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Quebrando o círculo da transfobia

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Conheça a história da moradora da Nova Holanda Larissa Soares

Por Lucas Feitoza

Larissa Soares tem 39 anos e é moradora da Nova Holanda, no conjunto de favelas da Maré. Seu nome é de origem Grega e significa “aquela que é cheia de alegria” e combina com sua personalidade: alegre, simpática e comunicativa. Aos 16 anos, quando ela começou a transição sexual, já havia escolhido seu nome. Para os que acreditam em signos ela é pisciana, e em breve vai comemorar seus 40 anos, “minha família sempre faz um bolinho para mim” conta. 

Ela conta que sua mãe, dona Oriana dos Santos, de 61 anos, é superprotetora. O único motivo que fez dona Oriana ficar preocupada, não foi a filha ser travesti, mas sim a violência que ela poderia sofrer apenas por ser quem é. Larissa quis estudar e superou toda a transfobia na escola para terminar o Ensino Médio no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 326 Professor César Pernetta. Conta que por ter estudado sempre na mesma escola todos os anos era escolhida pela turma como a representante de sala. E mesmo tendo estudado, foi mais uma que enfrentou dificuldade no mercado de trabalho; “algumas empresas dizem que são diversas, mas não aceitam a gente como somos”, disse. 

Pela falta de oportunidade de emprego Larissa ficou 20 anos na prostituição, dos 18 aos 38 anos. Nesse tempo viu muitas amigas serem agredidas, mortas e a própria Larissa também foi vítima de transfobia na pista, sendo baleada duas vezes: “Totalmente transfobia, na primeira vez os caras passaram de carro atirando, e a outra dois caras numa moto passaram e atiraram”, relembra.

A última agressão física foi um atropelamento enquanto atravessava a passarela 9 na avenida. Brasil em 2021: “O cara vinha numa moto e quando percebeu que eu era travesti já veio jogando para cima de mim. Na hora senti a dor e depois quando vi que estava inchado, fui para o hospital e estava com o braço quebrado “, relembra.

A partir daí a vida dela mudou. Larissa ficou 16 dias internada no hospital, sozinha, com medo de pegar Covid-19 e esperando pela cirurgia. Gilmara Cunha, ativista das causas LGBTQIA+, foi quem a ajudou a conseguir a cirurgia e assim que Larissa se recuperou da agressão a convidou para trabalhar com ela no Grupo Conexão G – organização de apoio a pessoas LGBTQIA+ – 

Grupo Conexão G

 “Eu não quero te perder, você é uma das únicas da nossa geração” frase dita por Gilmara que marcou Larissa. A oportunidade de trabalho quebrou o círculo da transfobia marcado por sucessivas agressões. 

Desde então Larissa é auxiliar administrativa, mas conta que o Conexão G já está na sua vida há 16 anos dando apoio a ela e outras mulheres trans e travestis. Hoje em dia ela se orgulha de exibir seu crachá e sentada na mesa que fica na entrada da casa, observa a expressão de admiração das pessoas: “Antes pensavam que eu não ia chegar em lugar nenhum e hoje me veem ocupando esse espaço”, afirma. Com seu trabalho, articula para que outras mulheres trans e travestis também ocupem mais espaços, tenham oportunidades e mudem suas realidades. “O sonho das travestis é ter sua independência,” conclui.

Sobre o Conexão G

O Conexão G foi fundado por Gilmara Cunha, ativista da causa LGBTQIA+ e estudante de psicologia. O objetivo da organização é dar apoio para as pessoas com assistência social, jurídica e psicológica. A iniciativa faz parte do Rio Sem LGBTIfobia coordenado pela Superintendência de Políticas Públicas LBGTI+ da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio de Janeiro. A partir de então, o Conexão G tornou-se o Centro de Cidadania LGBTQIA+ Casa da Diversidade Gilmara Cunha.

A luta pela visibilidade trans na Maré

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Entre 2017 e 2021, o país teve 781 assassinatos de pessoas trans brasileiras e o Rio de Janeiro aparece na quinta posição, com 59 mortes

Por Júlia Bruce

“Pelo fato de eu ser a única trans, aquilo me gerava um certo desconforto, uma insegurança por estar no meio de tantas mulheres cis, mas eu fui acolhida de uma forma que todas essas sensações viraram determinação e vontade de querer ser mais do que eu era”, conta Laila Kelly, 25, moradora da Nova Holanda e instrutora do curso Maré de Belezas LBT, da Casa das Mulheres da Maré, há quatro meses. Com a parceria de mobilização do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT, a Casa Resistências e o Instituto Trans Maré, a iniciativa é voltada para a comunidade lésbica, bissexual e transexual e forma mulheres em auxiliar de cabeleireiro. Mais de 30 mulheres somente neste mês de janeiro se formaram e a maioria já tem seu próprio negócio. A primeira turma foi em outubro de 2022.

A data de 29 de janeiro é marcada pelo Dia Nacional da Visibilidade Trans e de Travestis e chama a atenção para a situação de vulnerabilidade e de risco em que esse grupo vive diariamente, sobretudo em um território de favela. A instrutora do curso de Manicure da Casa das Mulheres da Maré, Dafiny Nascimento, 33, moradora da favela Roquete Pinto, reforça que “todas nós, mulheres trans, temos capacidade para estar passando nossos conhecimentos e ajudando quem um pouco necessita”. Em contrapartida, ao ser perguntada do que ela sente ausência nesse meio para o público trans, ela comenta: “no momento não sinto muito ausência de nada, porque os desafios são a violência que ainda existe na favela, infelizmente. O mercado está melhorando aos poucos e incluindo pessoas trans no meio de outras pessoas, mas ainda há muito preconceito maquiado”.

Dados da pesquisa anual “Dossiê: Assassinatos e Violências contra as travestis e transexuais brasileiras em 2021”, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) de Salvador, mostra que o Rio de Janeiro é o terceiro estado com mais assassinato de pessoas trans desde 2017, subindo para 12 o número de casos em 2021. Entre 2017 e 2021, o país teve 781 assassinatos de pessoas trans brasileiras e o Rio de Janeiro aparece na quinta posição, com 59 mortes.

Primeira turma do Maré de Belezas LBT

Sobre as ações em parceria do Conexão G com a Casa das Mulheres da Maré

O Grupo Conexão G é uma instituição voltada para a sociedade civil com o propósito de questionar e refletir sobre os elementos sociais que denunciam a ausência de políticas públicas para levar cidadania à população LGBT do território. Criada em março de 2006, foi formada em um grupo de jovens de favelas do Rio de Janeiro que resolveram realizar ações de reflexões sobre a homossexualidade nesses territórios com o foco na temática dos Direitos Humanos e a Promoção da Saúde da população LGBT+. Além disso, o desafio diário também é dar visibilidade aos crimes de transfobia cometidos na Maré e em outras favelas do Rio de Janeiro em parceria com instituições de pesquisas. A organização LGBT é a primeira do Brasil consolidada em uma favela.

Desde 2021, a Casa das Mulheres da Maré e o Conexão G passaram a desenvolver projetos juntos e a parceria de mobilizações para o Maré de Belezas LBT começou logo ao término da primeira turma do curso de confeitaria. “Foi uma parceria do projeto Cozinha Trans e o Maré de Sabores, a Mariana Aleixo [coordenadora da Casa] nos apresentou o projeto e trouxe a vontade do Grupo Conexão G fazer parte com as mobilizações. Foi através do Grupo Conexão G que houve um aumento da comunidade trans no equipamento da Redes da Maré”, explica a coordenadora de projetos e articuladora de territórios Larissa Soares, 39, e moradora da Nova Holanda.

Em 2022, foi aberta a primeira turma do Maré de Belezas LBT e o apoio se manteve mais forte. “Foi através do Conexão G que algumas meninas trans nos procuram para fazer o curso. A diretora da ONG é uma mulher trans [Gilmara Cunha] e isso acaba incentivando outras meninas trans”, explica Laila Kelly sobre como se dá essa mobilização.

Ainda no primeiro ano de pandemia, por meio de reuniões on-line, Gilmara, Larissa e Mariana já estavam iniciando uma articulação para o início das aulas presenciais, pensando em datas concretas já que tinha se iniciado o processo de imunização através das vacinas contra a covid-19. A Casa das Mulheres cedeu o espaço e os equipamentos para serem utilizados no curso de confeitaria do Cozinha Trans.

“Tudo isso só foi possível porque já existia o projeto Maré de Sabores que oferece cursos de gastronomia para mulheres cis da Maré. Foi importante porque trabalhamos com a inclusão de mulheres transexuais, já que a Casa é voltada para mulheres, mas é importante a inclusão de mulheres trans e travestis circularem por esse espaço. E, com todo esse processo, já foram realizadas duas turmas do curso de confeitaria e pretendemos seguir o mesmo ritmo da turma anterior”, conta Larissa.

Realizações profissionais

O acompanhamento das mudanças nas vidas profissionais das ex-alunas também é feito por essa parceria. Muitas das mulheres trans não tinham consciência sobre esses espaços que servem de apoio para tantas mulheres, inclusive trans e travestis. São feitos acompanhamentos via aplicativo de conversa das duas últimas turmas formadas e muitas mulheres já estão trabalhando na área da confeitaria. “Até hoje faço bolos e os recheios que aprendi no curso na Casa das Mulheres”, diz Nathaly Ferreira, moradora da Nova Holanda e ex-aluna do Cozinha Trans.

Em maio deste ano, Fernanda Telles, 38, completa um ano como coordenadora de projetos do Conexão G, onde atua gerenciando uma turma de mulheres e homens trans em que são abordados temas como preconceito, discriminação, direitos humanos, entre outras abordagens atigem esse grupo de pessoas. Ela foi aluna do Cozinha Trans e antes trabalhava em cozinhas como ajudante, copeira e cozinheira. “A minha trajetória foi a melhor possível, aprendi e me reeduquei diante de uma cozinha profissional, tive uma ótima experiência e achei evolutivo para a população LGBT”, conta a moradora do Morro do Timbau.

A luta das mulheres trans na Maré e o caminho de fortalecimento

Desde a década de 1980, a partir da epidemia de Aids, ações governamentais concretas em prol do público LGBT+ começaram a ser realizadas e os movimentos da comunidade passaram a ser mais reconhecidos. Organizações da sociedade civil também foram criadas como estratégias de amparo social para a proteção do público, principalmente em favelas. Mais recentemente, em 2021, o Programa Estadual Rio Sem LGBTFobia promoveu a criação da Casa da Diversidade Gilmara Cunha, na Nova Holanda – o primeiro Centro de Promoção da Cidadania LGBTIQIA+ instalado em uma favela. O espaço oferece serviços de apoio à população LGBT+ para garantir e promover cidadania e acesso aos seus direitos.

A atual coordenadora do projeto Maré de Sabores, Michele Granda, e aluna da primeira turma há 12 anos, viu sua irmã perder a luta pela Aids naquela época e a sua luta pelo reconhecimento do que é ser mulher como um todo na favela – trans, travesti, lésbica – foi fortalecida. “Minha irmã, Luciana Bombom, sofria inúmeras violências, desde a vulnerabilidade por não ter emprego e pelo olhar pesado da sociedade que naquele tempo era muito maior, pois não se falava muito e não havia muitas oportunidades. Ela tinha o sonho de formar uma família, mas não foi concretizado. Minha irmã veio a óbito por falta de profissionalização, por falta de amparo social”, relembra Michele. A coordenadora sempre participava das formações sobre Gênero e Sociedade (desde 2011) e incentivou a abertura de atividades da Casa para o público trans: “se somos uma casa de mulheres, precisamos abraçar a mulher na sua totalidade”. Em uma das aulas, Michele encontrou duas amigas que cresceram com sua irmã.

A parceria, por exemplo, da Casa das Mulheres da Maré em parceria com organizações locais de apoio contribui para que essa discussão da mulher trans seja mais consistente dentro do local. “Muitas lutas e conquistas do território da Maré foram e ainda são lideradas por mulheres trans e queremos dar visibilidade à diversidade delas, pois a sua liderança é fundamental. A mobilização, tanto com o Instituto Trans Maré e o Conexão G, reconhece essas instituições junto à Casa e possibilita que essas mulheres possam acessar todos os cursos e outros serviços que o equipamento presta. Então, elas se reconhecem nesse lugar e conseguimos que elas o reconheçam como um espaço para ocupar, demandar, pautar e ser agentes de construção desse espaço”, explica a coordenadora da Casa das Mulheres, Mariana Aleixo.

Em memória: a biblioteca da Casa também recebe o nome de Cristiane Cristina para homenagear a mulher trans que trabalhou e foi agente de construção desse espaço. Ela faleceu no ano passado em um atropelamento na Avenida Brasil.

Referência do jornalismo Glória Maria morre nesta manhã

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Mulheres pretas que contribuíram com o Maré de Notícias contam sobre a representatividade deste símbolo do jornalismo em suas escolhas e carreiras profissionais.

Por Jéssica Pires

Desde 2019 a jornalista lutava contra um câncer. A carioca foi a primeira repórter a entrar ao vivo e em cores no Jornal Nacional e passou por outros telejornais importantes para a história da TV como Jornal Hoje, Fantástico e o Globo Repórter. Um dos marcos da carreira de Glória foi as inúmeras viagens ao redor do mundo (mais de 100 países visitados), sempre em busca do exótico e inusitado, porém com muita proximidade com as câmeras e o público que a acompanhava. 

Glória também realizou entrevistas com grandes nomes da música e arte internacional como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna; e também do esporte, como Usain Bolt. 

Em 2019, Glória foi diagnosticada com um câncer de pulmão. O tratamento com imunoterapia teve sucesso. Depois, ela sofreu metástase no cérebro, que também pôde ser tratada com êxito por meio de cirurgia, mas os novos tratamentos não avançaram. “Em meados do ano passado, Glória Maria começou uma nova fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais que, infelizmente, deixou de fazer efeito nos últimos dias, e Glória morreu esta manhã, no Hospital Copa Star, na Zona Sul do Rio”, afirma o comunicado. A jornalista carioca que morre neste dia 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá e Nossa Senhora dos Navegantes, deixa duas filhas adolescentes (14 e 15 anos).

A primeira repórter negra da televisão brasileira:

“Eu não fujo da vida, entendeu? Eu acho que as coisas vão sendo colocadas no seu caminho e viver é enfrentar cada coisa. Não é fugir delas”. Glória, por vezes, compartilhou em entrevistas os momentos em que passou por situações de racismo durante a carreira. Além do incomparável legado para a história da TV  e do jornalismo brasileiro, a jornalista deixa para tantas jornalistas pretas um grande símbolo de representatividade e referência.   

Mulheres pretas que já contribuíram com o Maré de Notícias compartilharam hoje conosco sobre a representatividade da jornalista em suas escolhas e carreiras profissionais:

“Não haveria possibilidade de me imaginar jornalista se eu não tivesse crescido vendo Glória Maria. Pioneira, primeira repórter preta no Brasil, nos apresentou o mundo. Hoje é um dia muito triste para quem a tem como referência, mas seu legado permanecerá inspirando e mostrando futuros possíveis para mulheres pretas como eu.” Camille Ramos, jornalista, foi repórter do Maré de Notícias” de janeiro a maio de 2019.

“Pretos e pretas estão se amando”. A letra de Rincon Sapiência veio à minha mente quando acordei e vi tantas manifestações de carinho por Glória Maria. Ser uma viajante preta, uma jornalista preta me aproximava dessa mulher que nunca vi pessoalmente. Referência e inspiração por existir e, simplesmente, ser. Ela abriu caminhos e sua forma de viver reforçou dentro de mim a certeza de que sempre pude ser ou fazer o que eu quisesse da minha vida. Ocupar qualquer lugar, experienciar a feminilidade como desejasse. Que mulher imensa!” Tamyres Matos, jornalista, foi editora do Maré de Notícias de junho de 2021 a novembro de 2022.

“Glória Maria é um ícone do Jornalismo brasileiro. Em épocas em que termos como “representatividade” e “potência” não eram tão populares, Glória era a fusão dos dois. Lembro de vê-la na TV e pensava em como queria ser aquela mulher. Durante a minha jornada na comunicação, era em Glória que me espelhava. Uma mulher negra ocupando um espaço majoritariamente branco foi o maior incentivo que pude ter. Ela se dedicou 100% em cada um dos seus trabalhos, seja na cobertura de guerra, seja em uma imersão cultural na Jamaica. Todos foram realizados com paixão e inspiraram tantas meninas e mulheres negras, assim como eu, que hoje sou comunicadora no Maré de Notícias. Serei eternamente grata pelas portas que cresci vendo a grandiosa Glória abrir.” Andrezza Paula é repórter do Maré de Notícias.

“Não há nenhuma menina negra comunicativa e faladeira, nascida no fim dos anos 80 e início dos 90, que não foi chamada de Glória Maria. Glória era a promessa, o sonho de ascensão social para as meninas, como Pelé era para os meninos. Glória era a nossa Oprah, aliás, Oprah era a Glória deles. Eu sinto essa perda como se fosse alguém da minha família, mas prefiro lembrar dos anos de trabalho impecável, anos de Glória!”. Ana Paula Lisboa é escritora e editora do Maré de Notícias impresso.

Dengue: um problema coletivo

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Pesquisadora da Fiocruz explica que para combater o Aedes aegypti é preciso fazer mais que a nossa parte

Por Lucas Feitoza          

Janeiro iniciou com chuva e alguns dias de calor típicos do verão carioca. O acúmulo de água em recipientes nos terrenos baldios e até mesmo em pequenos objetos como tampas de garrafas são oportunidades para reprodução do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya.

As três arboviroses têm os principais sintomas parecidos: febre, dores no corpo e vermelhidão nos olhos. Mas a dengue pode causar também dor de cabeça, dores pelo corpo, náuseas, ou não apresentar qualquer sintoma. Em casos mais graves pode gerar manchas na pele, sangramentos (nariz e gengivas), dor abdominal intensa e contínua, além de vômitos persistentes.

Em 2022, foram registrados 4.791 casos de dengue e 4 mortes na capital carioca. Na Maré, de acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), foram 18 casos registrados. Em 2021, a cidade teve novecentos e trinta e oito casos notificados, a Maré um.  A princípio, o número pode não ser alarmante, porém existem algumas considerações que devem ser feitas.

Denise Valle, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) especialista no mosquito Aedes aegypti, explica que há uma subnotificação – registros menores do que a realidade – desde o início da pandemia de Covid-19 nos casos relacionados ao Aedes; “alguns sintomas são comuns, as pessoas de repente estavam com dengue e era a Covid, ou o contrário, como o aconselhável era evitar ir ao hospital, provavelmente algumas pessoas até morreram em casa” conta. Além disso, existem os registros de virose no verão que podem ser confundidos com os sintomas das doenças transmitidas pelo mosquito. 

Denise destaca que é importante tomar cuidados preventivos e falar sobre o assunto o ano inteiro, mas principalmente no período do inverno. Segundo ela, é nesse período que as chances de impedir a proliferação do Aedes aegypti são maiores, já que as baixas temperaturas dificultam a reprodução do mosquito.                     

Descarte indevido de lixo no “Pontilhão da Maré” pode aumentar a proliferação do mosquito. Foto: Gabi Lino

Combatendo o mosquito do jeito certo

 É importante observar os espaços com os olhos do mosquito para identificar onde pode estar um criadouro. A melhor forma de combater o Aedes, segundo Denise Valle, é pelo controle mecânico: acabando com o foco do mosquito enquanto ele ainda é uma larva. A pesquisadora explica que nessa fase é possível evitar que ele alcance outras regiões.  A forma correta de matar a larva é descartando a água em ambientes secos, já no caso do ovo do mosquito – um ponto preto que fica grudado nos recipientes – a melhor maneira é esfregar com a esponja ou com a mão. Para Denise, ações coletivas para eliminar os focos são eficazes; “A gente não pode falar que isso não é meu problema porque não está na minha casa, porque para o mosquito isso não é relevante, ele não sabe onde está o limite”, explica.

A especialista relembra as ações de combate como Dia D da Dengue, campanha de mobilização nacional realizada no último sábado de novembro de 2022 com o objetivo de combater o Aedes aegypti, e acrescenta que não basta fazer a vistoria de ambientes apenas uma vez já que o período que o mosquito leva para se desenvolver é 7 dias. Denise pontua que a constância na limpeza dos ambientes é que previne a proliferação.

O motorista Felipe dos Santos, 31 anos, morador da Vila do Pinheiro, conta que já teve Chikungunya e que ainda sente dores nas articulações devido a doença. Depois dessa experiência ele passou a tomar mais cuidados com a água parada, não deixando mais acumular em vasos de plantas ou baldes; “nós temos que nos prevenir a todo momento, porque essa doença é perigosa e leva até a morte. É bom virar os baldes e garrafas de cabeça pra baixo, porque esse mosquito aí gosta muito de água parada.”

Já o chapeiro Mike Montenegro, 24 anos, também morador da Vila do Pinheiro, alega que a falta de saneamento básico dificulta os cuidados; “Passei no Salsa (Salsa e Merengue – uma das favelas da Maré) agora e não dava pra ver o final da vala porque ela estava transbordando de água de esgoto por conta da chuva. Aí a gente tira água dos vasos das plantas, põem as garrafas vazias de cabeça pra baixo e tudo mais, mas a favela fica alagada com diversas poças d’água parada. É praticamente enxugar gelo. A campanha em si é importante, mas se não houver a manutenção do espaço fora das casas, não adianta muita coisa.” Conclui.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) diz estar atenta a possíveis focos de dengue e que realiza ações educativas e de mobilização com orientações para a população sobre as medidas de prevenção; “visando despertar a responsabilidade sanitária individual e coletiva, considerando que os principais reservatórios de criadouros ainda são encontrados em domicílios.” A SMS disse que essas ações e visitas dos agentes de Vigilância e Saúde são intensificadas no verão. 

Para informar sobre possíveis focos do mosquito da dengue, zika vírus e chikungunya os moradores podem ligar para a Central 1746, canal de comunicação com a Prefeitura.

Projeto forma jovens da Maré em Esportes Eletrônicos

Iniciativa gratuita também promove trocas culturais com jovens indígenas e de ONG premiada como a melhor do Brasil na categoria esporte

Por Samara Oliveira

Trabalho ou diversão? A verdade é que dá para ir para os dois caminhos no mundo do E- sports e até juntar as duas atribuições de uma vez só. Há quem queira apenas se aventurar e conhecer o mundo dos esportes eletrônicos e há quem enxergue como uma oportunidade de mudar de vida. Isso mesmo, mudar de vida através dos games. Para os responsáveis de adolescentes que leem o Maré de Notícias nós temos explicações e evidências para afirmar isso. Em pesquisa rápida no Google sobre o quanto rende esses campeonatos do mundo tecnológico pode se ver que os jogadores brasileiros (ou players como são chamados) que mais lucraram com premiações com e-sports em 2021 arrecadaram, U$ 202 mil.

Para chegar ao nível de competir não é fácil, mas não é impossível. Acreditando nisso que o Instituto Vida Real, em parceria com a Lenovo Brasil lançou o projeto “Todo Mundo Joga Junto” uma formação em jogos on-line (Valorant, Fortnite e League Of Legends) em que os alunos são conectados a uma sala virtual com professores especialistas, e em seguida partem para a prática do jogo. São quatro aulas de duas horas por dia da semana. 

“Além da formação e a prática nos jogos, o projeto pretende promover uma interface multicultural onde os jogadores convivem com culturas, saberes e costumes diferentes, e refletem sobre essas diferenças”, conta Arthur Pedro, pedagogo e diretor educacional do Instituto Vida Real.

O jovem Allan Carlos, de 13 anos, se interessou pelo mundo de E- sports vendo vídeos na internet. Depois que um amigo contou sobre o projeto do Instituto ele se inscreveu e já está nas aulas desde o início do projeto, há dois meses. 

“Estou achando uma boa experiência e o que eu acho de mais interessante das trocas culturais são as gírias diferentes das outras pessoas”, conta o aluno. Perguntado se vê a atividade como hobby ou oportunidade de trabalho, não pensou duas vezes em responder a segunda opção. O jovem afirmou que recebe todo incentivo dos pais.

Allan Carlos, de 13 anos, é um dos jovens mareenses que participa da formação.

Além da sala do Instituto que fica na Nova Holanda, na Maré, outras salas que participam da formação se dividem entre um território indígena chamado Tekoá Itaty, no Morro dos Cavalos em Santa Catarina e outra na Fundação Esportiva Educacional Pró-criança e Adolescente (EPROCAD), em Santana de Parnaíba, São Paulo. Esta última foi premiada como a melhor ong do Brasil na categoria esporte, no Festival Internacional de Inovação Social. Hoje o projeto atende, aproximadamente, 110 alunos, divididos nas três estações.

Pensando na continuidade da iniciativa, há boas perspectivas por parte do Instituto como afirma Arthur “O projeto está na primeira turma, que terá duração de 6 meses. Após esse período, a ideia é seguir com a formação para mais jovens, e utilizar o conhecimento e as habilidades dos primeiros jogadores formados, como multiplicadores. Os próprios jogadores poderão contribuir com os próximos alunos do projeto, e assim, seguir com esse legado”, afirma esperançoso. 

Os interessados devem acompanhar o andamento do projeto e as possibilidades de novas turmas, no perfil @institutovidareal no Instagram, ou acessar o site https://institutovidareal.org.br/. Para as inscrições, basta comparecer na unidade localizada na Rua Teixeira Ribeiro, nº 904, Fundo – Maré, ser maior de 12 anos e apresentar CPF, identidade própria e do responsável e comprovante de residência. Para os maiores de 18 anos, é só apresentar os próprios documentos. 

Sobre o Instituto Vida Real 

O Instituto Vida Real “nasceu” em 2004, após uma equipe de um documentário formada por cineastas e jornalistas chegar à comunidade Nova Holanda, uma das dezesseis favelas que compõem o Conjunto de favelas da Maré para filmar sobre o tema da educação de jovens em situação de risco e em conflito com a lei. Essa equipe conheceu o líder comunitário Sebastião Antônio de Araújo, que trabalhava como inspetor em um colégio estadual e tinha o desejo de construir algo para tirar os meninos e meninas da vida do crime. O desejo de Antônio e sua luta contagiaram todos os envolvidos nas filmagens, que, a partir desse momento, resolveram apoiá-lo na criação de um projeto voltado para adolescentes dessas comunidades. 

Criou-se, então, o Projeto Vida Real, que começou a desenvolver atividades de reforço escolar, informática, palestras e o encaminhamento de adolescentes para cursos. Em 2005, a ONG Instituto da Criança passou a apoiar o projeto, possibilitando que o Vida Real organizasse sua estrutura operacional e ampliasse seu funcionamento e sua equipe de trabalho. A partir de 2006, em função da ampliação progressiva de suas ações, o projeto é formalizado e passa a ser a organização não governamental sem fins lucrativos Instituto Vida Real.

Bronzeado Trans

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No #JaneiroLilás, mês da visibilidade trans, entrevistamos Vitória Laiza, empreendedora que personalizou o atendimento do biquíni de fita para mulheres trans

Por Lucas Feitoza

Vitória Laiza, de 26 anos, nasceu em Minas Gerais e veio para o Rio de Janeiro aos cinco anos; aos 14, saiu de casa por causa de desavenças familiares. Foi  quando começou a se entender como travesti. Morou em São Paulo por dez anos, sofreu agressões e, de volta ao Rio, enxergou uma oportunidade de empreender.

Atualmente ela mora em Roquete Pinto, e foi ali que começou a trabalhar nas praias do Piscinão de Ramos, com aplicação de fita e de produtos para bronzeamento. Viu uma oportunidade de se especializar em biquínis de fita para pessoas trans: o negócio deu tão certo que hoje ela percorre as praias da Barra da Tijuca, do Leme e de Copacabana; com sua expertise, consegue faturar em torno de R$300 a R$ 400 diariamente. 

“A rua fala mais alto, eu queria ver o mundo. Eu vi e quebrei a cara, mas uma das formas de conquistar o respeito na sociedade é por meio do trabalho”, diz ela .  

Vitória conta que as mulheres trans se sentem mais acolhidas e confiantes com seu atendimento. Mas ainda há desafios: “Embora não sejam todas, algumas mulheres (cis) ainda são preconceituosas e até se recusam a atender pessoas trans.”

Ela faz parte do Instituto Trans Maré, organização de apoio a pessoas trans e travestis na Maré, e conta que passou a ser respeitada pelo seu trabalho, usando esse reconhecimento para ajudar outras travestis. “É uma escada onde uma puxa a outra. Eu também quero que elas tenham o espaço delas e trabalhem”, diz. 

Vitória ressalta que, por falta de dinheiro, muitas pessoas trans não conseguem participar de eventos e projetos de apoio. Segundo ela, ajuda de custo para alimentação e transporte são formas fundamentais de incentivar a participação de pessoas transexuais e travestis. “É importante que mais trans e travestis ocupem espaços, estejam em eventos juntas com outras mulheres e, de modo geral, exerçam seus direitos.”

Travesti e respeito é o nome da campanha que marcou o dia 29 de janeiro como Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti. Este ano, a ação completa 19 anos: lançada em 2004, seu objetivo é promover o direito à cidadania e pedir respeito para as pessoas transexuais, transgêneros e travestis.