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Eleições 2022 – qual é o poder das redes sociais?

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Com mais de 70% da população conectada, ferramentas digitais de socialização ganharam, no cenário eleitoral, importância ainda pouco mensurada

Por Jorge Melo 

No Brasil, mais de 150 milhões de pessoas utilizam redes sociais, o que representa 70,3% da população. Segundo dados de 2020 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 147.918.483 brasileiros estão aptos a votar. Ou seja, o número de usuários das redes sociais e de eleitores é praticamente o mesmo.   

“As redes sociais começaram a exercer uma governança privada sobre a deliberação pública e sobre a liberdade de expressão. Não é mais apenas o Estado que realiza esse papel”, analisa Juliana Fonteles, pesquisadora do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP). Há um longo caminho a ser percorrido até compreendermos o real impacto das plataformas digitais na democracia brasileira.

Redes sociais e fake news

Em 2018, as redes sociais foram largamente usadas, definindo um novo momento nas campanhas eleitorais, segundo políticos, jornalistas, publicitários, cientistas políticos e pesquisadores. E o que chamou atenção foi o grande número de fake news — informações falsas que procuravam atingir candidatos.

O uso de mentiras no processo eleitoral não é uma novidade, mas a maneira como foram propagadas — via dispositivos capazes de disparos massivos de mensagens — teve resultados preocupantes. Segundo a advogada Samara Maria de Castro, vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), as eleições de 2018 foram marcadas pelo uso intenso das redes sociais, mas esse fenômeno não teve início naquele ano e, sim, em 2014.

Samara afirma que o fato de a TV e o rádio desempenharem parte importante (e bem regulamentada) na estratégia dos partidos fez com que a internet representasse um campo livre. “O que mudou não tem a ver com o uso das redes sociais e sim, com o fato de, com elas, o processo de desinformação se torna mais eficiente. O uso das bases de dados, identificando as características dos indivíduos, torna mais fácil conduzi-los a opiniões específicas”, explica.

E o que é base de dados? Ela é o conjunto de informações sobre seus usuários que cada rede social acumula quando é usada, na forma de comentários, conversas privadas, buscas, perfis visitados, publicações que o usuário curtiu etc. Com esses dados é possível estabelecer perfis detalhados. Os disparos de mensagens são direcionados para grupos específicos, com elementos que podem sensibilizá-los. Ou seja, milhares de pessoas são alcançadas e, em grande número, vão reproduzir a desinformação.

Busca pela verdade

Raniery Soares, 25 anos, mora no Parque Maré, estuda Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e utiliza redes sociais desde 2011. Ela participa de vários grupos de estudo e ativismo e lembra que, desde 2014, as fake news circulam: “Nunca fui vítima de nenhuma, no sentido de compartilhar mentiras. Já acreditei brevemente em notícias falsas, porém sempre investiguei a veracidade das informações.” Ele alerta os amigos quando eles reproduzem desinformação e as denuncia.

Um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) lista alguns cuidados que devem ser tomados: 

  1. Descobrir quem é a fonte da informação; 
  2. Pesquisar sobre o assunto em plataformas de busca; 
  3. Identificar o público-alvo do conteúdo e observar o propósito da publicação, pois, para que sejam compartilhadas, as fake news buscam manipular e provocar sentimentos de indignação e raiva.

Ellen Batista da Silva aprendeu da forma mais difícil (“Já fui vítima de fake news, inclusive repassei e uma pessoa me alertou.”), e garante que aprendeu a lição: “Sempre vejo a fonte da notícia e pesquiso na internet”. Aos 18 anos, ela mora na Nova Holanda, e participa do programa Jovem Aprendiz, que auxilia jovens, de 14 a 24 anos, na busca pelo primeiro emprego. Recorreu às redes sociais para obter informações sobre candidatos e ouviu também as opiniões de familiares e amigos. Segundo a estudante, “são pessoas que, como eu, têm acesso à informação, mas mantêm opinião própria”.

Ellen usa WhatsApp, Twitter e Instagram, mas não é assídua. Participa de grupos mas nenhum de política (“Não interajo muito.”). Ela se preocupa, no entanto, com a possibilidade de as fake news influenciarem a eleição. “A partir do momento em que você é manipulado, corre o risco de colocar o poder nas mãos de alguém que tem opiniões contrárias às suas”, pondera.  

 Transparência

A falta de transparência das plataformas — principalmente dos aplicativos de mensagem, onde é mais difícil acompanhar a circulação de conteúdo — é uma das principais preocupações. Segundo Samara de Castro, “uma questão fundamental a qual as plataformas têm se negado a colaborar é abrir espaço para pesquisadores. O essencial é que elas permitam que pesquisadores escrutinem sua capacidades de serem ou não transparentes e, a partir disso, se comprometam a melhorar”.

Raniery está preocupado com a eleição de 2022. Ele usa as redes sociais para acompanhar os candidatos e admite que elas influenciam suas escolhas políticas: “Essa eleição de 2022 será a mais importante da história do país, é a decisão entre o medo e a barbárie.”  

Segundo a pesquisadora Juliana Fonteles, os aplicativos tomaram medidas para reduzir a desinformação. “Twitter, YouTube, Kwai, Instagram e Facebook proíbem conteúdo desinformativo a respeito da participação no pleito como, por exemplo, data e local de votação ou como votar. O Twitter instituiu uma central de informações sobre eleições e um novo mecanismo de denúncia de desinformação sobre eleições no Brasil pelos próprios usuários. Isso não existia antes”, afirma.

O TSE aprovou uma resolução que proíbe a divulgação de inverdades ou dados descontextualizados que atinjam os processos de votação, apuração e totalização de votos. Estão proibidos também disparos em massa de mensagens em aplicativos como WhatsApp e Telegram para pessoas que não se inscreveram para recebê-las.

Samara considera que essas medidas representam um avanço, mas não atacam o problema em si. “O TSE e os partidos compreenderam o processo de 2018 de forma equivocada. O WhatsApp não funcionou com disparos para uma base enorme de usuários com uma mensagem certeira, que transformava todos os pensamentos de uma pessoa. Não é assim que funciona.”

Ela afirma que o fenômeno da desinformação é sutil. “O WhatsApp funciona como uma rede social fechada e também como um canal de troca de informações. Sendo assim, em 2018, usando-se da liberdade de expressão, mensagens construíram narrativas, mas os disparos só reforçaram uma concepção que já estava consolidada. Por isso, defendo que o importante é barrar essas narrativas. A incompreensão desse fenômeno fez com o que a gente atacasse a tecnologia, esquecendo a proteção de dados.”   

Digital unido pelo real

Em fevereiro deste ano, o TSE firmou acordos com oito plataformas digitais para combater as fake news: Twitter, Tik Tok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai se comprometeram a colaborar com o tribunal. Presidente do TSE, o ministro Edson Fachin afirmou que “nosso objetivo é desenvolver ações para coibir e também neutralizar a disseminação de notícias falsas nas redes sociais durante as eleições deste ano”.

O Telegram, porém, não aderiu ao acordo. Criado em 2013, o aplicativo russo tem mais de 200 milhões de usuários. No dia 18 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ordenou o bloqueio do Telegram por desrespeitar inúmeras decisões judiciais — a medida foi suspensa dois dias depois, quando o Telegram aceitou monitorar os cem canais mais populares do Brasil e restringir postagens públicas depara usuários banidos por espalhar desinformação.

Samara avalia que “a falta de diagnóstico correto do que nos aconteceu nos últimos anos nos levou a essas conclusões — muitas delas, em minha opinião, equivocadas. Mas as medidas tomadas pelo TSE talvez sejam suficientes para garantir um processo eleitoral seguro e íntegro. Podem não ser a melhor composição jurídica, mas tenho certeza de que são importantes para garantir que nosso sistema sobreviva”.

Rodas de conversas em escolas mareenses promovem incentivo à leitura desde cedo

Creche e Espaço de Desenvolvimento Infantil do maior conjunto de favelas do Rio realizam atividades que se propõem a extrapolar o aprendizado em sala de aula

Por Hélio Euclides, em 19/07/2022 às 16h40

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Esse pensamento do educador Paulo Freire nos lembra que muitas vezes é necessário ser criativo para criar situações que levem ao saber. Pensando nisso, a Creche Municipal Monteiro Lobato, localizada na Baixa do Sapateiro, e o Espaço de Desenvolvimento Infantil Maria Amélia Castro e Silva Belfort, situada na Nova Holanda, resolveram estimular o desenvolvimento dos alunos a partir de rodas de conversas.

Desses eventos, em 2017, nasceu na Creche Municipal Monteiro Lobato o livro Brincadeiras no Espaço, com os alunos sendo protagonistas, ao produzirem textos e ilustrações. Tudo começou quando as professoras levaram os alunos para o pátio interno e realizaram uma contação de histórias conjunta, aproveitando o sol no local. Esses momentos deixam as crianças animadas e seguem assim caminham ao encontro do lema da creche: “Aqui é lugar de infâncias felizes”.

Ana Maria Ignácio, diretora da Monteiro Lobato, na época era professora de duas turmas da pré-escola e foi a responsável pela iniciativa. “Nosso trabalho parte das rodas de conversa seguidas de uma contação de história. Essas duas turmas em especial amavam desenhar e ouvir histórias. Foi quando percebi que tudo que se referia à creche chamava a atenção delas”, diz. Outro ponto que vem atraindo os olhares dos responsáveis é a mudança estética da creche. Uma dessas transformações é no muro que virou um painel com o rosto das crianças. “Nosso trabalho é motivador, pois pensamos nas nossas 200 crianças e temos o objetivo de incentivá-las para que mostrem seus potenciais”, conclui.

Rafaela Silva, moradora da Nova Holanda e mãe do ex-aluno Paulo Henrique, que hoje tem dez anos, avalia positivamente a iniciativa. “A criação do livro foi algo muito bom. O projeto fez o meu filho querer aprender mais e ficar feliz. A creche é tão boa e super indico para qualquer mãe”, resume. Ana Paula Araújo, moradora da Baixa do Sapateiro e mãe da ex-aluna Ana Clara, lembra do projeto e destaca a importância. “Eu amei, pois foi muito bom a interação das crianças na criação do livro. Percebi que as crianças ficaram felizes em estar participando do projeto. Agradeço a Deus e a Ana por proporcionar esse momento para minha filhota, pois ela até hoje fala com carinho do livro”, comenta. 

Incentivo à contação de histórias e ao compartilhamento é rotina no EDI Maria Amélia | Foto: Arquivo

A diretora se prepara para a segunda edição do livro, que dessa vez será traduzido para a língua inglesa. Outro evento programado será o primeiro café literário, que vai acontecer em outubro, com presença de alguns escritores. No segundo semestre a ideia é criar uma mini biblioteca e um jardim literário.

Incentivo ao diálogo

No Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Maria Amélia Castro e Silva Belfort, localizado na Nova Holanda, os profissionais também orientam seu trabalho em torno da importância do diálogo. Entre os temas estão: cidadania, acesso à cultura e à educação; Rio, uma cidade educadora; Outubro Rosa e a criação do jornal “Amelinha news”, inspirado no Maré de Notícias. O projeto faz parte da jornada pedagógica da educação infantil. “A primeira roda de conversa surgiu da minha inquietação em relação ao desenvolvimento das crianças. Foi quando recebi o diagnóstico de autismo da minha pequena e descobri o quanto a intervenção precoce era fundamental para as crianças com algum atraso no desenvolvimento”, expõe Andrezza Nóbrega, diretora adjunta do EDI.

As rodas de conversas nasceram em 2021, do desejo de estreitar ainda mais os laços dos alunos e dos responsáveis com a creche. Os professores acreditam que a parceria da família com a escola é fundamental para o sucesso do trabalho pedagógico e do desenvolvimento dos alunos. Outro destaque é ter a presença de especialistas em temas relacionados à infância. No início de 2022, o tema abordado foi o enfrentamento à violência, com direito a criação de um hit.

A unidade ainda realiza a Semana da Educação Infantil. “Pensarmos em nossos pequenos preparando uma semana de brincadeiras, interações e experiências. Para os nossos responsáveis criamos o quadro: Você tem alguns minutinhos? Para que eles escolham o melhor horário do seu dia e separe uns minutinhos do seu tempo para um bate-papo pensado com muito carinho. Observamos que muitas crianças reproduzem na escola as atitudes que presenciam em casa, então entendemos que a conscientização em relação a alguns temas precisa começar com os nossos responsáveis”, conta.

Nóbrega defende que é fundamental que a família e a escola andem de mãos dadas, para que assim promovam uma educação para a vida. A unidade acredita que ao proporcionar o diálogo, os saberes, as memórias pessoais e da comunidade, reafirma a missão de promover a educação transformadora. “Já a família consegue alinhar a rotina, acompanhar o desenvolvimento da criança e ajudá-la melhor em suas dificuldades e estimular as suas potencialidades em parceria com a escola. Nessa integração todos aprendem e podem se unir para uma mobilização maior de conscientização com a comunidade”, detalha.

Para o futuro o EDI quer ir além das rodas de conversas, com a realização de oficinas, peças teatrais com a participação dos responsáveis sobre temas diversos, como alimentação saudável, a importância da vacinação, a educação inclusiva e a importância da educação infantil.

Marcílio Dias tem mais um dia de operação policial e possibilidade de ocupação gera incerteza para moradores

Essa é a sexta operação policial na região este ano e são diversas as violações de direitos mapeadas

Por Jéssica Pires, em 18/07/2022 às 18h40

A favela Marcílio Dias, que tem mais de seis mil habitantes, amanheceu mais uma vez com uma operação policial nesta segunda-feira. Desde antes das 8h da manhã, moradores relatam a presença de muitos veículos e agentes da Polícia Militar na região. Com o passar do dia, relatos de abusos de poder, invasões de domicílios e danos ao patrimônio de moradores foram compartilhados com o Maré de Notícias. 

O Centro Municipal de Saúde João Cândido não funcionou durante todo o dia devido a ação. A associação de moradores local, onde acontecem acolhimentos em casos de violações e violências em dias de operação policial, também permaneceu fechada nesta segunda. 

A Assessoria de Imprensa da polícia informou  que a operação foi comandada por equipes do 16º BPM (Olaria) e entre os objetivos estavam a remoção de barricadas, a apreensão de armas de fogo e cumprimentos de mandados de prisões. O aumento de roubos de veículos e cargas seria o motivo da ação. A operação segue em curso até o momento e não há previsão de término, segundo moradores, que no momento do fechamento deste texto informaram sobre a chegada de mais homens descaracterizados no território e há suspeita que sejam policiais à paisana. 

O Maré de Notícias questionou a assessoria sobre a ausência de ambulância para socorro de possíveis vítimas da ação, mas não obteve respostas. Ainda que a Polícia Militar tenha aderido o uso das câmeras de monitoramento, na ação de hoje, em Marcílio Dias, os agentes não usavam uniformes com o equipamento acoplado.

Ocupação sem informação 

Recebemos relatos de moradores de que esta se trata de uma ação de ocupação de longa duração, de acordo com a narrativa dos próprios agentes que executam a ação. Questionamos a assessoria de imprensa da PMERJ sobre essa informação que circula no território e não obtivemos retorno oficial. Apesar da presença massiva de agentes da polícia, não há movimentação ou estrutura no território que revele condições para a permanência continuada das forças armadas do Estado. O Maré de Notícias segue acompanhando essa operação e os desdobramentos para a região. 

Recorrência de ações 

Só este ano Marcílio Dias já foi alvo de 6 operações policiais, que resultaram consequentemente em dias sem atendimento médico por parte da população, acesso à educação para crianças e jovens, além da sensação de medo e insegurança por parte dessa população. 

Durante esse período, a equipe do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré que monitora os impactos das operações policiais no Conjunto de Favelas da Maré, acolheu 7 famílias de Marcílio Dias que relataram diversas situações de violações de direitos, como danos ao patrimônio, invasões à domicílio, invasões à privacidade, violência física e verbal além de ter registrado a morte de uma pessoa e ainda outra ter sido ferida durante essas ações policiais. 

Com instalação de hidrômetros, mareenses vivem apreensão em relação a futuras cobranças

Moradores e comerciantes temem não ter como pagar tarifas da nova concessionária e recebem pouca ou nenhuma informação sobre andamento da situação

Por Edilana Damasceno

Embora os moradores da Maré tenham sido os primeiros a pensar e agir pelo saneamento dos territórios em que moram, eles sempre participaram pouco das decisões técnicas e políticas tomadas em relação às favelas. Hoje, com a nova concessionária responsável pela distribuição de água e a captação e tratamento do esgoto no Rio de Janeiro, o cenário não é diferente.

Vencedora do leilão do bloco 4 da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), o grupo Águas do Rio — Saneamento Ambiental Águas do Brasil (SAAB) passou a ser responsável pelo fornecimento de água e esgotamento sanitário das zonas Norte e Sul e mais do Centro do Rio, além de mais 26 municípios fluminense. A expectativa da população por melhorias e acertos na garantia do saneamento básico (como definido no contrato de concessão) tem sido impactada pela desinformação e incertezas.

Isso se deve principalmente por conta de uma falha da Cedae: por muito tempo, milhares de moradores não pagaram pelos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto. Por não serem regularizados, muitos também não se sentiram no direito de cobrar por melhorias. Agora, com a chegada da nova empresa, não são poucos os boatos sobre a cobrança pelo serviço e os valores que ela poderia alcançar. 

Cada gota vale

Famílias que residem em áreas de interesse social (porções da cidade destinadas às populações de baixa renda) têm direito à tarifa social, segundo o Decreto nº 25.438/1999. Mesmo assim, para muitas famílias da Maré o pouco ainda significa muito. Segundo a Águas do Rio, o valor atual da tarifa social é de R$ 40,42 referentes aos serviços de esgotamento sanitário e distribuição de 15 mil litros mensais — caso esse limite seja ultrapassado, o valor a pagar aumenta progressivamente. 

O problema é que o volume definido para a tarifa social é inferior ao consumo de água da maioria das famílias. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2020, o consumo médio por pessoa no município do Rio é de 166 litros de água por dia, ou cerca de cinco mil litros mensais. Uma família de mais de três pessoas, principalmente no verão, ultrapassaria facilmente essa cota. 

Obter o benefício é outro problema. A pesquisadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Patrícia Finamore explica que alguns critérios dificultam o acesso ao direito — entre eles, a necessidade de o próprio morador ter que apresentar documentos que comprovem a situação do imóvel.

“Por que isso não pode ser feito de forma automática? Por que não cadastrar as famílias na tarifa social no momento em que se reconhece o local em que elas residem, ou a situação socioeconômica delas, de acordo com a inscrição no Cadastro Único?”, questiona a especialista. 

Pagar pelo desconto

Para pagar a tarifa social, o morador precisa instalar um hidrômetro, que é o medidor do consumo de água da residência. Com isso, é possível calcular não apenas o volume de água, como também quanto de esgoto produzido será preciso tratar. De acordo com dados do SNIS de 2020, o índice de hidrometração do Rio de Janeiro é de apenas 42,2%, enquanto o do país é de 91,3%, ou seja, não é exclusividade da Maré que muitas moradias não tenham hidrômetro. 

Segundo a assessoria da Águas do Rio, os moradores que desejarem a instalação do hidrômetro em sua residência para pagar a tarifa social devem fazer o pedido na loja da concessionária. A medição do consumo de água de todas as casas ainda não tem data estabelecida; segundo a empresa, ela deve ocorrer por meio do programa de relacionamento comercial Vem com a gente, que também prevê a realização de novas ligações de água, reparos e instalação de hidrômetros, entre outros serviços. 

Apesar de o processo de hidrometração ainda não ter avançado, em algumas localidades da Maré as faturas já começaram a chegar. Segundo Francisco Soares, síndico de apartamentos no Conjunto Esperança, a Águas do Rio está cobrando os R$ 40,42 por residência. A fatura não será por unidade: diante da impossibilidade de instalar hidrômetros individuais, a empresa vai agrupar a cobrança dos 40 apartamentos do conjunto em uma única conta: “Alguns moradores não conseguem pagar nem o condomínio, imagina pagando água? Vai sobrar pro síndico, né?”

Água no orçamento

O maior problema para os moradores é, na verdade, o valor da fatura, mesmo com a adesão à tarifa social: a cobrança hoje significa um rombo no orçamento das famílias: pagar a conta significa comprar menos comida — o equivalente a, por exemplo, cerca de sete quilos de arroz.

Outro fator preocupante é a cobrança diferenciada para o comércio. A falta de comunicação entre empresa e clientes gerou uma onda de boatos. A informação que circula entre os comerciantes, por exemplo, é que a tarifa para eles poderá chegar a R$ 150, para desespero de Jô – que prefere ser identificada somente pelo apelido -, proprietária do Escondidinho da Jô, na Nova Holanda: “Fiquei sabendo por alto o quanto vai ser cobrado. Todo mês tem fatura de água, luz, gás. Já tá tudo muito caro, não tem como”, diz ela.

O quiosque da comerciante fica a menos de 50 metros da loja de atendimento da Águas do Rio na Maré, o que revela uma comunicação ineficiente da empresa com a comunidade no seu entorno: “A gente soube pelo boca a boca, mas não tem comunicação. Se o serviço chegasse direitinho, poderiam reduzir um pouco o valor da cobrança. Querendo ou não, eles estão trabalhando e têm que ganhar pelo trabalho também, não vamos ser injustos”, avalia.

Questionada, a concessionária informou que o valor da tarifa comercial é determinada segundo diferentes critérios para cada categoria de estabelecimento — a empresa não especificou quais nem quantos eles seriam.

Proprietária do Escondidinho da Jô, na Nova Holanda, conta que ouviu comentários sobre as altas taxas que podem ser cobradas – Foto: Maria Ribeiro

Resistência

Até o momento, os moradores do Conjunto Esperança resistem aos aumentos repentinos. Para eles, não faz sentido pagar por uma melhoria que nem sabem se chegará: “Só aceitaremos quando tudo estiver legalizado, com hidrômetros instalados e tudo certo. Eles querem arrecadar para depois consertar; aí, já sabe”, diz o síndico.

Patrícia Finamore afirma que tão importante quanto garantir a tarifa social é incluir as famílias que não têm condições de custear os serviços de água e esgoto no planejamento. O ideal seria assegurar o volume mínimo de água (o essencial para a sobrevivência) já determinado pela Organizações das Nações Unidas (ONU); cortes de água passariam a ser proibidos em determinados casos. 

Segundo dados da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC), 52% das famílias inscritas no Cadastro Único Nacional encontram-se em situação de extrema pobreza, o que mostra que a existência de uma tarifa social não garante que elas tenham o mínimo vital de água para a sobrevivência.

“A cobrança abusiva impede essas famílias de terem acesso a outros bens e serviços necessários à própria sobrevivência, ou seja, elas podem deixar de comer para ter água”, explica a pesquisadora. 

Cadastro na Tarifa Social

Loja Águas do Rio na Maré: Rua Teixeira Ribeiro s/n (em frente à ONG Luta pela Paz), das 9h às 16h.

Pouco se sabe, muito se comenta: expectativa de moradores com as ações da nova concessionária aumenta com o passar do tempo – Foto: Matheus Affonso

Fechado há dois anos, Ponto Cine é resistência para cinema suburbano

Para projeto seguir, campanha é feita através de ‘vaquinha’ online

Por Jorge Melo, em 14/07/2022 às 07h.

A cidade do Rio de Janeiro tem 212 salas de cinema, mas apenas 35% ficam no subúrbio da cidade – a maioria em shopping centers. O Ponto Cine é uma das exceções. Instalado numa galeria comercial e sendo considerado um cinema de rua, algo muito raro nos dias de hoje, o espaço foi fundado em 2006, em Guadalupe, bairro fronteiriço à Baixada Fluminense. Sediado numa das regiões que tem um de um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade, o Ponto Cine está fechado há mais de dois anos, desde março de 2020, quando o mundo praticamente parou como forma de defesa contra a Pandemia de Covid-19.

“Pensei que passaria rápido e como levei tempo para formar a minha equipe resolvi segurá-la. A pandemia não passou rápido, acumulei muitas dívidas. E não consegui reabrir o nosso guerreiro Ponto Cine.”, lembra, com tristeza, o escritor e dramaturgo Adaílton Medeiros, idealizador do projeto, que há muito sonhava com um cinema de qualidade e popular, “Seus grandes diferenciais são a democratização e facilitação do acesso ao cinema, ofertando o bilhete mais barato da cidade”.

O renascer de Guadalupe 

Guadalupe é um território vulnerável, localizado entre Complexo do Chapadão e as favelas do Muquiço, Palmerinha e Gogó da Ema. Tem 57 mil moradores e fica à 30 Km do centro da cidade. Leonardo Barros, morador de Guadalupe e produtor audiovisual, recorda que o Ponto Cine fez o bairro renascer. “Antes Guadalupe era um bairro que tinha um comércio mínimo na rua principal, Marcos Macedo.”

Segundo Leo, como é mais conhecido o produtor, “antes o comércio fechava às cinco, seis horas; e as ruas viravam verdadeiros desertos. O Ponto Cine é inaugurado e há uma transformação. A rua Marcos Macedo hoje é conhecida como Polo Gastronômico Popular de Guadalupe, com food-trucks, gente circulando”. A padaria e o supermercado, de acordo com Leo, agora ficam aberto até às dez da noite, o movimento é grande, Guadalupe saiu das páginas policiais para os cadernos de cultura. É uma lástima o Ponto Cine fechar.”  

Local é ponto de encontro para quem ama cinema. Foto: divulgação

Filmes brasileiros ganham a tela

Dono de um moderno sistema digital, o Ponto Cine exibe apenas filmes brasileiros. Essa opção pela produção nacional, o fez se transformar numa espécie de xodó dos profissionais do cinema: atores, diretores, fotógrafos, montadores etc.  Segunda a produtora cinematográfica, Carolina Dias, sócia da Refinaria Filmes, responsável por um rico e diversificado portfólio de filmes de ficção e documentários “É importantíssimo haver espaço culturais como o Ponto Cine, em todos os locais onde as opções de lazer são mais restritas. É importante para a formação de novos públicos. E importante para a valorização da própria cultura e do trabalho na Cultura como profissão.” 

A primeira vez na sala de cinema

Adailton Medeiros luta para reabrir o Ponto Cine, que é um patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro, oficialmente, e da cidade do Rio (e Guadalupe) por reconhecimento da população. O idealizador e administrador do Ponto Cine afirma que o quê mais o emociona é saber que muito dos moradores de Guadalupe entraram pela primeira vez numa sala de exibição no Ponto Cine. Leonardo Bastos afirma que o Ponto Cine elevou a autoestima do bairro, ao levar até lá para discutir os filmes com a população, depois da exibição, diretores e atores famosos, “O Ponto Cine aumenta a auto-estima e transforma o sentimento de pertencimento do morador que, com o Ponto Cine, passou a ter orgulho de morar em Guadalupe: eu morro no bairro do Ponto Cine.”

A produtora Carolina Dias lamenta que o Ponto Cine esteja fechado há tanto tempo porque, com preços populares, e numa região carente de opções culturais levava o cinema brasileiro a um público mais amplo. “Existe um preconceito de que não há público para um certo tipo de cinema brasileiro mas se não há espaço onde ele possa ser mostrado, como é que se pode querer que haja público. Por isso é muito importante que haja lugares como o Ponto Cine, que apostam no cinema brasileiro (não só nas grandes comédias/produções) e que acredite que ele é possível para uma sala popular.”

Volta Ponto Cine

Para tentar pagar as contas e as dívidas, Adailton Medeiros vem mantendo encontros com representantes da prefeitura e do governo do estado mas até o momento as conversas não renderam medidas concretas. Ele está em busca também de patrocínios privados e criou uma campanha de financiamento coletivo, benfeitoria.com/voltapontocine A Meta é alcançar 150 mil reais. Gente como o diretor de cinema, Cacá Diegues, um dos maiores incentivadores do projeto; o ator, Felipe Camargo; e o jornalista Pedro Bial participam da campanha.

Em 14 anos, mais de 400 mil pessoas estiveram na sala para assistir a filmes brasileiros. Não por acaso, o slogan do Ponto Cine é “Arroz, feijão e cinema.” Ou seja, um produto que poderia fazer parte da cesta básica. Aliás, como diz a letra da música “Comida”, da banda Titãs, “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. 

Olhar da Maré: conheça o trabalho do fotógrafo Arthur Viana

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Cria da Maré e com forte influência do trabalho do saudoso Bira Carvalho, Arthur Viana é um dos nossos retratistas de destaque. Aos 24 anos, o fotógrafo é morador da Nova Holanda e começou a fazer registros de imagem com o celular em 2018. “Meu intuito era, não só registrar os moradores e a vida cotidiana no maior conjunto de favelas do Rio, mas também me expressar, mesmo que através do outro, reivindicando minha humanidade”, conta o fotógrafo. Para Arthur, esse olhar da Maré – para dentro e no fundo dos olhos – é legado de todos os mareenses. Quem quiser conhecer mais o trabalho dele, pode buscar no seu perfil no Instagram: @artevianaa.