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Dezembro Vermelho: HIV não tem rosto

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No mês da luta contra a IST’s, desconstrua preconceitos. Desinformação mata. 

Desde 1988, o 1º de dezembro é celebrado como o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) foram as responsáveis pelo decreto internacional. A fita vermelha foi o símbolo escolhido para demonstrar apoio à importância da data. No Brasil, a Lei Nº 13.504 de 2017, que  institui a campanha nacional de prevenção ao HIV/AIDS e outras infecções sexualmente transmissíveis, só reforçou sua relevância em território nacional. 

Desde então, durante o ‘Dezembro Vermelho’ (como também é conhecido) são promovidas campanhas para a conscientização sobre os direitos das pessoas que vivem com Aids, HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis, além da divulgação sobre a importância da prevenção e do tratamento.

Em 2022, o Ministério da Saúde divulgou que mais de um milhão de brasileiros viviam com HIV. Dessa estimativa, 900 mil pessoas foram diagnosticadas. Só naquele ano foram registrados 43.403 novos casos de HIV. Outro alerta foi que a maior concentração de casos de Aids está entre a população jovem (de 25 a 39 anos), sendo 52% do gênero masculino e 48% do feminino.

“Existe tratamento, existe vida”

Um dia, Vitor Ramos, influenciador digital e paulista de Mogi Guaçu, estava entre as milhares de pessoas que viviam com HIV, mas ainda não sabia disso. Por conta do diagnóstico tardio, ele perdeu a visão do olho direito, parte da audição e tem sequelas no movimento da perna esquerda até hoje. Atualmente segue sua vida como qualquer outra pessoa, continua seu tratamento e está indetectável (não transmite o vírus sexualmente).

“Vejo que ainda existe uma barreira muito grande para saber como disseminar o assunto. O HIV nunca deixou de ser um tabu, assim como falar sobre sexo. Quando colocamos uma carga “negativa” em cima de um tema, as pessoas naturalmente se afastarão dele. Quando falo “sexo” me refiro a saúde sexual, que é um ponto fundamental para que a informação sobre testagem, tratamento e prevenção seja amplamente usado. Quando vemos a temática HIV (que não seja ponto focal) sendo um adendo em alguma história em cinema ou novelas, quase sempre é sobre alguém que padeceu devido a AIDS, sendo que existe tratamento, existe vida. Mas por colocarem a saúde sexual em uma prateleira inalcançável, quando se fala sobre HIV é de uma forma muito rasa”, explica.

Com quase 50 mil seguidores no Instagram, Vitor produz conteúdo sobre HIV para quebrar estigmas sobre o retrovírus | Foto: Reprodução Redes Sociais

Em pleno século XXI, conversar sobre sexualidade não deveria ser um tabu. A falta de acesso à informação e o silenciamento acerca de temas relacionados à prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e ao tratamento mata pessoas e, consequentemente, suas famílias, todos os dias. Nessa matéria respondemos as principais dúvidas sobre Aids e HIV:

Aids e HIV são a mesma coisa?

Não. A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença causada pela infecção do ‘Vírus da Imunodeficiência Humana’ (HIV é a sigla em inglês). O HIV é um retrovírus, classificado como uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). O Ministério da Saúde afirma que nem todos os diagnósticos evoluem para a Aids, somente casos em que não há tratamento antirretroviral (medicamentos prescritos para tratar infecções por retrovírus, que é o caso do vírus do HIV). 

Posso pegar Aids ficando próximo de uma pessoa com a doença?

Uma das grandes justificativas para esse medo vem da ideia de que qualquer contato interpessoal é capaz de transmiti-lo, até mesmo através do beijo e do abraço. Entretanto, essa é uma informação totalmente equivocada. Saliva, lágrima, suor e outros fluidos corporais não são capazes de transportar o vírus. Somente por meio de sexo (também oral) sem preservativo, compartilhamento de agulhas e transfusão de sangue é que a transmissão acontece. Em casos de mães que não fazem acompanhamento médico a infecção também pode ocorrer através do aleitamento materno e da placenta.

Como me prevenir?

  • A partir do uso de preservativos e lubrificantes (distribuídos gratuitamente pelo SUS) para sexo anal, vaginal e oral;
  • Tratamento medicamentoso: PrEp e PEP;
  • Não compartilhar agulhas e seringas;
  • Não compartilhar objetos que entraram em contato com sêmen, fluidos vaginais e leite materno.

O que é PrEP e PEP?

São as siglas para Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP), medicamentos que são capazes de prevenir a infecção por HIV (outras IST’s não estão inclusas). A diferença entre os dois está no próprio nome, a PrEP é direcionada para o momento antes do contato com o vírus e a PEP indicada para, de preferência, até 2h após a exposição. As duas medicações não substituem o uso de preservativos e também são oferecidas gratuitamente pelo SUS. Qualquer pessoa pode solicitar.

Quais são os sintomas do HIV?

A senhora do doce que mora ao lado, o parceiro de academia, a colega de escola da filha. Todas essas pessoas podem viver com HIV. Mas o estigma direcionado à comunidade LGBTIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexuais, assexuais e mais), que por anos foi considerada a única atingida pelo vírus, ainda persiste. Independentemente da sua orientação sexual, seu gênero e se tem uma vida sexual ativa ou não, faça o teste regularmente em caso de sexo sem preservativo (ou até mesmo se aconteceu o rompimento da proteção durante o ato).

Nos primeiros estágios de infecção os sintomas costumam ser genéricos, como dor de cabeça, febre, dor de garganta e dores musculares, que podem até lembrar uma virose. Isso acontece porque o HIV compromete nosso sistema imunológico, então ficamos expostos a todos os vírus e bactérias e outros micróbios possíveis. O surgimento de manchas na pele e ínguas (caroços/ nódulos sob a pele) também são outros sinais relatados que até podem despertar mais atenção, mas não o suficiente para diminuir as subnotificações de casos de HIV.

No início, os sintomas que Vitor sentia eram garganta inflamada e mal-estar, amplamente associados a uma gripe, e foi isso que ele imaginou que seria. Em 2017, dois anos após o surgimento das primeiras manifestações do vírus, ele enfrentou episódios de diarréia persistente que o levaram a perder 20kg. Foi aí que ele e sua família decidiram ir atrás de um diagnóstico adequado.

A busca não foi fácil, peregrinaram por vários hospitais e, mesmo assim, Vitor recebeu erroneamente o diagnóstico para Doença de Crohn (doença inflamatória que afeta o trato gastrointestinal. Entre os sintomas estão: diarreia, febre e perda de peso) que é medicada com imunossupressores, praticamente letais para pessoas com HIV por conta do potencial do medicamento enfraquecer o sistema imunológico, já tão fragilizado pelo vírus.

Com o tratamento para Doença de Crohn, a saúde de Vitor só piorou. Os quadros de diarreia continuaram e ele perdeu a mobilidade das pernas e dos braços. Somente em 2018, um ano depois, recebeu o diagnóstico para HIV. Após isso, foram inúmeras sessões de fisioterapia, consultas com oftalmologistas, internações médicas e uma longa batalha para recuperar a saúde do seu sistema imunológico.

Vitor teve o apoio incondicional de sua mãe que acompanhou todo processo em busca do diagnóstico correto | Foto: Arquivo pessoal

Como saber se tenho HIV?

É possível realizar o teste para HIV e outras IST’s em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e em Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). O teste é sigiloso, mas se você se sentir constrangido em ir na Clínica da Família da sua área, vá em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da sua escolha e não esqueça de levar um documento com foto. Não é necessário encaminhamento médico para solicitar o exame.

Há dois tipos de testes para infecções sexualmente transmissíveis oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ambos são gratuitos. O primeiro é o teste rápido, realizado  nos Centros de Testagem e Aconselhamento do SUS com resultado em 30 minutos e o segundo é o autoteste, em que o paciente recebe o material e orientação de como fazer em casa (resultado em cerca de 10 minutos). Também é possível recorrer a uma terceira opção: contratar um exame laboratorial.

Quando decidir fazer o teste?

Quanto mais rápido você descobrir, mais rápido pode iniciar o tratamento e ter qualidade de vida. O ideal é que, logo após vivenciar alguma das situações nas quais é possível haver contaminação, o teste seja realizado. Em caso de resultado negativo, o indicado é refazer o teste após 30 dias ou mais. Essa estratégia é importante porque pode ser um ‘falso negativo’. Nosso organismo pode atravessar um período chamado de ‘janela diagnóstica’, que é o tempo entre o contato com o vírus até a possibilidade de detecção pelo exame (feito a partir de coleta de sangue ou saliva).

Fui diagnosticado com HIV. Vou morrer em pouco tempo?

O diagnóstico de HIV não é uma sentença de morte. Com os avanços tecnológicos e científicos das últimas décadas, uma pessoa pode viver bem e saudável. 

Também é possível alcançar o que os médicos chamam de ‘carga viral indetectável’, que é quando a pessoa tem um ‘nível’ tão baixo do vírus que não transmite através de relações sexuais (os dados quanto a outras formas de contaminação ainda são imprecisos). Mas isso não significa cura. O uso dos medicamentos de forma regular ainda é obrigatório. Eles ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico, tão vulnerável em pessoas que vivem com HIV. Além de diagnóstico e acompanhamento, o SUS também disponibiliza os medicamentos antirretrovirais (ARV) gratuitamente.

Com o apoio da família e da medicina, Vitor conquistou novamente sua autonomia e prazer pela vida. Hoje luta pelos direitos das pessoas que vivem com HIV e Aids e pela visibilidade da causa e de suas trajetórias em um país preconceituoso e homofóbico como o Brasil.

Apesar do diagnóstico tardio, com o tratamento, Vitor hoje é considerado indetectável, o que significa que não desenvolve AIDS e não transmite o vírus. | Foto: Arquivo Pessoal

“Quando você tem uma infecção que atinge qualquer faixa da sociedade e qualquer gênero (que não fique restrito somente a um grupo social), você tem que tomar providências com afinco, afinal, atinge ‘todos’. Mas quando você tem uma infecção que atinge um grupo minoritário e excluído da sociedade, a importância com que isso é tratado diminui drasticamente. Vemos a diferença na criação e formação das pessoas. Com minhas irmãs cisgêneras (que se identificam com o gênero do nascimento) e héteros, a preocupação era engravidar. Quando contei sobre minha orientação sexual para minha mãe, a primeira coisa foi: cuidado pra não se infectar. São muitas nuances que afetam para que o HIV seja sempre nosso (homens gays). E isso é bem triste, porque vemos um aumento absurdo de mulheres sendo diagnosticadas tardiamente, afinal, o ‘HIV não é um assunto delas’”, conclui.

A favela é um espaço de potência negra

Pâmela Carvalho

As favelas do Rio de Janeiro – hoje espaços de resistência -, historicamente se formaram como reflexo de um processo de exclusão social e racial, que remonta ao período pós-abolição da escravidão no Brasil. A abolição, em 1888, não trouxe a inclusão dos negros escravizados no modelo econômico, social e urbano do país. Pelo contrário, inaugurou uma era de exclusão para a população negra. O Rio de Janeiro, então capital do Brasil, foi um dos maiores palcos dessa segregação racial e espacial.

A exclusão da população negra

No final do século 19 e início do século 20, com a urbanização acelerada do Rio de Janeiro, as elites brancas promoveram uma série de políticas de “higienização” urbana. Essas políticas, empurraram trabalhadores negros para os morros e áreas periféricas, onde passaram a construir moradias improvisadas. A criação das favelas é resultado direto dessas políticas racistas que visavam afastar a população negra dos centros econômicos e políticos da cidade.

Um exemplo emblemático é o surgimento daquela que é considerada a primeira favela: o Morro da Providência. Com o fim da Guerra de Canudos (1896-1897), ex-combatentes, muitos deles negros, que não receberam as recompensas prometidas pelo governo, ocuparam o morro. A “favela” se tornou, então, sinônimo de resistência, mas também de exclusão estatal.

Ao longo dos anos, as favelas se multiplicaram à medida que o Estado continuava a ignorar as necessidades básicas da população negra e pobre. A ausência de políticas habitacionais e o descaso com o bem-estar dessa população consolidaram a favela como o espaço de moradia da maioria dos negros na cidade. As favelas do Rio de Janeiro, hoje, são predominantemente negras: de acordo com dados de 2011 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 66,2% da população residente nas favelas do Rio, se autodeclara preta ou parda.

População negra da Maré

O Conjunto de Favelas da Maré é um exemplo vivo da relação entre raça e território. Composto por 15 comunidades, a Maré abriga cerca de 140 mil pessoas, segundo o Censo Maré de 2019. Dentre essa população, mais de 62% se autodeclaram negras (pretas ou pardas), demonstrando como a favela é um espaço onde a identidade racial se entrelaça com a questão territorial. 

As primeiras ocupações na Maré ocorreram na década de 1940, com famílias que migraram para o território após políticas de remoção.

Desigualdade e violência

A relação entre a população negra e o território da favela, infelizmente, é marcada pela violência estrutural em diversas circunstâncias. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio de Janeiro é o estado com o maior número de mortes violentas, sendo a população negra a mais afetada. Em 2020, 78% das vítimas de homicídios no estado eram negras, representando 53% da população total do Rio (FBSP, 2020).

Essa violência institucional, resultado do racismo estrutural, é reforçada pelo estigma que as favelas carregam. Para muitos, a favela é vista como um “lugar de crime”, o que legitima, aos olhos de parte da sociedade, a militarização desses territórios e o tratamento diferenciado dado a seus moradores. Porém, a favela também é um lugar de potência, de organização comunitária, de cultura e resistência negra.

Resistência e construção da identidade

Embora as favelas sofram com práticas de necropolítica – a política da morte -, elas também são espaços de resistência e produção cultural. A favela, como território negro, é um espaço de criação e fortalecimento da identidade racial. A cultura negra que emerge desses espaços é rica e diversa.

Na Maré, o trabalho de valorização das identidades negras tem sido central. Projetos como a Casa Preta da Maré, o Núcleo de Memórias e Identidades dos Moradores da Maré e a Escola de Letramento Racial da Maré buscam fortalecer a consciência racial e promover debates sobre o racismo e a história negra dentro da favela. Através dessas iniciativas, jovens negros têm a oportunidade de se reconhecerem como sujeitos históricos, capazes de escrever suas próprias narrativas.

A partir dessas insurgências e resistências, os moradores da Maré e de outras favelas do Rio, têm construído estratégias de enfrentamento às desigualdades, utilizando a cultura como ferramenta de luta e expressão.

O território da favela é um espaço de potência negra. Ao reconhecermos isso, estamos admitindo a importância da população negra na construção da cidade e da cultura carioca. Raça e território, no caso das favelas do Rio, estão intimamente ligados. É a partir dessa compreensão que podemos traçar estratégias de enfrentamento ao racismo e à desigualdade social.

O futuro das favelas está intrinsecamente ligado à superação do racismo. É necessário que o Brasil, como um todo, reconheça a dívida histórica que tem com a população negra e promova políticas que garantam a justiça social e a igualdade de direitos para todas as pessoas.

Últimos dias para inscrição no ‘Decora Maré’ com prêmios de até R$ 5 mil

A segunda edição do Decora Maré, ação idealizada por Raphael Vicente e Bianca Andrade, retorna em busca das casas mais decoradas para as festas de final de ano

A premiação natalina da Maré está de volta! Em sua segunda edição, o Decora Maré, ação idealizada por Raphael Vicente e Bianca Andrade, retorna em busca das casas com suas áreas externas mais decoradas para as festas de final de ano. Com premiações para até o 10° lugar, o projeto visa fortalecer e incentivar a tradição, fazendo com que os famosos piscas-piscas brilhem em mais janelas dentro da comunidade.

A ação levará em consideração a criatividade dos participantes, bem como a estética escolhida e o uso de materiais recicláveis. Para participar, é fácil: basta ser morador de umas das 16 favelas da Maré e acessar o link de inscrição, que também se encontra na bio do Instagram @decoramare_.

As inscrições se encerram neste domingo (1), e dão início às avaliações presenciais que começam já no dia seguinte: do dia 2 a 10 de dezembro. As 20 melhores decorações, irão para a final. Da final saem os 5 vencedores, decididos por votação popular online.

Dona Márcia, ganhadora do primeiro lugar na edição passada, relembra que sempre fez questão de enfeitar sua casa para o Natal, e que a premiação foi de grande incentivo para todos ao seu redor: “Tive ajuda dos meus vizinhos para decorar, durante duas semanas […] Com o dinheiro comprei as coisas da obra da minha casa”. 

Veja abaixo o que ganha cada vencedor:

  • 1° lugar: R$ 5.000,00
  • 2° lugar: R$ 4.000,00
  • 3° lugar: R$ 3.000,00
  • 4° lugar: R$ 2.000,00
  • 5°lugar: R$ 1.000,00
  • Prêmio Extra: 6°,7°,8°,9° e 10° lugar ganham uma cesta de natal.

O resultado das premiações será divulgado no dia 15 de dezembro, nas redes sociais de Raphael Vicente e Bianca Andrade.

Maiara Carvalho é estudante de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro e faz parte do projeto de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

Álvaro, morador da Maré, é o carioca mais jovem a receber a medalha Pedro Ernesto na Câmara

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A medalha é considerada a condecoração máxima da cidade

“Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita”, este trecho da canção O Que É, o Que É?, de Gonzaguinha, nos remete a infância, que necessita que seus direitos sejam respeitados. Álvaro de Melo, tem 8 anos, mora na Vila dos Pinheiros e tem altas habilidades. Para o seu desenvolvimento escolar teve que lutar muito por uma educação especializada. A sua resistência para estudar, ao escrever um livro para ajudar outras crianças na mesma situação e a conquista de um curso de Programação na Universidade de Harvard foi reconhecida com o recebimento da medalha Pedro Ernesto.

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro estava em festa, com a indicação da vereadora Thaís Ferreira, para que Alvinho fosse o carioca mais novo a receber essa honraria. A medalha tem o mesmo nome do prédio que funciona a Câmara Municipal, denominado Palácio Pedro Ernesto, em homenagem ao ex-prefeito do então Distrito Federal por dois períodos. A medalha é considerada a condecoração máxima da cidade. 

Apesar da educação fazer parte do direito regulamentado na Constituição, ainda há falta de vagas, ausência de profissional acompanhante na sala de aula para crianças com transtorno do espectro autista (TEA), não contratação de profissional de apoio escolar para Pessoa com Deficiência (PcD) e dificuldades para disponibilidade de núcleos especializados em alunos com altas habilidades. Com 3 anos no maternal, os profissionais educacionais sinalizaram que Alvinho estava à frente. Depois veio a pandemia, os estudos ficaram em casa e com ajuda do aplicativo GraphoGame Brasil, aprendeu a ler em apenas 15 dias. Ao retornar à escola no Pré 2 descobriu que não tinha o atendimento educacional especializado.

Na escola, a única diferenciação era a impressão de mais folhinhas de exercícios. “Durante essa trajetória dele escolar escutei muitas falas preconceituosas, de quem tem baixa faixa econômica ou sendo negro não pode ter condição de ter altas habilidades. Em alguns casos ouvi mitos. Até propuseram que os gastos a mais com a educação ficassem por minha conta e não com a Prefeitura. Acharam que eu era ignorante, que não conhecia os meus direitos e que eu não poderia ter acesso ao Plano Educacional Individualizado (PEI)”, conta sua mãe, Priscila de Melo.

A sua mãe procurou outras instituições, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde conseguiu matriculá-lo no curso de robótica. Um outro avanço foi a apresentação do Projeto da Escola Super Alvinho, na Bahia. Uma maquete, que é um protótipo conceitual e físico de uma escola modelo, dividida por diversas salas que vão receber muitas disciplinas como vários idiomas, capoeira e xadrez, além de laboratórios de artes, química, física, ciências e robótica. Ainda cabe auditório, espaço para exposições e área verde. Esse trabalho e o curso de Programação na Universidade de Harvard chamaram atenção de autoridades, como o presidente Lula e o prefeito Eduardo Paes. A partir da conversa com os dois, a educação de Alvinho começou a mudar, uma vez que a Prefeitura se movimentou para que ele pudesse estudar numa escola que tivesse os recursos necessários. Ele cursa o segundo ano fundamental fora da Maré.

Após matéria publicada pelo Maré de Notícias, Alvinho também chamou atenção de outros veículos de comunicação, tendo visibilidade na Folha de São Paulo, no SBT, na Record Internacional e na Band. Dessa forma, as altas habilidades de Alvinho foi reconhecida para receber a condecoração que homenageia pessoas e instituições que mais se destacam. Alvinho é a mais nova personalidade a receber a Medalha Pedro Ernesto. “Muito legal e feliz com esse passo grande na minha caminhada. Esse prêmio valeu mais do que qualquer outra medalha. Ela me faz sentir que eu não posso desistir”, conta o menino que deseja ser construtor de robô. 

Apesar da merecida medalha, sua mãe ainda vê algumas lacunas na vida da criança da favela. A família reclama que não tem acesso a lazer e cultura, como por exemplo, o contexto social distância os moradores da favela dos maiores pontos turísticos da cidade. “Para tudo é preciso lutar. Tem gente que questiona porque ele deseja aprender inglês. Só que na Zona Sul, já no berçário, com seis meses, as escolas são bilíngues. Paulo Freire incentiva a criatividade do indivíduo, mas a sociedade deseja pessoas sem formação, estímulo e transformação econômica. Até oferecem cursos, mas que não qualifica realmente e lá na frente só vai dar direito a um subemprego”, questiona Priscila. 

Uma das pessoas que inspira a família é o repórter Chico Regueira. Eles guardam com carinho uma mensagem que o profissional falou ao final de uma reportagem, sobre a importância da valorização da cultura local. Apesar da luta constante para a oferta do atendimento suplementar na sua educação, Alvinho não desanima. “Mesmo que todas as pessoas falem que não vai dar certo, é preciso persistir e nunca desistir”, conclui Alvinho. Com o seu exemplo de vida, a deputada estadual, Renata Souza criou o Projeto de Lei PL 2999/23, a Lei Alvinho, que estabelece políticas públicas destinadas ao desenvolvimento de crianças com altas habilidades.

Galpão Bela Maré celebra 20 anos de ‘Imagens do Povo’ com exposição comemorativa

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A exposição ‘Da paisagem à intimidade’ marca o jubileu do programa, reunindo fotografias que narram a história e a memória das periferias e favelas do Rio de Janeiro

Em novembro de 2024, o Galpão Bela Maré abre suas portas para a exposição “Da paisagem à intimidade”, que celebra duas importantes conquistas: o marco de duas décadas do Programa Imagens do Povo e a reinauguração das ações expositivas do espaço, após sua reforma. A mostra reúne imagens de artistas e fotógrafos que, ao longo dos últimos 20 anos, participaram da Escola de Fotografia Popular — um projeto que
tem sido fundamental na formação de novos olhares sobre espaços populares, através das lentes das próprias comunidades.

Com uma rica diversidade de narrativas visuais, “Da paisagem à intimidade” revela as ruas, vielas, festas populares e saberes tradicionais, capturados pela perspectiva única de moradores das favelas, e é um reflexo de suas histórias, lutas e afetos. As imagens expostas são testemunhos vivos de transformações, conquistas e memórias que permeiam o cotidiano desses territórios, construindo uma trajetória coletiva de resistência e afirmação da identidade.

A exposição propõe uma reflexão sobre o poder da fotografia como um instrumento de resistência e memória. Mais do que um simples registro visual, a fotografia popular tem o poder de contar histórias de comunidades que, muitas vezes, são invisibilizadas, mas que, por meio dessas imagens, conquistam o espaço de protagonismo que merecem. A paisagem que as fotos revelam vai além do espaço físico — é, sobretudo, uma paisagem de relações, onde o individual e o coletivo se entrelaçam e se fortalecem.

“A exposição é uma celebração de um legado fotográfico fundamental para a história das periferias brasileiras. Ela traz à tona a potência da fotografia como ferramenta de resistência e afirmação de identidade. A curadoria, ao revisitar 20 anos de produção imagética, propõe uma pequena, mas impactante, amostra de como a fotografia pode transformar, testemunhar e celebrar a vida das comunidades populares”, afirma Monara Barreto, curadora da exposição e gestora do acervo digital do Programa Imagens do Povo.

Erika Tambke, coordenadora do programa, também assina a curadoria e afirma: “O Imagens do Povo” é um programa que nasce em 2004 a partir de um desejo coletivo de promover histórias de espaços populares pela fotografia. E isso veio de uma necessidade de que os próprios moradores possam apresentar o seu ponto de vista na cidade. Vinte anos depois, vemos com alegria um movimento de fotografia popular na Maré que produz e pensa a memória da cidade e de seus moradores com muitas camadas”.

A exposição estará em cartaz no Galpão Bela Maré de novembro de 2024 a fevereiro de O projeto expográfico inovador é assinado por Renata Pittigliani e a cenotecnica é da Camuflagem, com produção da Automatica. A exposição também conta com visitas mediadas, que acontecem às terças e quintas às 13h30. A partir da perspectiva curatorial, a equipe do programa educativo propõe uma aproximação com as obras por meio de um percurso de trocas de narrativas.

Agende sua visita individual ou em grupo no e-mail: educativo.belamare@observatóriodefavelas.org.br

“Da paisagem à intimidade” é apresentada pelo Ministério da Cultura, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Observatório de Favelas. Tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, Itaú Unibanco, Mercado Livre, White Martins, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Conta com apoio institucional do Instituto Itaú Cultural e do Instituto JCA. Parceria Estratégica: TradInter Lab e Marcela Bronstein. Produção: Automatica. Tem patrocínio da Control-lab; da Estácio, em parceria com o Instituto Yduqs; e da Multiterminais Logística Integrada, por meio da Lei do ISS. Realização: Observatório de Favelas, Ministério da Cultura e Governo Federal.

População negra está entre as mais vulneráveis e preocupadas com a saúde

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Edição #166 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Tiago Izidoro Blanc

A trajetória de vida da população negra brasileira ainda é profundamente marcada pela escravização de milhões de pessoas oriundas do continente africano. Essa prática desumana que durou cerca de 400 anos, submeteu essas pessoas a condições de vida extremamente precárias. Os resultados sociais e econômicos do período de escravização no Brasil, refletem diretamente na saúde da população negra contemporânea. 

Sem reparação

Após a abolição da escravidão no Brasil, em 1888, poucas políticas de reparação foram implementadas para a população negra. Pelo contrário, o governo adotou políticas que marginalizaram ainda mais os negros.

Não houve qualquer plano para integrar os negros libertos à sociedade de forma justa. Sem terra, educação ou trabalho qualificado, muitos ex-escravos foram empurrados para a pobreza e para o trabalho informal.

Alguns avanços

Apenas nas últimas décadas é que políticas de reparação mais estruturadas começaram a ser implementadas. O Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288/2010, é a lei que visa garantir direitos à população negra e promover a igualdade de oportunidades, combatendo a discriminação e as desigualdades raciais.

Com base no documento, foram criadas ações como  as cotas para negros em universidades e concursos públicos e outros programas de ação afirmativa, que buscam compensar a histórica exclusão educacional e econômica.

Em 2022, foi instituído o Ministério da Igualdade Racial, assumido por Anielle Franco, mulher, negra e cria da Maré. Nesses quase dois anos de ministério, a pasta conseguiu importantes vitórias, como a regularização de terras quilombolas. A Constituição de 1988 já reconheceu o direito de remanescentes de quilombos à terra, mas a regularização tem sido lenta e enfrentado resistência política e jurídica.

Mais vulneráveis

Segundo o Boletim do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IPES), em parceria com Instituto Çarê, em 2022, 10.764 homens negros morreram por disparo de arma de fogo em vias públicas no Brasil, contra 2.406 homens brancos – um número 4 vezes maior. 

A parcela mais empobrecida é composta majoritariamente por pessoas negras, culminando  em disparidade no acesso à serviços de saúde, insegurança alimentar e a falta de políticas públicas adequadas, criando um cenário de vulnerabilidade. Segundo pesquisa do DataSenado (2023), a maior preocupação da população negra brasileira é com a saúde, cerca de 58%.

Novembro Azul

O Artigo 7º do Estatuto da Igualdade Racial, específica que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve promover ações para prevenir, tratar e controlar doenças que afetam desproporcionalmente a população negra, como a anemia falciforme, hipertensão e diabetes. As ações de saúde devem considerar os determinantes sociais que influenciam essas condições.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), um homem morre a cada 38 minutos devido ao câncer de próstata no Brasil e estudos internacionais apontam que os homens negros tem maior risco de desenvolver a doença. Obesidade, sedentarismo, tabagismo, exposição a metais pesados e poluição são fatores de risco, e sabe-se que a população negra, de modo geral, está mais vulnerável a essas condições.

A falta de acesso à saúde e o diagnóstico tardio destes casos, tendem a apresentar situações mais graves, o que dificulta o tratamento e as chances de cura.

É fundamental reconhecer e abordar essas desigualdades para promover uma sociedade mais justa e equitativa, em que pessoas negras tenham amplo acesso à todos os serviços de saúde, de baixa ou alta complexidade, não limitando que esta população somente tenha acesso à atenção primária.