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Uma onda chamada Hip Hop

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Os elementos que formam a arte e a cultura negra se expressam no movimento musical

Hélio Euclides

Terra, água, ar, e fogo são elementos clássicos da natureza. No hip hop, os elementos básicos são o DJ, o MC, a dança e o grafite. Eles formam os quatro pilares que compõem esse estilo de cultura popular. Há 10 anos o Maré Skills vem dando continuidade à expansão do hip hop na Maré e fora dela. São jovens que trabalham a dança e arte nas ruas e em competições. 

Douglas Barreto, de 30 anos, morador da Nova Holanda, é o fundador do grupo de hip hop chamado Maré Skills, onde a palavra em inglês skills significa habilidades. Tudo começou quando em 2010, no evento Rios Black, realizado na Lona Cultural Municipal Elza Osborne, em Campo Grande. Nesse evento, o grupo ganhou todas as modalidades e levou o prêmio Fazendo a Diferença no hip hop. Na época, um amigo fez um vídeo da dança e na legenda identificou-os como Maré Skills, ou seja, um batismo na tela.

O grupo já levou a cultura da favela em diversos palcos, alguns fora do Estado, como em São Paulo, Belo Horizonte, Belém e Macapá. Mas eles gostam mesmo das terras da Maré. “Nosso objetivo é passar positividade, mas é uma música de protesto. A grande mídia só fala de operação policial, de que todos os moradores da favela são cúmplices da ilegalidade. Por que não divulgar o bom daqui?”, questiona Douglas.

O coletivo formado por 10 jovens lembra de um evento que foi um marco, o Ativa Breakers 2008, realizado no Bar do Zé, no Largo do Centenário, no Morro do Timbau, que reuniu vários membros de outros coletivos. Outra festa é a Roda de Rima, no Parque União. O Maré Hip Hop, evento que aconteceu em duas edições, 2007 e 2018. O grupo sonha em transformar o Maré Hip Hop em um acontecimento anual. 

Desde o início o grupo tem uniforme, o que ajuda ao chegar no evento, estufar e bater no peito que todos são da Maré. A capital paulista reúne os maiores eventos de hip hop e eles participaram do Atari Funkers. “Quando chegamos, eles não sabiam que o Rio tinha hip hop, que usava a referência musical do James Brown e Ed Motta”, comenta. 

Para Douglas, a música e o ritmo mudam com os anos, mas as pessoas continuam dançando. Para alguns, o estilo trap, que reverencia a ostentação, está em evidência no momento. “Entendo que o mais importante é compartilhar a música, trazer lembranças a favela e fazer pensar. Resgatar a história da Maré é uma volta ao tempo. Um exemplo é lembrar do Talk Sessão B Girls, um evento de hip hop exclusivo para as mulheres, uma ação de inclusão”, destaca.

Ele não fica parado, leciona dança na Coordenadoria de Artes e Oficinas de Criação (Coart), na UERJ. Além disso, criou uma marca de estampa, a marca Rebobinar. Uma das camisas do grupo traz a engenharia das casas da favela, as palafitas. “Não dá para viver da dança, só sobreviver. Mas precisamos resistir pois estamos na era da terapia. O mundo hoje é voltado para a ansiedade e depressão, está complicado e delicado esse momento. A favela precisa ter aula de cultura urbana. Isso pode ser libertador, ajudar o jovem a encontrar um rumo”, conclui.

Como começou esse estilo de vida

O Hip Hop começa em meados dos anos 1970, na Jamaica e com os afro-americanos da cidade de Nova Iorque, mais precisamente no sul do Bronx, com MCs. O diferencial era o acréscimo da rima à batida. 

Uma década depois, chega ao Brasil como uma febre chamada Break Dance. O filme de 1983, Flashdance, ajudou a expansão. Outro marco das telonas foi Beat Street, um longa-metragem muito importante para o movimento. O estilo chamava atenção com pessoas vestidas com roupas coloridas, óculos escuros, tênis de botinha, luvas, bonés e os boombox, os enormes rádios gravadores. Essa fórmula ajudava o jovem a mostrar os primeiros passos. 

São mais de 40 anos de uma cultura de autoestima do jovem negro, que vivia nas periferias da cidade e precisa encontrar sua identidade cultural dentro de uma sociedade de preconceitos. Após tantos anos o hip hop se reinventa, mas continua com seus raps formando a essência de denunciar as injustiças vividas pelos pobres das periferias das grandes cidades.

Na Maré, o movimento dá os primeiros passos no Parque Rubens Vaz, em 1996, era o palco dos grupos, o point do hip hop na quadra. Hoje apesar de não tocar tanto nas rádios, Douglas garante que o hip hop está forte, com o estilo passinho, que chama atenção da nova geração e o tradicional Underground.

A cidade de páginas abertas

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Clube de Leitura Lima Barreto organiza programação especial de verão, com visitas especiais e leituras ao ar livre

Iara Machado

Ler a cidade como quem lê um livro. Esta foi a proposta do Clube de Leitura Lima Barreto para os seus participantes durante a temporada de verão. Iniciativa conjugada da Biblioteca Lima Barreto e do Livro Labirinto – respectivamente equipamento e projeto mantidos pela Redes da Maré – o Clube oferece reuniões semanais, sempre quartas-feiras, às 15h30m, com 20 vagas gratuitas, para moradores da Maré que tenham a partir de 15 anos. Na programação regular, um livro é lido em voz alta pelos participantes ao longo do semestre.

Durante as férias, o Clube propôs uma programação especial e mais lúdica e relaxante, que conjugou as leituras de textos de autoras e autores negros de vários períodos – Machado de Assis, Conceição Evaristo, Grada Kilomba, Geovani Martins – com passeios literários pela cidade.

Com o apoio da Associação de Funcionários do BNDES, que viabilizou o aluguel de vans, o Clube fez duas grandes visitas especiais. Na primeira, a programação foi intensa: começou com uma visita à exposição “Rio dos navegantes”, no Museu de Arte do Rio, onde os integrantes do Clube participaram de uma conversa e uma vivência de escrita com a artista Rosana Palazyan, que tem uma obra, criada a partir das memórias de sua família de refugiados armênios, incluída na exposição. Depois desse primeiro evento, o percurso continuou no MAR, onde os jovens do Clube, que hoje têm entre 16 e 30 anos, enxergaram um pouco de suas realidades como moradores de favela na exposição “Pardo é papel”, do jovem artista Maxwell Alexandre.

Depois do museu, todos caminharam pela região portuária até a Casa Porto, outra apoiadora do Livro Labirinto, que ofereceu um almoço caprichado e completo. Uma leitura ao ar livre foi feita em torno da estátua da coreógrafa Mercedes Baptista, celebrando seu pioneirismo como artista negra que formou tantos outros artistas. O dia continuou na Cidade do Samba, onde o Clube foi recebido pelos carnavalescos de quatro grandes escolas do Rio de Janeiro, três do grupo Especial, todas vitoriosas no Desfile das Campeãs – Mangueira (Leandro Vieira), Mocidade Independente (Jack Vasconcelos) e a campeã de 2020, Viradouro (Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon) –  e a campeã da Série A, Imperatriz Leopoldinense (também com carnaval assinado por Vieira).

Mateus Benny, de 20 anos, um dos monitores do Clube de Leitura, diz que a ida à Cidade do Samba fez com que entendesse o carnaval como um discurso, que é planejado passo a passo: “Foi um dia muito especial, porque amo carnaval e nunca imaginei como eram feitos os carros alegóricos e nem como um enredo é pensado e construído. O encontro com os carnavalescos ativou todo o meu imaginário”, diz ele, que também é aluno do Curso Pré-Vestibular Rede de Saberes e quer cursar Pedagogia. Fernanda Medeiros, de 28 anos, foi outra que saiu transformada do encontro com cada carnavalesco do Grupo Especial: “Eles foram pessoas muito generosas, porque cada um ficou mais de uma hora conosco, um tempo em que eles poderiam estar gastando em terminar seus desfiles. Para mim foi o dia mais importante do ano até agora. Entendi o quão grandioso e importante é fazer um carnaval.”

“A ideia de visitar os barracões foi mostrar que um enredo de escola de samba é uma narrativa literária, uma história que está sendo contada. Uma escola desfila melhor quando tem o que dizer e estrutura melhor aquilo que vai narrar”, conta a curadora Daniela Name, do Livro Labirinto, que organiza o Clube ao lado da educadora Luciene de Andrade, coordenadora da Biblioteca Lima Barreto. “Na segunda visita o tema foi outro. Tentamos mostrar como cada biblioteca pode ser um universo, um verdadeiro labirinto”.

Neste outro passeio, o grupo foi ao Espaço Cultural BNDES, onde viu a exposição “Visão cotidianas do Brasil Moderno”; ao Real Gabinete Português de Leitura e à Biblioteca Nacional, terminando o dia na Galeria Aymoré, na Glória, onde teve um encontro com o escritor Marcelo Moutinho, que acaba de lançar o elogiado livro de contos “Rua de dentro” (Record). Na Biblioteca Nacional, a visita passou pelo setor de obras raras, onde os participantes viram manuscritos dos escritores Lima Barreto, patrono do Clube, e Carolina Maria de Jesus, além de documentos raros e volumes com iluminuras. 

“É muito importante para os jovens da Maré circularem pela cidade, entenderem que fazemos parte, que ela é nossa. No Real Gabinete, descobrimos que Machado de Assis escreveu seus livros ali. Já na Biblioteca Nacional soubemos que o jovem Drummond tinha uma cadeira cativa, a de número 4, que usava para criar seus poemas. É muito lindo imaginar essas pessoas como homens comuns, que tiveram na biblioteca um lugar para criar suas obras – diz Vitor Cordeiro, de 24 anos, que acaba de começar a  Faculdade de Letras da UFRJ e quer ser monitor do Livro Labirinto e do Clube de Leitura ao longo de 2020. – Mudei minha orientação profissional por causa do Clube e das palestras do Livro Labirinto no CPV. Ia fazer Direito e percebi que gostava mesmo era de literatura. Agora quero muito integrar a equipe do projeto para, ajudando os novos vestibulandos, retribuir um pouco do que recebi.

Saiba como participar do Clube da Leitura e se tornar um DOADOR do Livro Labirinto

O Clube de Leitura Lima Barreto tem um fluxo contínuo de Leituras, dividido em “ciclos”. O Ciclo de Verão se encerra em meados de março e, na segunda quinzena deste mês, inicia-se o Ciclo “A tropa”, em que o participantes lerão a peça “A tropa”, escrita pelo dramaturgo Gustavo Pinheiro e vencedora do prêmio CCBB para novos autores. Entre o meio de abril e início de maio se iniciará o Ciclo “1984”, com a leitura de “1984”, obra-prima do escritor George Orwell que foi escolhida como tema da redação da Uerj para o vestibular 2020-2021.

  Para participar do Clube, os interessados devem ter a partir de 15 anos, morar na Maré e se dirigir à Biblioteca Lima Barreto, em Nova Holanda, onde precisam realizar sua inscrição, fornecendo nome completo, email, endereço e telefone de contato (preferencialmente com WhatsApp). As reuniões são gratuitas e acontecem semanalmente, às quartas-feiras, das 15h30m às 18h, mediadas pela curadora e professora Daniela Name.  Além da leitura compartilhada e dos debates, são realizados exercício de interpretação de texto, narrativa oral e escrita, além de apresentação de programas especiais (visitas de autores, filmes, passeios).

O Clube de Leitura é uma iniciativa da Biblioteca Lima Barreto e do Livro Labirinto (LL), mantido pela Redes da Maré em parceria com a Caju Conteúdo e Projetos. Além do Clube, o LL produz e realiza um conjunto de palestras para apoiar o conteúdo de literatura do Curso Pré-Vestibular Maré de Saberes, especialmente voltado para os livros cobrados pelo vestibular da Uerj. Esta ação se complementa com a arrecadação dos títulos pedidos pela universidade em seu vestibular nas provas gerais, que este ano são três: “O triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, “Assim na terra como embaixo da terra”, de Ana Paula Maia, e “1984”, de George Orwell. Qualquer interessado em colaborar com as doações pode entregar volumes deste títulos, sejam eles usados ou novos, na Biblioteca Lima Barreto, em Nova Holanda, entre 12h e 21h.

Com caso confirmado e novas 132 suspeitas, Ministério da Saúde antecipa campanha de vacinação contra gripe

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O novo coronavírus já fez mais de 84.000 casos no mundo, mas seu índice de letalidade é baixo; Ministério da Saúde alerta que centenas de brasileiros podem estar infectados, e o contágio pode ser evitado com cuidados simples

Flávia Veloso

(atualizado em 28/02/2020)

Parecido com uma gripe, o novo coronavírus tem colocado o mundo em sinal de alerta por já ter infectado mais de 84 mil pessoas no mundo. Depois do primeiro caso brasileiro ser confirmado, o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta anunciou que a campanha de vacinação contra a gripe foi antecipada de abril para 23 de março. A vacina não combate o coronavírus, mas ajuda os profissionais da saúde a diagnosticar casos suspeitos, já que os sintomas são parecidos com os da gripe. Gestantes, mulheres que deram à luz recentemente, crianças de até seis anos de idade e idosos serão os grupos prioritários da campanha. Possivelmente pessoas na área de segurança e população carcerária também serão privilegiados, para que se evite a circulação do vírus.

A doença se manifesta como se fosse um simples resfriado, podendo evoluir para infecções respiratórias, como pneumonias. Idosos que possuem outras doenças – como cardiopatias, diabetes e hipertensão – devem controlá-las corretamente, pois podem se agravar quando o coronavírus se instala no organismo. Além disso, a mortalidade do coronavírus vai aumentando conforme a faixa etária: quanto mais idoso, mais chance de ser fatal, chegando a um índice de 15% em pessoas de 80 anos ou mais. Isso porque, conforme a idade avança, mais frágil está o sistema imunológico, que protege e combate as infecções. 

Os tipos de coronavírus

Caracterizado por sintomas semelhantes ao da gripe (dificuldade para respirar, tosse seca, febre, cansaço, dores, congestão e corrimento nasal, dor de garganta e diarreia), existem cinco tipos de coronavírus conhecidos até o momento. Dois deles, alpha e beta, são muito comuns, podendo infectar humanos ao longo da vida, principalmente crianças.

O terceiro tipo, SARS-CoV – causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave -, foi descoberto em 2002, quando casos de infecção começaram a ser identificados na China, logo se espalhando pela Ásia, América do Norte, América do Sul e Europa. A epidemia teve fim em 2003, e foi identificado que cerca de 9% das mais de 8.000 pessoas infectadas morreram. O quarto tipo, MERS-CoV – responsável pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio -, instalou-se no Oriente Médio, Europa e África em 2012, com cerca de 2.400 casos registrados e mais de 34% de infectados mortos.

O mais recente e quinto tipo, SARS-CoV-2, cujos primeiros casos da doença foram identificados na China em dezembro de 2019, possui um índice de letalidade de pouco mais de 3%, uma porcentagem muito inferior comparada às duas anteriores, apesar do alto número de infectados.

Também conhecido como COVID-19, o coronavírus já se espalhou por países da Ásia, Europa, África, América e Oceania. Das cerca de 2.800 mortes em decorrência do coronavírus, a maioria foi em Hubei, província chinesa, ultrapassando 2.600 óbitos, seguido do país Irã, com 34. Houve ainda mortes registradas em outras partes da China, Hong Kong, Itália, Coreia do Sul, Japão, França, Filipinas e Taiwan.

O número de mortes por homicídios no Brasil em 2019 supera facilmente as mortes pelo COVID-19 na China e no mundo. No ano passado, foram registrados mais de 41 mil assassinatos. A letalidade causada por agentes do Estado na Região Metrolitana do Rio também ultrapassa os índices do coronavírus, atingindo os 35%: 1.643 do total de 4.694 homicídios.

Casos brasileiros e orientações

De acordo com a última atualização do Ministério da Saúde, 132 brasileiros podem estar infectados com o novo coronavírus e outras 213 notificações serão analisadas. Até o momento, somente um caso foi confirmado, o de um homem de 61 anos que mora em São Paulo e chegou de viagem à Itália recentemente. Das 132 suspeitas, nove encontram-se no estado do Rio de Janeiro.

Apesar das atualizações diárias dos meios de comunicação, fake news estão sendo espalhadas em chats de WhatsApp, contrariando recomendações oficiais e confiáveis e desinformando a população. O Ministério dispõe de uma plataforma on-line que contém diversas informações sobre o vírus e sua evolução no país, formas de transmissão, sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção. A página também leva a um link de alertas contra fake news, com várias notas de esclarecimento a notícias falsas que já foram compartilhadas na internet.

Acompanhe as atualizações sobre os casos de coronavírus no mundo.

COMO SE PREVENIR:

  • Lavar as mãos frequentemente por 20 segundos com água e sabão. Lavar entre os dedos, o dorso e o punho e não se esquecer de usar papel ao fechar a torneira para que a mão limpa não seja contaminada. 
  • Evitar tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas; 
  • Cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar com um lenço de papel e jogar no lixo ou cobrindo o rosto com a área interna entre o braço e o antebraço;
  • Evitar contato próximo com pessoas doentes e não compartilhar talheres e copos com a pessoa contaminada;
  • Não sair de casa quando estiver resfriado;
  • Limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência;
  • E não entrar em pânico.

Lista de selecionadas para os cursos Maré de Belezas e Maré de Sabores

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INÍCIO DAS AULAS

Maré de Belezas: 5/3

  • Aula inaugural da turma da manhã: 9h
  • Aula inaugural da turma da tarde: 13h

Maré de Sabores – 6/3

  • Aula inaugural da turma da tarde: 13h
  • Aula inaugural da turma da noite: 15h

Endereço das aulas: Rua da Paz, 44 – Parque União – Casa das Mulheres da Maré.

Vitor Santiago e seus cinco anos de luta nada imaginária

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Julgamento do militar que deixou Vitor paraplégico será dia 18/02

Texto e foto: Thathiana Gurgel

“Acordo e durmo pensando no que aconteceu naquele dia, pensando que eu tô vivo hoje e que em fevereiro poderiam ser cinco anos de luto, ao invés de cinco anos de luta.” Vitor Santiago Borges teve sua vida transformada pelo Estado brasileiro quando estava com 29 anos, no conjunto de favelas Maré, zona norte do Rio, onde nasceu e cresceu. Cinco anos depois da noite do crime, o soldado do Exército que atirou contra Vitor deixando-o paraplégico e com uma perna amputada será julgado no dia 18 de fevereiro pela Justiça Militar. A esperança é de que o soldado seja responsabilizado pelo crime que cometeu e que o caso sirva de exemplo para que não se repita. 

Aos 34 anos, Vitor afirma que o que aconteceu não foi um acidente e que, para ele, o crime se enquadra em tentativa de homicídio: “Eu não estava na hora errada e no lugar errado. Simplesmente abriram fogo contra o carro e é um absurdo uma pessoa dessa ficar livre enquanto eu tô preso nas minhas limitações pro resto da vida.” Ele contou que suas esperanças na Justiça para que o soldado pague pelo que cometeu são pequenas, pois, no julgamento militar o Ministério Público Militar (MPM) julga o militar, prevalecendo o corporativismo e a atuação em defesa de seus benefícios próprios.  

Inicialmente, o MPM denunciou o soldado por lesão corporal gravíssima contra Vitor e lesão corporal leve contra seus amigos que estavam no carro, mas depois sugeriu suavizar a  pena por conta das supostas condições perigosas em que se encontrava a tropa do Exército. O promotor militar alegou que o soldado agiu em “legítima defesa imaginária” e que ele deveria ser absolvido da acusação de lesão corporal gravíssima. O conceito faz parte das propostas de lei enviadas pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso com o objetivo de aumentar as circunstâncias em que militares podem matar sem serem punidos, mesmo nos casos que tramitam na justiça comum. 

No caso de Vitor, o soldado agiu amparado na chamada excludente de ilicitude, que não configura crime uma ação, mesmo que fatal. Mesmo sem ter sido aprovado no Congresso ainda, o projeto já é colocado em prática: desde 2010, nenhum militar foi condenado por morte ou lesão em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). Desde o final de 2017, os membros das Forças Armadas que cometeram crimes passaram a ser julgados pela Justiça Militar.

Vitor conta que não sabe o que é legítima defesa imaginária, mas que após a noite do crime, nada do que aconteceu em sua vida é imaginário: “Eu vivo na carne, eu vivo na pele tudo o que aconteceu naquele dia, naquele 12 de fevereiro de 2015. Se esse cabo for absolvido, os casos daqui pra frente podem até piorar. Isso dá brecha pra militar entrar aqui, polícia entrar aqui e fazer o que quiser, a hora que quiser e se esconder atrás da lei”. 

“Eu tenho muita vontade de encontrar um cara desses grandes e mostrar “olha como é que eu tô, olha o que aconteceu comigo. É justo? É certo essa política de segurança que você tenta implantar? Principalmente o seu Witzel. É certo entrar com o pé na porta e atirar?  No final das contas eu fui alvejado e tive a vida modificada completamente por quem deveria ter trago segurança pra cá pra dentro, por quem um dia eu confiei, mas parece que segurança pública e inteligência não sabem na mesma frase…”, declarou Vitor. 

Relembre o caso

Na noite do dia 12 de fevereiro de 2015, Vitor tinha acabado de assistir ao jogo do Flamengo na Vila do João com mais quatro amigos e estava voltando para casa, de carro, na Vila do Pinheiro, também no Complexo da Maré, quando seu carro foi alvejado por seis tiros de fuzil pelo Exército. Aos 29 anos, ele foi atingido por dois tiros: um pegou na coluna, deixando-o paraplégico, e o outro atingiu a perna direita e saiu na esquerda, resultando em sua amputação e mais: 98 dias internado no hospital, 10 dias em coma, internações em CTis, fisioterapia respiratória, motora, hemodiálise, transfusão de sangue e cirurgia no pulmão.

O carro de Vitor foi fuzilado durante a ocupação das forças armadas na Maré em 2015. As tropas ocuparam o conjunto de favelas de abril de 2014 a junho de 2015. Por dia, foram gastos 1,2 milhão de reais, totalizando quase R$600 milhões em 15 meses. Segundo pesquisa da Redes da Maré sobre o período de ocupação do Exército, a sensação de insegurança continuou para 69,2% dos moradores entrevistados. 

No caso de Vitor, os militares alegam, no caso de Vitor, que seu carro não parou e não obedeceu aos sinais de alerta dos militares. O motorista, amigo de Vitor, foi denunciado por desobediência. Até hoje, Vitor segue aguardando a sentença sobre sua ação indenizatória e sua defesa pede à União: casa e carro adaptados, compensação por danos morais e estéticos e a continuidade da pensão por invalidez e do fornecimento de materiais médicos, que ele já recebe em tutela de emergência. 

Foi neste período que Vitor conheceu a Redes da Maré, através do projeto Maré de Direitos, que presta acolhimento sociojurídico para os moradores vítimas de violações de direitos e busca encaminhar e acompanhar essa pessoas no acesso à Justiça e outros direitos. No caso de Vitor, a Redes acompanha o caso desde o início dando suporte, acolhimento sociojurídico e articulando com a rede de saúde para que seu um processo de reabilitação seja feito.

Carnaval da resistência

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Entre crise financeira e polêmicas, o Carnaval carioca sobrevive nas ruas do Rio de Janeiro

Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020

Hélio Euclides

Nos últimos tempos, o que menos visitou a mesa dos brasileiros foi a carne. O motivo: preço elevado. Nem por isso a festa da carne, ou melhor, o Carnaval vai deixar de ser a maior festa do carioca, apesar de todos os problemas que a cidade enfrenta nas áreas de saúde, educação, abastecimento hídrico e Segurança Pública. No Carnaval não é muito diferente. Desde o ano passado, o auxílio destinado às Escolas de Samba vindo da Prefeitura virou uma enorme polêmica. Agremiações reclamam que, além disso, ainda tem a crise financeira do País. Dessa forma, precisam usar a criatividade. Ou seja, como tudo no Brasil, o Carnaval também vai ser difícil. O importante é recordar Nelson Sargento, que dizia: “O samba agoniza, mas não morre”.

O Carnaval é uma festa que mexe com a economia brasileira. O Rio de Janeiro se enche de turistas e engrandece o mercado formal e informal. Aydano Motta, jornalista e especialista no tema, defende que mais do que a importância econômica, o Carnaval é a identidade da cidade, de um lugar que foi o maior destino dos escravizados. Para ele, o Carnaval é o alicerce do Rio de Janeiro, por isso não se pode pensar como gestão de governo e, sim, como política de Estado. Para Aydano, o Carnaval merece prioridade, junto com a educação, a saúde e o meio ambiente, por fazer parte da cultura de um povo.

“O Carnaval é algo que a elite não gosta e nem os neopentecostais. A elite carioca sonha em morar numa Europa e eliminar o que o pobre gosta. Digo que as igrejas não são inimigas do carnaval, isso fica claro com o desfile da Grande Rio, onde pastores vão desfilar”, afirma. O jornalista acrescenta que não podemos esquecer que a festa é, em parte, também uma herança africana. “Essa sociedade critica o Carnaval dizendo que ele é do mal, um preconceito, por ter ligação com religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda”, comenta.

Sobre a crise no Carnaval, ele acredita que a festa ainda vai sofrer em 2021, mas vai sobreviver. “Não vamos ouvir do prefeito que ele não gosta de Carnaval, mas asfixiou o evento, tirando o dinheiro das Escolas de Samba”, acrescenta. Aydano vê uma cidade desenhada para se divertir, e que os blocos de rua são um fenômeno no qual todos brincam juntos. Que esse movimento precisa crescer, já que há três anos, São Paulo tem mais blocos que o Rio.

Por uma Maré de folia

Para Aydano, a Maré precisa de mais Escolas de Samba e Blocos. Precisa mostrar que está ganhando a briga na cultura, de que a favela tem a vocação da alegria e da diversão. “Acho que precisa acabar com esse vexame, de um conjunto de favelas tão grande só ter duas Escolas de Samba, sendo que o Gato (de Bonsucesso) está enrolando a bandeira. Não podemos deixar o samba morrer, Carnaval de rua é diversidade e algo democrático”, conclui.

Para os moradores mais antigos, a empolgação era garantida com os dois Blocos. O Corações Unidos fazia a população do Morro do Timbau e Baixa do Sapateiro balançar. Enquanto o Mataram Meu Gato, que além do tamborim feito com a pele do felino, agitava a Nova Holanda. O primeiro foi extinto e o segundo deu lugar à Escola de Samba Gato de Bonsucesso. Em 2018, o Gato ficou em penúltimo lugar no Grupo E e, pela regra, ficará dois anos suspenso. Como solução, foi criada a Acadêmicos da Maré, que até hoje não desfilou. No site Galeria do Samba, as duas agremiações aparecem como inativas ou extintas.

A outra agremiação da Maré é o Siri de Ramos que, junto com oito Escolas de Samba da Série B, criou a Liga Independente das Verdadeiras Raízes das Escolas de Samba (Livres). Insatisfeitas com a atual gestão da Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil (Liesb), as agremiações criaram a nova aliança. Mateus Medeiros, carnavalesco do Siri, foge da polêmica. “O Siri vai com 600 componentes para a avenida, divididos em 16 alas. O enredo ‘Ganga Zumba, a dinastia de um guerreiro’ é especial. Uma temática africana, nasceu de uma pesquisa profunda sobre essa pessoa importante para a nossa História. A Escola vai surpreender pelo colorido”, revela.

O Bloco Gargalo da Vila promete superar a crise e desfilar pelas ruas da Vila do João. “Estou confiante que vamos conseguir patrocinadores. O nosso diferencial é que temos 18 anos e nunca tivemos uma briga. Realizamos um carnaval de lazer e paz”, lembra Marco Antonio, conhecido como Marquinho Gargalo, fundador do Bloco. Para o Se Benze Que Dá, Bloco que desfila em dois sábados, um antes e outro depois do Carnaval, é um ano marcante. O grupo completa 15 anos de enredos críticos e que lutam pela dignidade da Maré.

Confira as datas dos eventos carnavalescos na página das Dicas Culturais.

Uma festa profana introduzida na religiosa

Acredita-se que as primeiras festas que deram origem ao Carnaval são de 4.000 anos antes de Cristo, com festas agrárias. Posteriormente, a festa era em homenagem ao deus grego do vinho. Folias etílicas eram realizadas em homenagem a Baco e Saturnália. Mais tarde, os romanos católicos definiram o tom para as celebrações, com uma festa antecedendo a Quarta-Feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma no calendário cristão.

Os primeiros carnavais na Europa eram, geralmente, bailes de máscaras com fantasias. O Carnaval do Brasil teve influência do Entrudo, um festival português de grandes bonecos, e também inspirações do Carnaval de Veneza, com seus pierrôs, colombinas e máscaras típicas. A festa chegou oficialmente no Brasil no século XVII.

Já o primeiro baile de Carnaval do Rio foi em 1840, com os participantes dançando polca e valsa, e o samba introduzido nos anos 1920. Alguns anos depois, além do samba, surgiram os cordões e marchinhas, que deram origem aos Blocos e Escolas de Samba.  Esse termo, “Escola de Samba” foi criado por Ismael Silva, porque os sambistas eram denominados professores, pelo prestígio que possuíam. A “Deixa Falar” foi a primeira Escola de Samba, surgida em 1928.

Luiz Antônio Simas, escritor e historiador, destaca um ponto marcante: descendentes de africanos inventaram as Escolas de Samba. “Elas se originam no Rio de Janeiro pelas comunidades negras, que adaptaram ao mundo do samba algumas características dos ranchos carnavalescos. Só na década de 1960 é que as Escolas de Samba vão deixando de ser predominantemente afrodescendentes. O Carnaval não ficou embranquecido, a força das comunidades negras continua marcante, isso fica claro na bateria, na ala das baianas e em toques de baterias que são inspirados em toques de orixás”, explica.

1984 foi o ano de construção da Marquês de Sapucaí, a Passarela do Samba. Projetada por Oscar Niemeyer, a construção foi batizada de Sambódromo e tornou-se palco dos desfiles. As colunas das arquibancadas são vazadas com uma lágrima, que remete ao pierrô, que chora pelo amor da colombina.

Você Sabia?

O termo Carnaval é derivado de “Carne Vale”, que significa “Adeus à carne”. O propósito da festa é ter uma última semana de festas antes da abstinência de 40 dias. Os dias do Carnaval mudam todos os anos de acordo com a data da Páscoa, que é determinada pela lua, fórmula feita pelo Conselho de Nicéa, em 325 antes de Cristo.

Desde 2017, a subvenção, verba da Prefeitura dada às Escolas de Samba do Grupo Especial, vem diminuindo, até ser cortada para o Carnaval de 2020, como anunciado em agosto de 2019. As agremiações dos Grupos B, C, D e E, que desfilam na Avenida Intendente Magalhães, e as escolas mirins, que desfilam no Sambódromo na terça de Carnaval, seguem recebendo o subsídio.