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BALA PERDIDA OU BALA ACHADA NO RIO DE JANEIRO: UMA ABERRAÇÃO POLÍTICO-INSTITUCIONAL ROTINEIRA

por Jacqueline Muniz*

A polícia é uma organização profissional de controle social. O estado de sua arte é o emprego de coerção autorizada sob o império da lei diante do consentimento da sociedade policiada em todas as suas atividades sejam elas preventivas, dissuasórias ou repressivas. A polícia distingue-se de um bando armado ou de um grupo voluntarista que empregam a violência indiscriminada e amadora porque ela usa de força potencial e concreta, legal e legítima, com superioridade de método. 

Isto quer dizer que a polícia, uma burocracia estatal profissional, tem que ter padrão tático nas suas formas de imobilização defensiva de oponentes, do comando verbal até a execução do tiro pontual ou de área. Afinal, o uso coercitivo da força para produção de obediências consentidas frente às regras legais do jogo está no centro de seu mandato público e corresponde à sua razão de ser e existir em sociedades democráticas.

Por isso, balas perdidas ou achadas são, segundo a doutrina profissional de polícia, uma aberração político-institucional em qualquer cenário de atuação tanto na ação individual quanto na guarnição e no corpo tático.   Sob pena de se tornar apenas polícia de jure e não mais uma polícia de fato aos olhos da sociedade que detém o poder de polícia delegado, a polícia não tem como pagar o alto preço da suspeição quanto aos fins, meios e modos de sua ação, sem perder a sua própria capacidade coercitiva. Pois quanto mais se suspeita da polícia menos ela se mostra capaz de sustentar os efeitos dissuasórios e preventivos de sua repressão qualificada para além do momento de sua atuação. Com este círculo vicioso a polícia acaba por produzir escassez de seus recursos repressivos, exaurindo sua pronta-resposta diante da emergência, comprometendo a possibilidade de reversão de eventos críticos e de alto risco e, não menos importante, a oportunidade de controle de território e população, tornando-se a polícia do enxuga gelo, em total desvantagem tática até diante da resistência de cidadãos desarmados e que só chega depois que tudo mais já aconteceu. Torna-se esporte popular resistir à presença, expectativa de presença e as formas concretas de ação policial.

As consequências da desconfiança pública de que a bala perdida ou achada veio da polícia que, por obrigação de ofício, tem que ter alvos definidos, alternativas de tiros defensivos e de controle de perímetro, são tão graves que levam à perda gradativa de sua reputação e de sua autoridade nas esquinas do asfalto e nas vielas da favela. Fazem da polícia desacreditada e desmoralizada uma força estrangeira em seu território de atuação e, por conseguinte, experimentar a redução continuada de sua eficácia, eficiência e efetividade. Em uma frase, basta a dúvida da autoria do tiro, cristalizada na memoria popular diante da vivência de casos passados, para a polícia se ver afogada em demandas que não tem mais pernas para atender, nadando contracorrente de sua missão constitucional para ver morrer o seu mandato público ao chegar na praia.

  Balas perdidas ou achadas atribuídas a polícia são, portanto, um grave problema político, estratégico e tático-operacional que, antes de refletir a reação armada de criminosos e oponentes, expressam uma escolha governamental por uma política de operações, fadada ao fracasso logístico e tático operacional posto que torna a polícia refém e dependente do enfrentamento criminoso que se pretende combater. Quanto mais operações se faz para tudo e qualquer coisa, menos recursos repressivos se terão mais adiante para estender no tempo os resultados produzidos na última operação e fazer outras operações oportunas e apropriadas. E neste circuito perverso, mais operações pontuais e banalizadas serão vistas como necessárias para produzir o resultado anterior desperdiçado. Só que agora com um custo ainda mais elevado por conta da escassez dos meios policiais e da ampliação dos riscos de vitimização e letalidade policiais que irão produzir novos casos de balas perdidas ou achadas.

A recorrência dos casos de balas perdidas ou achadas no Rio de Janeiro explicitam a ingovernabilidade da segurança pública e das polícias, na qual a missão dada, os meios logísticos da ação (armamentos, munição etc.) e os modos táticos do agir (formas de atuação) brigam entre si produzindo mais erros, incapacidades e incompetências na tomada de decisão policial. Maximizam-se as incertezas e os perigos reais que deveriam ser administrados pela ação policial. 

Para além da dúvida social, a bala achada ou perdida quando vinda da polícia não é uma questão somente de má fé ou de intenção criminosa de alguns integrantes tratados como heróis por alguns e maçãs podres por outros. Ela revela um problema crônico da incapacidade da polícia de usar de sua expertise – a doutrina do uso da força – que também se manifesta na indistinção policial do que é uma arma de uma mão em riste, uma furadeira, um guarda-chuva, um pedaço de pau etc. 

Neste contexto de repetição rotineira de balas perdidas e achadas, intencionais ou acidentais, cabe indagar qual é a taxa de êxito tático de cada policial por modalidade de tiro policial, tipo de armamento e munição e cenário atuação? Qual a disciplina tática no uso de força potencial e concreta de cada policial? Quantas horas de treinamento de tiro cada policial faz por ano, em cenários seja em estáticos (stand de tiro), seja em cenários dinâmicos (simulações em pistas de reação)? Qual é o controle individual de uso de armas e gastos de munição nas polícias?  É o próprio policial que emprega seu dinheiro melhorando o seu padrão tático de tiro?   

Sabemos que não se improvisa com o emprego de força que imobiliza, detém, corta, fere e mata e cujos efeitos são, em boa medida, irreversíveis. 

Sabemos todos que no Rio de Janeiro atira-se muito e atira-se mal, levando a gasto abusivo de armamentos e munições e vitimização de civis e policiais.  A polícia é um meio de força suficiente e comedido. Não adianta saber dar bom dia para o cidadão e não saber atirar com segurança em cenários móveis, dinâmicos e irregulares como as cidades diante de resistências (de)sarmadas.  Pior que um policial mal pago é um policial inseguro no uso de seus meios de trabalho. Policiais inseguros no uso profissional de força são presas fáceis da crença no falso heroísmo policial que esquenta suas cabeças, tornam seus corações aflitos e seus dedos nervosos.

Jacqueline Muniz* possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1986), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), doutorado em Ciência Política (Ciência Política e Sociologia) pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/IUPERJ (1999) e Pós-doutorado em Estudos Estratégicos pelo PEP-COPPE/UFRJ. || PODCAST: REGIMES DO MEDO

Operações policiais não devem diminuir em 2023

Últimos meses de 2022 registraram ações das forças de segurança e violações de direitos em favelas da Maré

Por Edu Carvalho

“Paz” é o desejo presente em quase todas as listas de anseios dos moradores da Maré para o ano que se inicia. E esse é um pedido antigo e recorrente: só em 2022, o projeto De Olho na Maré, que coleta e sistematiza os dados sobre as violências nos territórios desde 2016, indicou um aumento significativo no número das operações policiais. Apenas nas últimas três (realizadas entre setembro e novembro), foram registradas 17 mortes, refletindo uma tendência na região metropolitana do Rio de Janeiro: alta letalidade. 

Em novembro, enquanto muitos brasileiros celebravam a primeira vitória do Brasil na Copa do Mundo do Catar, a Maré foi palco de mais uma operação conjunta das polícias militar e civil; foram muitos os relatos de truculência e de desrespeito aos dispositivos jurídicos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF 635/2019), conhecida como ADPF das Favelas. 

Oito mortes foram registradas ao longo das horas em que a polícia esteve presente no território, atuando principalmente nas favelas da Nova Holanda e do Parque União. Além da operação na Maré, outras duas aconteceram no mesmo período: uma no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho (Zona Norte do Rio) e outra no Morro do Estado, em Niterói. 

‘’É importante chamar a atenção para o fato de que há indícios de execução em quase todas essas mortes. Além disso, como o limite último dos impactos negativos, outras violações de direitos praticadas pelos agentes da segurança pública acontecem durante essas ações, como invasões de domicílios, agressões físicas e verbais e assédio sexual’’, diz o geógrafo Maykon Sardinha, coordenador do Eixo de Acesso à Justiça e Segurança Pública da Redes da Maré. 

Ele avalia que a tendência pode ser fruto da candidatura e consequente vitória de líderes políticos com forte discurso centrado na segurança pública baseada no enfrentamento armado: ‘’A tendência de aumento é brecada em 2020, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) dá parecer favorável à ADPF das Favelas, que impõe limites à realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, compreendendo a excepcionalidade desse tipo de atuação em um contexto de pandemia de covid-19.’’ Já em 2021, o cenário da COVID se amenizou e as incursões voltaram a ganhar força. 

‘’É importante ressaltar que os pedidos da ADPF das Favelas são mecanismos que podem, de alguma maneira, contribuir para a redução da letalidade policial e das violações de direitos durante o contexto de operação policial’’, explica Maykon. Para ele, recursos como dispositivos de gravação de vídeo em uniformes e viaturas, presença de ambulância e a realização de perícia nos locais de homicídios se tornam cada vez mais necessários para um quadro que, em sua visão, ‘’aponta uma tendência de realização de muitas operações policiais em favelas no ano de 2023’’. 

Maré tem 8 em 10 baleados

O medo e a apreensão sentidos pelos moradores é hoje analisado e monitorado pela plataforma Fogo Cruzado, que produz indicadores sobre violência armada no Brasil.

Em especial para o Maré de Notícias, a plataforma apontou que, somente em 2022, a atuação das polícias no complexo de favelas da Maré foi responsável por 86% das pessoas baleadas na região. Em comparação com 2021, o número de pessoas baleadas nessas circunstâncias aumentou em quatro vezes.

‘’Esses indicadores, que têm se repetido ano após ano, evidenciam que o Estado privilegia, principalmente nas favelas, a política de confronto e também mostram que os dados sobre violência armada devem ser o ponto de partida para a elaboração de políticas públicas de proteção da população’’, explica Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro

Carlos lembra que, recentemente, o governo do estado do Rio de Janeiro enviou ao STF uma versão atualizada do Plano de Redução de Letalidade Decorrente de Intervenção Policial: ‘’O documento pontua a adoção de armamentos ‘menos letais’ como uma das soluções para reduzir o número de mortos nas operações, mas é preciso ressaltar que adquirir esse tipo de armamento não necessariamente significa que a política pública de segurança será feita da maneira que a sociedade espera.’’ 

Ainda sobre políticas de segurança menos violentas, Nhaga lembra o efeito prático de planos pautados não em número de mortes, e sim na preservação da vida. ‘’Política pública eficiente é feita a partir de evidências, se baseia em dados e se concentra na preservação da vida. É preciso mudar a lógica da atuação, principalmente nas favelas. O foco no confronto causa impactos recorrentes que fecham escolas, hospitais e comércios, e impactam no tráfego da cidade.”

O que esperar de 2023?

Para o coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), Daniel Hirata, as chacinas no estado do Rio de Janeiro que aconteceram em 2022 são resultado mais de ações e operações policiais do que de confrontos de grupos armados.

“Nos últimos anos o cenário das operações se tornou ainda mais dramático. Temos três vezes mais operações que terminam em chacinas e três vezes mais mortos. Isso vai de encontro a um fenômeno de estatização das mortes, ou seja, o peso da letalidade policial na contagem dos mortos no Rio de Janeiro vem crescendo ano após ano”, explica. 

No acumulado de operações, o governador Cláudio Castro tem três das cinco maiores chacinas da história do Rio em sua gestão — segundo Daniel, essa tendência pode persistir no mandato que se inicia em 2023. “Tudo indica que esse fenômeno de aumento da letalidade e das chacinas vai continuar. E é muito sintomático também que a resposta do governo do estado à maior chacina do Rio, a do Jacarezinho, tenha sido uma operação militarizada a partir do programa Cidade Integrada.

Para o especialista, ao se analisar a Maré é possível perceber a possibilidade da continuidade da mesma iniciativa. “Infelizmente, como já aconteceu em outras oportunidades, a Maré parece que continuará sendo não só alvo de incursões violentas das forças da ordem, como possivelmente de ocupações militarizadas. O que é, de fato, um erro do ponto de vista da segurança pública.”

Pintura de azulejos para o Memorial de Vítimas da Violência Armada na Maré – Foto: Douglas Lopes
ADPF 635
A ADPF das Favelas foi apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), ONGs e movimentos sociais de luta e resistência nas favelas e periferias do Rio ao STF com o intuito de observar e analisar as incursões policiais nas comunidades do Rio de Janeiro.Além disso, pediu o reconhecimento de graves violações de direitos humanos cometidas pelas forças policiais nas favelas, exigindo também a implementação de medidas para a redução da letalidade e a garantia de justiça às vítimas. 
MARÉ DE DIREITOS: SAIBA COMO TER ACESSO AO ATENDIMENTO
Denúncias de violações de direitos podem e devem ser oficialmente denunciadas ao Ministério Público através do WhatsApp: (21) 2215-7003

16 favelas e 16 desejos para 2023

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O que os moradores da Maré querem do ano que já chegou?

Trabalho, educação, saúde e paz são os maiores desejos dos moradores da Maré para o novo ano

Andrezza Paulo

O início de um novo ano traz para todos esperança, expectativa de dias melhores, metas a serem alcançadas e desejo de renovação. O Maré de Notícias perguntou a 16 moradores — um de cada favela do conjunto — quais são os seus desejos para 2023. Embora seja um território diverso, os pedidos por trabalho, educação e saúde estão no topo da lista dos moradores. O maior destaque sem dúvida é o desejo por paz, principal desejo de quem mora aqui.

A seguir, saiba quais foram os outros pedidos.

Nova Holanda

Ana Maria Oliveira, 55 anos: “Quero melhorar minha saúde. Alcançar o peso que necessito para cirurgia na perna e ficar boa. Espero que minhas filhas fiquem bem e não falte emprego para elas.”

Baixa do Sapateiro

Rafael Lima, 34 anos: “Desejo um 2023 de solidariedade, empatia e amor ao próximo. A população da Maré precisa cada vez mais de um futuro melhor e ser potência nas áreas de cultura e esporte.”

Morro do Timbau

Juliana Machado, 30 anos: “Em 2023 quero estudar mais sobre a favela, continuar contribuindo para o desenvolvimento da juventude e que eles consigam alçar novos voos, pois a favela é potência e tem muito a contribuir para a sociedade.”

Parque Maré

Raniery Soares, 25 anos: “Quero continuar estudando para me graduar em 2024, pensar nas proezas da vida acadêmica e na formulação de políticas públicas junto aos movimentos sociais.” 

Nova Maré

Richelly Ferreira, 24 anos: “Minha meta para 2023 é conseguir uma oportunidade de emprego, para ajudar minhas filhas e dar um futuro melhor para elas.”

Rubens Vaz

Thainá Guedes, 27 anos: “Quero abrir meu próprio negócio na área de alimentação, alcançar estabilidade financeira e viajar mais. Espero que a violência diminua na Maré e que haja mais atividades para as crianças.”

Roquete Pinto

Francisca Medeiros, 66 anos: “Meu objetivo é concluir a obra que comecei e reformar a minha casa. Quero paz, saúde e união na família.”

Bento Ribeiro Dantas

Rafael Barbosa, 35 anos: “Desejo retomar minhas atividades como músico. Minha maior meta, porém, é na minha vida profissional: ser promovido para dar à minha família mais qualidade de vida.”

Praia de Ramos

Juliana Marques, 24 anos: “Desejo ter em 2023 um bom emprego, me realizar profissionalmente, quero concluir meu curso de inglês, e espero que os moradores tenham um ano melhor, com mais expectativa de vida na comunidade.”

Vila do João

Elaine Lopes, 43 anos: “Pretendo me posicionar como comunicadora popular, encontrar meu espaço e me destacar no jornalismo. Recentemente me tornei parceira na Defensoria Pública e quero trazer mais defensores para a Maré, além de atuar na área de direitos humanos e desenvolver bons projetos para a comunidade.”

Salsa e Merengue

Ana Maria Camilo, 26 anos: “A minha meta para 2023 é cuidar mais da minha saúde física e mental. Tentar ficar mais próxima da natureza, apesar de ser um grande desafio para nós favelados que sofremos com o racismo ambiental e nos encontramos cada vez mais distantes dos locais verdes e arborizados.”

Marcílio Dias

Anderson Vieira, 34 anos: “Em 2023 quero falar inglês, aprender libras e ser embaixador do CAVA, uma marca que tem propósito social, cultural e ambiental. Vender bastante o curso online do Rei das Unhas, implantar o aplicativo Papoom em toda Maré e abrir nova franquia do Carteiro Amigo.”

Conjunto Esperança 

Estephany Lopes, 26 anos: “Sou manicure e consegui meu espaço, agora espero me tornar instrutora, dar aulas na área de nail design e fazer mais e mais cursos.”

Vila do Pinheiro

Ana Paula Medrado, 27 anos: “Desejo um ano de mais lazer, cuidar mais da saúde física e mental. Quero concluir o MBA na área de Dados na Universidade de São Paulo e sonhar com o retorno que esse conhecimento pode gerar.”

Conjunto Pinheiros

Jessica Cristina, 33 anos: “Espero conseguir trabalho, esporte para as crianças, ter minha casa e meu próprio negócio.”

Parque União

Josefa Fernandes, 79 anos: “Quero ver as pessoas vivendo em harmonia e paz, se amando mais, se respeitando. Que os governantes tenham sensibilidade e governem pensando no povo que sofre sem perspectiva de vida.”

Lula sanciona lei que cria o dia do Candomblé

Por Lucas Feitoza

Nesta sexta-feira (6)  o presidente Lula (PT) sancionou a lei 14.519 que define o dia 21 de março como Dia Nacional das Tradições das Raízes das Matrizes Africanas e do Candomblé. O texto foi  publicado no Diário Oficial da União (DOU) e também assinaram o documento a Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco e a Ministra da Cultura Margareth Menezes. 

De autoria do Deputado Vicentinho (PT/SP) na proposta original a data  para comemoração seria o dia 30 de setembro, o Senador Paulo Paim (PT/RS) sugeriu a nova data que também é o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, data definida pela ONU (Organização das Nações Unidas). 

No dia 30 de setembro para adeptos da Umbanda, religião brasileira de matriz africana, é comemorado o dia do Orixá Xangô, associado à justiça. Na data, os católicos saúdam São Jerônimo.

Para o pai de santo Eder de Oxóssi, as datas comemorativas relacionadas às religiões afrodescendentes ajudam como uma proteção contra a intolerância e servem também para lembrar as pessoas que não conhecem a religião que a espiritualidade existe;  “é mais um respaldo, porque quando falamos de leis as pessoas respeitam mais um pouco” afirma.

Por que a PM não trocou tiro nem confundiu fuzil com pedaço de madeira em Brasília?

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Por Jonas di Andrade

A palavra violência tem sua origem no latim, violentia, que significa força física, vigor. Transforma-se força física em violência quando excede os limites sociais ou altera acordos e regras que desrespeitam as relações em sociedade. Historicamente, o Brasil é um país que sofreu diversos processos sociais que desencadearam problemas considerados sistêmicos. Dentre esses, destaca-se a violência da colonização, realizada por europeus, o racismo da escravidão e a barbárie da ditadura empresarial civil-militar.

Costumo mencionar, em meus posicionamentos críticos a respeito do contexto no qual eu vivo, que a violência é tão presente na sociedade que infelizmente as pessoas naturalizam esse excesso de força dos que se acham “superiores”. Desde discussões conjugais, brigas de vizinhos por conta de barulho, até a caneta do governo que assina para policiais entrarem em territórios de favela e exterminarem a juventude, essas situações são normalizadas; e não deveriam ser. Inclusive, quando se faz um recorte de quem são um dos maiores alvos da violência, percebemos que em sua maioria são cidadãos não brancos, favelados, que vivem em território de vulnerabilidade social. Isso não sou eu quem afirmo, são os últimos dados divulgados por quem estuda a situação.

Pelo terceiro ano consecutivo, a Rede de Observatório da Segurança divulgou a cor da letalidade policial. O novo boletim “Pele alvo: a cor da violência policial”, com dados obtidos via Lei de Acesso à informação, apontou que a cada quatro horas uma pessoa negra é morta em incursões policiais em seis dos setes estados monitorados: Rio de Janeiro, Ceará, Piauí, Maranhão, Pernambuco, Bahia e São Paulo. o Rio de Janeiro é o estado que mais mata pessoas negras em ações policiais, com 939 registros entre os 1092 mortos que tiveram a cor/raça informada.

O último caso relacionado a essa violência, ocorrido já neste início do ano, que teve grande repercussão na mídia, foi o do catador de recicláveis, negro, que sofria transtornos mentais, Diérson Gomes da Silva, de 50 anos, da Cidade de Deus, que a PM assassinou após ter confundido um pedaço de madeira (parte de uma cabeceira de cama) que carregava com um fuzil. Casos como esse já ocorreram outras vezes e provavelmente não será o último. Pois, quando a polícia, a mando do governador do estado, entra em favelas, todas as pessoas que moram lá, inclusive crianças, são alvos. 

Essa postura violenta, que ocorre durante operações policiais, que há anos é denunciada por moradores, lideranças comunitárias e movimentos sociais, é rotina nesses espaços. Isso, consequentemente, gera medo, crise de ansiedade e imobilidade em quem não tem outra alternativa a não ser conviver. Contudo, sabe onde essa postura agressiva por parte do braço armado do estado não acontece? Em territórios privilegiados, com ricos, brancos, de classe média alta, ainda que cometam atos criminosos.

O que aconteceu em Brasília no domingo, dia 08 de janeiro de 2023, é um dos exemplos de como a polícia trata brancos, com poder aquisitivo e influência na mídia. Diferentemente do que acontece nas favelas, quando uma mãe reúne grupos de moradores para protestar pela morte de seu filho negro morto pelo estado, na invasão do Congresso Nacional, Planalto e STF, facilitada por policiais e pelo governo do Distrito Federal, foi possível observar bolsonaristas, marginais, depredando patrimônios, agredindo policiais, quebrando vidros e móveis, e não se noticiou casos de bala perdida, tampouco mortes ocasionadas por um tiro de fuzil. Por qual motivo? Não há outra justificativa que não a de que não era um território criminalizado, eram brancos, apoiados por empresários da mesma cor, e muitos policiais tinham familiares lá. Por isso, as ações foram moderadas.

O racismo, como diz o atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. Dessa forma, ela se sucede em relações como essa nas quais vimos como são tratados esses indivíduos, devido à condição econômica e cor da pele, comparado a outros, que não têm os mesmos privilégios.  

A violência neste país sempre foi direcionada para negros, indígenas, favelados e pessoas empobrecidas, que não têm amparo algum. Enquanto isso, políticos ricos, pessoas brancas com influência, que cometem atentados contra a democracia, podem fazer diversas barbaridades, e não são vistas como criminosas, muito menos alvo ou passíveis de morte. O pior legado que herdamos foi da discriminação. O branco é visto como herói, o preto é visto como ladrão (frase minha).

Fonte: http://observatorioseguranca.com.br/pele-alvo-pessoas-negras-policia/

Uma das vozes femininas da favela

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Morre a presidente da Associação de Moradores da Bento Ribeiro Dantas

Por Hélio Euclides

Morreu na manhã do último sábado (07/01) Cremilda Vicente de Carvalho, presidente da Associação do Conjunto Bento Ribeiro Dantas. Ela chegou à favela em 8 de setembro de 1993, após remoção da favela da Varginha, em Manguinhos. Amigos da família informaram que Cremilda, de 58 anos, faleceu vítima de um infarto. 

Cremilda foi uma das pessoas que organizaram a fundação da associação, sendo presidente por duas vezes. Era a atual liderança da instituição. Foi uma importante líder comunitária nas construções de políticas públicas no Fórum das Associações de Moradores, do projeto Maré que Queremos. Mostrou força ao ser uma voz feminina como presidente, um cargo de representação comunitária local onde se encontram poucas mulheres. 

A atual presidente deu diversas entrevistas para o Maré de Notícias, sendo escolhida para representar a sua favela na edição 100, onde contou a sua trajetória de luta e sobre a construção do Conjunto Bento Ribeiro Dantas. Além de torcedora do Botafogo, Clemilda tinha um carinho especial pela sua favela. “Aqui, é a Zona Sul da Maré, né? Melhor lugar pra se morar”, declaração de amor em entrevista de 2019.

Cremilda deixa esposo, filha e dois netos. Seu sepultamento ocorrerá hoje (08/01), no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, às 14h.