Home Blog Page 383

Ações no Rio marcam 1000 dias sem Marielle Franco e Anderson Gomes

0

Vereadora e motorista foram assassinados brutalmente em 14 de março de 2018

Por Edu Carvalho, em 07/12 às 20h15
Editado por Andressa Cabral Botelho

“Tem sido uma mistura de indignação, de tristeza, mas também de luta”. O sentimento da deputada estadual, amiga e mareense Renata Souza resume o sentimento de muitos hoje sobre a vereadora Marielle Franco (PSOL). Às vésperas de completar mil dias de sua execução, e do motorista Anderson Gomes, que a acompanhava no dia 14 de março de 2018, uma série de atos estão marcados para lembrar o episódio que chamou atenção mundo afora. ONGs, partidos e ativistas em diversos países estarão unidos para organizar ações nas ruas e redes sociais neste dia 08 de dezembro, exigindo respostas para a resolução do caso, ainda em investigação. O início da publicação de cartazes, fotos e poemas começa à meia-noite e irá até às 22h desta terça-feira.

Mesmo com a ausência física da vereadora, o seu legado sobrevive em cada pessoa que confiou nela o seu voto e que teve a sua vida atravessada por sua presença e palavra. Uma dessas pessoas é Simone Lauar, moradora do Salsa e Merengue e co-idealizadora do blog Garotas da Maré junto a sua irmã Anna Cláudia Neves, página de comunicação que aborda temas da atualidade. “Marielle foi uma luz que tentaram apagar. Só que o eco que ela deixou foi tão grande que impacta até hoje. Eu sou a prova disso. Foi ela, na primeira entrevista que fiz na vida, quem disse que eu seria uma ótima jornalista. Marielle, para mim, sempre será luz. A luz que ela acendeu em mim não se apagará”, observa. Simone lembra também que a atuação de Marielle foi fundamental para a criação do veículo comunitário. “Se hoje o Garotas da Maré está aí nas redes sociais, ela é sem dúvida uma das grandes responsáveis. Um jornal só feito por mulheres da favela… Ela me ensinou isso. Ela me motivou pra isso. E enquanto viver, vou lutar por justiça pelo assassinato dela e de Anderson”, conclui.

Nesta terça-feira, 08, o calendário brasileiro celebra o Dia da Justiça, momento importante para recordar o caso e exigir o andamento do mesmo. Investigadores do Ministério Público (MP) acreditam ter chegado na pessoa suspeita de clonar o carro que foi usado na emboscada da execução. Segundo a investigação, Eduardo Almeida de Siqueira clonou um carro entre janeiro e fevereiro de 2018 com as mesmas características do carro usado pelos executores do crime – um Cobalt 2014. Em depoimento à Delegacia de Homicídios (DH) em 2018, Siqueira admitiu já ter clonado outros veículos. Apesar da informação já constar no inquérito há dois anos, somente agora ela chamou atenção dos investigadores porque o advogado de Siqueira, Bruno Castro, também defende Ronnie Lessa, sargento reformado da Polícia Militar acusado de atirar em Marielle e Anderson.

Ações ao longo do dia 08

A Anistia Internacional e o Instituto Marielle Franco lançam a ação “Despertador da Justiça’’. Amanhã, dia 08, às oito da manhã, 550 relógios terão seus alarmes disparados simultaneamente, bem em frente à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia. Do alto, será possível ver a frase no chão: “1000 dias sem respostas”. 

A mobilização continua ao longo do dia nas redes sociais, nos perfis das organizações com a presença de influenciadores como Camila Pitanga, Leandra Leal, Bruna Linzmeyer, Leoni, Preto Zezé, Rene Silva e Raull Santiago usando a hashtag #1000DiasSemRespostas. 

Às 21h30 da noite, buscando simular o efeito de um jogral, em que um fala e todos repetem, amplificando o alcance das palavras, uma sequência de transmissões ao vivo estão marcadas. Você encontra aqui o texto do jogral: http://bit.ly/jogralpormarielle

Veja também: Em sua homenagem, rua da Maré pode ganhar nome de Marielle Franco

Vítima de ação policial na Maré tem alta

Após 40 dias internada, Maiara da Silva voltou para casa. A jovem de 19 anos perdeu o bebê após ser atingida por tiros numa operação policial na Maré. A ação aconteceu no dia 27 de outubro e reuniu cerca de 300 agentes da Polícia Civil, 5 blindados e dezenas de viaturas.

Pela Redação em 27/10/2020 às 19h20, atualizada em 07/12/2020 ás 19h32

Era por volta de 5h da manhã do dia 27 de outubro, terça-feira, quando 300 agentes da Polícia Civil em dezenas de viaturas e cinco blindados estacionaram na Avenida Brasil. Minutos depois, o grupo entrou numa das favelas da Maré, o Parque União. Segundo moradores, houve registro de tiros. Havia viaturas estacionadas na Avenida Brasil desde a passarela 8, na altura da Baixa do Sapateiro, até depois da passarela 10, altura do BRT, estação Maré, o que fez com que a via fosse interditada no sentido Zona Oeste.

A ação também aconteceu nas favelas Rubens Vaz, Nova Holanda e Parque Maré. Às 11 horas houve uma incursão pela Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau, e registros de tiros na Rua do Serviço no fim da manhã e na Vila dos Pinheiros no meio da tarde. A operação terminou por volta das 17h, durando por 11 horas, de maneira silenciosa, com poucos registros de tiros. Em coletiva de imprensa, foi explicado que a operação policial foi consequência de uma força tarefa da inteligência da Polícia Civil, que envolveu cinco delegacias e uma investigação de três meses, que mapeou 100 pessoas com mandado de prisão supostamente escondidos na Maré. Segundo a nota da assessoria de imprensa da Polícia Civil, foram apreendidos fuzis, granadas, silenciadores, e carros e motos que seriam roubadas. Dezenove pessoas, entre adultos e adolescentes, foram presas/apreendidas na operação.

Foto: Douglas Lopes

Um dos mandados, segundo a polícia, foi para o suposto autor do assassinato do menino Leônidas Augusto da Silva Oliveira, de 12 anos, que morreu após ser atingido na cabeça um confronto na Avenida Brasil, no dia 09 de outubro. A polícia não apresentou nenhum registro  que comprove a informação do autor da morte do menino.

Apesar da operação policial ter sido realizada junto ao setor de Inteligência da Polícia, os moradores da Maré continuam sofrendo com os impactos da ação. O Maré de Direitos, projeto da Redes da Maré que oferece atendimento sociojurídico, identificou seis invasões a domicílio, quatro danos ao patrimônio e um caso de subtração de pertences, onde, segundo a moradora, os agentes da Polícia Civil furtaram R$300,00 de sua casa.

Maiara Oliveira da Silva estava feliz com a gravidez de seu primeiro filho.
Foto: Reprodução das redes sociais

Duas pessoas ficaram feridas, incluindo uma jovem de 19 anos grávida de 4 meses que foi atingida na barriga no Parque União. Segundo relato dos moradores, a jovem saía de casa quando foi atingida por um grupo de policiais que estavam na laje de uma casa vizinha. A jovem foi encaminhada para o Hospital Municipal Evandro Freire, passou por uma cirurgia, ficou internada no Centro de Terapia Intensiva (CTI) em estado grave por dias. A bala atingiu o pulmão, rim e bexiga. A jovem Maiara Oliveira da Silva estava com quatro meses de gestação do seu primeiro filho, que morreu no dia 28 de outubro, no dia seguinte da operação.

Nesta segunda, 07 de dezembro, depois de 40 dias de internação, Maiara teve alta e foi recebida com alegria pelos moradores.

Maiara chegando em casa após 40 dias internada.

Operações policiais e pandemia

Mesmo com a pandemia de covid-19, os agentes durante a operação, não usaram Equipamentos de Proteção Individual. Após votação no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2020, uma das medidas da Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental 635 (popularmente conhecida como ADPF das Favelas) foi a suspensão de operações policiais durante a pandemia devido à crise sanitária que a população vive. As operações poderiam acontecer em casos excepcionais mediante justificativa por escrito pela autoridade competente e sendo comunicada ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. A ADPF 635 prevê também que um promotor de plantão acompanhe a operação. A equipe do Maré de Direitos entrou em contato com o Ministério Público, mas até o momento não foi informada a identificação do promotor que acompanhou a operação de hoje. 

Durante a operação policial, as Clínicas da Família CF Augusto Boal, Diniz Batista dos Santos  e Jeremias Moraes da Silva não funcionaram.

No final de julho foi lançado o Conexão Saúde – De Olho no Covid-19, que é um projeto em parcerias com diversas organizações para o enfrentamento da pandemia na Maré e em Manguinhos. O projeto oferece o acesso à testagem, telemedicina e ao programa de isolamento seguro. Devido à operação policial do dia 27, pelo menos 110 testes para covid-19 deixaram de ser realizados no Centro de Testagem da Maré. Da mesma forma, pessoas com casos de covid-19 ativo acompanhadas pela Redes da Maré no Programa de Isolamento Seguro e que necessitam de auxílio alimentação para a garantia do isolamento domiciliar durante o período de infecção não puderam receber o Kit alimentação disponibilizado pelo programa.

Além da Maré, aconteceram operações policiais em Acari e no Jacarezinho no final de outubro. Também no dia 27, duas pessoas foram mortas durante operação no Complexo do Lins.

Direitos Humanos para todos os humanos

Diferentemente do que é dito, a Declaração de Direitos Humanos defende  todas as pessoas.

Maré de Notíciais #119 – dezembro de 2020

Por Andressa Cabral Botelho

Em 10 de novembro de 1948, foi promulgada, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração dos Direitos Humanos, normas básicas para a boa convivência de toda e qualquer pessoa na sociedade, sem nenhum tipo de distinção. Entretanto, com a onda conservadora que temos vivido, ouvimos com certa frequência que os Direitos Humanos são para um grupo específico e não para toda a humanidade. Mas afinal, o que são os Direitos Humanos?

Direitos Humanos são direitos indispensáveis para que qualquer pessoa possa viver, independentemente de classe social, raça, gênero, religião, orientação sexual ou nacionalidade. Eles tratam de questões básicas e fundamentais para a sobrevivência humana, como direito à vida, alimentação, moradia, liberdade, entre outros. “Os Direitos Humanos passaram a ser garantidos no Brasil graças à Constituição Federal de 1988. Por serem direitos constitucionais, o Estado deve garanti-los, também, como forma de pôr fim às desigualdades sociais, de gênero e raça”, destacou Paloma Oliveira, advogada, membra da Comissão de Igualdade Racial OAB Leopoldina e pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS.

O documento surge após o trauma da Segunda Guerra Mundial, que vai desde a morte de milhares de combatentes até o genocídio de mais de seis milhões de civis no holocausto e nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki. A declaração marcou uma das primeiras ocasiões em que os países que faziam parte da Assembleia chegaram a um acordo por um bem comum: igualdade de direitos a toda humanidade.

Na declaração, a ONU definiu 30 direitos e liberdades que não podem ser tirados de nós ou transferidos a outras pessoas. Eles não podem ser negados a nós, e é nosso dever conhecer e lutar diariamente para que os nossos direitos sejam respeitados. Afinal, Direitos Humanos são para todos os seres humanos.

“Os Direitos Humanos servem para reprimir condutas violentas, e com a força e importância que a legislação dá a esse assunto, o Estado deve garantir a dignidade humana, a não discriminação, a liberdade, a proibição de tortura, a igualdade entre as pessoas, etc.”

Paloma Oliveira, advogada, membra da Comissão de Igualdade Racial OAB Leopoldina.

O debate no Brasil

Diante das desigualdades, percebe-se que o Estado brasileiro não cumpre o seu papel de garantir tais direitos, deixando uma lacuna, preenchida por instituições e pela própria sociedade civil. Esses grupos lutam pela garantia dos direitos humanos por entenderem que estes deveriam contemplar todas as pessoas, mas essa não é a realidade atual. O ano de 2020 e a crise sanitária do novo coronavírus deixaram essa questão em evidência: na falta do Estado, foram as pessoas e instituições que se articularam, para distribuir cestas de alimento, exigiram a proibição das operações policiais, solicitaram cartões de alimentação referente à merenda escolar, por exemplo. 

O Brasil tem sido um local perigoso para quem defende esses direitos. Em 2019, pelo menos, 23 defensores de Direitos Humanos foram mortos no país, de acordo com o relatório anual publicado pela organização Frontline Defenders. No mundo, o país é o quarto mais violento para quem defende ativamente tais direitos. “Os Direitos Humanos visam reprimir condutas violentas, e com a força e importância que a legislação dá a esse assunto, o Estado deve garantir a dignidade humana, a não discriminação, a liberdade, a proibição de tortura, a igualdade entre as pessoas, etc.”, lembra Paloma.

É importante sempre lembrar de Marielle Franco, que lutou por melhores condições de vida para mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+ e favelados. O seu legado é para que qualquer pessoa, não apenas os ativistas, possa lutar diariamente para diminuir as desigualdades sociais.

Você acha que todas as pessoas deveriam ter direito: 

  • à vida?
  • à alimentação?
  • à segurança?
  • à educação gratuita de qualidade?
  • à liberdade de ir e vir?
  • à liberdade de expressão e opinião?
  • a serem tratados de forma igual?

Se você respondeu SIM a essas perguntas, você é um defensor de Direitos Humanos.

Você já leu a Declaração dos Direitos Humanos? Confira aqui.

Moradores da Maré se organizam e arrecadam alimentos durante a pandemia

Pessoas, projetos e grupos de torcidas organizadas têm realizado ações de solidariedade pelas 16 favelas da Maré

Por Hélio Euclides, em 07/12/2020, às 18h
Editado por Andressa Cabral Botelho

O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo, de acordo com o último relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Segundo o IBGE, a desigualdade aumentou no Brasil em 2018. De toda a renda do país, 40% estão concentrados nas mãos de 10% da população, cerca de 104 milhões de brasileiros. A metade mais pobre da população vivia em 2018 com apenas R$ 413 mensais, considerando todas as fontes de renda. A pandemia deixou ainda mais explícita essa desigualdade social. Mas com ela, vimos também diversas empresas e instituições que trabalharam neste período com responsabilidade social, a solidariedade foi a ação mais potente nas favelas e periferias. 

Pessoas simples arregaçaram as mangas e tentaram mudar a situação de seus territórios. Na Maré não foi diferente: diversos foram os casos de mareenses que se doaram para ajudar o vizinho ou pessoas que nem conhece dentro da favela. Luiza Aguiar foi uma dessas pessoas que percebeu que era necessário fazer algo. Assim nasceu o Projeto Beleza Solidária, que toda terça-feira oferece serviços no salão de cabeleireiro localizado na Vila do João, uma das favelas da Maré, em troca de quilos de alimentos. O que é arrecadado é doado para pessoas que não tem comida em casa. O sinal vermelho acendeu quando percebeu que os clientes estavam afastados, pois faltava emprego e dinheiro. “A Joana Dark Braga, dona do salão, veio com a ideia da ação solidária, e abracei a proposta. Queríamos ajudar com dinheiro, mas não tínhamos. Então, resolvemos trocar serviço por alimentos. O projeto é algo pequeno, mas podemos ajudar várias famílias”, diz Aguiar. A dupla começou a divulgar nas redes sociais e recebeu apoio de diversas pessoas.

Uma instituição da Ilha do Governador deu a partida com cestas básicas e depois os próprios moradores se sentiram incentivados a participar da iniciativa. O salão oferece tratamento no cabelo de escova e corte, pintura de unhas e cuidados com a sobrancelha. “Quando começamos a efetuar as entregas das cestas, percebemos realmente que aquela pequena ajuda estava sendo uma luz para muitas famílias. Do outro lado, algumas pessoas se sensibilizaram e vinham deixar comida mesmo sem querer os serviços prestados”, diz a cabeleireira. Cada edição da ação consegue em média 40 quilos de alimentos. 

Para ela, o ato é uma mistura de sentimentos, como gratidão, esperança e felicidade. “Poder levar um sorriso para as pessoas é muito satisfatório. Também recebemos fraldas para duas crianças, que em troca nos ensinam o valor da vida”, comenta. A dupla já conseguiu cerca de 140 cestas. Algumas dessas cestas são doadas para motoristas de transporte alternativos que, durante o fechamento dos shoppings, ficaram sem trabalho. 

Muito além do alimento

Para alguns, a solidariedade já vem de muito tempo, mas se intensificou na pandemia. Mônica Galeno sempre foi envolvida em causas sociais como colaboradora. “Na pandemia, especificamente, vi muitas pessoas com grande necessidade de ajuda não só em alimentos. Com auxílio de outras pessoas que abraçaram a causa, ajudamos uma grande quantidade de pessoas nesses meses”, diz. Ela oferece tratamento no cabelo para quem não tem como pagar, no seu salão de cabeleireiro na Vila dos Pinheiros.

A mobilização conseguiu cestas básicas, kits de higiene e escovação, direcionamento para tirar documentos, roupas e doação de sangue. “A causa é a solidariedade, ajudar sem questionamentos. Vimos muitas necessidades dentro da própria comunidade. Nós somos as formiguinhas que fazem um trabalho silencioso. Mesmo com ações solidárias, ainda precisamos de mais união para conseguir um propósito. Não dá para esperar o governo, precisamos fortalecer a favela”, expõe. Galeno realiza o seu trabalho em conjunto com o Maré Solidária, grupo que realiza ações solidárias no território, e o Fla Maré, grupo de amigos torcedores do Flamengo. 

A parceria com o Maré Solidária aconteceu em um momento muito difícil na vida da cabeleireira e demonstra que não é só gentileza que gera gentileza. Solidariedade também gera solidariedade “Conheci o Rafael, do Maré Solidária, quando minha casa pegou fogo no início deste ano, e ele me estendeu a mão. Digo que o que jogamos para o universo tem um retorno. A minha casa ficou muito deteriorada, não foi nenhuma grande empresa ou governo que me ajudou, mas os moradores. Cada um deu um material para a reforma, isso fez a diferença para a construção”, comenta. Ela agora está mobilizada para ajudar uma família que o lar pegou fogo na Vila do João.

Muito além do futebol

Alguns estão na solidariedade como mobilizadores. Victor Hugo Soares é um desse que agitam os colaboradores. Além de estudar para se tornar barbeiro, ele trabalha em conjunto com torcidas locais e o Maré Solidária. Além dos cortes de cabelo nas ações sociais, há coleta para pagamento de enterro. No final do ano, consegue com ajuda de amigos da Via C/11, na Vila dos Pinheiros, doações para um abrigo na Avenida Brasil. “Com esses projetos a gente segue ajudando com pouco quem não tem nada. Precisamos de uma corrente de projetos bons. Nossa comunidade é difícil de ter ajuda do governo, então nós temos que nos se agarrar uns nos outros e ajudar quem mais precisa”, resume.

“O coletivo vem quando tem alguém que precisa. Outro dia com o Paixão Fla Maré fizemos um mutirão, conseguimos mais de três cestas básicas e compramos um botijão com kit completo para uma moradora que precisava. Outra vez uma casa pegou fogo na Nova Maré e conseguimos colaborar com a família”, expõe. Agora em conjunto com o Fla Bagdá tentamos conseguir alimentos e móveis para duas famílias que perderam as casas em um incêndio na Vila do João. 

Quem desejar colaborar com as ações solidárias:

Projeto Beleza Solidária – 96586-8728 / 98078-3133
Mônica Galeno – 99082-8227
Victor Hugo Soares – 97969-2245 / 97563-4936

A polícia não vai mudar

Por Silvia Ramos, publicado em Rede de Observatórios da Segurança em 24/11/2020
Postado por Edu Carvalho em 07/12/2020 às 14h42

Emilly e Rebecca estavam brincando na porta de casa, no bairro Pantanal em Caxias, no fim da tarde. Numa fração de segundos, estavam no chão, com uma bala na cabeça e outra no tórax. Uma rajada só. Moradores dizem que os tiros partiram da polícia. Policiais dizem que foram atacados por criminosos. 

Fazendo pesquisas e projetos sobre violência e segurança pública há mais de 20 anos no Rio de Janeiro, me pergunto quantas vezes ouvi esse enredo e quantas foram as tragédias envolvendo crianças. A plataforma de dados Fogo Cruzado nos informa que só em 2020 foram 8 crianças mortas por balas perdidas no Rio de Janeiro. Porém, em outras ocasião já se comprovou que o tiro partiu dos agentes. Foi a polícia que matou Ágatha, no Complexo do Alemão e João Pedro, no Salgueiro, em São Gonçalo. 

Me pergunto se não vamos obrigar a polícia a mudar. Mas sei que a polícia não vai mudar. Não existe treinamento, reciclagem, mudança de comando do batalhão, imposição de mecanismos de controle de uso da força, punição para abusos policiais que sejam capazes de produzir mudanças significativas na polícia fluminense.  

A única forma de reduzir os danos causados pelas polícias é reduzir as polícias. Reduzir os efetivos, os armamentos, o método de policiamento baseado em rondas e abordagens preventivas e principalmente reduzir os investimentos em polícia.

De acordo com o estudo A política de segurança pública no Rio de Janeiro é ineficiente e financeiramente insustentável, o valor destinado à área, 12,7 bilhões, é quase o previsto com todos os gastos com saúde e educação – R$ 14,5 bilhões, ou 17,9% do orçamento. Mas se considerarmos também os gastos com aposentadorias e pensões de funcionários públicos do setor de segurança pública (R$ 8,5 bilhões), esse montante alcança 21,2 bilhões, ou 26,3% do orçamento estadual. O Rio de Janeiro é o estado brasileiro que mais gasta em segurança pública, proporcionalmente ao orçamento. 

Mesmo com um investimento de 21 bilhões na área de segurança, a polícia não melhora, não altera procedimentos que causam tragédias nas favelas e periferias. Pelo contrário: o orçamento recorde coincidiu com o recorde de mortes por intervenção policial (1.814 mortes em 2019). Ao ponto do Supremo Tribunal Federal (STF) ter que intervir no Rio de Janeiro, para controlar a letalidade das operações durante a pandemia. 

A resposta de quem analisa esses fenômenos é que para controlar a criminalidade e a violência policial é preciso reduzir os investimentos que causam dor e morte há tantos anos. Menos polícia, mais educação, saúde, assistência social, cultura e direitos humanos.

*Silvia Ramos é coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESeC

Como a água do Rio Guandu acaba nas torneiras da Maré?

É difícil entender como um rio que nasce no estado de São Paulo abastece mais de 9 milhões de pessoas no RJ? Não esquenta, a gente desenha pra você o caminho da água até sua casa.

Reportagem: Ruth Osório e Breno Souza
Arte:
Giulia Santos
Edição:
Fred Di Giacomo

Para o rio Guandu fornecer a água que abastece as casas do Complexo da Maré, o caminho é longo e interestadual. Nascendo nas serra paulistana, o rio Paraíba do Sul, junto com os rios Piraí e Vigário, foram transpostos para a Bacia do Ribeirão das Lajes pela Light como forma de aumentar a produção de energia para o Rio de Janeiro, em 1952. Essa obra aumentou em mais de 20 vezes a vazão do rio Guandu, que hoje é o principal manancial de abastecimento do estado do Rio de Janeiro. Nos seus 63 km de extensão, o rio Guandu corta 8 municípios: Piraí, Paracambi, Itaguaí, Seropédica, Japeri, Queimados, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro, desembocando na baía de Sepetiba.

Água para 9 milhões
Esse sistema de abastecimento de água, chamado Sistema Guandu e inicialmente projetado para suprir a demanda de água do Rio até 1970, foi sendo ampliado com desafio de servir água potável para 9 milhões de pessoas. Hoje, segundo a Cedae, o rio Guandu abastece cerca de 85% da população da capital e de 70% da Baixada Fluminense.

Cocô na água? 
A ocupação das indústrias e casas na bacia do Guandu, associada a ausência de esgotamento sanitário, tornam suas águas bem diferentes, hoje: o manancial mais importante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro se encontra poluído por esgotos domésticos e industriais, comprometendo a saúde de 9 milhões de pessoas. O incidente da geosmina, no início de 2020, representam bem esse contexto: milhares de pessoas, tendo sua saúde e renda comprometidas, compraram água mineral por meses, porque as águas do Guandu estavam contaminadas por esgoto sanitário.

Segunda cidade que mais consome água no BR
A Organização das Nações Unidas (ONU) define que a Segurança Hídrica está associada a disponibilidade e qualidade suficientes de água para o atendimento das necessidades humanas, como prioridade, econômicas e conservação dos ecossistemas aquáticos.

O contexto do Rio de Janeiro é de grande insegurança hídrica: não temos mais onde buscar água e não cuidamos bem dos nossos mananciais.  Essa realidade contrasta com os dados do SNIS 2018: o consumo médio per capita de água no Rio de Janeiro é de 328,22 l.hab/dia, mais da metade de média nacional ( 154,88 l.hab./dia), tornando o Rio a cidade de maior consumo de água do país.

Maior estação de tratamento
Após a captação de água do Rio Guandu, essa água é bombeada para a Estação de Tratamento do Guandu, em Nova Iguaçu. A ETA Guandu é a maior ETA do mundo, capaz de tratar 43m³ por segundo continuamente (CEDAE).

O processo de tratamento na ETA Guandu é o chamado convencional, que conta com os seguintes processos físico-químicos: coagulação química, floculação, decantação, filtração, desinfecção e correção de pH e fluoretação.

Quanto custa sua água?

O tratamento de água não é um processo simples e nem barato. Inclusive, de acordo com a Lei das Águas (9433/97), a água é um bem de todos. Isto é, não podemos pagar pela água em si, apenas pelo tratamento dela. Quanto mais poluído um corpo hídrico, mais produtos químicos são necessários para torná-lo potável, dentro dos padrões exigidos pelo Ministério da Saúde.

Mais poluição, mais custos

O Relatório Anual da CEDAE de 2019 mostra que, diariamente, são gastos 100 toneladas de sulfato de alumínio e cloreto férrico, 200 quilos de polieletrólito, 20 toneladas de cal virgem,15 toneladas de cloro gasoso e 7 toneladas de ácido fluorsilícico. Além disso, a ETA consome energia capaz de abastecer uma cidade de 600.000 habitantes para produzir essa água tratada.

Rede de Distribuição de Água
Após tratada, a água deixa a ETA através de dois subsistemas: o subsistema Marapicu e subsistema Lameirão.

O subsistema Lameirão é o responsável por atender toda a área do Complexo da Maré, que faz parte da região Leopoldina, assim como a Zona Oeste, uma parte da Zona Norte e Sul, Centro, Nilópolis e uma parte da Baixada Fluminense. Nessa subsistema, a água deixa a ETA através de um túnel subterrâneo até a elevatória do Lameirão, no bairro de Santíssimo, que segue até chegar no Reservatório dos Macacos, no Jardim Botânico.

Rede de Abastecimento de água na Maré
Em setembro de 1985 foi criado na CEDAE o Grupo Especial da Maré com fins de gerenciamento das obras de saneamento demandas pela Maré. No projeto estavam inclusos a execução de sistemas de drenagem pluvial, abastecimento de água, coleta de esgotos sanitários e urbanização geral da área. 

Apesar da construção do Núcleo Cedae na Maré, o diálogo dos moradores com a CEDAE não é fácil. Não temos acesso aos mapas da rede de abastecimento de água, informações sobre o funcionamento das elevatórias, total de água distribuída para Maré e nem sobre as necessidades de manutenção da rede. 

Maré seca
Apesar das obras de ampliação da ETA Guandu, muitas regiões que são abastecidas pelo Sistema Guandu/Lajes/Acari (os principais do estado) não tem acesso ao serviço pleno ou sequer possuem água canalizada em casa. 

Dados do Censo Maré (2019) mostram que cerca de 151 domicílios não têm acesso a rede de abastecimento. Além da gravidade do fato de que 453 moradores da Maré não têm acesso à água, esses dados não revelam, por exemplo, se os moradores da Maré têm água todos os dias saindo de suas torneiras. Ou seja, mais do que água canalizada em casa é preciso ter água todos os dias e com qualidade.

Lançamento do Esgoto
Depois que essa água é usada (e descartada) nas nossas casas, ela deveria ter um destino certo: ir direto para uma Estação de Tratamento de Efluente (ETE) na forma de esgoto doméstico. Na realidade, 0% do esgoto da Maré é tratado e os problemas com a rede de esgotamento sanitário – a estrutura que recolhe o esgoto das casas- são inúmeros, fazendo com que os moradores convivam diariamente com transbordamento de esgoto nas ruas e nos valões. 

Alegria de pobre
A ETE Alegria, construída ao lado da Maré, não atende nenhum morador do Complexo porque a rede de esgotamento sanitário da Maré não tem ligação com a ETE. Inclusive, quando a ETE foi construída, fazendo parte do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, as obras também incluíam a ligação com a Maré, o que não aconteceu. Dessa forma, o esgoto sai das casas da Maré, vai para os valões que seguem diretamente para a Baía de Guanabara.

400 toneladas de tranqueira por dia
O Diagnóstico do estado da Baía de Guanabara (2016) revela que 400 tonelada de matéria orgânicas são lançadas diariamente na Baía. Desse total, cerca de 20% têm origem de efluentes industriais ou das próprias estações de tratamento de esgoto. No final das contas, quem continua sofrendo com a política de precarização do saneamento básico são aqueles que já estão vulnerabilizados, já que a poluição das águas impede atividades econômicas dos moradores e também recreação, além de diminuir a qualidade das águas ainda potáveis, dificultando ainda mais o acesso. 

Esta é a terceira reportagem de uma série sobre o direito à água na Maré. Uma parceria entre o data_labe e o Maré de Notícias.