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Alimentação: direito ou privilégio?

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Alta dos preços em meio à crise da saúde destaca que alimentação é um direito que custa caro

Andressa Cabral Botelho

“A comida no estômago é como o combustível para as máquinas. Passei a trabalhar mais depressa. O meu corpo deixou de pesar. Passei a andar mais depressa. Eu tinha impressão que eu deslizava no espaço. Comecei sorrir como se estivesse presenciando um lindo espetáculo. E haverá espetáculo mais lindo do que ter o que comer?” Essa fala poderia ser de hoje, mas ela foi escrita em 1960 no livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus. Sessenta anos depois, o texto permanece atual, pois aponta o quanto a pandemia do novo coronavírus explicitou o problema da fome no país, principalmente em territórios negligenciados pelo poder público.

A alimentação é um direito fundamental, como consta no artigo 6º da Constituição, assim como segurança, saúde, educação, assistência aos desamparados, entre outros. De 2013 a 2018, aumentou em mais de 3 milhões o número de pessoas em situação de insegurança alimentar. No total, são cerca de 10,3 milhões de brasileiros que viviam em 2018 sem acesso regular à alimentação básica, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa não leva em conta pessoas em situação de rua, o que nos leva a pensar que este número é ainda maior.

Entretanto, alimentar-se tornou-se um privilégio para quem tem renda. Enquanto para muitos o alimento é combustível para manter o corpo de pé, para alguns poucos ele é mercadoria, onde o maior interesse é o lucro. Essa lógica de geração do lucro a partir de insumos básicos – seja alimentos ou itens de higiene – foi um assunto que teve bastante repercussão na mídia ao longo dos últimos seis meses.

Em março, com os decretos estadual e municipal para fechamento dos serviços não essenciais como medida de contenção do vírus, o receio da população foi um possível esgotamento dos alimentos nos mercados e centrais de abastecimentos. Cogitou-se nesse momento a necessidade de se estocar comida e itens de limpeza, que na época passaram por um aumento abusivo do valor. O álcool gel passou de produto supérfluo a item de necessidade básica e nos meses de fevereiro e março de 2020, as vendas on-line do produto cresceram mais de 4700% em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Movimento Compre & Confie. Em matéria para a edição #112 do Maré de Notícias, uma comerciante da Maré afirmou que com o aumento do valor por parte dos fornecedores e maior procura, o preço do  álcool gel  foi de R$10 para R$27,50 em seu estabelecimento.

Seis meses depois do decreto, entretanto, já com a flexibilização da quarentena e abertura dos serviços, os preços dos alimentos – principalmente os da cesta básica – passaram a assustar os consumidores. A inflação medida pelo IBGE apontou um aumento de 6,10% nos itens de alimentação. Dos alimentos básicos, a alta do arroz chega a 100% em 12 meses, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Cinco 5 kg de arroz custando  R$40 nos supermercados é algo assustador, e o pior, é que os preços podem ter queda apenas em 2021, segundo o Cepea. 

Mas quais os motivos para o aumento do preço dos alimentos, principalmente o arroz? Para economistas do Cepea são:

  • dólar valorizado em relação ao real (até o fechamento desta matéria, um dólar comercial custava R$5,28), incentivando a exportação do produto;
  • desabastecimento do mercado internacional devido à pandemia, fazendo com que países produtores de arroz fossem forçados a parar de vender para o mercado exterior, aumentando a procura pelo arroz brasileiro;
  • diminuição da quantidade de arroz armazenado ao longo dos anos (segundo dados do Instituto Rio-grandense do Arroz (IRGA), em 10 anos o volume do estoque de armazenamento de entressafra diminuiu de 2.500 para 500 toneladas). 
  • desarranjos climáticos que afetam as plantações, como poucas chuvas.

O cenário fica ainda pior quando se analisa a atual situação do brasileiro: com a pandemia, o país ultrapassou o número de 12,8 milhões de desempregados, de acordo com o IBGE. Além disso, 41,1% da população do país trabalham informalmente e sofreram diretamente o impacto da pandemia. Neste momento de fechamento de serviços e perda de postos de trabalho, 67,2 milhões de pessoas deram entrada no auxílio emergencial, segundo a Caixa Econômica Federal. Embora o auxílio financeiro tenha ajudado a muitas pessoas, foi necessário pensar em outras medidas de apoio, como ações de promoção de alimentação básica à população em situação de vulnerabilidade.

Segurança alimentar no centro do debate

“Nunca se viu tanta campanha de arrecadação e nunca se viu tanta gente passando fome. Esse quadro ressalta a potência da solidariedade, mas por outro lado a gente precisa ressaltar a importância de políticas públicas”, destaca Guilherme Pimentel, ouvidor público do estado do Rio de Janeiro. Muitas dessas campanhas vieram dos próprios territórios, como a Campanha Maré Diz NÃO ao Coronavírus, da Redes da Maré, que dentre as diversas ações, desenvolveu a frente de segurança alimentar. 

A partir desta frente de trabalho, pensou-se duas ações: produção e entrega de refeições para pessoas em situação de rua e em estratégias para arrecadação e doação de alimentos para as famílias mais vulneráveis da Maré. Cerca de 50 mil pessoas foram beneficiadas diretamente com a campanha, o que equivale a pouco mais de ? da população das 16 favelas que compõem a Maré. Ao todo, 16.796 famílias foram beneficiadas e 37.900 refeições foram distribuídas para pessoas em situação de rua.

Ações como a campanha só são possíveis de acontecer quando organizações da sociedade civil, como a Redes da Maré, LabJaca (Jacarezinho), Coletivo Favela Vertical (Gardênia Azul), entre outros, se articulam para levantar dados mais aproximados da realidade das favelas no contexto do novo coronavírus. Além dos dados sobre pessoas em situação de vulnerabilidade, essas organizações também conseguem fazer um levantamento mais real de pessoas infectadas. De acordo com a 20ª edição do boletim De Olho no Corona!, a Maré registrou 1.667 casos – entre confirmados e suspeitos, quase três vezes maior que os dados que constam no Painel da Prefeitura do Rio, que nesta sexta-feira (18) marcou 598 casos confirmados. Até o momento, o território registrou também 92 mortes confirmadas por coronavírus.

Alimentação na escola

A segurança alimentar perpassa também pela alimentação em contexto educacional. Com a suspensão das aulas, alunos de Ensino Fundamental, Médio e Superior da rede pública também ficaram sem a  merenda de cada dia. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem papel importante na garantia do acesso à alimentação de crianças da rede pública de Educação Básica. Para reduzir os riscos de contaminação pelo coronavírus, estados e municípios pensaram em estratégias para manter a alimentação dos alunos. 

No município do Rio, a proposta ao início da quarentena era deixar as escolas abertas apenas para a merenda, mas colocaria em risco alunos e funcionários da escola. Pensando nisso, foi instituído judicialmente que a Secretaria Municipal de Educação distribuísse o kit merenda para os responsáveis dos alunos da rede pública de ensino, seja em formato de cesta básica ou de cartões de auxílio alimentação, beneficiando 641 mil alunos. Até o final de agosto foram distribuídos mais de 700 mil kits, entre cestas e cartões no valor de R$54,25 por cada estudante matriculado na rede municipal. 

Para os responsáveis que estão com dúvidas ou problemas na utilização do cartão, a Defensoria Pública está assistindo essas pessoas através de um formulário. Basta acessar o link e repassar à Defensoria quais as demandas para que elas possam ser atendidas.

Projeto Entidade resgata histórias LGBTs da Maré

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Lançado em setembro, plataforma pretende reunir memórias de moradores LGBTQIA+ do território

Thaís Cavalcante

“Naquele tempo, não existia Parada Gay, mas existia show gay. A rua enchia muito. Todo mundo gostava, todo mundo respeitava. Falavam: ‘Ah, mas ela não pode ver um palco!’ Era uma coisa divertida e bem alegre”. O depoimento fala sobre a “Noite das Estrelas”, evento em que transexuais se apresentavam nos anos 80 nas ruas da Nova Holanda, para dar visibilidade ao movimento. Essa história é parte do Projeto Entidade, plataforma on-line lançada neste mês de setembro junto com a 10ª Parada LGBTQIA+ da Maré, a primeira virtual em decorrência da pandemia. O projeto trabalha a escrita territorial com foco nas narrativas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexuais (LGBTQIA+) das 16 favelas da Maré. 

Com a invisibilização que essas pessoas sofrem na família e até no próprio território, o projeto inédito traz a oportunidade de encontrar vivências espalhadas pela Maré. “Estamos reunindo pessoas a partir da sua história, não apenas pela sua sexualidade. Tudo que você é conta nesse contexto”, diz Jaqueline Andrade, atriz e uma das criadoras. “Quero que muita gente se identifique e perceba que não estão sozinhas. É especial por isso, poder se ver no outro”, completa.

Wallace Lino e Paulo Victor são irmãos e artistas, Wallace e Jaqueline atuam na Cia Marginal e Paulo no grupo ATIRO. Juntos, os três decidiram encontrar formas de valorizar a importância histórica de construir narrativas LGBTs de favela. Um time ainda maior soma com as produções para a internet: profissionais de comunicação, tecnologia, pesquisa, audiovisual, educação, entre outros. O formato de conteúdo digital foi motivado pelo cenário atual. “A internet trouxe mais proximidade e conectividade às pessoas durante a pandemia, por isso o projeto pode ser experimentado de casa”, conta Paulo.

Experimento afetivo e interativo

A experiência on-line do Entidade é afetiva: leva o ouvinte a descobrir histórias e se emocionar junto com quem as conta, despertando na pessoa sentimentos diversos, como saudade, alegria e até curiosidade ao ouvir as histórias. “É uma experiência muito sensível, então é importante ter um tempo para se dedicar e acompanhar o passo a passo do experimento para chegar até o final. Nele, colocamos muito afeto e cuidado para que as pessoas vivam a Parada LGBT como a gente viveu e construiu”, destaca Jaqueline.

Gilmara Cunha, diretora executiva do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, foi a primeira entrevistada do projeto. A ideia é que outras instituições, movimentos e eventos, como a Parada Gay da Maré, estejam conectados e sejam mais visibilizados dentro e fora do território, assim como as histórias dos próprios moradores. 

Sobre o futuro do projeto, Paulo Victor conta que pretende fazer uma cartografia da Maré a partir das histórias e dos experimentos. “É uma construção de narrativas. Ela nunca vai estar pronta”. Pensar de forma colaborativa fez o resgate de memórias ser transformado em intensa produção local. Não à toa, Entidade foi um dos ganhadores da Chamada Pública: Novas formas de fazer Arte, Cultura e Comunicação nas Favelas 2020, realizada pela Redes da Maré, em parceria com a People’s Palace Projects, Itaú Cultural e patrocínio do Banco Itaú.

Por que o nome Entidade? 

Para além da religiosidade, Entidade significa aquilo que constitui a existência de algo real; essência.

Entre em contato para contar a sua história!

Clique aqui ou envie mensagem no WhatsApp 21 96542-6216 para contar a sua história e também receber a primeira experiência afetiva do projeto, que mostra a potência da Parada LGBTQIA+ da Maré.

Facebook: @entidademare

Instagram: @entidademare

 Site: www.entidademare.com

Forma pioneira de distribuição de jornal completa um ano

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Iniciativa coletiva do Maré de Notícias com Espaço Normal permite que todos os moradores recebam o veículo de porta em porta

Daniele Moura

Desde a primeira edição do jornal Maré de Notícias até agosto do ano passado a distribuição dos 50 mil exemplares era feita em conjunto com as Associações de Moradores da Maré. Cada associação recebia um lote determinado de fardos do jornal e era responsável pela entrega nas casas dos moradores de cada uma das 16 favelas da Maré. A parceria deu certo, mas tinha algo em que era fundamental avançar: a interação entre a redação e os moradores. Os editores do veículo tinham pouco retorno da população sobre o conteúdo do jornal e o interesse dos leitores. Como encarar esse desafio?

Em maio de 2018 nasce, por meio da Redes da Maré, o primeiro espaço de referência no atendimento da população de rua e usuária de drogas em um território de favela. O objetivo do Espaço Normal, nome dado em homenagem a um usuário de crack morto em 2017, é pautar uma agenda positiva sobre práticas de redução de danos para pessoas que usam crack, álcool e outras drogas. Tudo isso a partir da convivência e da articulação de uma ampla rede de cuidado no território, estimulando a criação de vínculos, diálogos e narrativas alternativas para denunciar os efeitos da guerra às drogas. Um dos projetos do Espaço Normal é o Entre Bicos, uma forma de oferecer geração de renda com trabalhos pontuais e que ajuda a reinserção social da população de rua e usuários e ex-usuários de crack e outras drogas.

Um ano e três meses depois desta inauguração, surge a ideia da parceria com o Espaço Normal para a distribuição do jornal impresso. Ora, como não levar em conta o conhecimento desta população que viveu e vive na rua sobre o território? Afinal, existe objetivo maior de um jornal comunitário do que tornar pública as demandas da comunidade? Mas como saber em detalhes essas demandas? Só gastando sola de sapato para percorrer e dialogar com os 140 mil moradores das 16 favelas que compõem a Maré. E como fazer isso? Com eles! Assim, há um ano começou um modelo pioneiro de distribuição de jornal impresso. 

Com o Entre Bicos, 4 pessoas atendidas pelo Espaço Normal são contratadas durante seis dias no mês. Por dia, durante 5 horas, eles têm a função de percorrer ruas, becos e vielas – que por muitas vezes foram usadas como abrigo – para entregar o jornal. Mas eles não estão só.

Os distribuidores se misturam entre os quatro atendidos pelo Espaço Normal, e mais 8 moradores, incluindo jovens de um outro projeto da Redes da Maré chamado de CRIA, articulação de jovens das 16 favelas para a luta de direitos da juventude no território. O processo da distribuição começa com a leitura do jornal para que cada distribuidor saiba na ponta da língua o conteúdo que está entregando aos moradores. Editores e repórteres do jornal fazem parte da leitura das 16 páginas e discutem com os distribuidores o conteúdo ali retratado. Após a leitura, é hora de botar o pé na pista. Dois grupos são feitos e cada um deles tem uma coordenação. Cada grupo é dividido em trio ou em dupla e ali começa o grande diferencial deste trabalho. A cada casa entregue, o distribuidor, já identificado com camisa do Maré de Notícias, tenta conversar para apresentar o conteúdo do jornal. A cada 50 casas, um morador responde e o distribuidor anota, grava e até fotografa as demandas ouvidas.

Legenda: Foto da equipe em dezembro de 2019 para edição #108 do jornal, que pode ser lida neste link – Foto: Arthur Viana

Desde que esse processo começou há um ano, o jornal ganhou novo conteúdo, nova forma de abordar os problemas e ficou mais próximo de cada mareense. Muitas matérias – incluindo capas – foram sugeridas pelos moradores durante a distribuição. Isso sem contar com a força da inserção social desta população invisibilizada que, a partir desse processo, ganha casa, celular e respeito. Não foram poucos os casos de distribuidores que viviam na rua e que a partir do trabalho da distribuição, conseguiram dividir um aluguel, comprar um celular usado e voltar a ter mínimas condições de cidadania. 

Valdemir Cunha é catador de latinhas e fazendo esse trabalho não dorme mais na rua e se transformou em defensor do veículo, que hoje é a maior oferta de informação para os moradores da Maré. “Se eu vejo alguém pegando o jornal do vizinho para usar para embrulhar coisas e não ler vou logo falando que está errado, que não pode tirar a oportunidade do vizinho de saber das coisas da Maré. Hoje informação não tem preço”, diz o ex-morador de rua. Lucas Brandão, também atendido pelo Espaço Normal, é outro que critica, sugere e defende pautas e fotos do Maré de Notícias. “Essa foto do esgoto a céu aberto na capa ficou tão impactante porque mostra como o governo esquece das favelas”, diz o distribuidor, que faz parte desde o início da parceria.

Ao fim de cada distribuição, há outro encontro para que se possa reunir todas as demandas da população, e acertar alguns “ponteiros” do processo de distribuição. Um encontro de muitas vozes, muito acolhimento, aprendizado e força.

Devido à pandemia, a distribuição foi suspensa por cinco meses, o que causou muita preocupação. Mesmo sabendo que a suspensão aconteceu pela preservação da vida de moradores e distribuidores, havia uma tensão sobre como ficaria a questão alimentar e psicológica destas sensíveis pessoas. Com doações financeiras para a campanha Maré Diz Não ao Coronavírus, da Redes da Maré, quentinhas e cestas básicas foram entregues para os mais necessitados da equipe. Outras doações vieram diretamente para os distribuidores do Maré de Notícias, como o caso da Agência Lupa, que assegurou o pagamento do mês de março dos distribuidores.

No dia 08 de setembro foi retomada a distribuição do jornal impresso com os 12 distribuidores já conhecidos e mais dois novos membros. Não houve atraso ou falta e sobrou entusiasmo, como relata Lucas. “Ficamos quase seis meses parados e retomamos com a mesma vontade que na primeira edição que fizemos esse trabalho. Até os novos distribuidores que chegaram estavam enturmados. Formou uma corrente só”. Corrente que pode ser espalhada como modelo de redução de danos e de inserção social de uma população historicamente invisibilizada pela sociedade brasileira. Que venha a próxima edição!

O anormal novo normal

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A flexibilização não significa relaxamento nem o fim da pandemia

Por Hélio Euclides em 19/09/2020

Tem dias que acordamos e não estamos para conversa, tampouco para visitas. Mas sem esperar chega aquela pessoa inconveniente, que deixa a gente mais desanimado e não tem hora para ir embora. Quem “chutou” que o nome do chato é COVID-19, acertou em cheio. Este personagem, que assombra 2020, insiste em permanecer em nossas vidas, por isso é necessário não baixar a guarda e continuar com os cuidados de prevenção. Porém, ao andar pelas ruas da cidade e, principalmente na Maré, parece que tudo já voltou ao normal, mas o vírus é invisível e continua a se espalhar. 

O mês de agosto começou com um alerta. O Boletim do Observatório Fiocruz COVID-19, que analisou a primeira quinzena do mês, mostra que os casos diários de COVID-19 no estado do Rio de Janeiro inverteram a tendência e voltaram a subir 8,4% em relação ao mês de julho. Nos dias 20 e 21 de agosto, a média móvel apontou tendência de alta das mortes. No dia 20, foram registradas 128 mortes, o que elevou a média móvel de mortes diárias para 99 óbitos. Na comparação com o início do mês, houve um aumento de 35%. Para saber a média móvel, basta somar o número de novos casos ou mortes dos últimos 7 dias e dividir por 7. Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde, o estado tem no dia 24 de agosto quase 15,4 mil óbitos e mais de 211,3 mil casos confirmados.

O grande receio é a publicação de Decreto do governo do Rio de Janeiro, que traz normas para uma nova fase de reabertura da economia. Entre as medidas, está a liberação de funcionamento de cinemas e teatros em regiões onde o risco é considerado baixo há pelo menos duas semanas seguidas. A norma depende, no entanto, das prefeituras. O Decreto também prevê a volta às aulas presenciais.

Uma Maré sem máscaras

Por meio do Decreto nº 47.375, de 18 de abril, a Prefeitura tornou obrigatório o uso de máscara facial para quem sair às ruas e circular nos estabelecimentos abertos ao público ou nos meios de transportes públicos ou privados da cidade. Na Maré, os comércios fixaram cartazes sobre a necessidade do uso da máscara. Graça Nascimento, de 66 anos, moradora da Vila dos Pinheiros, enquadra-se no grupo de risco e vê o uso da máscara muito importante. “Sempre uso a máscara, é uma proteção, pois estou na 3ª idade e tenho diabetes”, conta. Para Luciene Brito, de 37 anos, moradora do Parque União, o acessório precisa virar parte do vestuário. “Usar máscara precisa virar um costume de vida. Eu me protejo e ao meu filho. Já vi casos de doenças e até morte no meu trabalho. O problema é que poucos usam máscara nas ruas”, diz.

“Esta doença não está de brincadeira. Todos da minha família se cuidam, fazem a higienização, sempre. Só saio para fazer as compras com máscara e quando chego lavo bem as frutas e legumes”, diz Romilda Santos, de 71 anos, moradora da Vila dos Pinheiros. Já Luana Ramos, de 30 anos, moradora do Parque União, além de proteção, integra a máscara ao seu estilo de vestir. “A máscara é um acessório, tem que combinar com a tiara e a roupa. Protejo-me ao máximo, pois tenho filho e idosos em casa. Estou fazendo a minha parte, pois o povo não está nem aí”, conclui.

Ficar em casa é a principal medida para reduzir a velocidade de transmissão do coronavírus. Mas, fora deste ambiente, alguns espaços podem representar maior ou menor risco de contágio da COVID-19. Para compras em supermercados, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda higienizar as alças dos carrinhos de compras ou cestas, antes do uso. Também lavar bem as mãos após chegar em casa e depois de manusear e armazenar os produtos adquiridos. Outra dica é higienizar as superfícies muitos tocadas, como maçanetas, teclados do computador e celulares.

Um vírus ainda presente

Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública no Programa de Computação Científica da Fiocruz, acredita que o vírus ainda está presente e que é fundamental manter o uso de máscara, a higienização e o distanciamento. Ele entende quem está frustrado com tanto tempo de distanciamento e que as autoridades têm um papel fundamental em dar condições e passar informações precisas para que a população entenda os riscos. “Do contrário, não podemos colocar a culpa em quem não está seguindo as recomendações. Só começou a diminuir os casos, porque a população fez a sua parte. Se a gente volta a se expor, retorna a subir”, diz.

Há várias semanas que o InfoGripe vem alertando que há sinais de que o novo coronavírus no estado não está mais em queda. “Infelizmente, parece que essa mensagem não tem sido levada em conta”, destaca o pesquisador Para ele, a proximidade pode facilitar a transmissão. “Locais pouco arejados e de grande circulação de pessoas, como ônibus e centros comerciais estreitos e pequenos mercados muito frequentados, são os mais preocupantes. Isso porque a baixa circulação de ar faz com que o vírus tenha mais facilidade de se transmitir. Já em locais abertos, como as feiras livres, o risco é menor, pois o ar circula mais fácil”, expõe.

O pesquisador percebe que há um desafio nos registros oficiais dos números de infectados e mortes. “A questão do endereço usado pelas pessoas das comunidades muitas vezes não consta nos registros dos correios ou do município, por isso não identifica que o caso é daquele local. Nisso, os dados extraoficiais podem ajudar muito”, diz. Ele também defende as ações comunitárias. “Nas comunidades, é valioso se montar uma espécie de vitrine virtual, onde os comerciantes podem divulgar os seus produtos. A partir daí, a pessoa faz o pedido e vai aos pequenos centros comerciais só para pegar as compras”, conta. Marcelo acredita que seria uma proteção para os clientes, comerciantes e a diminuição dos impactos econômicos.

Para Nathália Mendes, jornalista, nascida e criada no Vidigal, é preciso que haja ações do poder público nas favelas. “Lutamos pela Lei nº 6.760/20, que estabelece um programa municipal contra o coronavírus. A proposta é a contenção da doença e um auxílio aos moradores das favelas para diminuir os impactos financeiros. Não podemos ficar parados, é preciso lutar pela população mais vulnerável”, avalia.

É muito importante manter os cuidados na rua. Lembre-se sempre de:

– Lavar as mãos com água e sabão

– Usar máscaras

– Tentar manter o distanciamento de pelo menos 1,5 metros

– Evitar tocar olhos, nariz e a boca com as mãos sem lavá-las

– Higienizar as mãos com álcool em gel, frequentemente, ao sair

– Limpar e desinfetar objetos e superfícies que as pessoas tocam com muita frequência.

Os casos e óbitos nas favelas

Para coletar e divulgar dados sobre o alcance da COVID-19 nas favelas do Rio de Janeiro, devido à insuficiência de testes e de dados públicos adequados, na percepção das entidades envolvidas, foi criado o Painel Unificador COVID-19 nas Favelas do Rio de Janeiro. Trata-se de uma pesquisa cidadã, cujas fontes são uma rede confiável de mobilizadores, organizações e comunicadores de favela, além de dados públicos. A partir do Painel, é possível identificar a diferença entre os números registrados pela Prefeitura e pelas organizações locais.

Veja a comparação dos Painéis COVID-19 da Prefeitura e do Unifi cador
de Favelas (02 de setembro):

Ronda Coronavírus: Brasil é o país do G-20 com mais casos por milhão de pessoas

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Mesmo com queda de números de casos, cidade do Rio tem sobrecarga em leitos de UTI

No domingo (13) o Brasil tornou-se o país com a maior taxa de mortalidade entre as 20 maiores economias do mundo, o G-20, totalizando 613,46 mortes por milhão de habitantes, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). O cálculo da  taxa de mortalidade é feito com o número total de mortes por covid-19 dividido pelo número da população do país.

A OMS registrou no último domingo (13) um novo recorde no número de novos casos no mundo, com 308 mil infecções em 24h. A última marca foi no domingo anterior, com 307 mil novos casos. Também foi registrada pela OMS a morte de 5.500 pessoas de domingo para segunda-feira. O Brasil hoje tem o terceiro maior número de casos registrados, atrás apenas de Estados Unidos e Índia, totalizando 4.345.610 brasileiros infectados e 132.006 que morreram em decorrência da covid-19.

No estado do Rio, mesmo apresentando queda na média móvel do número de mortes por covid-19, a taxa de letalidade (número de mortes dividido pelo número de casos) permanece alta no estado, de acordo com o boletim Observatório Fiocruz Covid-19,  de 30 de agosto a 05 de setembro. Uma das razões é sobrecarga no sistema de saúde, por apresentar 82% de ocupação de leitos de UTI na capital, resultado que pode ser atribuído também à desativação dos hospitais de campanha. Até a segunda-feira (14) foram registrados 242.811 casos e 17.003 mortes confirmadas no estado pelo novo coronavírus.

Covid-19 na Maré

Moradores da Maré relataram que o final de semana foi de bastante movimento nas favelas, com a realização de bailes funks, feiras de rua e  muita gente andando sem máscara e não respeitado o distanciamento social. É preciso lembrar que apesar dos números terem diminuído, a pandemia ainda não acabou e é necessário manter os cuidados nas ruas. Desde o início da pandemia, a Maré registrou 1667 pessoas com coronavírus e 92 mortes. Na última semana, foram registrados pelo boletim De Olho no Corona! 20 novos casos ativos da doença no território.

Corrida pela vacina

Até a próxima quarta-feira (16) pode ser oficializada entre Instituto Butantan e Ministério da Saúde vacina que será disponibilizada para o Sistema Único de Saúde (SUS). A CoronaVac está sendo desenvolvida por laboratório chinês Sinovac Biotech em parceria com o instituto paulista.

Já a Fiocruz, no Rio de Janeiro, começa em outubro a fazer testagens em profissionais com a vacina BCG, de prevenção de tuberculose, para verificar a sua eficácia para covid-19. Segundo pesquisadores da Fiocruz, foram realizadas pesquisas na Austrália que comprovaram a eficácia do imunizante contra outras infecções respiratórias virais. Entretanto, ainda não se tem essa comprovação para a covid-19.

Retorno de espaço culturais

Como parte da fase 6A do plano de retomada da cidade, cinemas, teatros e anfiteatros do município retomam o seu funcionamento a partir do dia 14 de setembro, com metade da capacidade. Além disso, será proibida a venda de bebida e comida nesses espaços. Para o melhor funcionamento, os assentos serão numerados, respeitando o distanciamento e as medidas de higienização entre as sessões. 

Em matéria para o Maré de Notícias, produtores culturais contaram sobre o setor durante a pandemia e como os profissionais precisaram se adaptar criando conteúdos on-line para diminuir os impactos da pandemia, sem o apoio do Estado. Confira no texto de Flávia Veloso aqui

Ações da Prefeitura

Nesta segunda-feira (14), a prefeitura realizou ação de desinfecção diversas favelas da cidade, entre elas a Baixa do Sapateiro. Na ação, foram higienizados locais de grande circulação de pessoas, como vias principais, entorno de hospitais e unidades de saúdes, entre outros.

No final de semana, a prefeitura multou 14 estabelecimentos – 12 deles por aglomeração – e interditou outros sete por descumprimento das medidas do plano de retomada de atividades na cidade.

Nenê do Zap Para o desenvolvimento dos nenês, é importante reforçar a comunicação. É sempre bom aproveitar os momentos para conversar com os pequenos. Confira na dica de hoje.

A pandemia em Marcílio Dias

Localidade não tem números de coronavírus unificado como outras favelas

Hélio Euclides

A favela Marcílio Dias fica distante cerca de 2.300 metros da Praia de Ramos, separado por uma área militar. No Painel COVID-19 da Prefeitura, a localidade não é incluída nos dados da Maré. Marcílio Dias tem o seu número do coronavírus atrelado com Penha Circular, dia 14 de setembro contabilizava 496 casos confirmados e 60 mortes.

Não há um número exclusivo do território, a não ser o do Painel dos Invisíveis, mapeamento feito aqui, pelo Maré de Notícias. Mas comparado a outras favelas que fazem parte do conjunto das 16 favelas da Maré, o número é pequeno. A Nova Holanda, por exemplo, possui 234 casos, dos 991 casos suspeitos da Maré, enquanto Marcílio Dias relatou 11 casos. Alguns fatores ajudam a entender a situação, como a distância entre a localidade e os equipamentos da Redes da Maré, responsáveis pelo levantamento, assim como a região ser pouco populosa.

O Censo Populacional

Segundo o Censo da Maré de 2013, Marcílio Dias tem 6.342 moradores, distribuídos em 2.248 domicílios. A favela fica entre o Complexo da Marinha e o Mercado São Sebastião, com 0,18 km², sendo composta por uma avenida, 23 ruas, 23 travessas e 10 becos. Todos os moradores são atendidos pelo pequeno Centro Municipal de Saúde João Cândido, que não oferece atendimento odontológico. Com isso, moradores de Marcílio que precisam de dentista são encaminhados para a Clínica da Família Heitor dos Prazeres, em Brás de Pina.

A favela tem duas equipes de saúde, que estiveram completas no momento crítico da pandemia, tendo um desfalque no mês de julho, com a saída de um médico. Marcos Ornelas, coordenador geral de atenção primária da Área Programática 3.1, conta que o CMS João Cândido foi uma das unidades mais tranquilas na pandemia. Ele afirmou que está em fase de seleção de um novo médico e que não há espaço físico, na favela, para a construção de uma unidade maior.

Um vírus no território

O comerciante Luciano Aragão sentiu ausência de fome, cheiro e gosto de alimentos, entre maio e junho. Ele foi ao CMS João Cândido, que verificou pressão, temperatura e respiração, mas não teve a confirmação de COVID-19, pois não fez o teste. “Nos 30 dias, tomei sucos de inhame com laranja e beterraba, para aumentar a imunidade. Sinto que o mundo não voltou ao normal, além de a doença estar por aí, o dinheiro diminuiu”, avalia.

“Nos dois primeiros meses, o povo ficava em casa. Hoje, já abandonaram o uso da máscara na favela. Percebo medo, só no pessoal na faixa etária de 40 anos para cima. Alguns não querem nem usar as vans, o que prejudica os motoristas que já sentem a diminuição do número de passageiros”, comenta Margarete Nunes, moradora de Marcílio Dias. Ana Cunha, presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias, relata que o período de pandemia teve muitos doentes, mas que hoje ocorre um relaxamento da população. Ela garante que não ocorreu falta de água esse ano, o que não prejudicou a higienização das mãos.

Para Geraldo Oliveira, coordenador da Biblioteca Comunitária Nélida Piñon, a pior coisa que aconteceu com a pandemia foi ter de parar todas as atividades. “Foi muito triste ver as crianças sem um espaço para interagir. A população ficou órfã de um lugar de acolhida através da cultura, conhecimento e do saber”, conta. Este ano não serão realizados eventos tradicionais da Biblioteca, como Dia das Crianças e Natal, para evitar aglomerações.

Os números de suspeitos de COVID-19

O CMS João Cândido não realizou testagem, mas fez atendimentos de pacientes com sintomas de coronavírus. Vejam os números:

Síndrome gripal:

Abril – 146 casos

Maio – 74 casos

Junho – 22 casos

Julho – 15 casos

Agosto – 4 casos (até o dia 10)

Remoção devido à condição respiratória grave:

Julho – 1 caso

Agosto – 1 caso (até o dia 10)

Usuários monitorados por telefone:

Junho – 87 pacientes

Julho – 23 pacientes

Agosto – 12 pacientes (até o dia 10)