há algum tempo atrás não era possível termos acesso à universidade. Hoje, por exemplo, o teatro em comunidades é um diálogo da universidade com a sociedade. É uma ponte. Então abre-se um leque de oportunidades, sabe? Tanto que muitos alunos do projeto ingressaram na universidade depois e isso é um ganho enorme”, afirma Elymara que complementa “Eu posso dizer que o teatro em comunidades fez isso comigo, hoje estou formada pela Unirio e isso tudo só foi possível por conta desse teatro, por conta do Programa Teatro em Comunidades”. Para saber mais sobre o projeto clique aqui, e acompanhe @teatroemcomunidades no Instagram.
Iniciativa visa facilitar a comunicação nas áreas de Ramos, Maré, Alemão, Vigário Geral, Penha, Penha Circular e Ilha do Governador
Por Samara Oliveira
A Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e a Coordenadoria Geral de Atenção Primária da Área de Planejamento 3.1 (CAP 3.1) estão promovendo, através do WhatsApp, mais proximidade com os pacientes das unidades de saúde.
A CAP 3.1 que corresponde pelas áreas de Ramos, Conjunto de Favelas da Maré, Complexo do Alemão, Vigário Geral, Penha, Penha Circular e Ilha do Governador agora conta com um número de WhatsApp por equipes.
“Essa é uma ferramenta para facilitar a comunicação com nossos cadastrados. O número será utilizado para avisar ao paciente sobre a marcação de uma consulta, sobre o SISREG (Sistema de Regulação), e como eles também terão os números salvos, podem mandar mensagens para tirar dúvidas. Assim a gente facilita a comunicação e o acesso para nossa população”, explica o coordenador, Thiago Wendel.
Na Maré, sete unidades de saúde participam da iniciativa que, somadas, resultam em 40 equipes com os números do WhatsApp a seguir. O paciente deve consultar na lista a clínica do seu território e em seguida o nome da equipe que pertence. Para moradores dos outros territórios atendidos pela CAP 3.1 basta clicar neste link e colocar o endereço da clínica que recebe atendimento.
Resultados já são publicados em revistas científicas; pesquisa se encontra na terceira fase, que acompanha mais de seis mil pessoas com coleta de dados
Por Hélio Euclides
Há cerca de três anos o Brasil teve o primeiro caso diagnosticado de Covid-19. No dia 26 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde confirmou que um homem de 61 anos, em São Paulo, estaria infectado com o coronavírus. O que parecia algo superficial, virou uma epidemia e depois uma pandemia. A imunização se transformou numa esperança e uma corrida contra o tempo. A imagem do influenciador e morador da Maré, Raphael Vicente, em agosto de 2021 recebendo o imunizante trouxe uma alegria aos moradores com a Vacina Maré. A campanha além de duas edições de vacinação em massa, ainda conta com uma pesquisa global sobre a eficácia da vacina e variantes da doença, além de um estudo sobre sequelas pós-covid.
A pesquisa Vacina Maré é uma iniciativa da Fiocruz, em parceria com a Redes da Maré e a Prefeitura do Rio. O projeto que reúne cerca de 6.500 moradores da Maré monitorados e acompanhados por profissionais de saúde tomou proporção nacional. Um exemplo disso foi o discurso da Ministra da Saúde, Nísia Trindade, durante a cerimônia de posse do cargo, no último dia 02 de janeiro, em Brasília. “Sempre tive forte relação com os movimentos sociais. Quero cumprimentar a pessoa de Eliana Souza, coordenadora da rede Maré, com quem pude realizar intenso trabalho e que considero um exemplo para o país, de como as nossas periferias, nossas favelas, quando unidas e num trabalho articulado com a academia, podem superar obstáculos. A vacinação na Maré foi um sucesso e motivo de grande alegria”, discursou.
Uma das lideranças da campanha é Luna Escorel Arouca, coordenadora do Eixo Direito à Saúde da Redes da Maré. Ela afirma que a Campanha Vacina Maré foi um elemento com significado positivo. “Muito bom ver as notícias do território que dessa vez não falavam da violência e da perda de direitos. Falou-se da saúde. Foi um impacto concreto que cessou as mortes em virtudes do covid. E o número de casos foi reduzido em 15 semanas da primeira fase. Na época estava com grande mortalidade”, conta.
A Vacina Maré se destacou por ser um trabalho em conjunto, onde as unidades de saúde tiveram um olhar maior para os equipamentos, a ciência, a sociedade civil e o poder público. A campanha é um conhecimento compartilhado, tendo um reconhecimento dos profissionais de saúde. “A campanha foi no geral um engajamento que envolveu todos, deixando as pessoas felizes. Plantou-se algo de bom na história. Teve um contexto mais amplo, com narrativa contra a crise sanitária. A Maré é grande e tem um olhar global. Serviu de base para um artigo científico, para estudo”, afirma.
A Maré tem 140 mil moradores num conjunto de favelas onde cada lugar tem a sua diversidade. Para a realização da Vacina Maré foi necessário que não viesse algo de cima, mas com a construção comunitária. “A Redes da Maré mostrou capacidade de estrutura e gestar um projeto com logística de um ato social, junto com outras instituições e coletivo. Foi o poder de mobilização para a organização local. A campanha mostra que a democracia se faz com um olhar para frente”, detalha.
A campanha fortaleceu um conjunto de ações permanentes. “O nascimento do Eixo de Direito à Saúde da Redes da Maré não se deu por acaso. Ele já existia por meio da promoção de saúde realizada pelo Espaço Normal, Maré de Direitos, Casa das Mulheres, Heróis da Dengue e outros projetos. Foi um movimento natural e orgânico, do direito à saúde e assim se deu a composição do eixo”, conclui.
Uma construção coletiva
A pesquisa começou com a coleta de dados e passou por uma reconvocação. Há profissionais que vão às casas e acompanham outras doenças e dados. “Eu vejo o trabalho de uma grande importância, porque partiu de um acontecimento histórico na Maré, quando estamos em campo fazendo visitas, nós conseguimos realizar nosso trabalho e para além, levamos informações, conversamos e estreitamos laços com os moradores”, explica Raimunda de Sousa, articuladora territorial, moradora da Vila dos Pinheiros.
Com esse trabalho é possível a permanência na pesquisa. Há continuidade com a coleta de dados que vai produzindo resultados que precisam ser cruzados. Um diferencial é ter a presença dos moradores na captação de dados. “Cada um de nós fica responsável pelo território que mora, então conseguimos articular bem porque conhecemos a nossa a área, os moradores, e também trabalhamos em conjunto com a unidade de saúde”, conclui. A parte da pesquisa que acontece na Maré deve durar, pelo menos, até o final de 2023, e avalia, entre outras coisas, a efetividade da vacina, a eficácia da dose de reforço e novas variantes no território.
Um estudo em desenvolvimento
Fernando Bozza, pesquisador da Fiocruz, sente que o trabalho da pesquisa contribuiu para o fortalecimento da instituição e no trabalho da ministra junto a outras favelas. “É uma satisfação ter a ministra acompanhando desde a origem esse trabalho. Ela tem um olhar pelo acesso à saúde que permite uma acessibilidade e prioridade. Fiquei feliz por ela citar uma ação local que se torna inspiração para uma política pública”, diz.
Todas as estratégias que recebem muitos elogios e visibilidade nos incentiva a continuarmos. Bozza percebe isso no discurso da ministra. “O programa de pesquisa está ampliado para além do covid, envolvendo outras vacinas e preocupado com baixa imunização das crianças. Ainda abrange ações de meio ambiente e os serviços de saúde. A organização do Vacina Maré impacta nas unidades de saúde, por meio do Conexão Saúde”, explica. A pesquisa se encontra na terceira fase, que acompanha mais de seis mil pessoas com coleta de dados.
A pesquisa já apresenta vários resultados, todos publicados em revistas científicas. “Há um estudo de coorte, que é uma avaliação de efetividade da vacina. Um dos estudos é sobre a queda da mortalidade com o Conexão Saúde. Há também um trabalho sobre o covid longo, ou seja, 20% dos entrevistados que confirmam até seis meses de sintomas e o tratamento da cabeça, ou seja, o estudo mental”, comenta. Para Bozza, o Vacina Maré é inovação para a ciência e para os projetos sociais. “Pode-se trabalhar em conjunto, pois é potente para mudar e gerar conhecimento. Tem muitos frutos para a Fiocruz. O Vacina Maré traz uma pesquisa de estudo de caso, com um diferencial: a maneira e a importância que é desenvolvida”, finaliza.
*Esta reportagem foi produzida por meio do projeto Sala de Redação, desenvolvido pela Énois, um laboratório de comunicação que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. As informações foram apuradas de forma colaborativa pelo Maré de Notícias (RJ).
Encontro acontece desde esta segunda (20) na Argentina
Por Jéssica Pires
A terceira edição do Fórum Mundial de Direitos Humanos que aconteceu entre os dias 20 e 24 de março, em Buenos Aires, foi pensando como um espaço de debate público sobre os Direitos Humanos no mundo, os principais avanços e desafios focados no respeito às diferenças, na participação social, na redução das desigualdades, na promoção da equidade e da inclusão social. O encontro foi dividido em 26 eixos temáticos: Memória, Verdade e Justiça, Mobilidade Humana, Mudanças Climáticas, Discriminação, xenofobia e racismo, Direitos Digitais foram alguns deles.
A Maré foi pauta durante um ciclo de conversas sobre “Impactos nos Direitos Humanos dos mercados Ilegais”, na mesa “Organização Comunitária contra a Violência – Organizando experiências para resistir ou contrariar a violência e o controle territorial por grupos armados”. Lidiane Malanquini, assistente social e coordenadora da área de Incidência Politica da Redes da Maré, compartilhou a experiência da organização nos processos de mobilização e articulação comunitária, com foco em como atuar no território que tem atuação de grupos civis armados.
Lidiane apresentou um pouco dessa experiência de muitos anos da Redes, atuando em várias áreas e especificamente sobre o trabalho realizado pelo eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, em dias de operações policiais, e o trabalho do Espaço Normal em um trabalho de proteção e cuidado às pessoas ameaçadas. Participaram também da mesa Maria Claudia Albornoz, da organização A Poderosa (Argentina), Nahuel Bergier, Secretário de Justiça e Segurança do município de Moreno (Argentina), José Luis Calegari, Centro de Participação Popular Angelelli (Argentina) e a mediação foi de Alejandro Gelfuso – Cidade do Futuro – Argentina).
“Pra gente da Redes da Maré estar em um espaço como o Fórum Mundial de Direitos Humanos é muito importante. E a gente centralizar o debate sobre direitos humanos a partir da favela é fundamental, entendendo que a efetivação de direitos se constrói no cotidiano, no dia a dia. É fundamental organizações de base comunitária como a Redes da Maré construir esse espaço”, compartilha a assistente social.
O curta que mostra a memória e shows da população LGBTQIA+ na Maré das décadas de 1980 e 1990 foi exibido na Virginia Tech, universidade dos Estados Unidos.
Por Andrezza Paulo
O filme Noite das Estrelas foi apresentado pelo diretor Paulo Victor Lino na última sexta-feira (17) na Virginia Tech, nos Estados Unidos. O projeto do Entidade Maré tem como principal inspiração a memória e história cultural LGBTQIA+ na Maré contada através dos shows realizados nas décadas de 1980 e 1990 no território, um deles intitulado como “Noites das Estrelas”, que deu nome ao curta.
Paulo Victor, fala da importância desse resgate histórico e cultural: “É um movimento cultural LGBTQIA+ que movimentou a Maré durante duas décadas e que não está registrado nas produções do território. Sentimos esse incômodo e tínhamos a urgência em tornar a memória pública, dentro do que sabemos fazer: arte”, contou.
Desde sua estreia em 2021 no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, o projeto se expandiu e ganhou novos horizontes: em 2022 foi apresentado na Alemanha pelo também diretor Wallace Lino e agora, 2023, nos Estados Unidos. “Escrevemos e elaboramos o projeto em formato de filme e a expansão desse trabalho é sobre as manifestações não contadas e todas as histórias dessas LGBTs negras da Maré que agora são reverenciadas”, disse o diretor.
A exibição do filme fez parte da Conferência de Gêneros, Corpos e Tecnologia da Virginia Tech, em Virginia, Estados Unidos, na mesa que discute as relações queer negras. Paulo Victor enfatiza a relevância da investigação das relações LGBTQIA+, especialmente as negras e faveladas: “Investiguem cada vez mais porque existe um epistemicídio muito grande nesse Brasil que exclui histórias de LGBTs, de negros, de mulheres. A gente vai colocando cada vez mais as nossas histórias como as narrativas que também constroem esse país.”
Novos planos
O Noite das Estrelas, com apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro através do Edital FOCA, vai ocupar o território da Maré com linguagens artísticas sobre a história dos shows das décadas de 80 e 90. Além da exibição do filme, o projeto ganhará um espetáculo e outras manifestações culturais que resgatam a cultura, a memória e a história LGBTQIA+ na favela.
Difícil saber por onde começar. Poderia escolher a ordem cronológica e contar que dividimos (eu, Tassia e o Fábio Caffé, repórter fotográfico) a nossa cobertura em duas experiências: uma visita à Rua Benjamin Constant, na Glória, no dia 2/12/22, quando o Brasil enfrentou Camarões; e na Nova Holanda, uma das 16 favelas que fazem parte da Maré, no dia 5/12/12, quando houve a goleada de 4×1 contra a Coreia do Sul.
Segui meu desejo e inicio o relato pela história da dona Helena Edir, de 72 anos, uma matriarca da Maré, que há anos é responsável pela decoração da Rua Ivete Vargas durante as copas do mundo. Esse é apenas um dos atributos dela, que além de ser conhecida como a “mãe de todos”, também é educadora e engajada nos movimentos sociais de mulheres e negros no bairro. Dona Helena foi a última pessoa que encontramos ao longo de dois dias, mas mesmo antes de vê-la, foi comum ouvir seu nome entre os moradores. Afinal, sem ela, o verde e amarelo talvez não estivesse assim tão presente naquela rua.
Torcedores durante Brasil x Coréia do Sul. Copa do Mundo 2022. Rua 4 atual rua Ivete Vargas, Nova Holanda, Favela da Maré, RJ.
Não só por ela, certamente. Afinal, é tudo feito coletivamente. Outra vizinha, a dona Maria da Penha, além de ser outra decoradora ativa, cede a garagem da sua casa e sua televisão para fazer a transmissão oficial da rua. Moradora da Maré há 45 anos, ela se mudou quando casou e nunca mais saiu. Conhece e já pegou no colo muitos dos adultos, que hoje, levam suas crianças para assistirem ao jogo ali na porta de sua casa. Com direito a cadeiras para fazer de arquibancada, pipoca para as crianças no intervalo e um toldo colocado às pressas quando a chuva começou a cair, a alegria era contagiante (inclusive a minha), cada vez que a bola atingia a rede e marcava mais um para a seleção brasileira. Daquela vez, no entanto, ela decidiu não fazer o churrasco que tinha feito quando o Brasil perdeu para Camarões, para não trazer azar. Naquele dia, deu certo.
Dona Maria da Penha que cedeu a garagem de sua casa para torcedores durante a Copa do Mundo 2022 na Nova Holanda, Favela da Maré, RJ. Foto: Fabio Caffé
Da mesma maneira, outro morador, o Hugo, defendeu que o Brasil só havia perdido para o país africano porque ele não estava bebendo. Afinal, na partida em que decidiu tomar de novo a sua gelada, logo nos 6 primeiros minutos o Brasil já estava marcando. Enquanto isso, uma família da rua de trás fazia pela primeira vez um churrasco com os vizinhos, que afirmavam que teriam que manter a nova tradição. E eu, que virei a mascote da rua, fui acusada positivamente de levar sorte para o Brasil. Minha missão: voltar no jogo seguinte para garantir. “Futebol é superstição. Se fez e está funcionando, tem que manter”, me disse uma das vizinhas. Sem pressão, né?
A rua toda torce muito. As crianças se vestem a caráter, bem brasileiras… é um encanto. E naquele dia, a alegria pairava na Ivete Vargas, no meu rosto e de Fábio também. Porém, apesar de ser torcedora ferrenha, Dona Helena não fez parte da festa. A prova de como ela é intensa quando se fala de Copa do Mundo é a foto que virou quadro na parede da casa de sua sobrinha Adriana, onde a matriarca também reside. A imagem a mostra chorando após a derrota do Brasil para a Alemanha, em 2014, no famoso 7 a 1. Desta vez, no entanto, ela não estava presente na torcida e descobrimos o motivo quando, por acaso, após o fim do jogo, paramos na casa de Adriana.
Família da dona Helena durante o jogo do Brasil x Coréia do Sul na Copa do Mundo 2022. Na parede, o quadro em homenagem a ela. Foto: Fabio Caffé
A razão é que pouco antes do campeonato começar, não só Helena, mas a rua inteira perdera uma pessoa muito querida: dona Vera Lúcia, irmã da educadora. Ela estava na rua arrumando as bandeirinhas, quando passou mal e não resistiu. Apesar da dor da falta, uma homenagem foi feita, com a celebração de uma missa de sétimo dia naquela mesma rua, pintada e colorida por todos, incluindo a própria Vera, que deixou saudades.
Tradição é tradição
Na Glória, a experiência é diferente da Maré, por ser menos familiar e mais agregadora. Ali, as pessoas não se conhecem, mas estão todas juntas em uma única torcida. Na rua, mais de uma televisão: a de seu Luis, algumas no bar da frente e, caminhando um pouco mais, um novo espaço que ganhou destaque esportivo por reunir flamenguistas ao longo dos jogos do ano: o Comida, Resenha e Futebol (CRF), liderado por Fabiano Mielke há pouco mais de um ano. Ele fica feliz de ter conseguido movimentar o “point”.
É caminhando por ali que conhecemos também a Regina Lúcia, também conhecida como Regina Geladinha. Com um vestido exclusivo feito por ela mesma para acompanhar os jogos, a torcedora estava trajando a bandeira do Brasil. Com orgulho, ela diz que vai usar sempre por trazer sorte, mesmo quando o jogo ainda estava no zero a zero. Junto de Luis e de outros, Regina foi uma das responsáveis pela pintura da escada. Ele mesmo nos contou que, neste ano, em virtude de os jogos da Copa terem estado muito próximos às eleições, optaram por fazer uma decoração menor do que a tradicional. Mas a escada não poderia faltar.
O figurino da Regina Lúcia, na Glória. Foto: Fábio Caffé
Verde e amarelo de novo
De volta às ruas, encontramos a correspondente bancária Célia Rocha. Com uma blusa amarelo vivo e uma calça verde, ela saiu da apresentação de teatro da filha e foi direto assistir ao jogo, orgulhosa das cores que carregava. Por tanto tempo associado a indivíduos ou ideologias, é difícil esse assunto não surgir ao elogiar seu vestuário: “Estou adorando poder me vestir assim sem ter que ouvir piadas”, disse ela, enquanto o marido anunciava seu voto com orgulho.
De outro lado, a aposentada Vilma Monteiro se mostrava brasileira da cabeça aos pés, quando até suas unhas estavam a caráter. Torcendo pelo hexa que, que não veio a moradora da rua recordou que sempre arrumava sua mãe também para assistir aos jogos, fazia parte da tradição.
Entre tradições e superstições, a comprovação de que fazer as coisas da mesma maneira não são garantia de vitória chegou junto com o gol naquele jogo arrastado contra Camarões. Já durante os nove minutos de prorrogação, com todos segurando a respiração enquanto assistiam a um empate que parecia imutável, o torcedor Valter decidiu que iria colocar a sua touca da sorte. Foi imediato: gol da seleção africana e derrota do Brasil.
Lembrar disso no final desse texto pode ser apenas uma forma de buscar uma absolvição imaginária por não ter regressado à Maré para assistir àquele último jogo. Ou apenas a tentativa de conforto a todos que, de alguma maneira, estão buscando motivos para explicar o inexplicável. Futebol é assim mesmo.
O meu olhar atento relembra tudo que observei e sorri, ao ver como ficamos bonitos quando estávamos juntos de novo depois de tanto tempo. Se a gente conseguir se lembrar disso, vai ser mais tranquilo esperar pelos próximos quatro anos. E quem sabe em 2026 celebrar nos bares, nas ruas, nas passarelas o tão aguardado hexacampeonato.
Torcedores durante Brasil x Coréia do Sul na Rua 4, atual rua Ivete Vargas, Nova Holanda, Favela da Maré, RJ. Foto: Fabio Caffe