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Com cortes de verbas, UFRJ pode fechar as portas em outubro, diz reitora Denise Pires de Carvalho

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Em entrevista exclusiva ao Maré de Notícias, diretora da Universidade discorre sobre atual momento do centro universitário

Por Edu Carvalho, em 22/06/2021 às 06h

Não é a primeira vez, tampouco a última que você lerá sobre cortes de gastos relacionados às universidades de ensino superior público no país.

Mas agora o perigo pode ser maior do que aquele registrado há dois anos. Em maio, em meio a maior crise sanitária do século e já no seu segundo período, 30 de 69 universidades alertaram que não conseguiriam chegar ao fim do ano com o orçamento para suprir os chamados gastos discricionários, que são as despesas indispensáveis (como contas de água, luz, segurança e limpeza), investimentos (reformas, compra de equipamentos e insumos para pesquisas) e bolsas (auxílios para alunos poderem continuar seus estudos). Novamente, estudantes foram à campo, agora de máscaras e álcool gel, lutar pela educação.

Uma delas é a Universidade Federal do Rio, a UFRJ. Em entrevista exclusiva ao Maré de Notícias, a reitora Denise Pires de Carvalho afirma que a faculdade pode fechar as portas em outubro, caso não haja novo aporte do Governo. 

‘’A situação é muito grave. Eles desbloquearam uma parte do orçamento que estava parado, e que garantirá o nosso funcionamento até outubro, pagando luz, água, contrato de terceirizados e seguranças. O que é fundamental para continuidade da Universidade, sendo verba discricionária. Quando a gente pensa que o Ministério da Ciência e Tecnologia não está com orçamento para os laboratórios de pesquisa, a situação é ainda mais grave’’.

Leia abaixo a entrevista na íntegra

Maré de Notícias: Como está o quadro atual da Universidade neste momento?

Denise Pires de Carvalho: A universidade sempre teve queda de seu orçamento discricionário, ano a ano, desde 2014. Na verdade, o país que começou a identificar uma crise, ele pode seguir vários caminhos. Por exemplo, nos Estados Unidos, seja no governo Bill Clinton, ninguém pensa em tirar verba de ciência e tecnologia ou educação, essa é a diferença. O Brasil não, o Brasil opta por retirar verba das áreas que geram emprego e renda, e a educação como um todo, básica e superior, são locais de prospectar um futuro melhor. O que vem acontecendo de 2018 pra cá é ainda mais grave, porque só têm cortes  acontecido nesses dois ministérios (Ciência e Educação) estratégicos. Nós temos um orçamento discricionário que é 40% a menos da metade do que foi no passado recente, num momento que a Universidade expandiu. Nós expandimos, interiorizamos a presença da UFRJ em Macaé e Caxias. Num momento de crise econômica, você deveria estar pensando “Qual é o próximo município onde a UFRJ pode se instalar? Qual é o próximo investimento para que ela vá naquele setor, ajudar no desenvolvimento da área, seja na parte da tecnológica, seja na parte de Humanidades, seja na Saúde?’’. 

A situação é muito grave. Eles desbloquearam uma parte do orçamento que estava parado, e que garantirá o nosso funcionamento até outubro, pagando luz, água, contrato de terceirizados e seguranças. O que é fundamental para continuidade da Universidade, sendo verba discricionária. Quando a gente pensa que o Ministério da Ciência e Tecnologia não está com orçamento para os laboratórios de pesquisa, a situação é ainda mais grave. 

Maré de Notícias: Há um mês, a UFRJ apresentou um quadro nada agradável, com a possibilidade de fechamento por conta de verbas. Quais foram os encaminhamentos dados a partir do ministério da Educação para que a universidade não fechasse as portas?

Denise Pires de Carvalho: Quando fizemos a coletiva em maio, nós anunciamos que em junho pararíamos. Óbvio que não fecharíamos as portas do que está remoto, que são o ensino da graduação e da pós-graduação, o ensino teórico, que no fundo gasta menos luz, limpeza. Você vê: em 2020, sem estudantes na universidade, nossa conta diminuiu em 20% apenas. Então esse é o valor devido às atividades de sala de aula. A maior parte das atividades presenciais continuaram acontecendo, o que significa os laboratórios de pesquisa. A UFRJ nesse momento tem uma vacina prestes a entrar em testes clínicos, sem que tenhamos tido verba destinada para isso. Olha como a universidade se reinventou. Ninguém trabalhava com o coronavírus, e hoje somos uma das instituições que mais traz desenvolvimentos sobre o vírus no mundo. Isso tudo a gente faz, mas precisamos de recursos. Esses laboratórios precisam de recursos, gastam água, luz, precisam de investimento. 

Na hora que cortam o orçamento, onde a universidade vai fechar? Justamente no que é importante para o desenvolvimento econômico do país, com novas tecnologias, com descoberta de novos testes, vacinas, medicamentos, nossas unidades de saúde – temos  noves. Se você diminui leitos, você diminui a carga e a população fica desassistida. Você precisa avisar que, infelizmente, se não houver liberação de orçamento, vamos ter que fechar, além de laboratórios, vamos ter que parar, por exemplo, a testagem molecular que é feita gratuitamente à população da Saúde e Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, é assim por diante. Não ia fechar o que está remoto, mas sim as atividades que são essenciais.

Maré de Notícias: Quando se fala de descoberta, fala-se de pesquisa. Quando se fala de pesquisa, fala-se de bolsas e chegamos nos alunos. Como estão em relação a isso? 

Denise: Em 2020 ampliamos a assistência estudantil, devido a vulnerabilidade sócio-econômica de muitas famílias, que já estavam desempregadas e com a pandemia as taxas de desemprego aumentaram. Nós temos um grupo de estudantes em muita vulnerabilidade, que moram em nossas residências estudantis, que moram nas vilas. Ampliamos a assistência com auxílios emergenciais, para que não abandonem. Esses estudantes se dedicaram muito para conseguir uma vaga na UFRJ, é difícil passar para a universidade e nós queremos que eles terminem. O ensino superior causa mobilidade social, diminui a desigualdade social. 

Fizemos também o maior programa nacional de inclusão digital, com mais de 12 mil chips de internet, com quatro mil alunos recebendo após aplicarem o edital. Todos foram atendidos, com auxílio para comprar equipamentos e poder acompanhar as aulas.

Estamos tranquilos como instituição, porque nossos estudantes que querem seguir os cursos, estão sendo atendidos sob o ponto de vista de bolsas e de equipamentos. 

Só que esse ano o Governo Federal cortou 20% da verba para assistência estudantil. Então para que nós, gestores conscientes dessas famílias, não cortassémos os 20% de bolsas, nós tiramos de outras áreas. Tivemos de cortar contratos de limpeza, de manutenção dos campi. A sociedade vai ver a grama menos podada, mato subindo um pouco mais, pra que a gente possa garantir a continuidade dos alunos. Nossa equipe na Reitoria quer manter a assistência estudantil, pelo menos no patamar de 2020, pra que a gente possa diminuir a evasão. Mais uma vez, os estudantes estão de parabéns e nós queremos contribuir para que eles terminem. 

Maré de Notícias: Recentemente houve a assinatura de um marco histórico para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. O Ministério da Saúde mostrou-se aberto para investimentos na assistência pública. Qual é a importância do feito? Já dá para adiantar os próximos passos?

Denise: O Ministério da Saúde desde o início da pandemia vem repassando recursos para contratação de pessoal, que é o grande problema em todos os hospitais da UFRJ. Logo após esse problema, temos os insumos, por conta do subfinanciamento no sistema de saúde, mas nós temos trabalhado para fortalecer nosso complexo universitário hospitalar, que tem ampliado sua relação com o SUS, com o município. Nós repactuamos vários contratos, reabrimos leitos inclusive em unidades que estavam sem leitos. 

O que acontece no HUCFF é a ampliação de 150 leitos. Nós temos um hospital com capacidade de quase 340 leitos. Para esses leitos a mais, precisamos de pessoal e a pasta  tem feito repasse de verbas – no início era um acordo entre Saúde e município do Rio. Nossa relação com o MS é muito boa, querem que nosso hospital chegue a 400 leitos e nós estamos trabalhando pra isso. 

Maré de Notícias: De certa forma, garantido? 

Denise: Pode sofrer se a Saúde não mais pagar o pessoal, que hoje está especificamente para Covid. Numa eventual pós-pandemia, teremos que fechar leitos pois não haverá mais pagamento. Somos uma autarquia federal, não podemos ter contratos por mais de um ministério. Estamos fazendo isso nesse momento por conta da emergência. Para manter no pós, vamos precisar encontrar outra solução. 

Maré de Notícias:Como a Universidade tem se colocado frente à questão da despoluição da Baía, que de certa forma impacta a Maré?

Denise: No ano de 2020, nós estávamos prevendo o lançamento de um programa que tínhamos na época denominado “UFRJ Cidadã”, lançando com toda a comunidade do entorno e região a limpeza da areia, além de programas educativos, para que não joguem plásticos no mar ou qualquer tipo de material não reciclável. Tudo isso estava previsto em uma ação do Fórum Ambiental da Universidade, Prefeitura Universitária e Reitoria. Tudo isso estava previsto em uma ação do Fórum Ambiental da universidade, Prefeitura Universitária e Reitoria. Nós só conseguimos, de forma tímida, lançar junto da Associação de Pescadores o programa de limpeza do mar. 

Meu sonho até o término do mandato é que a UFRJ possa ser um grande centro de conscientização sobre a importância do meio ambiente, de nós seres humanos impactarmos o mínimo possível. Estou confiante que essa pandemia vai passar. Sem dúvida, precisamos de todos da região, sobretudo os jovens, para que façam a conscientização dos seus filhos e futuras gerações. Reduzir lixo, reciclar e educar

Maré de Notícias: Retomando um ponto inicial de nossa conversa, sobre a iminência de fechamento e que acomete outras federais. Segundo a Folha de São Paulo, alguns dos centros – como Pará, Acre, Santa Maria (RS) e São Carlos (SP) – também estão sentindo os impactos. Como lidar então com este intenso e sempre presente estágio de alerta?

Denise: Primeiro nós temos que divulgar. Nenhuma nação é desenvolvida sem a presença de ensino superior e do logos de produção de conhecimento. Governos e desgovernos, uns querendo fortalecer, outros destruir e quem quer destruir é o governo que quer utilizar o país como colônia de exploração, que desmata, que exporta somente commodities, porque isso gera riqueza, mas apenas a uma parcela da população. Faz crescer? Faz, mas não se desenvolve. Precisamos de um projeto de país desenvolvido, não dá pra seguir nesse projeto retirando verba da educação. Nenhum país do mundo se desenvolveu retirando verba de Tecnologia. E porquê as universidades, que deveriam ser instituições de estado? Porque sofremos cortes de verbas, ficamos dependendo de cada ação governamental. 

Ninguém é autônomo sem orçamento garantido. Então precisamos sonhar e debater, com futuros governos, em breve disputando o Palácio do Planalto, o que eles esperam das universidades e do sistema educacional brasileiro público. Deve ser um projeto de estado.

Qual é o governo que diz “não, nós não tiraremos verbas da educação e vamos investir a mesma média per capita dos países da OCDE”. Não queremos entrar para OCDE, dizem os políticos? Então qual é a renda, quanto se destina para as instituições nesses países? Nosso percentual do PIB nessas áreas é muito menor do que a média, e por isso nós temos um percentual menor de doutores, percentual muito baixo da população de 18 a 24 anos no ensino superior ou no ensino público tecnológico, ou seja, nos institutos federais. 

Precisamos muito de jovens que estudem, eles são criativos, e que façam desenvolver o país, não precisa ser só o nível superior. Veja as estaduais paulistas: USP, UNICAMP e agora a Unesp desponta como uma das melhores do país. Elas têm autonomia financeira. Em 1989, um decreto do governador destinou um percentual do ICMS para as estaduais. Elas sabem qual é o orçamento e decidem como vão investir, já tendo fundos patrimoniais que sustentam o seu porvir, independente de crises econômicas. E por isso as estaduais paulistas e o estado de São Paulo, como um todo, é o mais desenvolvido. Mas veja que o governador João Doria quis tirar essa autonomia recentemente, não podemos esquecer, diminuindo a verba da FAPESP. Mesmo lá, tem um governante que não vê essas instituições como de estado. Mesmo elas estão ameaçadas por esse projeto que desobriga o estado, nessa questão fundamental do país que é única: a educação.

Ato nacional mobiliza religiosos e ativistas em memória às mais de 500 mil mortes por Covid-19 nesta segunda-feira

Ato no Rio acontecerá às 18h da tarde, na Cinelândia

Por Redação, em 21/06/2021 às 9h15

A capital carioca junta-se a outras cidades no país na realização de um ato que não deveria existir. Ninguém desejaria que o Brasil alcançasse o número de 500 mil mortes por Covid-19. Chegarmos nessa marca demonstra a ausência do Estado na articulação eficaz para o fortalecimento de políticas públicas e estratégias de proteção e cuidado com a população brasileira. O ato “500 velas em memória das 500 mil vidas vítimas do Covid-19” ocorre na cidade do Rio de Janeiro hoje (21/06), às 18h, na Cinelândia.


Um ato plural de memória e justiça que reune lideranças religiosas diversas, ativistas de movimentos sociais e familiares de vítimas da Covid-19. A pauta da manifestação é um lamento coletivo que busca homenagear as pessoas que se foram, acolhendo afetivamente suas famílias, e também reivindicar vacinação para todos, auxílio emergencial e ações de combate à fome para as mais de 19 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, segundo a pesquisa VIGISAN.

A fim de não gerar aglomerações a atividade presencial será com público reduzido, mas estruturado de maneira híbrida com transmissão online e participação virtual de muitas lideranças inter-religiosas. Pastora Lusmarina Garcia, Leonardo Boff, Patricia Tolmasquim, pastor Henrique Vieira são alguns confirmados.

Além deles este ato conta com apoio da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Coletivo Memória e Utopia, Paz e Esperança Brasil, Instituto Casa Comum, Judeus pela Democracia, Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação – CJPIC, Movimento de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras, entre outras instituições.

Nesse sentido, a articulação dos diferentes segmentos da sociedade civil que realizam esses atos é encontrar coragem e esperança no coletivo, transformando nosso luto em luta para que não haja ainda mais mortes pela pandemia e endemias sociais entranhados em nosso
país.

SERVIÇO
500 velas em memória de 500 mil vidas vítimas do Covid-19
Data: 21 de junho
Horário: 18h
Local: Cinelândia/RJ
Evento online pelo Facebook Respira Brasil Rio

“A pandemia ainda pode se agravar no Brasil”, diz Carlos Machado, coordenador do Observatório Covid, ligado à Fiocruz

Por Redação, em 21/06/2021 às 06h

Baixa porcentagem da população vacinada, flexibilização das medidas de distanciamento social, desincentivo ao uso de máscaras, falta de coordenação nacional no enfrentamento da pandemia, chegada do inverno, período de férias, surgimento de novas variantes…

São muitos os motivos elencados por Carlos Machado de Freitas, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública e coordenador do Observatório da Covid , ligado à Fiocruz, para alertar sobre a gravidade do cenário da pandemia no Brasil nos próximos meses.

“Soma-se a isso o desinvestimento e a desestruturação da atenção primária à saúde no País, deixando muita gente, principalmente nos municípios menores e mais pobres, com pouco ou precário atendimento à saúde”, completa.

Os elementos da equação apontam para um horizonte nebuloso, onde vacinação em massa e cuidados não farmacológicos (como uso de máscara e higienização das mãos) aliados a políticas que viabilizem distanciamento físico e social em lugares públicos e privados serão absolutamente necessários nos próximos meses – independente do que se convencionou chamar de “terceira onda”.

“Estamos tendo que reafirmar o básico. O governo federal deveria fazer uma distribuição ampla de máscaras de boa qualidade para a população e não jogar contra uma ferramenta tão simples de prevenção”, observa.

A entrevista foi feita por Luciana Bento, coordenadora de comunicação do Conexão Saúde, na Maré

Existe a possibilidade de uma terceira onda da pandemia no País? Que consequências ela teria?
Carlos: Ainda não é possível falar de uma terceira onda no País porque não houve até agora uma queda sustentada do número de casos e óbitos no Brasil. Seria necessário configur uma baixa para chegar a um novo pico e assim o surgimento de uma nova onda.

Em maio, quando a situação estava crítica, alertamos que a elevação do número de casos constituiria um agravamento da situação e isso foi interpretado como uma terceira onda. Mas o que aconteceu foi uma certa estabilização em um patamar altíssimo e agora uma elevação lenta e gradual do número de casos e óbitos no Brasil.

Já temos pelo menos 18 estados e 16 capitais na zona de alerta crítico em relação ao sistema de saúde, com uma taxa de ocupação de leitos alta, em 80% ou mais. Ou seja, temos um cenário de elevação do número de casos e de níveis de transmissão e um sistema de saúde sobrecarregado.

Um copo cheio, já quase na borda, precisa de pequenas gotas pra transbordar. É este cenário que estamos vivendo agora. Sem uma queda sustentada no número de casos e óbitos, o sistema de saúde que já está sobrecarregado, pode entrar em colapso novamente.

Pela média de mortes por dia, é provável que ultrapassemos à marca de 500 mil mortes por Covid – ou meio milhão de pessoas que perderam suas vidas para a doença – no Brasil. Como o senhor avalia este cenário?
Temos nitidamente uma aceleração do número de óbitos que tem a ver também com a saturação e o colapso do sistema de saúde. Vamos lembrar que poucos casos evoluem para situações críticas ou graves, mas mesmo sendo poucos, em uma grande quantidade de número de casos, o número absoluto é muito alto.

Você não tendo acesso ao sistema de saúde – e o último recurso são os leitos de UTI Covid – você vê pessoas com poucas chances de sobreviver. É um cenário de bastante preocupação que a gente vivencia atualmente: uma baixa porcentagem de pessoas vacinadas com as duas doses no Brasil e um afrouxamento perigoso das medidas não farmacológicas de prevenção – distanciamento social e uso de máscaras, principalmente.

Falando da vacinação, mesmo lento, o processo está em andamento. Ele não deveria contribuir para a diminuição dos casos e óbitos no Brasil?

Carlos: A vacinação é fundamental, é da maior importância, mas ainda estamos com pouca gente vacinada no Brasil. Ela tem contribuído para reduzir as internações e óbitos de pessoas com mais idade. Mas como a pandemia não acabou, o que a gente tem assistido é internação e óbito de pessoas mais jovens, com 50 anos ou menos.

Uma das principais questões levantadas na CPI da Covid, em andamento no Senado Federal, é a falta de uma coordenação nacional para enfrentamento da pandemia ao lado de orientações desencontradas sobre prevenção da população. Até que ponto estes sinais trocados impactam no número de mortes por Covid no Brasil?

Carlos: O que vemos é uma aposta na confusão sobre formas absolutamente básicas e necessárias de prevenção, como o uso de máscaras e o distanciamento físico e social, não só nas casas, mas em espaços públicos como transporte coletivo, locais de trabalho e escolas.

Nós tivemos, desde o início da pandemia, uma campanha sistemática partindo principalmente do governo federal – no caso o Presidente e alguns de seus aliados mais próximos, mas também de alguns governadores e prefeitos – contrária às medidas de distanciamento físico e social. Isso contribuiu para um ambiente dissonante, de incongruência entre as evidências científicas e as experiências de outros países, e propostas sem evidências científicas, que partiam de outros
pressupostos, com um projeto político de desorganização do enfrentamento da pandemia. Esta campanha confrontou claramente a ciência e as medidas sanitárias e ajudou a criar inúmeras confusões e reduzir uma adesão maciça da população a elas.

Também não conseguimos fazer uma coordenação regional, entre municípios e estados. Vamos dar o exemplo o município do Rio de Janeiro, que concentra a maior parte dos recursos e dos leitos hospitalares de UTI Covid. A Capital pode adotar medidas restritivas, de distanciamento social, estruturar seu sistema de saúde, fazer o monitoramento das pessoas com comorbidade… Mas se os municípios do entorno não fazem o mesmo e aumentam o número de casos graves, o sistema de saúde da Capital vai ficar sobrecarregado do mesmo jeito.

Então esta coordenação entre os poderes públicos é absolutamente fundamental, não só a nível regional, mas principalmente a nível federal. A pandemia não respeita fronteiras então alguns estados adotam medidas mais rigorosas e outros não, mas o vírus continua circulando. Vide o caso da variante P1 que surgiu em Manaus e se espalhou por todo o País. A ausência de uma coordenação nacional entre os estados é um entrave para o bom enfrentamento da pandemia no Brasil.

Meu Caminho Até a Escola

Três anos sem Marcus Vinícius da Silva

Maré de Notícias #125 – junho de 2021

Por Diego Jesus. Editado por Dani Moura.

A vida não termina quando morremos. Como humanos, temos a oportunidade, em algum momento, de ressignificar a morte de quem nos deixou. Isso acontece quando a perda pode ser sentida por meio das boas lembranças daqueles que se foram, dos quais recordamos com carinho, transformando o luto em força para prosseguir na dura caminhada de viver em um mundo cada vez mais carente de empatia e respeito. 

Mas imagine uma mãe que perde filho ou filha para a violência. Imagine uma mulher, mãe, favelada, que tem a sua semente no mundo assassinada pela polícia. Há milhares de mães e pais nesta mesma situação no Brasil. Em 2019, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública por meio do infográfico Violência e Desigualdade Racial no Brasil, 35.543 pessoas pretas e pardas morreram em decorrência de operações policiais no país. Dezenas de milhares de mulheres e homens que viram seus filhos serem vitimados pela atuação das polícias nas áreas empobrecidas das cidades brasileiras.

Imagine, agora, uma mãe que perdeu o filho de 14 anos a caminho da escola: mochila nas costas, um amigo ao lado, uma operação policial no caminho, helicópteros da Polícia Civil atirando para baixo enquanto carros blindados, popularmente conhecidos como “caveirões”, circulavam nas ruas… Quando uma criança inocente é vítima dos tiros disparados por policiais, como ressignificar a sua morte? A única possibilidade diante de tamanha injustiça é a transição ainda mais dolorosa do luto para a luta.

Marcus Vini?cius da Silva, morto durante operac?a?o policial na Mare? em 2018

O caminho até a escola 

Marcus Vinícius da Silva não chegou à sala de aula na manhã do dia 20 de junho de 2018. Ele, na companhia do seu melhor amigo, se dirigia à Escola Municipal Operário Vicente Mariano, localizada na Vila dos Pinheiros, uma das favelas que compõem a Maré. Enquanto caminhava numa rua perto de onde estudava, Marcus foi atingido por um tiro de fuzil. Alvejado, as últimas palavras ditas por ele a Bruna da Silva, sua mãe, foram: “Mãe, a polícia não viu que eu estava com roupa e material de escola?”

Ainda não foi possível fazer a pergunta de Marcus ao policial civil que atirou nele naquele dia: se o oficial viu ou não que o garoto vestia o uniforme da rede estadual de ensino e carregava, nas costas, uma mochila vermelha, onde levava o caderno com capa do Flamengo, o seu time do coração. Os três últimos anos da família de Marcus têm sido marcados pela falta dele e de respostas, resultado de um sistema jurídico ineficiente para quem nasce “sem berço” e vive nas ditas áreas violentas das cidades brasileiras. Estas são, na verdade, as áreas violentadas pelas omissões e decisões equivocadas dos governantes.

Quanto vale a vida de uma criança? Para o Estado brasileiro, a resposta a essa pergunta vai depender se a criança vive numa área empobrecida, da sua cor de pele, do acaso de encontrar a polícia em ação, armada e no seu bairro enquanto anda em direção à escola. Estes elementos indicarão, a partir do entendimento criminoso de atuação das polícias em favelas e periferias, se crianças com tais características deverão ou não ser tratadas como humanas. A garantia dos direitos fundamentais está reservada a uma parcela da população que não vive nesses lugares abandonados pelo poder público.

O projeto de segurança pública do Rio de Janeiro se sustenta, também, na lógica de que a morte dessas pessoas por agentes do Estado não mobiliza a opinião pública o suficiente para que a letalidade policial seja corrigida por políticas de inclusão eficazes para o desenvolvimento das favelas e periferias, o que geraria a diminuição das desigualdades e da violência.

Em meio ao ilegal cotidiano de operações policiais nas favelas e periferias, as escolas públicas encontram-se diretamente ameaçadas quando os tiroteios entre a polícia e os grupos civis armados determinam que, além de correr o risco de serem alvejados, os alunos têm negado o seu direito do acesso à educação. Os confrontos são parte do cotidiano e deixam marcas nos muros, nas salas de aula e na vida de quem está dentro da escola: Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos de idade, foi morta no interior da Escola Municipal Daniel Piza, em Acari, na Zona Norte do Rio, durante uma operação da Polícia Militar, em março de 2017.

Direito à Educação

Segundo os boletins Direito à Segurança Pública na Maré, produzidos pela Redes da Maré entre 2017 e 2020, nos últimos quatro anos as escolas localizadas nos territórios tiveram um total de 58 dias letivos cancelados por conta das operações policiais. Só em 2017, foram 35 dias sem aulas, o que correspondeu a 17% do calendário escolar daquele ano. Em 2020, ano de início da pandemia do novo coronavírus no Brasil, as escolas funcionaram apenas três dias em pouco mais de um mês letivo devido às operações policiais na Maré.

A pandemia da covid-19 implicou a paralisação das atividades escolares no Rio de Janeiro por tempo indeterminado, o que agravou ainda mais a situação dos estudantes da rede pública de ensino, levando crianças e jovens das favelas e periferias a ficarem sem aulas presenciais ou em modo remoto por mais de um ano. A ineficiência e o negacionismo dos governos federal, estadual e municipal no combate à pandemia prolongaram o fechamento das unidades escolares, evidenciando, durante a crise sanitária, problemas sociais históricos, como a exclusão digital e a insegurança alimentar das famílias, agravados pela diminuição da renda e a falta de acesso à merenda escolar.

Na democracia brasileira, a educação é um direito violado à queima-roupa. A impossibilidade de estar na escola por conta dos conflitos armados tem reflexos diretos na incidência dos altos índices de criminalidade em áreas empobrecidas das nossas metrópoles. Essa arquitetura da deseducação passa pelo impedimento da formação escolar dos moradores das áreas onde há a presença do tráfico de drogas, resultado do histórico abandono da população desses territórios por parte do Estado. As ações das polícias durante as operações têm resultado em penas de morte – sentenças sanguinárias baseadas na desastrosa política de “guerra às drogas”, que viola rotineiramente os direitos fundamentais dos moradores desses territórios.

Sonhos interrompidos

Não há como contar a história de Marcus, uma criança, pois foi tirado dele o direito de viver e da sua família, de tê-lo vivo. Mas é essencial falar sobre a luta de Bruna da Silva por justiça. A mãe de Marcus Vinícius ainda está buscando, desde a manhã do dia 20 de junho de 2018, uma resposta para a pergunta feita por ele em seus últimos momentos de vida; ela não sabe sequer o nome do policial responsável pela morte do filho. 

Bruna faz parte da equipe de tecedores da Redes da Maré e transforma a sua dor em luta, por Marcus e pelas outras crianças vítimas das ditas “balas perdidas”. Em 2020, 12 crianças foram mortas em decorrência de ações policiais no estado do Rio de Janeiro, mesmo com as restrições impostas pelas medidas de distanciamento social e a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir, por meio da ADPF 635, operações policiais durante a pandemia. Entre 2007 e 2021, segundo informações da ONG Rio de Paz, 81 crianças de 0 a 14 anos morreram vítimas de “balas perdidas” – constantemente encontradas, não por acaso, nos corpos dos moradores das favelas e periferias do Rio de Janeiro.

Para mostrar a luta por justiça travada por Bruna da Silva, está em produção o documentário Meu Caminho Até a Escola, um longa-metragem realizado na Maré. O filme apresenta um ambiente escolar ameaçado pelos cotidianos conflitos armados que acontecem nos turnos das atividades nos colégios, e pretende discutir as consequências da violência no acesso à educação. O projeto é dirigido e roteirizado por mim, e conta com o apoio financeiro do Itaú Cultural por meio da convocatória Rumos Itaú Cultural 2019-2020. Meu Caminho Até a Escola é coproduzido pela Redes da Maré e tem previsão de lançamento no primeiro semestre de 2022.

Bruna da Silva e a filha Maria Vitória durante as filmagens do documentário Meu Caminho Até a Escola, dirigido por Diego Jesus

Sobre o autor:

Diretor e roteirista do filme Meu Caminho Até a Escola. É doutorando do programa Estudos Luso-Brasileiros da Cultura e da Mídia na Universidade do Texas em Austin (EUA). Na Maré, idealizou e coordenou o projeto Escola de Cinema Olhares da Maré (ECOM), desenvolvido pela Redes da Maré. Dirigiu o documentário Ocupação, que mostra a incursão das Forças Armadas na Maré em 2014.

Cinema das Periferias: Nós por Nós

Cineastas produzem retratos fiéis da realidade nas favelas

Maré de Notícias #125 – junho de 2021

Por Hélio Euclides e Kelly San

Num processo de resistência para retratar a própria realidade (muitas vezes, expostas de forma equivocada),  jovens cineastas da periferia arregaçaram as mangas e concretizaram o sonho de divulgar a cultura de uma forma acessível, além de mostrar o lugar onde vivem de uma forma real, de dentro para fora. 

Se a maioria dos filmes fala da favela por meio de estereótipos, retratando-a como um lugar onde o cotidiano violento é o normal, cineastas periféricos estão mostrando que ela é muito mais do que isso. Amanda Baroni, de 28 anos, moradora da Maré, começou no cinema em 2019 por meio de oficinas. De uma delas surgiu o filme A Maré Tá Pra Peixe, protagonizado pelo pescador Hélio Ricardo. “Com ele, percebi a importância da Baía de Guanabara. É muito bom contar uma história, ir a campo, se relacionar com as pessoas, embarcar no universo da narrativa”, conta.

Amanda Baroni é cineasta da Maré e dirigiu o filme A Maré Tá Pra Peixe – Acervo pessoal

Amanda acredita que é importante mostrar o lado positivo e potente da Maré sem cair na reprodução do discurso de carência que comumente é apresentado. “A favela não é só violência; é todo um universo produtivo de criatividade e força de vontade. Estamos no lugar de fala, não só de receptor como também de comunicação de dentro para fora. É preciso mostrar assuntos que mexam com a cabeça, como moradia, questão de gênero, liberdade, políticas públicas e direitos”, diz a jovem, que se intitula uma agente de mobilização – segundo ela, recompensador, mas cansativo.

Outro que se destaca no trabalho periférico é JV Santos, de 34 anos, morador da Penha. Ele começou no cinema em 2011, com um curta-metragem que aborda as remoções da primeira praça construída pelos moradores do Morro da Providência. “A partir daí, segui trabalhando temas principalmente relacionados à representação e à construção da imagem em torno das populações pretas, faveladas e periféricas do Rio. Esse é um caminho sem volta. Não tem mais como falar sobre nós sem nós”, explica o criador de Favela Que Me Viu Crescer, O Maraca é Nosso?, Complexos e Expresso Parador. “O cinema no Brasil é uma capitania hereditária: dependendo do seu sobrenome, você tem ou não uma para herdar. Por isso é muito difícil viver de cinema para quem é preto, pobre e de favela ou periferia. Nós somos a exceção que confirma a regra de exclusão no mercado audiovisual e da arte como um todo”, conclui. Para reverter essa situação, JV criou o projeto Cafuné na Laje para reproduzir a real imagem da população preta e das favelas no Rio de Janeiro. 

É preciso não desanimar 

Paulo Barros, fotógrafo e produtor, iniciou sua trajetória em 2009 na Escola de Fotógrafos Populares, na Maré. Ali surgiu nele e em seus colegas do curso o interesse pelo audiovisual, por intermédio do coletivo Garapa. Ele é um dos fundadores do Favela em Foco, um coletivo de produção de vídeos e fotos. “É difícil ser um produtor de conteúdo audiovisual periférico/favelado; é muito complexo, tem todas as dificuldades. Todo mundo sabe que produzir audiovisual aqui no Brasil é algo que não é pra gente, mas a gente faz”, desabafa. 

Para um cineasta periférico, as maiores dificuldades são a falta de apoio e a ausência de patrocínio. “Hoje em dia é penoso conseguir um dos dois e, por isso, temos que nos reinventar para continuar trabalhando. Quando começamos a fazer filmes para contar as histórias dos lugares onde a gente reside e por onde transitamos, vivemos algo único. Pessoas que são desses espaços e outras que desejam conhecê-los ficam perplexas com as narrativas que mostramos”, lembra Paulo, que garante que seu trabalho não fica atrás em qualidade técnica daqueles de cineastas com maior poder aquisitivo.  

Para ele, a perfeição no cinema só é possível com muito estudo, e reitera que essa vida não é de ilusões: “Já tive momentos que não vi o meu trabalho evoluir, então cheguei a pensar em desistir. Mas o que me motivou é fazermos um cinema de guerrilha.” Paulo revela que fazer audiovisual de qualidade para a internet não sai barato: é preciso boas câmeras e lentes, além de uma iluminação adequada. Para bancar isso, ele precisou abrir mão de muitas coisas. “É um mercado desigual, mas a gente faz a diferença a partir dessa desigualdade”, conclui. 

Uma história de amor a periferia

Furar a bolha do mundo do audiovisual nunca foi fácil. O mercado é elitista, caro e por vezes, preconceituoso. Carlos Eduardo Barcelos, o Cadu, conseguiu e mostrou para outros jovens da favela que era possível fazer cinema sendo da periferia. Morto em 2020 num assalto no Centro do Rio, ele começou pela fotografia, num curso do Observatório de Favelas, na Maré; depois, ingressou na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, onde pôs a mão na massa, o que possibilitou a ele engrenar uma carreira como cineasta premiado. Foi o diretor e roteirista do episódio Deixa Voar, um dos que compõem o longa 5x Favela – Agora Por Nós Mesmos”, de 2010, produzido por Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães. O filme integrou a Seleção Oficial do Festival de Cannes. Também dirigiu Crônicas das Cidades (no Canal Futura) e Feira da Teixeira, além de roteirizar e dirigir a série Mais x Favela (2011), do canal a cabo Multishow, e o documentário 5x Pacificação (2012).

A mãe, Neilde Barcellos, chegou a pedir que ele mudasse de profissão, quando os trabalhos tornaram-se escassos. Mas Cadu se recusava. “Ele dizia que era cineasta, que gostava de fazer cinema. E começou a visitar escolas para falar de cinema, além de ser instrutor no Instituto Vida Real. Ele sempre voltou à favela para mostrar a importância do jovem acreditar que é possível realizar um sonho. Era uma pessoa que incentivava a todos a estudar e seguir em frente. Era um persistente na carreira”, lembra, orgulhosa. Cadu estimulou muita gente da Maré a seguir a carreira. Quando morreu, trabalhava como assistente de direção no programa Greg News, comandado por Gregório Duvivier, no canal a cabo HBO.

Coletivo Cafuné da Laje na produção de documentário sobre as memórias da favela do Jacarezinho – Jv Santos

O espaço do cinema periférico

O Ponto Cine, localizado em Guadalupe, é a primeira sala popular de cinema digital do Brasil, criada em 2006. É reconhecida pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) como a maior exibidora de filmes brasileiros do país. Apesar disso, a sala está fechada há um ano e dois meses. Adailton Medeiros, idealizador e diretor executivo do espaço, acredita que superar este momento será talvez o maior desafio do lugar. “O cinema brasileiro vinha muito bem, estava ganhando maturidade, com 120 a 130 títulos sendo lançados no mercado comercial por ano. Paralelamente, as produções nas periferias estavam aumentando – filmes de diversos gêneros e, o mais legal, feitos por gente do território, com temas, artistas e personagens e narrativas locais. Mas aí veio o novo governo federal e, consequentemente, a paralisação da Ancine”, diz Medeiros. Para ele, é preciso fortalecer o cinema produzido nos territórios, independentemente da agência reguladora e do financiamento público, uma vez que é raro conseguir verbas através de editais. 

O Maré de Notícias entrou em contato com a RioFilme, empresa municipal de fomento à indústria audiovisual. O órgão informou que está implementando mudanças e prometeu diálogo com a periferia para entender as demandas e atuar com mais eficácia. Garantiu ainda que, ainda este ano, vai reabrir o Cine Nova Brasília e realizar outras ações no campo audiovisual.