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Aniversário da Baía de Guanabara: programa de despoluição já dura 28 anos sem previsão de conclusão

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Os desafios do Movimento Baía Viva que defende a Baía de Guanabara e o Rio Paraíba do Sul há mais de 40 anos

Por Andrezza Paulo

A Baía de Guanabara faz aniversário neste dia 18 de janeiro, mas não há muitos motivos para comemoração. Os desafios daqueles que defendem a preservação da Baía ainda são os mesmos de 40 anos atrás. Vale lembrar que a data, 18 de janeiro, coincide com um vazamento de óleo da REDUC (Refinaria de Duque de Caxias) e foi uma tragédia ambiental. 

Foram mais de 50 km de mancha de óleo na Baía e 1,3 milhões de litros de óleo despejados. Normalmente, a Baía de Guanabara só é lembrada quando tem desastre, mas ela é responsável por proporcionar infinitos benefícios para o Rio de Janeiro, principalmente para a mobilidade urbana, com barcas vindo de Paquetá e Niterói que podem ser um grande atrativo socioeconômico. Porém, para que ela funcione em perfeita harmonia com a cidade, o local precisa deixar de ser sacrificado.

No início da década de 1980 criou-se o Movimento Baía Viva, que desde então desempenha um importante papel na defesa da Baía de Guanabara e na biodiversidade. A ONG foi responsável por avanços no ecossistema da cidade do Rio de Janeiro, como a coleta de mais de 50 mil assinaturas para preservar o Rio Paraíba do Sul, a Baía de Guanabara e de Sepetiba. 

Foi a única emenda popular no caderno de Meio Ambiente da Constituição do Estado do Rio de Janeiro no caderno de Meio Ambiente. Outra conquista importante foi a aprovação da chamada “Lei dos Aterros na Baía de Guanabara” que foi proposta à época pelo Baía Viva a partir dos estudos sobre os impactos do assoreamento na baía que foram desenvolvidos por décadas pelo professor da UFRJ e Geógrafo Elmo Amador.

Defesa dos ecossistemas

O Movimento Baía Viva segue desenvolvendo projetos em defesa dos ecossistemas da região e uma dessas ações resultou na Universidade do Mar da Baía de Guanabara (UniMar)em parceria com a Universidade de Oceanografia da UERJ, MORENA (Associação de Moradores de Paquetá) e já conta com apoio de mais de 50 departamentos, laboratório e grupos de pesquisa. Em março de 2022, o reitor da UERJ, Professor Ricardo Lodi assinou o ato que institui o UniMar como Programa de Extensão. 

Sérgio Ricardo de Lima, ecologista, ambientalista e cofundador do Movimento Baía Viva destaca a importância da preservação nas Baías de Guanabara e Sepetiba e diz que preservar o ecossistema e a biodiversidade representam, também, a sustentabilidade da população pesqueira. “Estamos nos três primeiros anos da década do oceano da ONU e não avançamos. O empobrecimento dos pescadores e a insegurança alimentar aumentou absurdamente a ponto da comunidade pesqueira vender suas próprias embarcações, além da alta contaminação e problemas de saúde pelo excesso de poluentes nas águas”, ressalta o ambientalista.

Sérgio Ricardo conta que o empobrecimento dos pescadores e a insegurança alimentar aumentaram nos últimos anos devido a poluição da Baía de Guanabara (Foto: Andrezza Paulo)

Em entrevista ao Maré de Notícias, Sérgio Ricardo aponta os desafios ao longo dos anos, as conquistas e as estratégias de mobilização e articulação para modificar o cenário atual. Confira a entrevista na íntegra. 

MN: Em março de 1995 foi iniciado o Plano de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), com a promessa dos grandes troncos coletores de esgoto ligarem Manguinhos ao Caju e o canal do cunha até a estação da Penha que atenderiam mais de 2 milhões de pessoas. Como está esse plano?

Sérgio Ricardo: O PDBG foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e executado pela CEDAE que alocou mais de 80% de seus recursos em saneamento básico. E nós questionamos isso. Não era um plano de despoluição, era um plano sanitarista. Até hoje esse plano não foi concluído e a própria Maré é vítima disso. Passaram-se 28 anos e não foi feito.

Quando veio a olimpíada, ao invés do governo do Estado concluir as obras do PDBG, ele lança outro plano que é o PSAM (Programa de Saneamento Ambiental) também financiado pelo BID, dessa vez executado pelo INEA (Instituto Estadual do Ambiente). Por uma série de fatores como a corrupção, o excesso de incentivos fiscais e a falta de pagamento de imposto, o Rio de Janeiro decretou falência. Em seguida veio crise econômica, pandemia e etc.

Em 2019, realizamos audiências públicas e muitas barqueatas na Barra da Tijuca com diversos artistas, em Paquetá e com movimentos de moradores de São Gonçalo e da Baixada. Isso gerou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e ali a CEDAE se comprometeu com um cronograma para cumprir todas as obras do PDBG e do PSAM com prazos e recursos determinados. Em 2020, durante a pandemia não houve obra de saneamento básico e neste mesmo ano, a maioria do congresso nacional privatizou o saneamento no Brasil e meses depois a CEDAE foi privatizada. A prioridade era concluir os dois programas, isso não aconteceu e foi aberto um novo plano de obras. 

MN: O que é a Mercantilização da Água e seus efeitos para a população?

SR: O termo técnico é Marco Legal do Saneamento, mas nós estamos falando aqui da mercantilização das águas e de decisões que não tiveram participação popular, é o mercado das águas que pode levar o Brasil ao deserto sanitário. As concessionárias são formadas por fundos de investimento, ou seja, pelo mercado financeiro que não vai ter preocupação em garantir água para população que é um direito humano. Essa mercantilização da água e saneamento no Brasil ampliará o racismo ambiental e a desigualdade hídrica. Foi criada uma comissão de acompanhamento que não nos sentimos representados por ser uma forma muito limitada de participação popular e não tenho a menor dúvida de que teremos muitas lutas pela garantia do direito à água.

Em apenas duas décadas, o Rio de Janeiro sofreu quatro graves crises hídricas e não é trivial uma metrópole viver isso em 20 anos e ser dependente de um único rio, o Rio Paraíba do Sul. A Baía de Guanabara não se resolve na própria Baía, se resolve com a despoluição dos rios, com saneamento básico das cidades do entorno e isso depende de políticas públicas. 

Temos visto que essas questões estão na agenda do novo governo e vamos continuar lutando para que as medidas sejam tomadas. O que está destruindo a Baía de Guanabara, de Sepetiba, o Rio Paraíba do Sul e a Mata Atlântica não são as pessoas e sim o modelo de desenvolvimento. É importante deixar isso claro. Ou mudamos esse modelo, ou vamos submergir aos eventos climáticos. A crise é profunda, mas esse é o planeta que nós temos, não tem outro. Então temos que lutar para mudar esse quadro.

MN: Quais estratégias de mobilizações adotadas pelo Baía Viva?

SR: Quando vimos a paralisação das obras de saneamento, nós pensamos em mobilizar a população. Os coletivos surgem fora de sindicatos, associações de moradores e começam a produzir fóruns. As barqueatas,  os encontros populares inclusive na Maré são exemplos de que a população está se articulando. Nos perguntamos o seguinte: Onde há mobilização comunitária viva? E onde víamos um foco, nós passávamos o histórico, o que tínhamos de estudos e diagnóstico para pressionarmos juntos. As concessionárias estão inventando novas obras onde está sendo colocado hidrômetros para a população pagar e eles aumentarem sua arrecadação ao invés de concluírem o que foi proposto há 28 anos atrás.

MN: Por que utilizar o Ciberativismo?

SR: Temos buscado estudar esse movimento do ciberativismo em prol dos interesses da população e em defesa das baías. Vamos utilizar a potência das redes sociais para defender as causas de interesse comum. Bolsonaro foi eleito com fake News, com difusão do ódio, intolerância e do racismo nas redes, mas será que essa ferramenta não pode ser utilizada para pressionar o poder público? Pode e estamos com muita disposição para continuar pressionando.

MN: O que esperar da Conferência Participativa por um plano de Recuperação da Baía de Guanabara? 

SR: Em torno de 70% da população do Rio de Janeiro depende do Rio Paraíba do Sul e o nosso objetivo é produzir um diagnóstico com estudos ao longo dos anos e tentar estabelecer compromissos e metas, ou seja, o que será feito por cada área do saneamento, da política pesqueira e do planejamento urbano para modificar a estrutura atual. 

MN: O que deseja para os próximos aniversários da Baía de Guanabara? 

SR: Eu sou de ancestralidade indígena, sou potiguara. Aqui no Rio de Janeiro teve um ecocídio da Mata Atlântica que foi quase toda desmatada. Ao mesmo tempo teve um genocídio dos povos originários. Fui criado tomando banho no Rio Xingu no Pará e quando cheguei aqui no Rio de Janeiro em 1986, eu fui surpreendido com um número grande de praias impróprias para banho. Eu sempre digo que não vou desistir da Baía de Guanabara até eu conseguir tomar banho lá, meu desejo para os próximos aniversários é avançar em políticas públicas, saneamento básico, coleta seletiva, controle industrial e restauração dos manguezais para atingir essa meta. Esse é o meu desejo para os próximos aniversários da Baía de Guanabara.

Mais:

Confira o artigo escrito pela Redes da Maré sobre o Dia Estadual da Baía de Guanabara.

Colônia de férias perto de casa

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Vila Olímpica oferece atividades em período de recesso a moradores da Maré

Por Hélio Euclides e Cristiane Barbalho*

“Instalações, em lugares apropriados, destinada a receber crianças e adolescentes, bem como seus monitores e responsáveis, durante os períodos de férias e caracterizadas pela multiplicidade de brincadeiras, jogos, atividades esportivas e culturais que são organizadas para atender a essa faixa etária.” Essa é definição de colônia de férias segundo o dicionário Michaelis. Já para a criançada é mais do que isso, é um local de distração, lazer, convívio social e diversão. Como todos os anos, a Vila Olímpica Municipal Seu Amaro, na Nova Maré, abre as portas para moradores nesse período de recesso escolar.

A Colônia de Férias da Vila Olímpica Municipal Seu Amaro terá início na próxima terça-feira (17/01), das 8h às 17h. Serão oferecidas diversas atividades recreativas para crianças, adolescentes, jovens e pessoas com deficiência. Os adultos não ficarão de fora, com espaços de aulões. “O objetivo é que as crianças possam aproveitar esse período de férias curtindo as diversas atividades recreativas, que farão parte da colônia de férias. Será um momento de muita alegria e diversão”, comenta Cátia Simão, gestora da União Esportiva Vila Olímpica da Maré (UEVOM).

Para participar da colônia é preciso comparecer ao setor de Inscrições da própria Vila Olímpica, munido de documento oficial com foto, número de telefone ativo e comprovante de residência. Os profissionais da instituição lembram que as inscrições serão feitas até o dia 27 de janeiro, mas que é preciso correr pois as vagas são limitadas.

* jornalista da União Esportiva Vila Olímpica da Maré (UEVOM)

É hora de matrícula na escola

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Maré terá grande mutirão presencial para pré-matrícula de novos alunos na rede pública da Prefeitura

Por Adriana Pavlova

Você conhece alguma criança ou um adolescente da Maré que não esteja matriculado na escola? De 18 a 23 de janeiro, acontecerá a campanha de mobilização para a matrícula de novos alunos nas escolas municipais da região. Seguindo o calendário de inscrições oficiais, a Redes da Maré se une às associações de moradores locais para facilitar a pré-matrícula dos estudantes.

Mães, pais, avós, tios e responsáveis terão internet disponível e orientação para o preenchimento do pedido da vaga que deve ser feito online pelo site www.matricula.rio  ou no aplicativo Rioeduca em Casa. 

Nos seis dias de pré-matrícula, nas sedes da Redes da Maré na Nova Holanda e da Vila dos Pinheiros (CIEP Gustavo Capanema) haverá um plantão das 9h às 17h para receber estudantes e seus familiares à procura de vagas da pré-escola até a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Diferentes associações de moradores também estarão de portas abertas para ajudar no processo de matrícula: Baixa do Sapateiro, Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Esperança, Marcílio Dias, Nova Holanda, Nova Maré, Parque União, Roquete Pinto e Rubens Vaz. 

Cartazes e banners serão espalhados pelas ruas, assim como voluntários vão sair pelo comércio e circular na feira de sábado da Teixeira Ribeiro, na Nova Holanda, para alertar para as datas da matrícula para esse público específico que, por algum motivo, não foi matriculado na escola no ano passado. 

“É um grande mutirão, com ampla comunicação e participação de voluntários, para amplificar o alcance das famílias e não deixar nenhuma criança ou adolescente fora da escola, num diálogo direto com a Secretaria Municipal de Educação”, explica Alessandra Pinheiro, coordenadora do Eixo de Educação da Redes da Maré.

A campanha de matrícula na Maré segue os mesmos moldes da mobilização do ano passado, quando 102 matrículas de novos alunos foram realizadas. Este ano, a expectativa é que o número seja maior, com o aumento dos pontos de atendimento presencial às famílias. Após a pré-matrícula realizada on-line, as famílias precisam confirmar a vaga indo na escola onde seu filho ou filha vai estudar. 

A Associação de Moradores do Parque União, na rua Ari Leão 33/2º andar, é uma das parceiras que já montou esquema especial de plantão. “Nosso computador de trabalho estará à disposição das famílias, porque sabemos que tem muita gente sem internet na Maré e nem telefone. É só vir aqui que a gente ajuda na matrícula tão importante”, diz Liliane Lopes, do setor social da AMPU.

Projeto Busca Ativa

A campanha para a matrícula de estudantes na Maré é uma ação do projeto Busca Ativa de alunos fora da escola e infrequentes, realizado pela Redes da Maré, com apoio do Fundo Malala no Brasil. Desde janeiro de 2021, uma equipe com seis articuladoras circula pelas 16 comunidades da Maré à procura de estudantes fora das salas de aula. O objetivo é fazer a ponte para que voltem a estudar, buscando vaga por vaga junto às escolas da região, com apoio das redes municipal e estadual de ensino. 

As articuladoras identificam os problemas que levaram a criança ou o adolescente a deixarem a escola ou até mesmo nunca terem sido matriculados. A partir daí, tem início um trabalho de articulação territorial para que sejam acionadas redes de apoio locais e equipamentos públicos de educação, saúde e assistência social. 

No processo, a articuladora responsável faz o acompanhamento regular dos estudantes, visitando as famílias ou se comunicando com elas por telefone. Em dois anos de trabalho, são 1.447 crianças e adolescentes cadastrados, e 3.331 acompanhamentos. Por outro lado, 98 crianças e adolescentes até hoje estão fora da escola por falta de vagas. Daí a importância ainda maior do apoio massivo à pré-matrícula de alunos novos:

“É o momento crucial para o trabalho do Busca Ativa porque é quando efetivamente conseguimos inserir muitos dos alunos fora da escola. É uma grande luta; infelizmente, ainda faltam vagas nas escolas da Maré e as famílias preferem escolas mais próximas de suas casas”, diz Elza Sousa, coordenadora do Busca Ativa.

PRÉ-MATRÍCULA REDE MUNICIPAL DE ENSINO
18 a 23 de Janeiro
10h às 17h

Locais: Redes da Maré na Nova Holanda e da Vila do Pinheiro (Ciep Gustavo Capanema) – inclusive no feriado e fim de semana.
Associações de Moradores: Baixa do Sapateiro, Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Esperança, Marcílio Dias, Nova Holanda, Nova Maré, Parque União, Roquete Pinto e Rubens Vaz – exceto no feriado do dia 20/01. No fim de semana a Associação do Conjunto Esperança também não funcionará.

Um morro chamado Timbau

A ocupação da Maré começa pela praia e depois, segue para a parte mais alta

Por Hélio Euclides e Jorge Melo

Ex escravizados, moradores removidos de suas moradias, ex soldados, subiram o Morro da Providência para formar a primeira  favela. Quase meio século depois, em um morro no meio de praia e mangues, surge o Conjunto de Favelas da Maré.

O termo “Maré” tem origem num fenômeno natural, que afligia os moradores das palafitas, trazendo sujeira e lama. Talvez por isso, toda a região à margem da Baía de Guanabara caracterizada por vegetação de manguezal e ocupada por pântanos é conhecida como Maré. Ocupada desde meados do século XX, o bairro se formou sobre os manguezais, que foram progressivamente aterrados, quer pela população, quer pelo poder público. 

Hoje a Maré é constituída por uma faixa contígua, que se estende do Conjunto Esperança à Praia de Ramos. 

Timbau sua origem

Oficialmente em 1940 tem início a ocupação do Morro do Timbau, a favela mais antiga da Maré. O nome tem origem do tupi-guarani thybau, que quer dizer “entre as águas”, por ser inicialmente uma área seca entre os manguezais e alagadiços à margem da Baía de Guanabara. A ponta ou morro do thybau era uma das únicas localidades em terra firme, constituído de rochas.

O livro Memória e identidade dos moradores do Morro do Timbau e Parque Proletário, organizado pelo Núcleo de Memória e Identidade da Maré (NUMIM), retrata o Morro do Timbau como sendo o único terreno sólido em meio ao vasto manguezal da Enseada de Inhaúma. 

No processo de formação dessa comunidade, o grupo identificou dois núcleos de ocupação: um deles era o da antiga freguesia de Inhaúma, na parte baixa, a partir da enseada de uma praia de águas claras e limpas, onde ocorria atividade pesqueira e ainda existia um porto onde pequenas embarcações ancoravam e, ao lado, se desenvolvia a atividade econômica de uma pedreira. O outro núcleo era o do Morro do Timbau, com uma nova leva de pessoas que então procuravam área seca e mais elevada para morar.

O livro traz vários depoimentos — dentre eles, o de Dona Nicéia Perpétua da Rosa Laurinda, uma das moradoras mais antigas do Morro do Timbau. Ela revela que, no início, não havia morador algum na pedreira, e o que ocorria no local eram explosões para cortar as rochas para o fabrico de paralelepípedos. 

A ocupação territorial acabou acontecendo por causa da periferização e da precarização da população pobre no Rio de Janeiro, além da construção da Avenida Brasil. No Núcleo Praia de Inhaúma constitui-se a Favelinha da Praia de Inhaúma ou, como ficou mais conhecida, Favela do Rala Coco. 

Segundo a arquiteta e urbanista Lílian Fessler Vaz, no Morro do Timbau a ocupação se deu por meio de D. Orosina Vieira, que teria decidido se estabelecer no local durante um passeio com seu marido pela região: encantada com a paisagem, vislumbrou a possibilidade de construir ali uma casa, livrando-se do fardo de pagar aluguel. 

O morro fundou em 1954 uma das primeiras associações de moradores de favela do Rio de Janeiro, buscando melhorias para a região – Foto: Matheus Affonso

Uma História de resistência e união

Os militares  do 1º Batalhão de Carros de Combate, com seu quartel localizado na Avenida Brasil, começaram a observar o aumento veloz de novas construções na região, que já chegava a 3.400 pessoas morando em 623 barracões. Por isso, passaram a controlar o morro (cujo terreno pertencia à União), determinando quais ruas seriam abertas ou como as casas seriam construídas – nenhuma estrutura permanente (como as de alvenaria, com telhas) poderia ser levantada, sob pena de demolição. Além disso, começou a ser cobrada uma “taxa de ocupação”: era dos militares a decisão de quem podia ou não morar ali.

Já organizados contra o controle considerado abusivo pelos moradores, em 1954 era fundada uma das primeiras associações de moradores de favela do Rio de Janeiro, o que alavancou a busca por melhorias na região, como fornecimento de água e esgotamento sanitário, energia, pavimentação  e coleta de lixo. 

Ao longo da trajetória é possível observar que as favelas foram definidas através das lutas coletivas, essa é uma marca que acompanha a fundação das favelas de uma maneira geral e, em particular, a Maré. A importância de reconhecer esse fenômeno é que podemos compreender como o movimento de organização e mobilização que criou e sustentou as identidades dos fundadores desses espaços.

Em junho de 1954, quando efetivamente os militares derrubaram alguns barracos e expulsaram famílias no Morro do Timbau com o objetivo de construir um novo pavilhão ou um conjunto de residências para sargentos. Na época, advogados e políticos apresentaram recibos emitidos pelo próprio batalhão comprovando o pagamento da taxa mensal de ocupação no valor de Cr$ 300 (trezentos cruzeiros) — o que fazia dos moradores arrendatários ou mesmo inquilinos.

O processo de “independência” formou lideranças na comunidade: Dona Orosina, Rodrigues, Borges, Agamenon, Justino, Rufino, Euclides. Segundo seu Joaquim Agamenon dos Santos, o Morro do Timbau era a única favela no Brasil com 85% da sua população ligada à associação de moradores, algo difícil de superar até os dias de hoje. O motivo principal desse apoio era o sentimento de orgulho do lugar em que moravam, uma identidade marcada pela criatividade, pela persistência e pelo senso de solidariedade.

Os moradores atuais reconhecem os esforços dos mais antigos na formação do território. “Acho muito importante esse lugar, que eu sempre considerei uma parte mais tranquila da Maré. Sobre o passado, sei que antigamente era praia e as casas eram palafitas, algo que minha mãe sempre contou. Eu gosto muito de onde eu moro, não trocaria por nada”, conta Cíntia Souza, de 43 anos. 

Isaac Nunes é o presidente da Associação de Moradores do Morro do Timbau, e fala com orgulho dos seus 37 anos vivido na favela:  “O Timbau é minha vida e meu sentimento é de amor. Tenho orgulho de ajudar instituições escolares e moradores desse lugar que formou três gerações da minha família  — meus pais, eu e agora, meus filhos.”

Cada favela que forma esse bairro chamado Maré tem sua própria história e diversidade cultural. Em 2023, esta coluna pretende mostrar um pouco de cada uma delas. No nosso próximo encontro a viagem começará no nascimento da Baixa do Sapateiro, em 1947. Até lá!

O nome vem do tupi-guarani thybau, quer dizer “entre as águas”. Era uma das poucas áreas secas entre os mangues da Baía de Guanabara – Foto: Matheus Affonso

Fala Roça lança nova versão do mapa cultural da favela

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Por Lucas Feitoza

O jornal comunitário da Rocinha,  Fala Roça, em parceria com a prefeitura do Rio de Janeiro lançou neste sábado (14) a nova versão do Mapa Cultural da Rocinha, o mapeamento catalogou mais de 150 iniciativas culturais da favela localizada na Zona Sul da capital carioca. 

O mapa está disponível no site – Mapa Cultural da Rocinha (falaroca.com) onde é possível visualizar e acessar por ordem alfabética os pontos culturais listados, filtrar por categorias desde artes plásticas, religião, teatro e mais. 

A jornada até o dia do lançamento foi longa, segundo informações de integrantes do jornal, foi necessário um ano até a publicação que funciona como um retorno para a comunidade. O mapa surgiu pela necessidade de um meio de divulgação de informação em grande escala. Como a Rocinha tem 70 mil habitantes, muitos não ficam sabendo das iniciativas realizadas na favela. 

Mapa Colaborativo

Osvaldo Lopes, jornalista do Fala Roça  conta que os moradores estão colaborando seja disponibilizando seus espaços culturais para adicionar ao mapa e indicando também pelas redes sociais. A iniciativa ainda está em desenvolvimento e quem conhecer uma iniciativa da Rocinha que não foi listada pode acrescentar clicando em “cadastre uma iniciativa”. A primeira versão do mapa cultural foi feita apenas com um celular e um aparelho GPS e mesmo assim catalogou cerca de 120 iniciativas.

Para a atualização do mapa, o veículo contou com a colaboração de moradores, que participaram da catalogação, a partir de um processo seletivo,  através do FOCA, apoio financeiro da prefeitura, conseguiram recursos para refazer a iniciativa a partir da primeira edição. Neste sábado (14) foi realizado um encontro com uma mesa de conversa com produtores de favelas do Rio, na Biblioteca Parque da Rocinha, como uma das atividades do lançamento.

“Após o lançamento, o Fala Roça pretende ampliar essa captação, pois o mapa é em código aberto e qualquer pessoa pode replicar e cadastrar os pontos de cultura do seu território. O Fala Roça se disponibiliza para acompanhamento e mentoria durante o processo de pré-produção e aplicação no território em parceria com a iniciativa que desejar.” Conclui Osvaldo.

Moradores enfrentam desafios e insegurança para transitar pela Maré

Com desordenamento urbano, conjunto de favelas vive alerta por causa de acidentes

Por Samara Oliveira 

“Os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela integridade dos pedestres”, assim explica o Código Brasileiro de Trânsito (CTB). No entanto, o conjunto de favelas da Maré mostra um cenário bem diferente. Andando pela Rua Principal (Nova Holanda), pela antiga Rua Catorze (Vila do João) ou qualquer outra via principal das 16 favelas, é comum ter pedestres, ciclistas, motoboys e carros disputando os mesmos espaços. Essa competição (que deveria ser, na verdade, o simples e básico direito de ir e vir em segurança) é provocada pelo desordenamento urbano e facilita a ocorrência de acidentes.

A situação fica ainda mais crítica, se levarmos em conta que toda Maré conta apenas com uma única Unidade de Pronto Atendimento (UPA), localizada na Vila do João para o atendimento dos 140 mil moradores dos territórios. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU-RJ) realizou 39 socorros a pacientes vítimas de acidentes de trânsito na Maré entre janeiro e novembro de 2022: acidente de trânsito não especificado (com 22 casos) é a principal ocorrência, seguido de atropelamento (12 casos) e colisões (5 casos). 

Roberta Alves, moradora do Conjunto Pinheiros, está grávida e já se preocupa com o momento em que seu bebê estiver no carrinho. “Complicado o trânsito na favela, os motoristas não respeitam os pedestres. A falta de espaço nas calçadas causa uma competição na rua entre pedestres e motoristas. Os motociclistas raramente dão passagem, sendo assim fico muito tempo esperando para atravessar”, conta. Ela entende que, apesar do grande número de veículos, por sorte todos se entendem: “Parece que há um código, um mundo próprio.”

Mais sinalização

De acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio), no início de 2022 foram feitas “intervenções na Maré com implantação de placas e pinturas nas ruas, sinalizando quebra-molas e travessia de pedestres, principalmente no entorno de escolas”. A companhia ressaltou que as melhorias também se deram ao redor das unidades de saúde e da Vila Olímpica. 

A companhia afirmou ainda que “na quarta-feira (21/12) ocorreu uma ação de vários órgãos, com a participação inclusive da CET-Rio, promovida pela Secretaria de Ação Comunitária —  Favela com Dignidade — quando foram feitas novas intervenções”, sem informar quais ruas da Maré foram beneficiadas.

Promessa de ciclovia da Maré

No fim de 2015, as ruas principais da Maré começaram a receber uma pintura para demarcação de ciclofaixas: a promessa era de que a região ganharia uma ciclovia de 18 quilômetros, ligando os territórios à Cidade Universitária e a Bonsucesso. 

Passados oito anos, a tinta do asfalto foi lavada pelas chuvas. Além de na lembrança, a promessa ficou em algumas placas de sinalização, bicicletários nas passarelas e um pequeno pedaço de ciclovia, que liga o Morro do Timbau a Vila dos Pinheiros, embaixo da Linha Amarela (onde as motos dominam o espaço).

O perigo na Maré não é apenas para ciclistas. Com a falta de ordenamento, muitos comerciantes utilizam as calçadas como extensão das suas lojas, empurrando pedestres para as ruas. Na edição número 128 do Maré de Notícias, o morador da Rubens Vaz Felipe Barcelar, de 23 anos, já alertava para os problemas de circulação e a falta que faz a inclusão dos ciclistas no planejamento urbano da Maré.

 “A gente está em um território periférico e o respeito pela bicicleta e pelo ciclista ainda é muito pouco: desde carros parados sobre a ciclovia a comércio que toma conta da calçada para colocar mercadorias e muitas vezes ocupa até mesmo a rua com cones, ferros e cavaletes”, reclama.

Segundo ele, “a Maré é muito grande, é essencial o uso dos espaços para melhor movimentação. As regiões do centro e da zona sul têm um desenvolvimento maior em mobilidade porque contam com espaço planejado e investimento”.

O que fazer em casos de atropelamento e outros acidentes de trânsito? 

SAMU 192
UPA Maré – Rua Nove, nº 4880, na Vila João
Hospital Federal de Bonsucesso – Avenida Londres, nº 616
Hospital Municipal Evandro Freire –  Estrada do Galeão, 2.920 – Ilha do Governador
Hospital Getúlio Vargas – Avenida Lobo Júnior, 2293 – Penha
Atenção: As clínicas da família e os centro municipais de saúde são unidades de atenção básica e não de pronto atendimento, isso é, não atendem casos de emergência.