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Cidade recebe nova iluminação de lâmpadas de LED

 Presidente da Rioluz detalha como funciona o Programa Luz Maravilha, que consiste na modernização da iluminação pública. Na Maré postes já estão sendo trocados.

Por Hélio Euclides em 02/03/2022 às 7h. Editado por Dani Moura 

Do século XVIII, quando as noites da cidade do Rio de Janeiro deixaram de ser  iluminadas pelos oratórios ou com velas de cera –  passando pela primeira experiência elétrica na estação férrea Dom Pedro II, em 1879, onde hoje é a Central do Brasil –  até as atuais moderníssimas lâmpadas de LED, a iluminação pública sofreu muitas transformações ao longo dos anos. A mais recente delas é o Programa da Prefeitura do Rio Luz Maravilha, que tem como meta a modernização das luminárias antigas por novas de LED. 

A história mostra que na periferia a iluminação demorou a se modernizar. Em 1878, nos subúrbios cariocas, a fonte de luz ainda vinha do azeite. Em alguns pontos da Maré ainda é possível achar postes feitos de madeiras, o que retrata o passado ainda presente pelas ruas das favelas. Com a energia elétrica, os postes receberam luminárias de lâmpadas incandescentes, depois às fluorescentes, passando pelo vapor de mercúrio, pelo vapor de sódio de alta pressão, pelos multivapores, até as de LED. A presença do LED começou na vida dos cariocas pela presença dos aparelhos de tevês, que ajudaram na substituição nos modelos de tubo.

Com o Programa Luz Maravilha, a Maré recebeu  novos pontos de instalação e a troca das lâmpadas de multivapores amarelas  pelas brancas  de LED – Light Emitting Diode, sigla em inglês que significa “diodo emissor de luz”. “Achei um excelente trabalho. Há séculos que não se via um resultado de trabalho dentro da comunidade. A minha rua ficou super iluminada. O Pablo Ronaldo (gestor executivo local) consegue ouvir com exatidão o que os moradores realmente precisam e investe no certo”, diz Marcelo Costa, morador da Nova Holanda. Já Vilmar Gomes, mais conhecido como Magá, presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz, avalia que outro benefício é precisar de menos manutenção.

Até o momento, na Maré, são 2.012 pontos de luz modernizados com tecnologia LED. A meta é alcançar todas as 16 favelas. Uma das que estão com o serviço mais avançado é a Nova Holanda. “Nos novos pontos de luz não tem o cano (braço) que chega até o meio da rua e ilumina mais. Por esse motivo as novas precisaram ser instaladas numa altura mais baixa, o que ilumina uma área menor. Na minha opinião ficou mais escuro. Faltou uma consulta à população, pois pode economizar no futuro, mas agora gastaram para troca e ainda tiveram que ter mais pontos de iluminação”, reclama David Nascimento. Outro morador da favela conta como foi a adaptação à mudança. “Achei estranho no início, foi um impacto, até reclamei. Agora já me acostumei, percebo que ajuda na leitura ao ar livre e nas festas de rua”, comenta Alexandre Carvalho

Para explicar em que consiste o Programa Luz Maravilha, o Maré de Notícias entrevistou Pierre Alex Domiciano Batista, presidente da Companhia Municipal de Energia e Iluminação – Rioluz – empresa pública com atribuições de gerir, planejar, manter e modernizar o sistema de iluminação pública da cidade, ligada a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente.

  1. Como se desenvolve o Programa Luz Maravilha?

Nosso objetivo é modernizar toda a iluminação pública da cidade pela nova tecnologia, ainda este ano, proporcionando ao cidadão carioca mais segurança e beleza. Toda a cidade também ganha com a tecnologia, que permite a economia de, no mínimo, 50% da conta com iluminação pública. Neste ano, por exemplo, pretendemos economizar 100 milhões de reais em gastos com energia, que serão devolvidos aos cariocas em forma de serviços prestados pela Prefeitura.

  1. Quantos pontos de luz serão renovados pelo Programa?

Acabamos de ultrapassar a marca de 225 mil pontos de luz modernizados. Isso representa metade da iluminação pública de toda a cidade, que tem, aproximadamente, 450 mil pontos de luz, e todos receberão a nova tecnologia de LED. 

  1. O que o morador da Maré ganha com essa mudança?

Além dos serviços devolvidos à cidade: como a economia proporcionada pela tecnologia LED, o cidadão ganha maior luminosidade, o que garante mais segurança e dignidade. Além de oferecer maior conforto na vida noturna da região, impacta diretamente no comércio local e na qualidade de vida do morador, que poderá praticar esportes e desenvolver atividades culturais no período noturno.

  1. Todas as ruas da Maré irão ser beneficiadas?

Sim. O Luz Maravilha estará presente em todos os pontos de iluminação pública do Rio. Inclusive, é importante ressaltar que o equipamento utilizado em bairros como Leblon e Barra da Tijuca é o mesmo que utilizamos na Maré e em outras comunidades da cidade.

  1. Qual o prazo para a execução desse trabalho na Maré?

A Rioluz atua em toda a cidade simultaneamente. Hoje, todos os bairros do Rio de Janeiro já receberam o Programa. Sobre a Maré, especificamente, ainda não podemos definir com precisão uma data exata de finalização do Luz Maravilha. Mas podemos afirmar que toda a comunidade estará modernizada ainda este ano.

  1. Moradores reclamam que o braço da luminária nova é pequeno, o que diminui o espaço iluminado, isso procede?

Na verdade, o que define a área de iluminação é a altura da luminária e ajustes no equipamento. Todos os projetos que são aprovados na Rioluz têm simulação em software da iluminação do local. Sempre que realizamos a modernização em uma área, direcionamos nosso corpo técnico para uma vistoria posterior, onde é verificada a qualidade do projeto executado e também a existência de anormalidades. Contamos com a ajuda dos moradores para que nos informem sobre problemas encontrados na iluminação pública, através da Central 1746, da Prefeitura do Rio.

  1. Andando pelas ruas da Maré à noite já é possível encontrar alguns novos pontos de luz apagados. Como será feita a manutenção?

A Rioluz realiza vistorias constantes para identificar e normalizar essas anormalidades, além de contarmos com a ajuda da população para nos informar sobre problemas na iluminação pública, através da Central 1746.

  1. O Programa Luz Maravilha chegará a outras favelas?

Com certeza. No início do Programa Luz Maravilha, o prefeito Eduardo Paes ressaltou a importância de priorizar áreas com alto índice de violência urbana, e também regiões de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Um bom exemplo disso é que o Luz Maravilha já está presente nas comunidades de Rio das Pedras e Antares, ambas na Zona Oeste do Rio. Outro marco importante que simboliza esse compromisso é o Complexo do Alemão, que atualmente está 100% modernizado pelo Programa. Hoje, a Rioluz intensifica sua atuação nas comunidades da nossa cidade. Somente neste mês, moradores do Complexo da Penha, Morro dos Macacos, Pavão-Pavãozinho, Turano e Taboinha receberam ações do Programa Luz Maravilha.

  1. O que é feito com o material retirado?

Parte do material é enviada a leilão. Os elementos agressores do meio ambiente são descartados, seguindo todas as normas e recomendações da legislação ambiental.

  1. Qual a vida útil dessa nova iluminação?

As luminárias de LED possuem duração média de dez anos. Período superior às lâmpadas de vapores metálicos utilizadas em nosso parque, ou seja, a cidade ganha com a economia de equipamentos utilizados e também com a redução de material descartado. 

  1. Quanto foi gasto nessa operação?

O Programa Luz Maravilha foi viabilizado através de uma Parceria-Público-Privada (PPP). A empresa vencedora, da licitação, absorve os custos da operação durante o período de 20 anos, sendo responsável pela modernização e manutenção do parque de iluminação pública da cidade. Em contrapartida, a empresa recebe 54,5% do valor líquido da taxa de iluminação pública do município pelo período contratual, o que soma um investimento de, em média, 1,5 bilhões de reais. A meta da PPP é reduzir a conta de iluminação pública do município em, no mínimo, 50%. Em janeiro de 2021, o valor foi de R$ 22,3 milhões. Em dezembro, quase 200 mil luminárias já tinham sido trocadas e a conta passou para R$ 17,8 milhões, ou seja, uma redução de R$ 4,5 milhões. A economia acumulada durante o ano de 2021 na conta de energia foi de R$ 22,5 milhões. E com a finalização do Luz Maravilha será de R$ 100 milhões até o final de 2022.

Venda da Oi ressalta diferenças sociais no país

A venda da companhia pode afetar vida da população que vive em locais sem acesso às novas tecnologias

Por Jorge Melo, Hélio Euclides, Grazi Fraga e Giovana Gimenes em 01/03/2022 às 7h

Editado por: Daniele Moura

Após anos de negociações, a empresa de telefonia Oi foi vendida para o conglomerado formado pelas maiores companhias do ramo – TIM, Claro e Vivo. A decisão, aprovada neste mês pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), tem gerado dúvidas nos clientes da empresa. A falta de garantias e informação sobre a situação daqueles que estão localizados em áreas sem acesso à fibra óptica é o principal ponto de questionamento ao negócio. Até o momento não há indicações claras de como essa questão será resolvida.

Desde 2016, a Oi encontra-se em processo de recuperação judicial, com uma dívida que chegou aos 65 bilhões. Em agosto de 2020, a empresa fez um acordo de exclusividade com a TIM, a Claro e a Vivo, empresas nas quais serão realocados os 42 milhões de clientes da operadora.

Segundo nota oficial do CADE, a Claro ficou responsável pelos contratos de 27 DDDs, a Vivo ficou com 11 DDDs e a TIM com 29 DDDs. DDDS são regiões cobertas por um determinado código de identificação. Por exemplo, o código do Rio de Janeiro é 21, o de São Paulo, 11; e o de Brasília, 61. Na cidade do Rio de Janeiro, os consumidores serão transferidos para a TIM.

Ao mudar para a nova operadora, o usuário não estará mais sob o regime de fidelidade do contrato da Oi, ou seja, pode mudar para uma operadora diferente daquela que foi definida pela divisão de DDDs entre TIM, Claro e Vivo, no momento em que quiser e de graça. Ou seja, se o cliente não estiver interessado em ficar na operadora que lhe foi determinada, estará livre para migrar. Garantem as empresas, que esse processo será sem nenhuma burocracia. A conferir. Caso o cliente não solicite essa portabilidade, a operadora está obrigada a transferi-lo para um plano que ofereça serviços semelhantes aos que eram prestados pela Oi.

Novas tecnologia e risco para os clientes 

Em meio às mudanças relacionadas às operadoras, a Oi também está alterando o sistema operacional. As linhas de cobre utilizadas nos serviços de banda larga e telefonia fixa estão sendo substituídas. De acordo com a empresa, algumas localidades passarão a ter o serviço de fibra óptica, enquanto, em outras, o serviço será prestado através de uma tecnologia sem fio, conhecida pela sigla WLL- Wireless Local Loop. Os clientes precisam checar se a região dele está apta a receber a nova tecnologia e usufruir da melhoria do sistema. Em caso afirmativo, o consumidor deve entrar em contato e solicitar essa migração. No site da OI é possível fazer a verificação, ao fazer o teste utilizando o CEP de ruas da Maré é confirmado que a empresa não disponibilizará o serviço da fibra óptica.

No entanto, muitas localidades que ainda utilizam as linhas de cobre, não estão inclusas nos planos de alteração de tecnologia. E sem informações claras e objetivas da companhia, os clientes não sabem o que vai acontecer no futuro próximo. O serviço de fibra óptica, em comparação às linhas de cobre, apresenta, segundo os técnicos, maior durabilidade, está menos sujeita a interferência externas e consegue cobrir grandes distâncias. Um problema mencionado por clientes que utilizam o serviço Velox fibra óptica da Oi é que ao ocorrer interrupção de energia, o usuário fica sem o funcionamento do telefone, pois é interligado ao modem. 

Na Maré, muitos comércios ainda utilizam o telefone fixo, é o caso de Euclides Antonio, que tem uma loja de doces na Vila dos Pinheiros.

“É uma forma de conseguir falar com os clientes. A vantagem do telefone fixo é não precisar carregar energia e nem colocar chip. Só fico receoso quando tem algum defeito no cabeamento, pois demora o conserto. Apesar da conveniência de levar para onde desejar, não quero celular, pois acho complicado”, avalia. 

Euclides Antonio

Em muitas residências da Maré o fixo ainda predomina por motivo da internet, já que o serviço é oferecido em conjunto.

“Antes era muito ruim, pois demoravam para realizar os reparos e não faziam direito. Nesse quesito melhorou, mas continua ruim na Velox. Tenho fixo, mas quase não uso. Escolhi a Oi só porque é a única operadora que disponibiliza o serviço de internet na favela. Contudo, o serviço é horrível, pois o wi-fi só funciona na sala e pago dez mega que acredito não passar de dois. Já até acionei a Anatel para cumprir o que prometem.”

Lucimar Cavalcante, moradora da Nova Holanda.

Ainda que a Oi afirme que a mudança de planos e operadoras não vai gerar alterações nos preços, há muitas dúvidas. De acordo com o levantamento Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), não há como garantir que os preços não irão aumentar. A empresa vendida era a responsável pela maioria dos pacotes mais baratos praticados no país. Deve-se levar em consideração, ainda, que a perda de uma empresa significa, em consequência, a diminuição da concorrência, o que pode gerar um aumento de preços no futuro. 

O Maré de Notícias entrou em contato com o canal de informações aos clientes. A telefonista informou que ainda há pouco conhecimento, mas já é possível saber que o próximo passo será a venda do serviço de TV por assinatura, que alguns moradores da Maré utilizam. Ressaltou que os clientes de cabeamento de cobre deverão receber ligações de outras empresas oferecendo o serviço de telefonia fixo, mas é recomendado esperar que a Oi ligue dando mais detalhes de como proceder. 

Em nota, a empresa disse sobre o posicionamento de que a venda da operação móvel é um marco importante do processo de transformação da companhia. Ressaltou que, até que todas as etapas da venda sejam concluídas, não haverá nenhuma alteração na prestação de qualquer dos serviços da Oi para seus clientes, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, inclusive em relação aos planos e tarifas, que permanecem inalterados. Completou que manterá seus clientes informados em todas as etapas do processo, até que a venda esteja totalmente finalizada, comunicando inclusive com a antecedência necessária quando for ocorrer a efetiva alteração do controle da operação móvel.

A Oi informou que o objetivo é de se tornar a maior empresa de fibra óptica do país, levando banda larga, conectividade e serviços digitais até as casas e empresas de nossos clientes. Por fim, declarou ser a operadora que mais cresce em fibra óptica no país, e prometeu continuar a crescer, sempre com um grande foco e atenção à qualidade, atendimento e satisfação de todos os nossos clientes.

Para mais informações e dúvidas sobre a transferência de tecnologias, é possível acessar o site oficial da Oi.

(*) Grazi Fraga e Giovana Gimenes são estudantes universitárias vinculadas ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Artigo: Carolina de Jesus e a atualidade que incomoda

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Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada é um livro que retrata de forma precisa a desigualdade no Brasil. O problema é que foi escrito no final dos anos 1950

Por Jorge Melo, em 28/02/2022 às 07h.

“A favela é o quarto de despejo de uma cidade, nós os pobres somos os trastes velhos”. Essa frase cortante, assim como muitas outras com a mesma intensidade, estava num caderno de anotações, tipo diário, de Carolina de Jesus (1914-1977), que com conhecimento de causa, dia após dia, relatava dores e carências, de toda ordem, da vida numa favela. Os registros vão de 15 de julho de 1955 a 1º de janeiro de 1960.

Moradora da Favela do Canindé, na zona sul da capital paulista, Carolina tinha na época que seus registros ficaram conhecidos, 44 anos. Trabalhava como catadora e escrevia em cadernos que recolhia no lixo. Era mineira e vivia em São Paulo desde 1947.

Apesar do pouco estudo, cursou apenas as primeiras séries do Ensino Fundamental, seu texto era elegante, consistente, fluído, direto, eventualmente poético, apesar dos erros de grafia. Seu tesouro consistia em 20 cadernos escolares, onde descrevia, com estilo, o seu dia-a-dia de privações mas sem perder a dignidade e a ternura.

E por que lembrar Maria Carolina de Jesus?

Em 1960 foi lançada a primeira edição de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. Sucesso instantâneo. A tiragem inicial, de 10 mil exemplares, esgotou em apenas uma semana. Num primeiro momento, com três edições, o livro vendeu mais de 100 mil exemplares, um feito raro e surpreendente mesmo para os campeões de venda da época, como Jorge Amado. O livro foi traduzido para 13 idiomas e foi vendido em mais de 40 países.

O texto direto, objetivo, áspero sobre a vida de alguém invisível foi um verdadeiro choque. Um Brasil real, pobre e sem beleza; desconhecido e até então silencioso emergia através da literatura, conduzido por uma improvável porta-voz. Ao mesmo tempo em que o país investia na industrialização e sonhava conquistar um lugar entre as maiores economias do mundo.

O responsável por fazer a ligação entre Maria Carolina de Jesus e o Brasil dos escritores, editoras, livrarias e críticos literários foi o jornalista Audálio Dantas (1929-2018), um alagoano há muito radicado em São Paulo, reconhecido pelo bom texto, o bom humor e a preocupação com os problemas sociais do país.
Numa ida à Favela do Canindé para uma reportagem, Audálio teve acesso aos escritos de Carolina: romances, poemas e contos. Mas o que despertou a atenção do jornalista foi o diário. Se surpreendeu e se emocionou com os relatos e decidiu publicar trechos numa reportagem para um jornal e depois numa revista de grande tiragem.

Carolina fez sucesso, ganhou algum dinheiro, comprou uma casa num bairro de classe média, e seguiu escrevendo. Carolina não era uma desconhecida nas redações de jornais de Rio de Janeiro e São Paulo. Um dos seus poemas fora publicado em fevereiro de 1940. Mas suas tentativas de publicar até então tinham fracassado.

Carolina de Jesus. Foto: Arquivo Nacional/Museu Afro Brasil

Muitos consideram Carolina Maria de Jesus precursora de uma Literatura Negra no Brasil. Ou mesmo, uma espécie de ancestral do RAP nacional, ao ser relacionada, por exemplo, à obra do grupo paulista Racionais MCs. Embora instigante não há nessa hipótese nenhum elemento, a não ser os temas, e muitas vezes a crueza das letras de Mano Brown e seus companheiros, que os possa ligar à escritora morta em 1977. Mas não deixa de ser uma hipótese interessante a ser explorada.

Os livros de Carolina Maria de Jesus nunca foram totalmente esquecidos mas viveram tempos de ostracismo. Em 2020, a primeira edição de Quarto de Despejo completou 60 anos e muitos eventos foram programados para comemorar o importante feito realizado por uma escritora negra, ao romper barreiras sociais e culturais nos anos 1960. Quando ainda vigorava o conceito de Democracia Racial, e o Brasil vendia ao mundo uma imagem tão idílica quanto falsa, de que todas as raças conviviam harmonicamente sob o sol, o mar e o som da Bossa Nova.

Em 2021, a editora Companhia das Letras decidiu relançar a obra de Carolina de Jesus com o cuidado que ela merece. Foi constituído um conselho editorial para cuidar da edição dos livros, a partir dos originais dos cadernos da escritora; formado pela filha de Carolina, Vera Eunice de Jesus; a escritora Conceição Evaristo e as pesquisadoras Amanda Crispim, Fernanda Felisberto, Fernanda Miranda e Raffaella Fernandeza.

As comparações dos relatos de Carolina de Jesus com o Brasil de hoje e os debates sobre a obra da escritora, da mesma forma que revelaram para as novas gerações o talento e a força de uma mulher negra, que ia muito além do registro de suas dificuldades, denuncia que, apesar dos avanços, os livros de Carolina evocam uma triste memória e guardam uma incomoda atualidade ao se depararem com temas como racismo, desigualdade e injustiça social.

Crônica de Carnaval: Salvaram meu Gato

Por Vitor Félix, em 27/02/2022 ás 07h.

Iam cheios de gente e de fantasias os ônibus da Real. Dois insetos de metal gigantes e grávidos de gente pronta para nascer, festejando na pista da Intendente Magalhães. A maior parte dos componentes da agremiação carnavalesca Gato de Bonsucesso ia dentro do veículo equilibrando fantasias, crianças e copos de cerveja meio cheios pela avenida Brasil.

Moradores de várias partes do Complexo da Maré se organizaram naquele sábado de carnaval, tinham intenção de lançarem sua folia na rua como uma serpentina interminável. Em um ônibus, Mestre Guiga da bateria cuidava para que os músicos não chegassem embriagados no desfile. A ala das crianças ia espremida no meio da condução, entre os instrumentos, e a ala das baianas amontoou os vestidos rodados no fundão do ônibus. Tifanny, a travesti que era uma das musas do Gato, saiu fantasiada da favela, porque seu show começava já em casa. Ela conversava com algumas meninas que perguntavam sobre sua fantasia, que era cheia de plumas e pedrarias.

No outro ônibus, a bagunça corria sem limites. Enquanto Dona Nininha tirava um cochilo, suas amigas bebiam, enquanto outras mulheres mais jovens viajavam com metade do corpo de fora, ensaiando aos berros o samba do ano. A cerveja deu uma pausa porque o ritmo do samba não permitia nem uma golada. Juliana retocava a maquiagem em meio às chacoalhadas do Real; a Porta-bandeira da agremiação já não se sentia nervosa depois de três anos defendendo a bandeira azul-e-branco do felino da Leopoldina. 

A buraqueira da famosa avenida suburbana não tirava dos componentes a alegria de viver aquela noite. Batuques, conversas e discussões sobre os próximos jogos do Flamengo e do Vasco povoavam as lotações. Cada folião distraía sua ansiedade como conseguia. Mal esperavam chegar ao bairro do Campinho onde aconteceria o desfile. Entretanto, no fim da descida do viaduto da Lobo Júnior, na Penha, o motorista do segundo ônibus deslizou na direção e acabou batendo de leve na mureta de contenção.

De repente, não mais que de repente, a paz com cheiro de cerveja se tornou um caos purpurinado. Homens desciam do ônibus da frente e vinham em desespero saber se havia feridos no ônibus de trás. Primeiro retiraram as poucas crianças que não viajaram no primeiro carro, depois saíram os idosos. Dona Nininha só percebeu o acidente porque contaram. Saiu arrastando pelos pulsos as duas amigas, Marta e Lia; esta última desceu carregando um isopor à tira colo com as cervejas que abasteceriam o trio de idosas na folia. 

Os outros componentes foram se acalmando quando perceberam que o acidente não passou de um susto e ninguém se feriu. Cataram as fantasias, adereços, bebidas e todo restante e partiram para se espremerem no único ônibus que restara. Na descida dos degraus de alumínio, Juliana virou o pé por um instante, mas foi socorrida pelo amigo Mestre-sala e sem se machucar, ela seguiu o fluxo de pessoas. Depois de montarem um quebra-cabeças de foliões, sem qualquer espaço para respirarem, o ônibus seguiu cheio de calor humano para a Intendente.

O caminho entre Maré e Campinho durou mais que o necessário. Na chegada, muitos botavam para fora o que seguraram a viajem inteira.

– Piloto, dessa vez foi quase hein! Teu amigo é maior vacilão. – brincou um dos músicos com o motorista que conseguiu chegar ileso.

– Desce logo desse ônibus, Marta! Não vou chamar homem pra te ajudar, tu já tá no grau! – Gargalhava dona Nininha para as companheiras.

– Toma aí, Nininha, vamos brindar. – Lia oferecia uma latinha vermelha de cerveja para a velha amiga.

Aos poucos, os foliões transformavam a ansiedade em alegria e se preparavam da melhor forma para o desfile. Os responsáveis foram organizando os adereços da escola em torno do único carro alegórico que estava na concentração dos blocos que sairiam naquela noite. Durante a concentração, a cerveja, o cigarro e a euforia foram distraindo os espectadores, que ficavam cada vez mais inebriados pelo álcool. 

O desfile estava preste a entrar na concentração. O Gato seria uma das próximas escolas a entrar na avenida. Regina, chefe da harmonia, ajudava as baianas a entrarem nas enormes fantasias rodadas, quando o Mestre-sala chegou para lhe dizer: 

– Regina, deu merda! Juliana não vai mais desfilar. 

A líder dos fantasiados, que mantinha o foco em ajustar tudo nos últimos momentos, entrou em desespero ao ver que o pé virado de sua Porta-bandeira inchou e parecia ter o triplo do tamanho. Seria impossível pisar na avenida com aquele pé.

Sem pensar muito, Regina decretou para desespero geral: 

– Gente! Alguém precisa ser a Porta-bandeira no lugar dela! O Gato não pode desfilar sem esse componente, senão a gente vai descer mais uma série.

Uma busca desesperada teve início para salvar o Gato do pesadelo do rebaixamento. Juliana teve ajuda de Charles para tirar a parte de cima da fantasia. O amigo deu apoio a ela, uma confiança que existia há três anos, tempo em que carregavam o pendão da favela da Maré. Juliana estava muito triste de ser obrigada a assistir ao desfile do Gato de fora naquele ano, mas a vida é assim, pensou.

Logo Regina formou uma pequena seleção de última hora. Quatro mulheres com aspectos parecidos, altura mediana, nem muito magras, nem muito gordas, como era o físico da Porta-bandeira oficial. Nas três primeiras, a parte de cima da fantasia não conseguiu fechar. Com a última candidata, o zíper foi até em cima, mas depois de tantas latinhas de cerveja, o aperto e o calor da noite fizeram a mulher vomitar toda a cevada que havia começado a beber na manhã daquele sábado de carnaval.

Nada feito. A situação indicava que o Gato sairia sem uma das componentes mais importantes. A bandeira é a alma da escola. Regina sabia disso e não desistiu de achar a derradeira foliã.

Na arquibancada, a diretora da Harmonia avistou as três idosas rindo e se divertindo com as escolas e fantasias que passavam diante delas. Regina, então, rapidamente explicou toda a situação e fez a proposta às mulheres. Marta desistiu na hora, porque era a mais bêbada e com menos saúde nos ossos de todo o grupo. Dona Lia e Dona Nininha, aceitaram o convite. Foram caminhando no ritmo de seu próprio passo até a concentração. Ao ver a fantasia, dona Lia disse:

– Isso não vai caber em mim mesmo! Já foi tempo da minha época de sereia do carnaval, minha filha! – as idosas caíram na gargalhada, enquanto Regina mantinha a expressão preocupada.

Como esperado, a fantasia não coube na mulher. Restou à Dona Nininha a esperança. Ela entregou o copo de cerveja para a amiga, tirou a blusa revelando seu sutiã e vestiu a parte de cima do vestido, que fechou com tranquilidade. O desafio era a pesada saia. Naquela altura, depois de se encher de cerveja, o peso da roupa não era lá dos maiores problemas. Finalmente, estava pronta para o desfile. Ela agarrou o cabo da bandeira, prendeu-o na saia, alisou o Gato bordado no centro do tecido com fio brilhoso cor de prata. 

A escola se organizou em frente à entrada da avenida Intendente Magalhães e ali, diante do público, Dona Nininha recordou os diversos desfiles que fez ao longo da vida como passista. Marcou seu legado no Cacique de Ramos, como índia suburbana; na Mangueira, onde conheceu os lendários poetas do morro verde-e-rosa, dançou com os baluartes do samba; lembrou ainda do próprio Mataram Meu Gato, que ela mesma ajudara a fundar vários anos antes, no chão onde viu se formarem várias passistas como ela. 

O Gato desfilou e Dona Nininha estava feliz, porque ela mesma não se imaginava como componente do Gato outra vez. Desde sua aposentadoria dos saltos altos e chão das quadras, não desfilara como Baiana, nem na Velha guarda; sua vocação era ser passista. E naquele sábado de carnaval, depois de tantos outros já vividos, descobriu-se Porta-bandeira, para a salvação da agremiação azul-e-branca e do povo da Maré.

Moradores da Maré se reúnem para ajudar vítimas da tragédia de Petrópolis

Onda de solidariedade une mareenses em prol das vítimas na Região Serrana

Por Gracilene Firmino, em 26/02/2022 às 10h45. Editado por Jéssica Pires.

As fortes chuvas que atingiram Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, deixaram um cenário de devastação na cidade turística. Até o momento, a tragédia já deixou 217 mortos e 967 desalojados ou desabrigados. Diante dessa situação, moradores do Conjunto de Favelas da Maré se mobilizaram para arrecadar doações e foram até Petrópolis ajudar, principalmente, quem vivia nas comunidades Vila Felipe e Morro da Oficina, duas das localidades que mais sofreram com o temporal devido a deslizamentos. A ação ocorreu no último dia 20 de fevereiro e movimentou 60 voluntários. O grupo voltará a Petrópolis neste sábado (26), com 20 pessoas dispostas a colaborar nas buscas por desaparecidos que continuam na região.  

Rafael Lima, de 33 anos, é bombeiro civil, morador da Baixa do Sapateiro, presidente e idealizador da organização Maré Solidária, que existe há quatro anos.

Motivado pela necessidade das pessoas, Rafael mobilizou os voluntários, moradores e comerciantes para arrecadar doações para Petrópolis. Ao todo, foram dois mil litros de água, 200 sacos de roupas, 50 quilos de alimentos e 50 kits de higiene. “Nossas ações ocorrem de dentro para fora e de fora para dentro, esse amor vem de dentro mesmo, e quando vimos a cidade destruída e muitas pessoas precisando de ajuda, e até mesmo de uma palavra de consolo, nos unimos para tentar ajudar. Conseguimos reunir integrantes de diversas organizações, moradores, associações, comerciantes, entre outros, nessa corrente do bem”, conta. 

Eduardo da Silva, de 54 anos, é articulador e comunicador territorial da Redes da Maré e foi um dos voluntários que trabalhou na ação do último dia 20. Ele conta como foi se unir a equipe do SOS Petrópolis Maré. “Estou sempre junto do Rafael e da equipe do Maré Solidária. Ajudar o próximo é o que me motiva. Nosso povo, apesar de tanta coisa ruim que acontece, é unido. Estar em Petrópolis foi um momento de muita tristeza. A cidade está pior do que vemos nos noticiários. Fui na vontade de ajudar mesmo e foi muito complicado, nós vimos resgates de corpos e ouvimos muitas histórias. Uma moça que perdeu os pais, outro senhor que perdeu a família toda, esposa e três filhos. Uma tristeza sem tamanho”, relata. 

Caminhonete levará água, alimentos e roupas da Maré para Petrópolis. Foto: arquivo pessoal

Os grupos sociais da Maré que participaram da ação em Petrópolis no último domingo (20) foram a ONG Conexão Vidas, os projetos da Lili, Maré sem Preconceito, Missão Igreja Shekinah e Fazendo o Bem. Além das associações de moradores do Timbau e do Conjunto Esperança. Neste sábado (26) os voluntários voltam com mais doações, mas também com pás e enxadas para colaborar com as buscas na cidade serrana. Coordenados por Rafael, que é bombeiro civil e em parceria com as equipes que trabalham na região, os moradores da Maré vão somar a fim de encontrar as vítimas que continuam desaparecidas. “Vamos sair da Maré às 5h30 e colocar a mão na massa. Vamos atuar no resgate aos que ainda estão soterrados. Em meio a onda que a Maré vive, temos uma onda de solidariedade”.