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Referência do jornalismo Glória Maria morre nesta manhã

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Mulheres pretas que contribuíram com o Maré de Notícias contam sobre a representatividade deste símbolo do jornalismo em suas escolhas e carreiras profissionais.

Por Jéssica Pires

Desde 2019 a jornalista lutava contra um câncer. A carioca foi a primeira repórter a entrar ao vivo e em cores no Jornal Nacional e passou por outros telejornais importantes para a história da TV como Jornal Hoje, Fantástico e o Globo Repórter. Um dos marcos da carreira de Glória foi as inúmeras viagens ao redor do mundo (mais de 100 países visitados), sempre em busca do exótico e inusitado, porém com muita proximidade com as câmeras e o público que a acompanhava. 

Glória também realizou entrevistas com grandes nomes da música e arte internacional como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna; e também do esporte, como Usain Bolt. 

Em 2019, Glória foi diagnosticada com um câncer de pulmão. O tratamento com imunoterapia teve sucesso. Depois, ela sofreu metástase no cérebro, que também pôde ser tratada com êxito por meio de cirurgia, mas os novos tratamentos não avançaram. “Em meados do ano passado, Glória Maria começou uma nova fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais que, infelizmente, deixou de fazer efeito nos últimos dias, e Glória morreu esta manhã, no Hospital Copa Star, na Zona Sul do Rio”, afirma o comunicado. A jornalista carioca que morre neste dia 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá e Nossa Senhora dos Navegantes, deixa duas filhas adolescentes (14 e 15 anos).

A primeira repórter negra da televisão brasileira:

“Eu não fujo da vida, entendeu? Eu acho que as coisas vão sendo colocadas no seu caminho e viver é enfrentar cada coisa. Não é fugir delas”. Glória, por vezes, compartilhou em entrevistas os momentos em que passou por situações de racismo durante a carreira. Além do incomparável legado para a história da TV  e do jornalismo brasileiro, a jornalista deixa para tantas jornalistas pretas um grande símbolo de representatividade e referência.   

Mulheres pretas que já contribuíram com o Maré de Notícias compartilharam hoje conosco sobre a representatividade da jornalista em suas escolhas e carreiras profissionais:

“Não haveria possibilidade de me imaginar jornalista se eu não tivesse crescido vendo Glória Maria. Pioneira, primeira repórter preta no Brasil, nos apresentou o mundo. Hoje é um dia muito triste para quem a tem como referência, mas seu legado permanecerá inspirando e mostrando futuros possíveis para mulheres pretas como eu.” Camille Ramos, jornalista, foi repórter do Maré de Notícias” de janeiro a maio de 2019.

“Pretos e pretas estão se amando”. A letra de Rincon Sapiência veio à minha mente quando acordei e vi tantas manifestações de carinho por Glória Maria. Ser uma viajante preta, uma jornalista preta me aproximava dessa mulher que nunca vi pessoalmente. Referência e inspiração por existir e, simplesmente, ser. Ela abriu caminhos e sua forma de viver reforçou dentro de mim a certeza de que sempre pude ser ou fazer o que eu quisesse da minha vida. Ocupar qualquer lugar, experienciar a feminilidade como desejasse. Que mulher imensa!” Tamyres Matos, jornalista, foi editora do Maré de Notícias de junho de 2021 a novembro de 2022.

“Glória Maria é um ícone do Jornalismo brasileiro. Em épocas em que termos como “representatividade” e “potência” não eram tão populares, Glória era a fusão dos dois. Lembro de vê-la na TV e pensava em como queria ser aquela mulher. Durante a minha jornada na comunicação, era em Glória que me espelhava. Uma mulher negra ocupando um espaço majoritariamente branco foi o maior incentivo que pude ter. Ela se dedicou 100% em cada um dos seus trabalhos, seja na cobertura de guerra, seja em uma imersão cultural na Jamaica. Todos foram realizados com paixão e inspiraram tantas meninas e mulheres negras, assim como eu, que hoje sou comunicadora no Maré de Notícias. Serei eternamente grata pelas portas que cresci vendo a grandiosa Glória abrir.” Andrezza Paula é repórter do Maré de Notícias.

“Não há nenhuma menina negra comunicativa e faladeira, nascida no fim dos anos 80 e início dos 90, que não foi chamada de Glória Maria. Glória era a promessa, o sonho de ascensão social para as meninas, como Pelé era para os meninos. Glória era a nossa Oprah, aliás, Oprah era a Glória deles. Eu sinto essa perda como se fosse alguém da minha família, mas prefiro lembrar dos anos de trabalho impecável, anos de Glória!”. Ana Paula Lisboa é escritora e editora do Maré de Notícias impresso.

Dengue: um problema coletivo

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Pesquisadora da Fiocruz explica que para combater o Aedes aegypti é preciso fazer mais que a nossa parte

Por Lucas Feitoza          

Janeiro iniciou com chuva e alguns dias de calor típicos do verão carioca. O acúmulo de água em recipientes nos terrenos baldios e até mesmo em pequenos objetos como tampas de garrafas são oportunidades para reprodução do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya.

As três arboviroses têm os principais sintomas parecidos: febre, dores no corpo e vermelhidão nos olhos. Mas a dengue pode causar também dor de cabeça, dores pelo corpo, náuseas, ou não apresentar qualquer sintoma. Em casos mais graves pode gerar manchas na pele, sangramentos (nariz e gengivas), dor abdominal intensa e contínua, além de vômitos persistentes.

Em 2022, foram registrados 4.791 casos de dengue e 4 mortes na capital carioca. Na Maré, de acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), foram 18 casos registrados. Em 2021, a cidade teve novecentos e trinta e oito casos notificados, a Maré um.  A princípio, o número pode não ser alarmante, porém existem algumas considerações que devem ser feitas.

Denise Valle, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) especialista no mosquito Aedes aegypti, explica que há uma subnotificação – registros menores do que a realidade – desde o início da pandemia de Covid-19 nos casos relacionados ao Aedes; “alguns sintomas são comuns, as pessoas de repente estavam com dengue e era a Covid, ou o contrário, como o aconselhável era evitar ir ao hospital, provavelmente algumas pessoas até morreram em casa” conta. Além disso, existem os registros de virose no verão que podem ser confundidos com os sintomas das doenças transmitidas pelo mosquito. 

Denise destaca que é importante tomar cuidados preventivos e falar sobre o assunto o ano inteiro, mas principalmente no período do inverno. Segundo ela, é nesse período que as chances de impedir a proliferação do Aedes aegypti são maiores, já que as baixas temperaturas dificultam a reprodução do mosquito.                     

Descarte indevido de lixo no “Pontilhão da Maré” pode aumentar a proliferação do mosquito. Foto: Gabi Lino

Combatendo o mosquito do jeito certo

 É importante observar os espaços com os olhos do mosquito para identificar onde pode estar um criadouro. A melhor forma de combater o Aedes, segundo Denise Valle, é pelo controle mecânico: acabando com o foco do mosquito enquanto ele ainda é uma larva. A pesquisadora explica que nessa fase é possível evitar que ele alcance outras regiões.  A forma correta de matar a larva é descartando a água em ambientes secos, já no caso do ovo do mosquito – um ponto preto que fica grudado nos recipientes – a melhor maneira é esfregar com a esponja ou com a mão. Para Denise, ações coletivas para eliminar os focos são eficazes; “A gente não pode falar que isso não é meu problema porque não está na minha casa, porque para o mosquito isso não é relevante, ele não sabe onde está o limite”, explica.

A especialista relembra as ações de combate como Dia D da Dengue, campanha de mobilização nacional realizada no último sábado de novembro de 2022 com o objetivo de combater o Aedes aegypti, e acrescenta que não basta fazer a vistoria de ambientes apenas uma vez já que o período que o mosquito leva para se desenvolver é 7 dias. Denise pontua que a constância na limpeza dos ambientes é que previne a proliferação.

O motorista Felipe dos Santos, 31 anos, morador da Vila do Pinheiro, conta que já teve Chikungunya e que ainda sente dores nas articulações devido a doença. Depois dessa experiência ele passou a tomar mais cuidados com a água parada, não deixando mais acumular em vasos de plantas ou baldes; “nós temos que nos prevenir a todo momento, porque essa doença é perigosa e leva até a morte. É bom virar os baldes e garrafas de cabeça pra baixo, porque esse mosquito aí gosta muito de água parada.”

Já o chapeiro Mike Montenegro, 24 anos, também morador da Vila do Pinheiro, alega que a falta de saneamento básico dificulta os cuidados; “Passei no Salsa (Salsa e Merengue – uma das favelas da Maré) agora e não dava pra ver o final da vala porque ela estava transbordando de água de esgoto por conta da chuva. Aí a gente tira água dos vasos das plantas, põem as garrafas vazias de cabeça pra baixo e tudo mais, mas a favela fica alagada com diversas poças d’água parada. É praticamente enxugar gelo. A campanha em si é importante, mas se não houver a manutenção do espaço fora das casas, não adianta muita coisa.” Conclui.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) diz estar atenta a possíveis focos de dengue e que realiza ações educativas e de mobilização com orientações para a população sobre as medidas de prevenção; “visando despertar a responsabilidade sanitária individual e coletiva, considerando que os principais reservatórios de criadouros ainda são encontrados em domicílios.” A SMS disse que essas ações e visitas dos agentes de Vigilância e Saúde são intensificadas no verão. 

Para informar sobre possíveis focos do mosquito da dengue, zika vírus e chikungunya os moradores podem ligar para a Central 1746, canal de comunicação com a Prefeitura.

Projeto forma jovens da Maré em Esportes Eletrônicos

Iniciativa gratuita também promove trocas culturais com jovens indígenas e de ONG premiada como a melhor do Brasil na categoria esporte

Por Samara Oliveira

Trabalho ou diversão? A verdade é que dá para ir para os dois caminhos no mundo do E- sports e até juntar as duas atribuições de uma vez só. Há quem queira apenas se aventurar e conhecer o mundo dos esportes eletrônicos e há quem enxergue como uma oportunidade de mudar de vida. Isso mesmo, mudar de vida através dos games. Para os responsáveis de adolescentes que leem o Maré de Notícias nós temos explicações e evidências para afirmar isso. Em pesquisa rápida no Google sobre o quanto rende esses campeonatos do mundo tecnológico pode se ver que os jogadores brasileiros (ou players como são chamados) que mais lucraram com premiações com e-sports em 2021 arrecadaram, U$ 202 mil.

Para chegar ao nível de competir não é fácil, mas não é impossível. Acreditando nisso que o Instituto Vida Real, em parceria com a Lenovo Brasil lançou o projeto “Todo Mundo Joga Junto” uma formação em jogos on-line (Valorant, Fortnite e League Of Legends) em que os alunos são conectados a uma sala virtual com professores especialistas, e em seguida partem para a prática do jogo. São quatro aulas de duas horas por dia da semana. 

“Além da formação e a prática nos jogos, o projeto pretende promover uma interface multicultural onde os jogadores convivem com culturas, saberes e costumes diferentes, e refletem sobre essas diferenças”, conta Arthur Pedro, pedagogo e diretor educacional do Instituto Vida Real.

O jovem Allan Carlos, de 13 anos, se interessou pelo mundo de E- sports vendo vídeos na internet. Depois que um amigo contou sobre o projeto do Instituto ele se inscreveu e já está nas aulas desde o início do projeto, há dois meses. 

“Estou achando uma boa experiência e o que eu acho de mais interessante das trocas culturais são as gírias diferentes das outras pessoas”, conta o aluno. Perguntado se vê a atividade como hobby ou oportunidade de trabalho, não pensou duas vezes em responder a segunda opção. O jovem afirmou que recebe todo incentivo dos pais.

Allan Carlos, de 13 anos, é um dos jovens mareenses que participa da formação.

Além da sala do Instituto que fica na Nova Holanda, na Maré, outras salas que participam da formação se dividem entre um território indígena chamado Tekoá Itaty, no Morro dos Cavalos em Santa Catarina e outra na Fundação Esportiva Educacional Pró-criança e Adolescente (EPROCAD), em Santana de Parnaíba, São Paulo. Esta última foi premiada como a melhor ong do Brasil na categoria esporte, no Festival Internacional de Inovação Social. Hoje o projeto atende, aproximadamente, 110 alunos, divididos nas três estações.

Pensando na continuidade da iniciativa, há boas perspectivas por parte do Instituto como afirma Arthur “O projeto está na primeira turma, que terá duração de 6 meses. Após esse período, a ideia é seguir com a formação para mais jovens, e utilizar o conhecimento e as habilidades dos primeiros jogadores formados, como multiplicadores. Os próprios jogadores poderão contribuir com os próximos alunos do projeto, e assim, seguir com esse legado”, afirma esperançoso. 

Os interessados devem acompanhar o andamento do projeto e as possibilidades de novas turmas, no perfil @institutovidareal no Instagram, ou acessar o site https://institutovidareal.org.br/. Para as inscrições, basta comparecer na unidade localizada na Rua Teixeira Ribeiro, nº 904, Fundo – Maré, ser maior de 12 anos e apresentar CPF, identidade própria e do responsável e comprovante de residência. Para os maiores de 18 anos, é só apresentar os próprios documentos. 

Sobre o Instituto Vida Real 

O Instituto Vida Real “nasceu” em 2004, após uma equipe de um documentário formada por cineastas e jornalistas chegar à comunidade Nova Holanda, uma das dezesseis favelas que compõem o Conjunto de favelas da Maré para filmar sobre o tema da educação de jovens em situação de risco e em conflito com a lei. Essa equipe conheceu o líder comunitário Sebastião Antônio de Araújo, que trabalhava como inspetor em um colégio estadual e tinha o desejo de construir algo para tirar os meninos e meninas da vida do crime. O desejo de Antônio e sua luta contagiaram todos os envolvidos nas filmagens, que, a partir desse momento, resolveram apoiá-lo na criação de um projeto voltado para adolescentes dessas comunidades. 

Criou-se, então, o Projeto Vida Real, que começou a desenvolver atividades de reforço escolar, informática, palestras e o encaminhamento de adolescentes para cursos. Em 2005, a ONG Instituto da Criança passou a apoiar o projeto, possibilitando que o Vida Real organizasse sua estrutura operacional e ampliasse seu funcionamento e sua equipe de trabalho. A partir de 2006, em função da ampliação progressiva de suas ações, o projeto é formalizado e passa a ser a organização não governamental sem fins lucrativos Instituto Vida Real.

Bronzeado Trans

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No #JaneiroLilás, mês da visibilidade trans, entrevistamos Vitória Laiza, empreendedora que personalizou o atendimento do biquíni de fita para mulheres trans

Por Lucas Feitoza

Vitória Laiza, de 26 anos, nasceu em Minas Gerais e veio para o Rio de Janeiro aos cinco anos; aos 14, saiu de casa por causa de desavenças familiares. Foi  quando começou a se entender como travesti. Morou em São Paulo por dez anos, sofreu agressões e, de volta ao Rio, enxergou uma oportunidade de empreender.

Atualmente ela mora em Roquete Pinto, e foi ali que começou a trabalhar nas praias do Piscinão de Ramos, com aplicação de fita e de produtos para bronzeamento. Viu uma oportunidade de se especializar em biquínis de fita para pessoas trans: o negócio deu tão certo que hoje ela percorre as praias da Barra da Tijuca, do Leme e de Copacabana; com sua expertise, consegue faturar em torno de R$300 a R$ 400 diariamente. 

“A rua fala mais alto, eu queria ver o mundo. Eu vi e quebrei a cara, mas uma das formas de conquistar o respeito na sociedade é por meio do trabalho”, diz ela .  

Vitória conta que as mulheres trans se sentem mais acolhidas e confiantes com seu atendimento. Mas ainda há desafios: “Embora não sejam todas, algumas mulheres (cis) ainda são preconceituosas e até se recusam a atender pessoas trans.”

Ela faz parte do Instituto Trans Maré, organização de apoio a pessoas trans e travestis na Maré, e conta que passou a ser respeitada pelo seu trabalho, usando esse reconhecimento para ajudar outras travestis. “É uma escada onde uma puxa a outra. Eu também quero que elas tenham o espaço delas e trabalhem”, diz. 

Vitória ressalta que, por falta de dinheiro, muitas pessoas trans não conseguem participar de eventos e projetos de apoio. Segundo ela, ajuda de custo para alimentação e transporte são formas fundamentais de incentivar a participação de pessoas transexuais e travestis. “É importante que mais trans e travestis ocupem espaços, estejam em eventos juntas com outras mulheres e, de modo geral, exerçam seus direitos.”

Travesti e respeito é o nome da campanha que marcou o dia 29 de janeiro como Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti. Este ano, a ação completa 19 anos: lançada em 2004, seu objetivo é promover o direito à cidadania e pedir respeito para as pessoas transexuais, transgêneros e travestis.

Maré recebe projeto inédito de formação em realidade virtual para mulheres

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Inscrições vão até 4 de fevereiro. Formação é gratuita e oferece auxílio para participação.

Por Jéssica Pires

O projeto “Mulheres na Inovação” é uma iniciativa da ong Recode, inédita e que acontece pela primeira vez aqui no Conjunto de Favelas da Maré.  A formação será uma maratona de imersão na tecnologia de Realidade Virtual (VR). As 36 mulheres que participarão do projeto irão receber capacitação por meio da aprendizagem de conceitos, processos e técnicas para a criação de vídeos/documentários em VR que reflitam a realidade das mulheres brasileiras.

O processo de seleção começa com inscrições online pelo link disponível na página do projeto “Mulheres na Inovação” que devem ser realizadas até o dia 4 de fevereiro. Nesse mesmo dia acontece no Galpão Bela Maré um “Ideathon” – um dia inteiro de contato com a linguagem da realidade virtual. Neste encontro serão selecionadas e convidadas as 36 mulheres que seguirão na formação. Não é necessário o conhecimento prévio sobre realidade virtual para participação na formação.

A formação audiovisual será composta por 8 encontros presenciais com especialistas e equipamentos como óculos 3D. Haverá uma ajuda de custo de R$ 300,00 para as participantes. A fase seguinte será de produção das filmagens feitas pelas mulheres com mentoria da equipe. Os documentários produzidos pelas mareenses, sobre suas realidades, serão divulgados pela Recode.

“Vejo essa iniciativa como uma potência para revelar a Maré para o mundo, a partir do olhar luxuoso e poético das mulheres mareenses, que representam o pilar mais forte da constituição do território”, comenta Arthur Pedro, educador social do projeto e morador da Maré. Para Arthur, a formação na linguagem fará a produção audiovisual do território mudar de patamar. “É a potencialização promissora dessa linguagem de captação da realidade para a constituição de novas memórias”

O projeto também conta com a parceria da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Globo, Banco BTG e BRQ e organizações locais como a ong Vida Real e a Redes da Maré.

Anielle Franco destaca ações para os 100 primeiros dias de Ministério

Em entrevista exclusiva ao Maré de Notícias, Ministra conta que pretende fazer posse simbólica na Maré

Por Samara Oliveira e Lucas Feitoza

Cria do Conjunto de Favelas da Maré, Anielle Franco, 37 anos, ocupa desde 11 de janeiro o cargo de Ministra da Igualdade Racial. Além de Anielle, outras dez mulheres foram nomeadas para liderar ministérios pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este é o maior número de mulheres no primeiro escalão do governo desde o mandato de Dilma Rousseff. No dia em que assumiu o cargo, a ministra fez um discurso emocionado agradecendo as mulheres que a apoiaram, principalmente depois do dia 14 de março de 2018, data do assassinato de sua irmã, a vereadora Marielle Franco. 

Em entrevista exclusiva para o Maré de Notícias (MN), ela falou sobre desafios, representatividade, planejamento com outros ministérios e o legado de Marielle Franco. 

MN: O que representa para você, mulher, mãe, preta, de origem favelada ocupar uma cadeira de ministério neste governo Lula? 

Anielle: Toda vez que eu olho para uma mãe, uma menina, uma jovem negra, eu sempre penso no quanto essa pessoa sonha em chegar a lugares que podem ser, e tem sido negado historicamente para a gente. Então representa muita coisa. Representa inclusive eu querer muito voltar a Maré assim que eu puder e fazer também uma fala, uma posse simbólica na Maré pra dizer: ‘Nós existimos aqui no nosso lugar de raiz, onde nós nascemos, crescemos, nós cuidamos, nós criamos e que a gente pode ser o que a gente quiser.’  Então acho que é um pouco isso que representa pra mim.  “Por que quando uma de nós vence todas nós vencemos, sabe?”. Quando a gente chega a lugares que nunca foram imaginados que nós estaríamos ali, que foram ocupados pouquíssimas vezes ou até mesmo que nunca foram ocupados, significa que também a favela chega nesse lugar. 

MN:Você já havia almejado ocupar cargos como esse com a criação do Instituto Marielle Franco?

Anielle: Eu nunca pensei em estar em um cargo público, muito menos em ser ministra de Estado. Mas eu entendo também que é o reconhecimento do meu trabalho de tudo que tem sido feito e que foi feito desde 2018 pra cá. Não que antes eu não trabalhasse com isso, eu trabalhava, mas nos bastidores. Eu tinha a minha líder, uma pessoa que falava por mim. E eu desde muito nova aprendi a lutar e galgar espaço maiores sempre. Eu era aquele tipo de menina que escrevia o que eu queria ser no ano seguinte, que fazia o meu diário com os meus objetivos anuais. Eu sempre sonhei muito alto e sempre almejei estar em lugares que eu pudesse ajudar a minha família, que eu pudesse ajudar outras pessoas, fazer com que outras pessoas também subissem junto comigo.

MN: Como cidadã, como você enxerga a atual composição dos ministérios e governo Lula e o que isso pode gerar para as pessoas e o Brasil? 

Anielle: Eu acho que a composição dos ministérios no governo Lula é um avanço, uma melhoria muito importante. A gente ter 11 mulheres à frente de pastas importantes é um marco sim, mas a gente também sabe que a gente tem que batalhar por ainda mais mulheres. Quem sabe um dia teremos cinquenta por cento de mulheres em pastas ministeriais? A gente ter como presidente da Caixa Econômica e do Banco do Brasil duas mulheres, isso é muito marcante, muito impactante. Estamos num caminho em que vamos conseguir aumentar essa paridade, mesmo que não seja agora, de imediato, mas iremos. 

MN: Qual será o maior desafio para atuar como ministra de igualdade racial no país que ainda nega sua estrutura racista?

Anielle: Eu acho que a gente tem muitos desafios de que as pessoas nos escutem e acolham, que façam políticas públicas conosco. Que nos tratem como um ministério de uma pauta que é de extrema importância para o país inteiro.

MN: Quais são as primeiras ações planejadas para o ministério? 

Anielle: Estamos ainda planejando as ações prioritárias pra esses 100 primeiros dias, mas eu já garanto que nestas ações estão principalmente o enfrentamento ao genocídio da população preta; o fortalecimento de leis que permitam e garantam cada vez mais o acesso das pessoas no ensino superior; o fortalecimento de leis que já existem como a Lei 639 e 645, que tornaram obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas. A gente vai debater a saúde da população negra de uma maneira eficaz, concreta porque são dados muito alarmantes. Passa por garantir que essas pessoas tenham a dignidade de volta, então é comida no prato, emprego, condições de moradia. Estas ações são prioritárias.

MN: Existe algum planejamento de atuação conjunta com o ministério dos Direitos Humanos, ou secretarias como a das mulheres, juventude ou população LGBTQIA+?

Anielle: Já estamos conversando com alguns ministérios, vamos continuar fazendo isso tanto com Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania quanto com Ministério da Justiça para os próximos dias.

MN:  O que a população de favelas e periferias podem esperar das ações do Ministério da Igualdade Racial? 

Anielle: Teremos uma assessora especial para periferias e favelas para estabelecer esse diálogo que é muito importante, é inadmissível que uma pessoa que venha da favela não tenha esse contato, então teremos esse canal. Eu preciso estar conectada com as favelas do Brasil inteiro, isso é questão de honra, estamos planejando como vai ser isso. Essa é uma das minhas prioridades também. 

MN: Qual o principal legado que a luta de Marielle deixou para o seu trabalho como ministra? 
Anielle: O legado da Mari, que chega também até aqui, é uma resposta para esses quatro anos tenebrosos que nós tivemos. É uma mulher preta favelada que também chega aqui. Então é pensar a favela como esse lugar cultural, digno, de felicidade, esse lugar que tem inúmeros astros que estão ali só esperando uma oportunidade. A gente pode avançar nisso. Eu sou fruto da oportunidade do esporte, também farei coisas com Ana Moser, – Ministra do Esporte – o esporte e a educação salvaram minha vida. Quero pensar um plano em conjunto para estabelecer ações concretas para o povo favelado.

Anielle Franco e Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas do Brasil | Foto: Ueslei Marcelino