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Inclusão digital através dos games

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ONG ligada ao AfroReggae chega ao território mareense oferecendo cursos para profissionalizar atletas periféricos nos jogos digitais

Por Denilson Queiroz

O conjunto de favelas da Maré recebeu dois polos do AfroGames, projeto social do AfroReggae voltado para inclusão digital de jovens periféricos. Desde o dia 16 de julho, cerca de 200 alunos das comunidades do Morro do Timbau e da Nova Holanda têm aulas de inglês e programação de jogos, além de fundamentos para, quem sabe, se tornarem jogadores profissionais de Valorant, Free Fire e Leagues of Legends (LoL).

Os games sempre fizeram sucesso na favela. Inicialmente, com os consoles domésticos, serviam para juntar a turma para jogar em casa; depois, com a difusão da internet de banda larga, se popularizaram os jogos em rede nas chamadas lan houses e aqueles para redes móveis, preferidos pela maioria dos jovens que usa o celular para jogar.

Segundo a Pesquisa Game Brasil 2021, mais da metade dos gamers (50,3%) é de pretos ou pardos. Entretanto, a luta para profissionalizar jogadores de baixa situação socioeconômica é ainda um desafio. 

“Para nós, esse é o grande papel do AfroGames: democratizar o acesso e usar os games como ferramenta emancipatória, de transformação e impacto social. O que pretendemos é permitir que estes jovens transponham barreiras sociais e, de repente, cheguem a lugares que não eram previstos”, diz Mariana Uchoa, coordenadora executiva e social do AfroGames.

Em três anos, o projeto formou cerca de 370 jovens na primeira unidade, localizada em Vigário Geral, e conta com equipes profissionais de diversos games, que disputam campeonatos oficiais — inclusive de LoL. Para fazer parte do time profissional do AfroGames, é preciso que o atleta esteja bem colocado no ranking interno de LoL, que são os chamados elos.

Andrew Vargas, aluno do novo polo do Morro do Timbau, está classificado no elo diamante, que é o primeiro nível para participar da equipe: “Estando no AfroGames, pretendo me tornar realmente um gamer. Aqui aprendemos dicas de jogabilidade, nos ensinam tudo. Fora o inglês, que vai nos ajudar na comunicação quando tivermos que disputar campeonatos pelo mundo.”

Juntamente com mais 80 alunos do Morro do Timbau, Andrew, que joga LoL desde 2013, agora enxerga a possibilidade de seguir carreira nos jogos eletrônicos. O AfroGames funciona durante a semana com cursos de capacitação, mas às segundas-feiras deixa que os alunos utilizem o espaço para jogar de maneira livre, aliando a síntese dos eSports: diversão e trabalho. 

Perfil gamer

A 8ª edição da Pesquisa Game Brasil, divulgada em abril de 2021, trouxe alguns dados interessantes sobre o perfil do gamer brasileiro. O estudo mostrou que 51,5% desse público é feminino, com 62,2% delas jogando principalmente no smartphone;  38,1% usam consoles e 59,6%, o computador.

Além disso, o público gamer das classes baixa e média está em ascensão e representa 49,7% dos consumidores de jogos. O Brasil ocupa o 33° lugar entre os países com maior cobertura de internet no mundo, segundo relatório também de 2021 divulgado pela DataReportal, empresa que realiza estudos sobre a internet global. Mesmo com a chegada da quinta geração de internet (5G) no país, 89 municípios sequer têm a cobertura 4G, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Ainda assim, seja no PC ou no celular, os jovens brasileiros têm dedicado cada vez mais tempo e energia aos jogos digitais e, há alguns anos, consideram como possibilidade de profissão o que antes era apenas um hobby. 

Em 2016, a equipe Luminosity Gaming, liderada pelo atleta Gabriel “FalleN”, venceu o MLG Columbus 2016, primeiro campeonato mundial de Counter Strike. A equipe brasileira faturou o prêmio de US$ 500 mil (mais de R$ 2,5 milhões).

Lutadoras mareenses embarcam para intercâmbio nos EUA

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Jovens, com histórico de ativismo na Maré, participam de programa com a temática Esporte para Mudança Social

Por Hélio Euclides, em 20/09/2022 às 15h10

A busca dos direitos das mulheres, de tomar decisões sobre o futuro da sociedade, com poder de participação social, se posicionando em todos os campos sociais, políticos e econômicos, com total igualdade entre os gêneros. Essa é a definição de empoderamento feminino. Para fortalecer essas conquistas, duas jovens: Raissa Lima, de 26 anos e Rafaela Silveira, de 27 anos, inscreveram-se num intercâmbio nos Estados Unidos, com objetivo de troca de experiências. Ambas embarcaram para o país na última sexta-feira (16).

Tudo começou no final de 2019, quando as duas jovens participaram de um treinamento na Empodera, uma instituição que utiliza o viés educacional do esporte para promover o empoderamento de meninas e jovens mulheres. Após participarem do edital Intercâmbio Movendo o Campo de Jogo para a escolha de 12 pessoas, a Maré foi contemplada com duas vagas. O programa é promovido pela Iniciativa Internacional de Programas Esportivos (ISPI), financiado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e facilitado pela instituição Women Win, em parceria com a Empodera e a Girls Rugby, uma instituição internacional que faz um trabalho semelhante voltado para mulheres que jogam Rugby.

O tema do intercâmbio é Esporte para Mudança Social, que tem como objetivo construir valores de inclusão, aumentar a confiança para um mundo mais estável e amenizar discursos de ódio. “Achei muito irado porque iríamos nos aprofundar mais ainda na questão que eu já trabalho com as meninas no esporte, que é a inserção e a continuidade delas no esporte. Achei incrível ter entre as selecionadas duas mulheres da Maré”, ressalta Lima. As jovens vão realizar o intercâmbio na cidade de Denver, capital do estado do Colorado, e Glendale, na Califórnia. Silveira conta que não foi fácil. “Participamos de um processo seletivo com várias etapas, que contou com apresentação de currículo, entrevista e carta de apresentação”, lembra.

Na primeira fase do intercâmbio ocorreu a visita das participantes estadunidenses ao Brasil, em março de 2020. Depois, com a pandemia, o projeto tomou outra proporção. Não foi possível realizar o intercâmbio presencial, sendo possível apenas uma vivencia on-line em 2020. A pandemia só adiou o sonho. “Agora vamos poder conhecer algumas organizações que trabalham com a inserção de meninas no esporte. Será uma semana agitada. Tudo isso para usar no meu retorno, por meio das minhas aulas de judô na Luta pela Paz, inserir o que aprendi no exterior”, conta Lima. A colega Silveira concorda. “Vai ser um aprendizado de técnicas e ferramentas para ajudar no empoderamento através do esporte e educação”, diz.

Lima confessa que sua maior referência é sua mãe. “Quando eu era criança, ela teve que fazer três faxinas para comprar meu primeiro quimono, sem nem saber o que era. Mesmo achando que era um esporte ‘masculinizado’, ela me incentivou e por minha mãe entrei no judô, e por causa da educação e de todo o suporte dela que estou indo nesse intercambio”, comenta. Para a atleta, ela vai representar o território. “Para mim é de uma relevância enorme, eu não sabia o quanto eu sou grande e represento tanto na favela. Agora as meninas vão ter mais uma referência. Eu estou muito feliz”, finaliza.

Para saber mais sobre o programa e os outros participantes do intercâmbio, você pode clicar aqui.

Inspirado em festival londrino, Ecoar! discute violência sexual em museu no Rio

Com mais de 12 horas de programação, objetivo do encontro é construir redes para profissionais da educação, saúde, assistência social, pesquisadores, artistas e ativistas

Por Redação, em 19/09/2022 às 16h45

O Museu de Arte do Rio (MAR) recebe, no próximo sábado (24), o Ecoar! – Festival de Ativismo Contra a Violência Sexual. A iniciativa é inspirada e promovida em parceria com o Festival Shameless!, que reuniu em 2021, em Londres, no Reino Unido, ativismo e arte para confrontar e mudar atitudes em relação à violência sexual, além de compartilhar ideias para um mundo livre da cultura do estupro. 

Segundo Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e uma das curadoras do Ecoar!,  a proposta é fornecer um espaço seguro e aberto para a expressão individual e coletiva, em que o protagonismo em relação ao tema tem por proposta construir solidariedade e incentivo a mudanças de atitudes na sociedade. “Queremos contribuir para superar a vergonha frequentemente associada em falar sobre violência sexual, criar e fortalecer redes de apoio, além de dar a todos a chance de dizer às sociedades: ‘basta, isso deve acabar’”, afirma. 

Capitaneado pelo projeto SHAME, da Universidade de Birkbeck (Londres) e pelo WOW – Festival Mulheres do Mundo, o Ecoar! inaugura sua edição no Rio de Janeiro com curadoria e produção da Redes da Maré, propondo um encontro para desencadear conversas e abordar a crise global da violência sexual.

Com a proposta de estimular o diálogo franco sobre o tema, o evento busca situar a violência sexual no contexto das outras violências estruturais e está aberto para qualquer pessoa interessada ou implicada no tema. Um dos objetivos centrais é a construção de redes para profissionais da educação, saúde, assistência social, pesquisadores, artistas e ativistas, especialmente da Maré e da zona portuária do Rio. 

O encontro irá abordar três temas principais: ativação de redes coletivas de apoio; corpo e violência sexual e linguagens políticas e pedagógicas. Serão mais de 12 horas de programação divididas em cinco espaços distintos: Território de Partilhas; Formação; Territórios de Vivências; Trocas de Experiências; Oficinas, além de um espaço infantil e a Feira Delas. A realização desse conjunto de atividades terá a a participação de mais de 50 convidados. Para conferir a programação completa, clique aqui.

Para participar, é simples. Metade das vagas de cada mesa estará disponível para inscrição online via Sympla (clique na palavra “ingresso” na programação). Cada mesa da programação tem o link para retirar o ingresso. O restante dos ingressos será distribuído no dia, a partir de uma hora antes de cada atividade na bilheteria do Festival Ecoar!, no pilotis do MAR.

ECOAR – WOW 

Data: 24 de setembro (sábado)
Horário: Entre 9h e 22h00
Local: Museu de Arte do Rio (MAR)
Realizadores: Redes da Maré e Fundação WOW
Apoio: Universidade de Birkbeck e The Wellcome Trust
Evento gratuito

Favela protagoniza debate sobre segurança pública*

Congresso internacional reuniu especialistas, moradores da Maré e interessados no tema para refletir sobre o lugar da periferia no combate aos efeitos da violência armada 

Por Ana Bia**, Andrezza Paulo**, Hélio Euclides, Luiz Menezes** e Tamyres Matos

Sons de helicóptero, sobressalto, medo. Mais um dia de operação. Moradores das favelas Parque União, Nova Holanda, Parque Maré e Rubens Vaz foram acordados — mais uma vez — na madrugada do dia 11 de agosto sob a tensão de uma incursão policial. Poucas horas depois, iniciava-se o segundo dia do 1° Congresso Internacional Falando sobre Segurança Pública. Teoria e vivência se encontraram no maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro para discutir o protagonismo da periferia nesse debate.

A proposta do congresso, que teve como tema “Segurança pública e violências: contradições, controle social e desafios para garantia de direitos estruturantes”, foi a de fazer chegar as reflexões dos especialistas aos moradores da Maré e demais interessados no tema. Foram três dias de rodas de conversa, partilhas e apresentações, ocorridos no Centro de Artes da Maré (CAM).

A produção de dados sobre a violência armada nas favelas nasceu da necessidade de quantificar e mensurar as informações não divulgadas pelo Estado. “Ao produzir dados e esses conhecimentos, a gente consegue colocar a favela como sujeito da sua própria história”, diz Pedro Paulo dos Santos, coordenador de pesquisa do LabJaca.

Camila Barros, coordenadora do Projeto De Olho na Maré, abordou a importância dos dados, frutos do trabalho que desenvolve na Redes da Maré. Há seis anos, o projeto coleta e sistematiza informações sobre as situações de violência no território mareense, principalmente em dias de conflitos armados decorrentes da atual política de segurança pública do estado do Rio. “O projeto De Olho na Maré surgiu da inquietação de não ter esses dados. Sem eles, a gente não consegue propor políticas alternativas para esse território”, explica. 

Crianças e adolescentes debatem segurança pública

“Muito tiro, pouca aula e muita operação. Sem aula e muitas pessoas mortas. Fim”. Esse é o relato de uma criança das 1,5 mil que fizeram as cartas entregues ao Tribunal de Justiça (TJ-RJ). As crianças pediam a volta da Ação Civil Pública, que contempla direitos e o reconhece a importância das vidas das pessoas que moram na Maré.

Algumas dessas cartas estavam expostas no Congresso Falando sobre Segurança Pública com Crianças e Adolescentes da Maré evento ocorrido antes da abertura do congresso principal com a participação de crianças e adolescentes. Os jovens participaram de diversas dinâmicas e, inclusive, se dividiram em cinco grupos para discutir cidadania e organizar propostas de segurança pública para a Maré. O abertura do congresso contou ainda com uma passeata pelas ruas da Maré.

O desejo de um pleito eleitoral que tenha um olhar para a favela no campo da segurança pública foi unanimidade entre os participantes do evento. “No abraço da minha mãe é o lugar onde eu mais me sinto segura, porque aqui na Maré não temos segurança para nada’’, resume Vitória Machado, aluna do Preparatório da Redes da Maré.

Com diversas mesas de debate, congresso contou ainda com debate entre candidados que disputam o cargo de governador do Rio nas eleições de 2022 – Foto: Gabi Lino

Naturalização da violência

Participante da roda de conversa O Contexto da Violência Armada na Maré, a assistente social Fernanda Viana, de 41 anos, acredita que a realização do evento foi um grande passo para mudar a estrutura a qual a população periférica está submetida. Mãe, preta e moradora da Maré, Fernanda ressalta a incidência precoce da política de (in)segurança pública nos corpos pretos. 

“Vejo uma estrutura que precisa de muito engajamento político dos cidadãos. Porque essa é uma política que, diferentemente das outras, não foi embasada pela participação popular. Aqui no congresso somos nós a falar, a produzir. A violência não nasce aqui, não somos pessoas violentas. Somos pessoas violentadas”, desabafa.

Consenso entre os participantes dos três dias de evento, o protagonismo do favelado é essencial para o avanço do debate. Para o coordenador do LabJaca, a produção de conteúdos governamentais e acadêmicos é feita a partir do olhar de fora da periferia, colocando-a sempre no lugar de objeto. 

“A favela é pesquisada. É muito comum ter pessoas que vem até aqui, para suas produções, mas só enxergam a favela desse jeito, como lugar de coleta de conhecimento e não de contribuição, de produção. É sempre objeto, e como tal acaba não recebendo nada de volta para melhorar a realidade desses territórios”, analisou. 

Para Pedro Paulo, conhecimento não se dá somente na academia. A produção dos dados precisa estar alinhada com as iniciativas sociais e com a vivência, e voltada para quem realmente está nas favelas. Esse olhar também é conhecimento e pode ser produzido em cada casa, por cada morador da favela. No contexto de violência, Pedro Paulo dos Santos é incisivo. “Quem não pauta, é pautado. Construir esse conhecimento é produzir política. Estamos preocupados em incidir na realidade social e favelada”, afirma.

A mareense Camila Barros acredita que o morador de favela não tem nem mesmo o direito de planejar sua própria vida no cotidiano, pois pode haver uma operação policial em seu caminho: “Se não se posiciona, não disputa essa narrativa, a gente vai ser pautado pela narrativa que sempre foi trazida para a favela nessas ações: a do crime.”

Fundador e ex-diretor da Redes da Maré, o sociólogo Edson Diniz ressaltou a importância da realização de eventos como esse na construção de outra sociedade possível, reiterando a urgência de não naturalizar as violações de direitos nas favelas. “As chacinas nas favelas continuam acontecendo porque continuamos a normalizá-las. A favela sempre foi estigmatizada, vista como o lugar do crime. Precisamos produzir conhecimento para acabarmos com esses estigmas”, conclui.

Vidas impactadas

Entre 2017 e 2021 aconteceram 132 operações policiais e 114 confrontos entre grupos armados no conjunto de 16 favelas da Maré. Juntos, estes 246 momentos de violência armada causaram 157 mortes e interromperam por 94 dias o funcionamento das unidades de saúde e, por 70 dias, as aulas nas escolas da Maré. 

O ativista Raul Santiago, cria do Complexo do Alemão, analisa como o acesso à segurança pública não é pensado para moradores de favelas e periferias: “Na prática, somos vistos como inimigos da segurança. A segurança pública não chega para a gente. Quando ela entra na favela é na figura de um fuzil e de um carro blindado da polícia”. 

Independentemente de decisões judiciais, a rotina de operações policiais segue seu curso, sendo a chamada “guerra às drogas” o principal motivo utilizado pelas polícias para a violação de direitos nos territórios periféricos. “A ‘guerra às drogas’ é a manutenção do racismo. Guerra está para os pretos, pobres e periféricos. Já as drogas estão para todos”, avalia. 

E ele vai além: “Bala perdida é uma falácia para reduzir os homicídios nas favelas.” Santiago chama atenção para a rotina de pais e mães que vivem nas favelas: “Eu enquanto pai tenho que treinar meus filhos a se proteger de tiroteio. Isso é a coisa mais absurda”, revolta-se.

Saber da favela

A pesquisadora Carolina Christoph Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), percebeu que a polícia se recusava a quantificar as operações policiais e viu que precisava produzir, dentro da esfera acadêmica, os dados que o Estado não entregava. 

“O grupo que pesquisa a violência letal das operações policiais e as chacinas, e ainda monitora e avalia as ações da polícia e de grupos armados, encontrou resistência inicial na academia para abordar as vertentes do tema. A articulação com movimentos sociais e instituições ligadas à população periférica e sociedade civil foi um grande ganho”, avalia. 

Para a doutora em antropologia, os dados produzidos passaram a responder perguntas que moradores de favela e movimentos sociais sempre fizeram, além de, através do acúmulo desse conhecimento, impactar o debate público e disputar relevância com a imprensa. “É gratificante poder discutir estes temas nas favelas e nas universidades”, revela.  

O ingresso de alunos negros e favelados no meio acadêmico possibilitou o aumento de pautas como o racismo e as violências vividas nos territórios periféricos. “Quando democratizam o acesso à universidade pública, a gente socializa as questões dignas de debate público. A partir daí conseguimos avançar e colocar a universidade pública a serviço do interesse público”, conclui.

Segundo lugar nas pesquisas eleitorais, Marcelo Freixo compareceu ao evento na Maré; atual governador, Cláudio Castro, não aceitou o convite – Foto: Gabi Lino

*Texto, publicado na edição de setembro do Maré de Notícias, recupera cobertura realizada pelo site nos dias do evento

**Comunicadores do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias

Após conquistar Paris, Lia Rodrigues traz espetáculos de dança para a Maré

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Premiados, Fúria e Encantado terão apresentação com entrada franca no Centro de Artes

Por Samara Oliveira

Depois de apresentações durante o tradicional Festival Outono de Paris, na França, e do Festival de Curitiba, no Paraná (com passagens pela Bienal de Fortaleza e uma temporada no SESC Pinheiros, em São Paulo), chegam à Maré os espetáculos Fúria e Encantado, da bailarina e coreógrafa Lia Rodrigues. O palco escolhido será o do Centro de Artes da Maré (CAM), com entrada franca. 

Desde fins de 2021, quando os franceses se encantaram com o trabalho da coreógrafa, o retorno da filha pródiga era esperado: os dois balés nasceram no território.

 “É sempre muito especial poder fazer finalmente a estreia e temporada das duas últimas criações da companhia: Fúria tornou-se real em 2017 e Encantado, em 2021. Entre os dois, aconteceu a terrível crise sanitária provocada pela covid-19. Como sempre, desde o início da minha parceria com a Redes da Maré, em 2004, fizemos todo o processo criativo, estreia e temporada no Centro de Artes da Maré”, conta Lia.

Encantado é uma apresentação com referências de culturas africanas e indígenas. A coreografia reúne 11 bailarinos, que utilizam 140 cobertores para formar imagens no palco. A produção surgiu no contexto da pandemia de covid-19 e nasceu do desejo de usar a magia como guia do processo criativo que acontece nesse momento dramático em que vivemos no Brasil. 

Fúria, por sua vez, traz ao espectador um mundo povoado de imagens de dor, beleza, violência, opressão e liberdade, expondo a ideia da reinvenção de um corpo social a partir das suas energias primitivas. O espetáculo foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) em 2019. 

Apresentações de Fúria e Encantado ocorrerão na Maré em setembro e outubro – Foto: SAMMI LANDWEER


Quanto mais arte, melhor

A Lona Cultural Herbert Vianna é o único equipamento público de cultura da Maré. Em contrapartida o CAM, assim como coletivos voltados para cultura no território, continua trabalhando para estimular eventos desse tipo na região. Sobre as ações para promover a arte na periferia, Lia ressalta a importância de incluir este tipo de evento na rotina da vida nas comunidades e dos investimentos necessários para tanto.

“Constato na nossa prática diária que ações com continuidade conseguem estabelecer e fortificar a existência desses espaços tão importantes para a cidade do Rio de Janeiro. E é claro que um projeto dessa natureza necessita de constante investimento. Para isso, as parcerias que a companhia e a Redes da Maré conseguem estabelecer com diversas instituições brasileiras e internacionais garantem a manutenção e também as melhorias que temos realizado nesses anos”, afirma a coreógrafa.

Entre os bailarinos da companhia está Ricardo Xavier, de 27 anos. Morador da Maré, ele fala sobre a emoção de se apresentar no próprio território pela primeira vez desde que integra a companhia.

“Ainda não tive a experiência de dançar no Centro de Artes da Maré, que é minha casa, onde eu vivo até hoje. Então sigo com muita ansiedade para mostrar pra Maré que eu estou aqui ainda, lutando, resistindo e dançando tanto por mim como também por todos nós. Eu só sou tudo isso porque a Maré me deu muitas coisas”, diz ele. 

Confira a programação das apresentações.

Fúria

De 23 de setembro a 2 de outubro

Sextas e sábados às 20h

Domingos às 19h.

Encantado

De 7 a 16 de outubro

Sextas e sábados às 20h

Domingos às 19h

Entrada franca 

Comédia que aborda escassez de comida tem apresentação gratuita na Maré

Drama com pegada cômica, escrito por Cecilia Ripoll e dirigido por Vinicius Arneiro, aborda tema por meio de uma personagem dividida entre a escola pública sem merenda e a mansão onde a patroa desperdiça alimentos

Rose é funcionária de uma escola pública de um bairro periférico. Além de trabalhar como merendeira, aos finais de semana é cozinheira de uma família rica. Sendo a responsável pelas compras da casa, passa a levar sobras de comida para a cantina, com o objetivo de oferecer mais alimentos para aquelas crianças que necessitam da escola para fazer suas refeições diárias. Esse é o mote do espetáculo “Rose”, texto com dramaturgia de Cecilia Ripoll (indicada ao Prêmio Shell de Melhor Autora) e direção de Vinicius Arneiro.

Após bem-sucedidas temporadas presenciais no Rio de Janeiro e em Curitiba e uma incursão consistente no virtual, o trabalho reestreia no Espaço Cultural Código em Japeri, em única sessão hoje (17) às 15h. Haverá também duas apresentações no Museu da Maré: amanhã (18), às 16h, e segunda-feira (19)?, às 19h. Ambas com entrada gratuita. A montagem tem o apoio institucional do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através do Edital Retomada Cultural RJ2.

“A princípio eu pensei em escrever um texto sobre a precariedade das condições de trabalho de um artista no Rio de Janeiro. Mas depois me veio um desconforto em falar do teatro dentro do teatro. Precisava falar de questões que abrangessem um maior número de pessoas. Então veio essa questão da fome. Essa questão da escassez de comida no momento de formação, de crescimento. A fome, que tinha sido quase erradicada no nosso país e que de repente voltou a se colocar”, afirma Cecília.

Além de abrir questionamentos sobre a conduta de Rose e sobre o estado de calamidade das políticas públicas no que se refere à merenda escolar, a dramaturgia também aposta em dois outros personagens: Maria Juliana e Antônio Pedro. Ela é filha de Rose e ele é filho da patroa. Dois adolescentes que, logo após se conhecerem, vivem uma relação de implicância mútua, que pode ser amor, mas também ódio.

“Leio ‘Rose’ como uma dramaturgia de reentrância, isto é, como algo que se curva para dentro de si mesmo, provocando dobras internas. É uma escrita impura e de alto teor literário, tem ares de romance, é uma saga épica, é uma peça de teatro, é na primeira, na segunda e na terceira pessoa que a coisa se compõe. É o olhar da classe trabalhadora sobre a vida, é sobre luta de classes, sobre paixão, comida, ética e caráter. Ou seja, a própria história é protagonista e faz de seus personagens fiação desencapada para conduzir a eletricidade dos temas”, reflete Vinicius Arneiro.

A história do espetáculo, que tem como um de seus cenários a escola, foi a ponte para expandir o projeto e traçar uma relação entre educação e a cultura. Em 2021, ainda no auge da pandemia, a atriz e articuladora cultural Natasha Corbelino firmou uma parceria com o Museu da Maré e o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), dando continuidade às ações coletivas que ela já desenvolvia nesses espaços. Apresentações online do espetáculo “Rose” e um programa de ações formativas nas artes da cena, com oficinas de dramaturgia, interpretação e direção foram algumas das atividades implementadas. Agora, além de retomar e aprofundar os laços de criação e continuidade com a Maré, a apresentação no Espaço Cultural Código pretende ainda realizar um intercâmbio com o Grupo Código, companhia teatral localizada em Japeri, na Baixada Fluminense, com mais de 16 anos de atuação.

“Como atriz da peça Rose e como parceira do Museu da Maré, do CEASM e do Grupo Código, me sinto honrada de fazer a articulação entre projetos tão ricos na produção de memória e na invenção de futuros unindo Cultura e Educação. Isso move nossos sonhos de Brasil, produz saúde coletiva”, finaliza Natasha Corbelino.

Serviço

Espetáculo Rose

  • 17 de setembro no Espaço Cultural Código (Japeri) às 15h
  • 18 de setembro no Museu da Maré às 16h
  • 19 de setembro no Museu da Maré às 18h

Endereços:
Espaço Cultural Código: Rua Davi, 397 – Nova Belém – Japeri – RJ
Museu da Maré: Avenida Guilherme Maxwell, 26 – Maré – Rio de Janeiro – RJ

Classificação Indicativa: 12 anos
Duração: 75 minutos

Entrada Franca