Corte de verbas atinge unidade na Ilha do Fundão, levando à diminuição de leitos e de pessoal
Por Hélio Euclides e Rebekah Tinôco*
Mesmo cedo, quem chega ao Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF, conhecido como Hospital do Fundão) se depara com uma enorme fila que dura quase toda a manhã, elevadores parados, emergência fechada e a sala de observação onde doentes se amontoam para passar a noite em cadeiras de plástico e de rodas. Um cartaz na recepção explica o motivo do cenário de carência e superlotação: redução de profissionais.
Os cortes que atingiram as universidades e institutos federais nos últimos anos foram recorrentes, mas conseguiram, em dezembro, levar o caos às contas das entidades de ensino: com o novo bloqueio de R$ 244 milhões pelo governo federal, elas ficam impossibilitadas de pagar a luz, funcionários terceirizados, contratos de serviço e até mesmo bolsistas.
“As pessoas responsáveis pelos prontuários e por anotar ordem de chegada não estão trabalhando. Virou uma bagunça, os pacientes e os médicos é que precisam se organizar”, relatou um paciente.
Uma funcionária terceirizada, que preferiu não se identificar, disse que não sabia se ainda era uma funcionária ou se estava trabalhando sob aviso prévio: “Recebemos o último pagamento em novembro. No hospital ninguém sabe o nosso futuro. Está um caos, não estamos indo trabalhar, pois não temos dinheiro para passagem e alimentação.”
O que diz o hospital
Contatada, a assessoria de imprensa do Hospital Clementino Fraga Filho disse que “o hospital é o maior da cidade do Rio de Janeiro em volume, com 800 atendimentos ambulatoriais e, em média, 20 cirurgias, diariamente. Além disso, há mais de 300 pesquisas em andamento.”
A direção-geral do HUCFF negou que existam registros de pacientes sendo atendidos em local inapropriado. “No auge da pandemia o hospital chegou a ter 310 leitos ativos, devido a verba suplementar do Ministério da Saúde destinada ao combate ao coronavírus.” A unidade informou que não teve como estender os contratos dos profissionais temporários e, por isso, a unidade reduziu o número de leitos para 186 leitos já em setembro.
*Aluna comunicadora do Programa de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Maré de Notícias.
Era lá pela década de 1940 que o Morro, batizado de Timbau, acolhia uma das primeiras moradoras da Maré: Orosina. Ela representa muitos moradores que deram início ao conjunto de favelas. Com o tempo vieram mais diversas pessoas, de vários cantos da cidade e do país e novas favelas foram surgindo. Nem tinha terra para tanta gente, então a solução era fincar a madeira no mangue e construir palafitas. A vida era dura, uma luta para todos terem energia elétrica e a água, que era obtida nos bicões, por meio do rola ou da balança. Foram necessárias muitas mobilizações, muitas lideranças e uma Chapa Rosa, para lutar pelo direito à moradia, educação, cultura, saúde e saneamento básico.
Em 1994 foi criado o bairro Maré. Contudo, uma lei pode não trazer tantos avanços como se espera. São mais de 140 mil moradores, quase uma cidade. Mesmo assim, os investimentos surgem lentamente. E geralmente não tem continuidade. Certa vez um jovem chamado Herbert Vianna que estudava na UFRJ, enquanto olhava para a Maré escreveu uma canção, que narrava bem o dilema: A esperança não vem do mar e nem das antenas de TV, a arte de viver na fé, só não se sabe fé em quê. Havia fé sim, na união e capacidade de mobilização. E assim muitas transformações aconteceram, mas ainda há muitos problemas a serem resolvidos. Já são 29 anos de um bairro que é potência. Tem uma população que almeja políticas públicas, que sofre pela desigualdade social e deseja uma segurança pública para todos os cidadãos que contribuem com o crescimento da cidade, do estado e do Brasil.
E que segue a lutar por uma Maré que Queremos!
Confira alguns momentos do conjunto de favelas pelos olhares dos fotógrafos mareenses:
Os desafios do Movimento Baía Viva que defende a Baía de Guanabara e o Rio Paraíba do Sul há mais de 40 anos
Por Andrezza Paulo
A Baía de Guanabara faz aniversário neste dia 18 de janeiro, mas não há muitos motivos para comemoração. Os desafios daqueles que defendem a preservação da Baía ainda são os mesmos de 40 anos atrás. Vale lembrar que a data, 18 de janeiro, coincide com um vazamento de óleo da REDUC (Refinaria de Duque de Caxias) e foi uma tragédia ambiental.
Foram mais de 50 km de mancha de óleo na Baía e 1,3 milhões de litros de óleo despejados. Normalmente, a Baía de Guanabara só é lembrada quando tem desastre, mas ela é responsável por proporcionar infinitos benefícios para o Rio de Janeiro, principalmente para a mobilidade urbana, com barcas vindo de Paquetá e Niterói que podem ser um grande atrativo socioeconômico. Porém, para que ela funcione em perfeita harmonia com a cidade, o local precisa deixar de ser sacrificado.
No início da década de 1980 criou-se o Movimento Baía Viva, que desde então desempenha um importante papel na defesa da Baía de Guanabara e na biodiversidade. A ONG foi responsável por avanços no ecossistema da cidade do Rio de Janeiro, como a coleta de mais de 50 mil assinaturas para preservar o Rio Paraíba do Sul, a Baía de Guanabara e de Sepetiba.
Foi a única emenda popular no caderno de Meio Ambiente da Constituição do Estado do Rio de Janeiro no caderno de Meio Ambiente. Outra conquista importante foi a aprovação da chamada “Lei dos Aterros na Baía de Guanabara” que foi proposta à época pelo Baía Viva a partir dos estudos sobre os impactos do assoreamento na baía que foram desenvolvidos por décadas pelo professor da UFRJ e Geógrafo Elmo Amador.
Defesa dos ecossistemas
O Movimento Baía Viva segue desenvolvendo projetos em defesa dos ecossistemas da região e uma dessas ações resultou na Universidade do Mar da Baía de Guanabara (UniMar)em parceria com a Universidade de Oceanografia da UERJ, MORENA (Associação de Moradores de Paquetá) e já conta com apoio de mais de 50 departamentos, laboratório e grupos de pesquisa. Em março de 2022, o reitor da UERJ, Professor Ricardo Lodi assinou o ato que institui o UniMar como Programa de Extensão.
Sérgio Ricardo de Lima, ecologista, ambientalista e cofundador do Movimento Baía Viva destaca a importância da preservação nas Baías de Guanabara e Sepetiba e diz que preservar o ecossistema e a biodiversidade representam, também, a sustentabilidade da população pesqueira. “Estamos nos três primeiros anos da década do oceano da ONU e não avançamos. O empobrecimento dos pescadores e a insegurança alimentar aumentou absurdamente a ponto da comunidade pesqueira vender suas próprias embarcações, além da alta contaminação e problemas de saúde pelo excesso de poluentes nas águas”, ressalta o ambientalista.
Sérgio Ricardo conta que o empobrecimento dos pescadores e a insegurança alimentar aumentaram nos últimos anos devido a poluição da Baía de Guanabara (Foto: Andrezza Paulo)
Em entrevista ao Maré de Notícias, Sérgio Ricardo aponta os desafios ao longo dos anos, as conquistas e as estratégias de mobilização e articulação para modificar o cenário atual. Confira a entrevista na íntegra.
MN: Em março de 1995 foi iniciado o Plano de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), com a promessa dos grandes troncos coletores de esgoto ligarem Manguinhos ao Caju e o canal do cunha até a estação da Penha que atenderiam mais de 2 milhões de pessoas. Como está esse plano?
Sérgio Ricardo: O PDBG foifinanciado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e executado pela CEDAE que alocou mais de 80% de seus recursos em saneamento básico. E nós questionamos isso. Não era um plano de despoluição, era um plano sanitarista. Até hoje esse plano não foi concluído e a própria Maré é vítima disso. Passaram-se 28 anos e não foi feito.
Quando veio a olimpíada, ao invés do governo do Estado concluir as obras do PDBG, ele lança outro plano que é o PSAM (Programa de Saneamento Ambiental) também financiado pelo BID, dessa vez executado pelo INEA (Instituto Estadual do Ambiente). Por uma série de fatores como a corrupção, o excesso de incentivos fiscais e a falta de pagamento de imposto, o Rio de Janeiro decretou falência. Em seguida veio crise econômica, pandemia e etc.
Em 2019, realizamos audiências públicas e muitas barqueatas na Barra da Tijuca com diversos artistas, em Paquetá e com movimentos de moradores de São Gonçalo e da Baixada. Isso gerou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e ali a CEDAE se comprometeu com um cronograma para cumprir todas as obras do PDBG e do PSAM com prazos e recursos determinados. Em 2020, durante a pandemia não houve obra de saneamento básico e neste mesmo ano, a maioria do congresso nacional privatizou o saneamento no Brasil e meses depois a CEDAE foi privatizada. A prioridade era concluir os dois programas, isso não aconteceu e foi aberto um novo plano de obras.
MN: O que é a Mercantilização da Água e seus efeitos para a população?
SR: O termo técnico é Marco Legal do Saneamento, mas nós estamos falando aqui da mercantilização das águas e de decisões que não tiveram participação popular, é o mercado das águas que pode levar o Brasil ao deserto sanitário. As concessionárias são formadas por fundos de investimento, ou seja, pelo mercado financeiro que não vai ter preocupação em garantir água para população que é um direito humano. Essa mercantilização da água e saneamento no Brasil ampliará o racismo ambiental e a desigualdade hídrica. Foi criada uma comissão de acompanhamento que não nos sentimos representados por ser uma forma muito limitada de participação popular e não tenho a menor dúvida de que teremos muitas lutas pela garantia do direito à água.
Em apenas duas décadas, o Rio de Janeiro sofreu quatro graves crises hídricas e não é trivial uma metrópole viver isso em 20 anos e ser dependente de um único rio, o Rio Paraíba do Sul. A Baía de Guanabara não se resolve na própria Baía, se resolve com a despoluição dos rios, com saneamento básico das cidades do entorno e isso depende de políticas públicas.
Temos visto que essas questões estão na agenda do novo governo e vamos continuar lutando para que as medidas sejam tomadas. O que está destruindo a Baía de Guanabara, de Sepetiba, o Rio Paraíba do Sul e a Mata Atlântica não são as pessoas e sim o modelo de desenvolvimento. É importante deixar isso claro. Ou mudamos esse modelo, ou vamos submergir aos eventos climáticos. A crise é profunda, mas esse é o planeta que nós temos, não tem outro. Então temos que lutar para mudar esse quadro.
MN: Quais estratégias de mobilizações adotadas pelo Baía Viva?
SR: Quando vimos a paralisação das obras de saneamento, nós pensamos em mobilizar a população. Os coletivos surgem fora de sindicatos, associações de moradores e começam a produzir fóruns. As barqueatas, os encontros populares inclusive na Maré são exemplos de que a população está se articulando. Nos perguntamos o seguinte: Onde há mobilização comunitária viva? E onde víamos um foco, nós passávamos o histórico, o que tínhamos de estudos e diagnóstico para pressionarmos juntos. As concessionárias estão inventando novas obras onde está sendo colocado hidrômetros para a população pagar e eles aumentarem sua arrecadação ao invés de concluírem o que foi proposto há 28 anos atrás.
MN: Por que utilizar o Ciberativismo?
SR: Temos buscado estudar esse movimento do ciberativismo em prol dos interesses da população e em defesa das baías. Vamos utilizar a potência das redes sociais para defender as causas de interesse comum. Bolsonaro foi eleito com fake News, com difusão do ódio, intolerância e do racismo nas redes, mas será que essa ferramenta não pode ser utilizada para pressionar o poder público? Pode e estamos com muita disposição para continuar pressionando.
MN: O que esperar da Conferência Participativa por um plano de Recuperação da Baía de Guanabara?
SR: Em torno de 70% da população do Rio de Janeiro depende do Rio Paraíba do Sul e o nosso objetivo é produzir um diagnóstico com estudos ao longo dos anos e tentar estabelecer compromissos e metas, ou seja, o que será feito por cada área do saneamento, da política pesqueira e do planejamento urbano para modificar a estrutura atual.
MN: O que deseja para os próximos aniversários da Baía de Guanabara?
SR: Eu sou de ancestralidade indígena, sou potiguara. Aqui no Rio de Janeiro teve um ecocídio da Mata Atlântica que foi quase toda desmatada. Ao mesmo tempo teve um genocídio dos povos originários. Fui criado tomando banho no Rio Xingu no Pará e quando cheguei aqui no Rio de Janeiro em 1986, eu fui surpreendido com um número grande de praias impróprias para banho. Eu sempre digo que não vou desistir da Baía de Guanabara até eu conseguir tomar banho lá, meu desejo para os próximos aniversários é avançar em políticas públicas, saneamento básico, coleta seletiva, controle industrial e restauração dos manguezais para atingir essa meta. Esse é o meu desejo para os próximos aniversários da Baía de Guanabara.
Vila Olímpica oferece atividades em período de recesso a moradores da Maré
Por Hélio Euclides e Cristiane Barbalho*
“Instalações, em lugares apropriados, destinada a receber crianças e adolescentes, bem como seus monitores e responsáveis, durante os períodos de férias e caracterizadas pela multiplicidade de brincadeiras, jogos, atividades esportivas e culturais que são organizadas para atender a essa faixa etária.” Essa é definição de colônia de férias segundo o dicionário Michaelis. Já para a criançada é mais do que isso, é um local de distração, lazer, convívio social e diversão. Como todos os anos, a Vila Olímpica Municipal Seu Amaro, na Nova Maré, abre as portas para moradores nesse período de recesso escolar.
A Colônia de Férias da Vila Olímpica Municipal Seu Amaro terá início na próxima terça-feira (17/01), das 8h às 17h. Serão oferecidas diversas atividades recreativas para crianças, adolescentes, jovens e pessoas com deficiência. Os adultos não ficarão de fora, com espaços de aulões. “O objetivo é que as crianças possam aproveitar esse período de férias curtindo as diversas atividades recreativas, que farão parte da colônia de férias. Será um momento de muita alegria e diversão”, comenta Cátia Simão, gestora da União Esportiva Vila Olímpica da Maré (UEVOM).
Para participar da colônia é preciso comparecer ao setor de Inscrições da própria Vila Olímpica, munido de documento oficial com foto, número de telefone ativo e comprovante de residência. Os profissionais da instituição lembram que as inscrições serão feitas até o dia 27 de janeiro, mas que é preciso correr pois as vagas são limitadas.
* jornalista da União Esportiva Vila Olímpica da Maré (UEVOM)
Maré terá grande mutirão presencial para pré-matrícula de novos alunos na rede pública da Prefeitura
Por Adriana Pavlova
Você conhece alguma criança ou um adolescente da Maré que não esteja matriculado na escola? De 18 a 23 de janeiro, acontecerá a campanha de mobilização para a matrícula de novos alunos nas escolas municipais da região. Seguindo o calendário de inscrições oficiais, a Redes da Maré se une às associações de moradores locais para facilitar a pré-matrícula dos estudantes.
Mães, pais, avós, tios e responsáveis terão internet disponível e orientação para o preenchimento do pedido da vaga que deve ser feito online pelo site www.matricula.rio ou no aplicativo Rioeduca em Casa.
Nos seis dias de pré-matrícula, nas sedes da Redes da Maré na Nova Holanda e da Vila dos Pinheiros (CIEP Gustavo Capanema) haverá um plantão das 9h às 17h para receber estudantes e seus familiares à procura de vagas da pré-escola até a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Diferentes associações de moradores também estarão de portas abertas para ajudar no processo de matrícula: Baixa do Sapateiro, Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Esperança, Marcílio Dias, Nova Holanda, Nova Maré, Parque União, Roquete Pinto e Rubens Vaz.
Cartazes e banners serão espalhados pelas ruas, assim como voluntários vão sair pelo comércio e circular na feira de sábado da Teixeira Ribeiro, na Nova Holanda, para alertar para as datas da matrícula para esse público específico que, por algum motivo, não foi matriculado na escola no ano passado.
“É um grande mutirão, com ampla comunicação e participação de voluntários, para amplificar o alcance das famílias e não deixar nenhuma criança ou adolescente fora da escola, num diálogo direto com a Secretaria Municipal de Educação”, explica Alessandra Pinheiro, coordenadora do Eixo de Educação da Redes da Maré.
A campanha de matrícula na Maré segue os mesmos moldes da mobilização do ano passado, quando 102 matrículas de novos alunos foram realizadas. Este ano, a expectativa é que o número seja maior, com o aumento dos pontos de atendimento presencial às famílias. Após a pré-matrícula realizada on-line, as famílias precisam confirmar a vaga indo na escola onde seu filho ou filha vai estudar.
A Associação de Moradores do Parque União, na rua Ari Leão 33/2º andar, é uma das parceiras que já montou esquema especial de plantão. “Nosso computador de trabalho estará à disposição das famílias, porque sabemos que tem muita gente sem internet na Maré e nem telefone. É só vir aqui que a gente ajuda na matrícula tão importante”, diz Liliane Lopes, do setor social da AMPU.
Projeto Busca Ativa
A campanha para a matrícula de estudantes na Maré é uma ação do projeto Busca Ativa de alunos fora da escola e infrequentes, realizado pela Redes da Maré, com apoio do Fundo Malala no Brasil. Desde janeiro de 2021, uma equipe com seis articuladoras circula pelas 16 comunidades da Maré à procura de estudantes fora das salas de aula. O objetivo é fazer a ponte para que voltem a estudar, buscando vaga por vaga junto às escolas da região, com apoio das redes municipal e estadual de ensino.
As articuladoras identificam os problemas que levaram a criança ou o adolescente a deixarem a escola ou até mesmo nunca terem sido matriculados. A partir daí, tem início um trabalho de articulação territorial para que sejam acionadas redes de apoio locais e equipamentos públicos de educação, saúde e assistência social.
No processo, a articuladora responsável faz o acompanhamento regular dos estudantes, visitando as famílias ou se comunicando com elas por telefone. Em dois anos de trabalho, são 1.447 crianças e adolescentes cadastrados, e 3.331 acompanhamentos. Por outro lado, 98 crianças e adolescentes até hoje estão fora da escola por falta de vagas. Daí a importância ainda maior do apoio massivo à pré-matrícula de alunos novos:
“É o momento crucial para o trabalho do Busca Ativa porque é quando efetivamente conseguimos inserir muitos dos alunos fora da escola. É uma grande luta; infelizmente, ainda faltam vagas nas escolas da Maré e as famílias preferem escolas mais próximas de suas casas”, diz Elza Sousa, coordenadora do Busca Ativa.
PRÉ-MATRÍCULA REDE MUNICIPAL DE ENSINO 18 a 23 de Janeiro 10h às 17h Locais: Redes da Maré na Nova Holanda e da Vila do Pinheiro (Ciep Gustavo Capanema) – inclusive no feriado e fim de semana. Associações de Moradores: Baixa do Sapateiro, Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Esperança, Marcílio Dias, Nova Holanda, Nova Maré, Parque União, Roquete Pinto e Rubens Vaz – exceto no feriado do dia 20/01. No fim de semana a Associação do Conjunto Esperança também não funcionará.
A ocupação da Maré começa pela praia e depois, segue para a parte mais alta
Por Hélio Euclides e Jorge Melo
Ex escravizados, moradores removidos de suas moradias, ex soldados, subiram o Morro da Providência para formar a primeira favela. Quase meio século depois, em um morro no meio de praia e mangues, surge o Conjunto de Favelas da Maré.
O termo “Maré” tem origem num fenômeno natural, que afligia os moradores das palafitas, trazendo sujeira e lama. Talvez por isso, toda a região à margem da Baía de Guanabara caracterizada por vegetação de manguezal e ocupada por pântanos é conhecida como Maré. Ocupada desde meados do século XX, o bairro se formou sobre os manguezais, que foram progressivamente aterrados, quer pela população, quer pelo poder público.
Hoje a Maré é constituída por uma faixa contígua, que se estende do Conjunto Esperança à Praia de Ramos.
Timbau sua origem
Oficialmente em 1940 tem início a ocupação do Morro do Timbau, a favela mais antiga da Maré. O nome tem origem do tupi-guarani thybau, que quer dizer “entre as águas”, por ser inicialmente uma área seca entre os manguezais e alagadiços à margem da Baía de Guanabara. A ponta ou morro do thybau era uma das únicas localidades em terra firme, constituído de rochas.
O livro Memória e identidade dos moradores do Morro do Timbau e Parque Proletário, organizado pelo Núcleo de Memória e Identidade da Maré (NUMIM), retrata o Morro do Timbau como sendo o único terreno sólido em meio ao vasto manguezal da Enseada de Inhaúma.
No processo de formação dessa comunidade, o grupo identificou dois núcleos de ocupação: um deles era o da antiga freguesia de Inhaúma, na parte baixa, a partir da enseada de uma praia de águas claras e limpas, onde ocorria atividade pesqueira e ainda existia um porto onde pequenas embarcações ancoravam e, ao lado, se desenvolvia a atividade econômica de uma pedreira. O outro núcleo era o do Morro do Timbau, com uma nova leva de pessoas que então procuravam área seca e mais elevada para morar.
O livro traz vários depoimentos — dentre eles, o de Dona Nicéia Perpétua da Rosa Laurinda, uma das moradoras mais antigas do Morro do Timbau. Ela revela que, no início, não havia morador algum na pedreira, e o que ocorria no local eram explosões para cortar as rochas para o fabrico de paralelepípedos.
A ocupação territorial acabou acontecendo por causa da periferização e da precarização da população pobre no Rio de Janeiro, além da construção da Avenida Brasil. No Núcleo Praia de Inhaúma constitui-se a Favelinha da Praia de Inhaúma ou, como ficou mais conhecida, Favela do Rala Coco.
Segundo a arquiteta e urbanista Lílian Fessler Vaz, no Morro do Timbau a ocupação se deu por meio de D. Orosina Vieira, que teria decidido se estabelecer no local durante um passeio com seu marido pela região: encantada com a paisagem, vislumbrou a possibilidade de construir ali uma casa, livrando-se do fardo de pagar aluguel.
O morro fundou em 1954 uma das primeiras associações de moradores de favela do Rio de Janeiro, buscando melhorias para a região – Foto: Matheus Affonso
Uma História de resistência e união
Os militares do 1º Batalhão de Carros de Combate, com seu quartel localizado na Avenida Brasil, começaram a observar o aumento veloz de novas construções na região, que já chegava a 3.400 pessoas morando em 623 barracões. Por isso, passaram a controlar o morro (cujo terreno pertencia à União), determinando quais ruas seriam abertas ou como as casas seriam construídas – nenhuma estrutura permanente (como as de alvenaria, com telhas) poderia ser levantada, sob pena de demolição. Além disso, começou a ser cobrada uma “taxa de ocupação”: era dos militares a decisão de quem podia ou não morar ali.
Já organizados contra o controle considerado abusivo pelos moradores, em 1954 era fundada uma das primeiras associações de moradores de favela do Rio de Janeiro, o que alavancou a busca por melhorias na região, como fornecimento de água e esgotamento sanitário, energia, pavimentação e coleta de lixo.
Ao longo da trajetória é possível observar que as favelas foram definidas através das lutas coletivas, essa é uma marca que acompanha a fundação das favelas de uma maneira geral e, em particular, a Maré. A importância de reconhecer esse fenômeno é que podemos compreender como o movimento de organização e mobilização que criou e sustentou as identidades dos fundadores desses espaços.
Em junho de 1954, quando efetivamente os militares derrubaram alguns barracos e expulsaram famílias no Morro do Timbau com o objetivo de construir um novo pavilhão ou um conjunto de residências para sargentos. Na época, advogados e políticos apresentaram recibos emitidos pelo próprio batalhão comprovando o pagamento da taxa mensal de ocupação no valor de Cr$ 300 (trezentos cruzeiros) — o que fazia dos moradores arrendatários ou mesmo inquilinos.
O processo de “independência” formou lideranças na comunidade: Dona Orosina, Rodrigues, Borges, Agamenon, Justino, Rufino, Euclides. Segundo seu Joaquim Agamenon dos Santos, o Morro do Timbau era a única favela no Brasil com 85% da sua população ligada à associação de moradores, algo difícil de superar até os dias de hoje. O motivo principal desse apoio era o sentimento de orgulho do lugar em que moravam, uma identidade marcada pela criatividade, pela persistência e pelo senso de solidariedade.
Os moradores atuais reconhecem os esforços dos mais antigos na formação do território. “Acho muito importante esse lugar, que eu sempre considerei uma parte mais tranquila da Maré. Sobre o passado, sei que antigamente era praia e as casas eram palafitas, algo que minha mãe sempre contou. Eu gosto muito de onde eu moro, não trocaria por nada”, conta Cíntia Souza, de 43 anos.
Isaac Nunes é o presidente da Associação de Moradores do Morro do Timbau, e fala com orgulho dos seus 37 anos vivido na favela: “O Timbau é minha vida e meu sentimento é de amor. Tenho orgulho de ajudar instituições escolares e moradores desse lugar que formou três gerações da minha família — meus pais, eu e agora, meus filhos.”
Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro a viagem começará no nascimento da Baixa do Sapateiro, em 1947. Até lá!
O nome vem do tupi-guarani thybau, quer dizer “entre as águas”. Era uma das poucas áreas secas entre os mangues da Baía de Guanabara – Foto: Matheus Affonso