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Fiocruz prorroga prazo de edital para mareenses: saiba como se inscrever

Inscrições para bolsa de iniciação científica na Fiocruz foram prorrogadas para próxima sexta (11)

A Fiocruz está com o inédito Edital de Programa de Iniciação Científica – Favelas e Periferias aberto com bolsas exclusivas para estudantes universitários que residem no Conjunto de Favelas da Maré, Manguinhos e Mata Atlântica até a próxima sexta-feira (11).

Em entrevista para a Agência Fiocruz, o presidente da instituição, Mario Moreira, revelou que o novo programa é um passo importante para a equidade social: “A Fiocruz busca ampliar o acesso ao conhecimento científico e também fortalecer a participação ativa desses territórios na formulação de políticas públicas mais justas, eficazes e inclusivas”, conta.

Serão ofertadas 30 vagas e o objetivo do edital é envolver os moradores e estudantes de graduação da Maré em atividades de pesquisas científicas desenvolvidas na instituição para democratizar o acesso à ciência, produzir resultados mais inclusivos e equitativos e, indiretamente e a longo prazo, aumentar o acesso à pós-graduação dos moradores de favela. 

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Quem pode se inscrever?

  • Ser estudante de graduação
  • Morador das favelas da Maré, Manguinhos ou Mata Atlântica

Como se Inscrever?

Consulte o Manual de Inscrição, clicando aqui. Em seguida, clique em Candidato – Bolsa Nova/Download para baixar.

Após acessar o manual, inscreva-se no site da pesquisa ( https://fomentoapesquisa.fiocruz.br ) e clique em “Primeiro Acesso” e realize o cadastro com o SOUGOV.BR

Acesse a área de login, preencha os campos solicitados e clique em enviar. 

Diagnóstico precoce aumenta chances de cura do câncer de mama

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Durante o Outubro Rosa, o município intensifica os cuidados e orientações já realizadas durante todo o ano

Edição #165 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

O décimo mês do ano é marcado pela campanha de conscientização para prevenção do câncer de mama. No Brasil, este é o câncer que mais leva mulheres a óbito. Em 2022 foram registradas mais de 19 mil mortes, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). 

A faixa etária considerada de risco para a doença está entre os 50 e 69 anos, mas especialistas têm apontado o “rejuvenescimento” deste tipo de câncer. Mulheres entre 30 a 49 anos já somam 30,5% das pacientes. Por isso, a prevenção continua sendo fundamental.

Primeiros sintomas

Os primeiros sintomas podem ser percebidos ainda na fase inicial e normalmente são notados pela própria pessoa. Portanto, o diagnóstico precoce favorece os resultados no tratamento e reduz consideravelmente o risco de mortalidade.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMC) do Rio, durante o Outubro Rosa, o município intensifica os cuidados e orientações já realizadas durante todo o ano. Ao todo, são 239 unidades de Atenção Primária à Saúde (APS) preparadas para receber mulheres cis, homens trans e pessoas não binarias designadas mulher ao nascer, na faixa etária indicada para cada exame investigativo: entre 25 e 64 anos, para o exame preventivo do colo uterino e, entre 50 e 69 anos, para a mamografia. 

A SMC alerta ainda que, somente durante o primeiro semestre de 2024, quase 89 mil pessoas foram atendidas para rastreio de rotina do câncer de mama. É importante lembrar que, apesar de raro, o câncer de mama também pode ocorrer em homens, representando cerca de 1% dos casos.

Prevenção é atenção

“Toda mulher precisa estar atenta”. É  o que alerta Fabiana Cutrim, enfermeira da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda, sobre a importância da prevenção ao câncer de mama. A profissional ressalta que, não há uma única causa que gere o desenvolvimento da doença, mas que o histórico familiar é um forte influenciador na hora de avaliar os pacientes. 

Além do fator genético, outros hábitos podem favorecer a multiplicação das células cancerígenas, como o envelhecimento natural, a vida reprodutiva da mulher, o consumo de bebidas alcoólicas e cigarros, o sedentarismo e o sobrepeso.

Fabiana trabalha na unidade de saúde há quatro anos e acompanhou diversos pacientes. Ela acredita que a informação é a chave para um prognóstico favorável. “Fazemos palestras para orientar essas mulheres a se auto examinarem. Pra ver se tem presença de caroços nas mamas ou axilas, ou alguma outra anomalia na região. Se houver alterações, começamos os exames e em caso de confirmação da doença encaminhamos para um mastologista e oncologista”.

Acolhimento que cura

Diagnosticada com o câncer de mama em 2019, Luciana da Conceição, de 50 anos, chegou ao estágio mais avançado da doença e precisou fazer a cirurgia de remoção da mama. Há dois anos ela está curada, mas continua fazendo exames e uso de medicações prescritas pelo médico. Ela conta que desde muito nova percebeu a presença de nódulos nos seios e periodicamente ia ao médico para fazer a mamografia. Apesar dos cuidados, o tumor evoluiu silenciosamente.

Luciana, que também é agente comunitária de saúde da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, revela que grande parte da sua cura está atrelada ao acolhimento recebido dos trabalhadores da saúde, da família e amigos. “Fui muito bem acompanhada pela doutora Rosana, toda a ‘equipe Jeremias’ me apoiou. Alguns chegaram a me acompanhar no processo de quimioterapia e o que eu precisasse, eles estavam lá comigo”, relembra. 

Luciana foi recebida com festa na clínica, quando recebeu a notícia de que o tratamento havia chegado ao fim. Agora, a agente comunitária se tornou um símbolo de superação para outras pacientes que passam pela unidade, e faz questão de oferecer o mesmo acolhimento que recebeu. Ela ressalta que muita força veio da espiritualidade e da fé e que, estar bem psicologicamente, contribuiu para um bom processo de melhora.

A Maré é rosa

A Coordenadoria Geral de Atenção Primária da Área de Planejamento 3.1 (CAP 3.1), responsável pelas unidades de saúde da Maré, afirmou em nota que todas as mulheres, independentemente da idade, devem conhecer o próprio corpo e identificar o que é normal ou não, visto que a maior parte das descobertas dos cânceres de mama são feitas pelas próprias pacientes. 

E conclui: “em 2023, unimos esforços para melhorar o rastreamento destes cânceres. Como parâmetro de análise da evolução positiva do rastreio, verificamos a ampliação em 17% do número de mamografias realizadas. Caso perceba alguma alteração na mama, procure sua unidade de saúde para ser avaliada”.

O Conjunto de Favelas da Maré conta com seis clínicas da família que acolhem pacientes durante todo o horário de funcionamento: de segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 17h, nas necessidades de saúde, com consultas disponibilizadas o ano todo, reforçadas durante o mês da campanha Outubro Rosa.

A coletividade da cultura

Como a memória e a pluralidade cultural fortalece as comunidades e cria resistência contra a marginalização das favelas

Henrique Silveira

O conjunto de favelas da Maré é conhecido pela diversidade cultural, desde os espaços de produção musical como a praça do forró no Parque União, os bailes funk, o samba, o rock, as rodas de rap, grupos de teatro, até a criação de polos gastronômicos em várias partes do território, que se tornaram referência até para quem não é morador.

Os cerca de 140 mil mareenses são parte fundamental da construção do bairro Maré e a principal fonte da pluralidade e efervescência cultural que existe no território.

Cultura e favela

A cultura, como um direito humano inalienável, é o tecido que une as diferentes facetas da humanidade, abrangendo não apenas as artes e tradições, mas também práticas cotidianas, rituais e narrativas que dão significados à vida das pessoas. 

Nas comunidades periféricas a cultura é uma força vital que sustenta a identidade coletiva e fortalece laços comunitários. Reconhecer a cultura como um direito humano é afirmar a importância da diversidade e da inclusão, garantindo que todas as pessoas tenham a liberdade de expressar suas identidades culturais sem medo de discriminação ou repressão. 

No entanto, moradores de favelas historicamente enfrentam a marginalização que, ao longo dos anos, atualiza um status de desumanização herdado do colonialismo com ramificações até os dias de hoje. Manifestações culturais oriundas de espaços favelados são frequentemente categorizadas como ingênuas, exóticas ou a-culturadas  sendo, inclusive,  criminalizadas e historicamente proibidas. 

Este ciclo de marginalização e desvalorização impede a plena apreciação de seu impacto e, até mesmo, do seu reconhecimento como cultura brasileira, e se naturaliza no senso comum. O cenário de marginalização contrasta fortemente com a rica contribuição cultural de muitos dos moradores da Maré.

Um legado maranhense

O Censo Maré (2019) aponta que 25,8% dos moradores são pessoas nascidas no Nordeste do Brasil. Os nordestinos que migraram para o Sudeste trouxeram uma vasta experiência sensorial, cultural e ancestral fundamentada nas vivências e corporalidades da região, chegando aqui com variados estilos de danças, música, gastronomia e costumes. 

Um exemplo disso, está na história do Mestre Teodoro Freire, do Bumba Meu Boi do Maranhão, que na década de 1950 migrou para o Rio de Janeiro, fixando-se na favela da Baixa do Sapateiro. Na Maré, Mestre Teodoro fundou a Sociedade Carioca do Folclore Maranhense, que realizava festas na Rua Nova Jerusalém. Em uma entrevista para o jornal Tribuna de Imprensa, ele falou sobre sua trajetória e sobre a festa do Bumba Meu Boi.

“Instalei-me cá na Baixa do Sapateiro e comecei a promover encontros com meus conterrâneos. Falava-lhes sempre da necessidade de fundarmos um grupo de folclore maranhense autêntico. Mas faltava tudo. Mas, pouco a pouco fomos aumentando em número. Eram maranhenses já com nosso endereço que aqui vinham chegando de navio ou pau-de-arara se instalando na favela”.

Os espetáculos do grupo do Mestre Teodoro, Brasil Independente e Brilho da Sociedade, ficaram conhecidos no Rio de Janeiro, e chamaram a atenção do escritor e também maranhense Ferreira Gullar, que o entrevistou e convidou para apresentar o Boi na recém criada Brasília, em 1961. Logo depois, mestre Teodoro se mudou para a capital,  acomodando-se em Sobradinho, em 1962.

Até hoje, cerca de 24,3% das pessoas nascidas no Maranhão que vivem no território da Maré, são moradores da favela Baixa do Sapateiro, sendo essa a maior comunidade maranhense do conjunto.

‘No Carnaval eu vou voltar’

Outro ponto crucial para a pluralidade e força cultural do território, aconteceu a partir das remoções nas décadas de 1960 e 1970, como a favela do Esqueleto, Morro do Querosene, Praia do Pinto e Macedo Sobrinho. Grande parte desses  moradores foram trazidos de forma compulsória para a Maré. 

Essas pessoas removidas acabaram por perder, não apenas vínculos afetivos entre suas famílias e amigos, mas também fazeres culturais de características comunitárias, como o samba, o jongo, o Bumba meu boi e a Folia de Reis.

A folia de reis Estrela do Oriente da Baixada acolheu alguns dos moradores que participavam da folia de reis na Nova Holanda. Durante muitos anos, este grupo se esmerou em se apresentar na Maré, juntando-se aos poucos moradores que ainda faziam questão de participar ativamente do cortejo para manter a tradição viva, conforme mostra a matéria do jornal O Globo, de dezembro de 1977: Na favela, a Folia de Reis alegra o Natal.

“O palhaço Bonitinho, a maior atração da Folia de Reis Estrela do Oriente substituiu ontem para milhares de crianças da favela Nova Holanda,em Bonsucesso, a figura do Papai Noel.”

As remoções das favelas eram uma preocupação também para as agremiações de samba da época, que tinham como componentes os moradores dessas favelas, assim, ao serem removidas, punham  em risco os blocos e escolas.

Moradores como a porta-bandeira Nilceia, da Independentes do Leblon. Em entrevista para o Jornal do Brasil, em maio de 1969, após perder a casa no incêndio criminoso que destruiu a favela Praia do Pinto, ela declara:

”Nasci na favela e me criei na escola, agora, a favela acabou, e eu vim morar na escola com minha geladeira e minha televisão, que foram as únicas coisas que me sobraram. Mas, mesmo que eu vá para Cidade Alta, Cidade de Deus ou qualquer outro lugar, no carnaval eu vou voltar.”

Comunidade produz cultura

As práticas culturais tiveram um papel fundamental na reconstrução das vidas que foram desestruturadas pelas remoções. A favela Nova Holanda, por exemplo, com apenas dois anos de fundação, já integrava os circuitos de samba do Rio de Janeiro e participava dos desfiles dos blocos carnavalescos pela cidade. Essa participação possibilitou a construção de novos laços de pertencimento e senso comunitário entre os moradores oriundos de diferentes favelas, conforme ilustrado no trecho da matéria do jornal A Luta Democrática, em 1964:

“O bloco Unidos de Nova Holanda, simpática agremiação de Bonsucesso, terá dia quinze, um domingo festivo, com a programação que foi organizada pela sua Ala da Bateria. Pela manhã, com início marcado para às 3 horas, haverá um torneio relâmpago de futebol. Às 14.30 horas, será servida uma peixada ao som do partido alto, e à noite será realizado mais um ensaio de bloco”.

Falar da cultura de um povo significa falar de memória(s), por isso, compreender que as favelas são parte integrante das dinâmicas da cidade, e que seus habitantes desempenham um papel vital na construção do espaço urbano e na vida social cotidiana, é fundamental para a formação de uma cidade mais inclusiva e justa. 

Falar do bairro Maré significa recorrer a essa memória cultural, que construiu esse espaço e fez dele um território, uma comunidade.

Dia do Nordestino e de onde vem a terra que trazes nos pés?

No dia do nordestino conheça a paraibana Aline Alcântara

O dia do Nordestino é comemorado anualmente no dia 8 de outubro. A Maré é um território de forte presença nordestina e pode ser considerada o nordeste na Avenida Brasil, como mostra o Censo Demográfico da Maré de 2013. Depois dos nascidos no Rio de Janeiro a presença de paraibanos no território é a segunda maior registrada pela pesquisa. Uma das paraibanas que mora na Maré é a professora Aline Alcântara, de 39 anos.

A professora é natural de Cajá, distrito de Caldas Brandão, localizado as margens da BR-230, na Paraíba, local reconhecido como a terra das tapiocas e caminho de acesso a João Pessoa, capital do Estado. Aline conta que veio para o Rio de Janeiro seguindo seu marido e o seu filho que tem síndrome do pânico e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). “Eu vim por amor ao meu filho, se não fosse por ele eu já teria ido embora” desabafa.

Formada em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), além da experiência como professora Aline também é comerciante e dona de uma tapiocaria: A Bonitona das Tapiocas, existente há mais de 25 anos em sua cidade. Porém aqui ela não encontrou oportunidade de exercer sua profissão. Hoje Aline tenta vender seus produtos na porta da sua casa na Nova Maré com o apoio da mãe Dona Maria do Amparo Almeida, de 73 anos.

Aline se diz apaixonada por cuscuz de milho típico da culinária nordestina. (Foto: Gabi Lino/ Maré de Notícias)
Aline se diz apaixonada por cuscuz de milho típico da culinária nordestina. (Foto: Gabi Lino/ Maré de Notícias)

Mesmo com dificuldades ela ainda tenta se manter esperançosa, e diz que gostaria que as pessoas conhecessem melhor o Nordeste. Aline acrescenta que no imaginário popular, a Paraíba ainda é considerada uma terra “pobre e de pessoas sem educação”. Mas ressalta orgulhosa que “quem tem o privilégio de conhecer, sabe que a realidade é diferente”.

Aline diz que identifica aqui muitas semelhanças com o interior. Desde as tradicionais feiras, as lojas de culinária nordestina, forrós nos finais de semana e até mesmo na tradição de se sentar à porta e observar a rua é possível ver um pouco do nordeste. Ela se emociona principalmente com as músicas, por lembrar da terra natal e diz “eu amo a minha cidade”.

Aline é mais uma acolhida pela Maré. Ela ressalta que apesar de ainda não se sentir pertencente ao território, acredita que vai contribuir pois “eu sou uma nordestina arretada!” diz.

Nordeste carioca

O Censo Maré, de 2013, detalha que o conjunto de favelas tem uma concentração de 35.884 nordestinos, 25,8% dos 139.073 moradores. 10,5% (14.597 pessoas) desses moradores, assim como a professora Aline, são natais do estado da Paraíba; 6,4% (8.849 pessoas) do estado do Ceará; 2,2% do estado do Maranhão (3.053 pessoas), além dos demais estados.

Podemos dizer que simbolicamente o Nordeste é de onde vem a terra que os mareenses trazem em seus pés. Essa terra feita por muita riqueza. A Maré é um pedacinho do Nordeste, como o Maré de Notícias vem dizendo e demonstrando.

O Dia do Nordestino foi instituído nesta data em homenagem ao aniversário do compositor brasileiro Catulo da Paixão Cearense, maranhense nascido no dia 8 de outubro de 1863 que morreu em 10 de maio de 1946 conhecido como Poeta do Sertão. É de Catulo a música ‘Asa Branca‘ eternizada na voz do Rei do Baião, o cantor Luiz Gonzaga.

Pedacinho do Nordeste na Maré

Nordestinos trouxeram para o território a cultura, o trabalho, a comida boa e muita alegria

Maré de Notícias #127 – agosto de 2021

Por Hélio Euclides

Inté mesmo a asa branca/ bateu asas do sertão/ Entonce eu disse/ adeus Rosinha/ guarda contigo/ meu coração. A canção Asa Branca, composta por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, se transformou em símbolo do êxodo nordestino para o Sudeste. As favelas cariocas são marcadas pela presença desses nordestinos, que começaram a chegar a partir da década de 1950. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2017 revelavam a presença de 1,2 milhão de nordestinos, pouco mais de 8% da população fluminense. Algo diferente acontece na Maré que, segundo o Censo Populacional de 2019, tem 25,8% dos moradores com raízes no Nordeste.

Para efeitos de comparação, São Paulo é o principal destino de migrantes vindos da região e contava com 12,66% (5,6 milhões) de residentes oriundos do Nordeste, segundo a PNAD de 2015 (na capital paulista, no dia 2 de agosto é celebrado o Dia do Nordestino).

Os 35.884 nordestinos da Maré representam uma influência cultural não apenas para si mesmos, como também nas práticas e identidades de seus descendentes.

Uma praça do Nordeste

O conjunto de favelas da Maré tem duas regiões onde quase a metade dos seus moradores é nascida em algum estado do Nordeste. O Parque Rubens Vaz concentra 39,2% de nordestinos, enquanto que na favela do Parque União eles são 44,2% dos moradores. É nesse último pedaço da Maré que se concentra a alma nordestina do território — um convite para quem deseja mergulhar na cultura dos estados nordestinos através da música e da culinária.

Há pelo menos 35 anos, a Praça do Parque União é uma espécie de segunda casa para essa parcela de mareenses. “Começou com uma banda tocando na calçada da antiga padaria onde se encontra atualmente o restaurante Seriguela. As coisas foram evoluindo, e o show passou a ser no meio da praça. Depois foi construído o palco, que agora é um dos locais mais conhecidos do Rio”, conta Edivan Valério, de 53 anos, coordenador da Praça do Parque União e nascido em Jacaraú, na Paraíba.

Antes da pandemia, a praça de seis mil metros quadrados chegou a reunir em uma só noite cerca de cinco mil pessoas. “Os frequentadores se sentem entre famílias: conversam, se divertem e encontram os amigos, elogiam o lugar. Acredito que é porque ele traz alegria aos nossos conterrâneos”, diz. “A praça teve como momentos marcantes os shows da banda Magníficos, do Zé Filipe e da Joelma”, lembra Valério. O local tem no entorno dez restaurantes que servem a gastronomia nordestina. Os mais assíduos são os paraibanos e os cearenses.

A Paraíba também é aqui

Na Maré, a concentração de paraibanos é expressiva: são 14.597 moradores. Na foto, Luíza Moreira, de 91 anos, moradora da Nova Holanda – Foto: Matheus Affonso

Na Maré, a concentração dos que nasceram na Paraíba é bem expressiva: são 14.597 moradores, quase 10,5% da população total do território. Um deles é Luíza Moreira, de 91 anos, moradora da Nova Holanda. Ela nasceu no município de Rio Tinto, no interior do estado, onde vivia com sua mãe e duas irmãs. Tudo mudou com a morte do pai, quando tinha 12 anos. Três anos depois, ela começou a trabalhar na Companhia de Tecidos Rio Tinto (a empresa que sustentava a cidade) e lá ficou por 18 anos.

Dona Luiza casou-se na Paraíba, em 1965, e veio morar no Rio de Janeiro — primeiro num barraco alugado no Rubens Vaz, onde o marido tinha parentes. “Depois me mudei para a Rua Principal, na Nova Holanda. A rua era aterrada, mas as casas, não. Para fazer as palafitas se usavam tripés, que serviam como alicerces, e depois se colocava o assoalho, sem brechas para evitar as águas. A tainha pulava do rio, pena que foi tudo aterrado. Na época, não tinha água e nem luz. Meu marido pagava uma pessoa para buscar água”, conta. Ela está na Maré há 56 anos, onde criou dois filhos e duas filhas.

Dona Luiza foi pela última vez ao Nordeste em 1999 e confessa que sente saudades. “Hoje visito a cidade pela internet. Tenho vontade de voltar, inclusive para morar. O que prejudica é a dificuldade de andar”, diz. 

Um Rio de braços abertos

Os cearenses são o segundo grupo mais presente na Maré: são 8.849 moradores. No dia 17 de julho, João Braga, de 60 anos, morador do Conjunto Pinheiros, participou de um programa de entretenimento[J1] , onde destacou o amor pela Maré e por sua cidade natal, no distrito de Santa Quitéria. “As coisas evoluíram. Quando sai de Trapiá, a população mal tinha rádio de pilha, hoje todos têm televisão. Na casa do meu pai a geladeira era de querosene e a gente usava lampião à noite, isso em 1972. Tinha que pegar água em uma distância como da Maré à Praça das Nações. Eu ia de jumento e trazia dois galões. Para estudar, eram 24 quilômetros de bicicleta”, lembra, acrescentando que tem orgulho do seu pai, Saturnino Soares Braga, que hoje é nome de rua em sua cidade natal.

Com 42 anos em terras cariocas, Braga viveu uma saga e reforçou a fama de batalhadores associada aos nordestinos. Quando chegou ao Rio, foi morar no Méier. No outro dia já estava trabalhando no Fluminense, clube de coração. Em 1979, foi trabalhar num restaurante no Centro do Rio, e nas férias voltava sempre ao Ceará. Em 1981 começou a trabalhar como garçom no O Bom Galeto, onde atuou por 25 anos. Depois aceitou ser sócio na pizzaria Casa de Rafael, por cinco anos. O mesmo tempo ficou no Restaurante Ben-Hur, na Cancela. Como muitos nordestinos que deixam quem amam para trás, ele namorou por dez anos via carta até conseguir casar. “Não tinha dinheiro. Tive que fazer um sacrifício, ir ao Ponto Frio e comprar fogão e geladeira parcelado”, conta.

Em 1990, ele foi morar no Conjunto Pinheiro, mas só há quatro anos abriu o Bar do Braga, que tem como slogan: “O melhor baião de dois da Maré” (o prato é típico do Ceará; com a seca, vem também a falta de comida; a solução era fazer uma refeição à base de arroz e de feijão de corda, além das sobras da cozinha, como carne seca e queijo de coalho, ingredientes do baião). Ele faz três panelas a cada noite, de segunda a sábado. O domingo é dia de outras comidas típicas para o almoço, como galinha caipira.

Braga percebe que tem muito cearense na Maré. “Os nordestinos carregaram o Rio de Janeiro nas costas. No passado, Rocinha e Rio das Pedras eram a morada dos cearenses na cidade. Na Rocinha até existe um restaurante com o nome da Trapiá. De uma década para cá, ocupamos a Maré. O território é nordestino, os moradores carregam o sangue na veia”, considera. Por saudade, confessa que, depois que casou, já foi 23 vezes ao Ceará. “Estou com passagem comprada desde junho de 2020 para visitar minha terra natal. Por causa da pandemia tive que mudar os planos. Quando volto ao Ceará não procuro a praia e sim as casas dos primos, busco o interior”, enfatiza.

Tradições, crenças e costumes nordestinos enriquecem a cultura da cidade carioca – Foto: Jéssica Pires


O menino no cavalo de Jorge

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Luiz Antonio Simas*

A celebração de Cosme e Damião dos meus tempos de menino era marcada pelo ritual da distribuição de doces. Minha avó, como pagamento de promessa, distribuía no Jardim Nova Era, em Nova Iguaçu, centenas de saquinhos para a meninada. Uma semana antes da festa, a coisa já esquentava, com a distribuição dos cartões que dariam direito aos saquinhos. O avô carimbava meticulosamente os cartões numerados com a imagem dos santos, o endereço e a data certinha da distribuição. 

Os saquinhos da avó vinham com cocô-de-rato, suspiro, maria-mole, cocada, doce de abóbora, pirulito, pé de moleque, paçoca, mariola, jujubas e balas. Eles hoje levariam ao desespero os adeptos dos saquinhos descolados, saudáveis e um tiquinho tristes. Para ensacar tudo, fazíamos linha de montagem, com os doces organizados em esteiras e os saquinhos passando de mão em mão. A última moda agora é a da turma que compra saquinhos prontos; aqueles que poupam o tempo, mas matam a sociabilidade da preparação dos mimos e ignoram o caráter sagrado do ato de encher os saquinhos com as próprias mãos.

Há quem ache que o hábito da distribuição de doces de Cosme e Damião foi pro beleléu. Não é isso que vejo na Zona Norte do Rio de Janeiro. Ainda que a coisa ande feia pra turma chegada à festa, por aqui é possível ver uma meninada driblando a cidade cada vez mais projetada para os carros, e as restrições do bonde da aleluia que sataniza os doces, e cruzar com gente pagando promessa e distribuindo saquinhos. Os terreiros de umbanda, mesmo sob risco de ataque dos fanáticos, continuam fazendo as suas giras para Dois-Dois. A igreja dedicada aos gêmeos, no Andaraí, fica parecendo até quintal em dia de samba de roda: é alegria na veia.

Faz parte também dos fuzuês a tradição do caruru dos meninos. O caruru, prato de origem indígena que se africanizou no Brasil, e abrasileirou-se nas áfricas, é ofertado entre nós largamente no dia de Cosme e Damião (o costume é popularíssimo na Bahia) e encontra vínculo simbólico com o ekuru (bolinho de feijão), a comida ofertada a Ibeji, orixá que protege os gêmeos nos candomblés. Manda o preceito que, o caruru, seja inicialmente distribuído a sete crianças, representando Cosme e Damião e os irmãozinhos que eles ganharam por obra e graça da tradição popular: Doum, Alabá, Crispim, Crispiniano e Talabi.

Lambuzado das recordações da meninice, me confesso especialmente fascinado pela presença do pequeno intruso entre os gêmeos: o citado Doum, aquele que nos terreiros de umbanda passeia no cavalo de Ogum e nas estátuas dos santos vendidas no Mercadão de Madureira, onde aparece entre os mais velhos vestido como eles. Vigora entre os iorubás tradicionais a crença de que a mãe de gêmeos que não tenha em seguida um novo filho pode endoidar. O filho que nasce depois dos gêmeos é chamado sempre de Idowu (de etimologia incerta). Vivaldo da Costa Lima, em ensaio sobre o assunto, sugere que o nome talvez venha de Owú; ciúme, em iorubá (“Cosme e Damião: O culto aos santos gêmeos no Brasil e na África”). Idowu seria, por hipótese, o pestinha com ciúmes dos irmãos mais velhos. Virou Doum no Brasil; o irmãozinho de Damião e Cosme.

O encontro entre o orixá Ibeji e os santos médicos cristãos é um golaço marcado nas encruzilhadas bonitas da vida. Doum é a crioulidade como empreendimento de invenção do mundo transgredindo o precário. Ele é o menino de um Brasil possível. Encantado nas esquinas suburbanas, guri descalço na garupa do cavalo de São Jorge, é a Doum que certo Brasil oficial, pensado como um projeto de desencantamento da vida pela domesticação dos corpos nas cidades dormitórios e nos currais das celebridades, parece querer matar. Não conseguirá. Ninguém há de matar um protegido pela força de São Cosme e São Damião em seu galope vadio de passeador: o Brasil moleque no alazão da lua.

*Luiz Antonio Simas é carioca, filho de mãe pernambucana e pai catarinense. É professor, historiador, escritor, educador e compositor, com trinta anos de experiência em sala de aula. É bacharel, licenciado e mestre em História Social pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.