Especialistas da UERJ e UFRJ alertam para uso de água contaminada e recomendam a substituição por água mineral na cidade do Rio.
Andressa Cabral Botelho
Com a chegada do verão, as piscinas e os chuveiros nas ruas da Maré se tornam uma alternativa para aliviar o calor. Entretanto, as pessoas devem ficar atentas pois na última semana moradores da cidade do Rio de Janeiro perceberam alterações na cor, cheiro e gosto da água. Há também alguns relatos de gastroenterite, diarreia e vômito em UPAs da Zona Oeste, supostamente causados pela contaminação da água.
Mesmo com a Cedae afirmando que a água estava liberada para consumo, a empresa confirmou que uma substância orgânica chamada Geosmina está alterando a água. A substância é produzida por algas e o fenômeno se dá de forma natural devido a mudanças de temperatura e luminosidade nas fontes de água. Esta é a segunda vez que esse fenômeno acontece no Rio de Janeiro, mas já aconteceu em municípios de São Paulo, Paraíba e Rio Grande do Sul.
Segundo nota emitida dia 09 de janeiro, a empresa está monitorando o sistema de abastecimento desde o dia 07, início das reclamações, e destacou que as amostras analisadas na Estação de Tratamento do Guandu “não apresentaram alteração quanto ao cheiro e ao gosto. Ao longo do sistema, porém, a água ainda pode apresentar gosto e cheiro alterados em alguns locais”. Como alternativa, seria colocado carvão ativado pulverizado para reter as algas.
Água mineral como alternativa
Especialistas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) alertam para uso de água e recomendam que nessas regiões em que se percebeu o aspecto diferente, que se evite o seu consumo e a substitua por água mineral. Segundo Gandhi Giordano, professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Faculdade de Engenharia da UERJ, o consumo da água contaminada pode ocasionar de gastroenterite e até doenças de pele.
No final de semana, foi emitida nota no site do Instituto Microbiologia da UFRJ dando algumas recomendações sobre o consumo da água. São elas:
a) Transparente e com leve cheiro de terra: Utilizar normalmente.
b) Transparente e com forte odor de terra: Utilizar água mineral
c) Qualquer turbidez: Utilizar água mineral.
d) Coloração alterada: Utilizar água mineral e limpeza do reservatório.
e) Cheiro atípico (enxofre, produtos químicos, etc.): Utilizar água mineral e limpeza do reservatório.
f) Cheiro de cloro: Utilizar normalmente.
No fim do dia 13 de janeiro, a nota foi removida do site do instituto mas por precaução, o indicado é seguir as recomendações.
Diante desta realidade, muita gente optou por consumir água mineral, e em alguns mercados da Zona Norte da cidade do Rio, garrafas e galões tornaram-se artigos de luxo: caros e escassos. O Procon recomenda que os consumidores que tiveram que comprar água devido à má qualidade da mesma, que guardem as notas fiscais e entrem em contato com o órgão para tentar recuperar o dinheiro.
Invasão domiciliar, agressão verbal, quebra de pertences e direito à Saúde suspensos em mais uma ação policial na Maré
Por volta das 4h50 desta segunda (6 de janeiro, Dia de Reis), moradores relataram tiroteio e presença de “caveirões” e carros do CHOQUE nas favelas Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiros, Vila do João, Vila dos Pinheiros, Salsa & Merengue, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau e Nova Holanda.
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar confirmou que o Comando de Operações Especiais (COE), equipes do Batalhão de Ações com Cães (BAC), do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) e do Grupamento Aeromóvel (GAM) estão atuando na região.
De acordo com a Assessoria de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde, as unidades Clínica da Família Adib Jatene, Clínica da Família Augusto Boal e Centro Municipal de Saúde Vila do João ficaram fechadas
A operação segundo os moradores
Além das demais localidades atingidas, moradores também presenciaram um “caveirão” circulando pela Rua Principal, na Nova Holanda, por volta das 10h.
Por meio do plantão do Maré de Direitos, houve relatos de invasão a casas, danos a patrimônios e agressão a moradores na Rua do Serviço (Baixa do Sapateiro). Agentes de segurança jogaram spray de pimenta a esmo pela rua, que estava com intensa circulação de pessoas, e rebocaram e atearam fogo a carros e motos. Os próprios moradores tiveram que apagar pequenos incêndios em veículos.
Uma jovem alegou que policiais invadiram sua casa, reviraram seus pertences e exigiram que ela tirasse toda a roupa. Segundo ela, os agentes tentaram agarrá-la a força.
Operação segue
Até o momento, não há balanço da operação, e a Assessoria informou que os agentes de segurança permanecem na Vila do João, Baixa do Sapateiro, Conjunto Esperança e Morro do Timbau.
Os direitos das crianças são direitos humanos
reconhecidos nos marcos do século XX em normativas internacionais e nacionais,
incluindo as crianças como sujeitos de direitos desde os primeiros anos de
vida. A Convenção Internacional dos Direitos das Crianças de 1989 e, no Brasil,
a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA) preconizam os direitos de todas as crianças, sem discriminação,
respeitando a diversidade de infâncias. Entretanto, atenção específica voltada
às crianças pequenas de fato vem ocorrendo nos últimos anos, dando-se destaque
à importância dos primeiros anos de vida (0 a 6 anos), nas pesquisas
acadêmicas, nas diversas mídias, nas políticas públicas e no campo dos direitos
desta parcela da população. A última década foi importante, com o impulso dado
pela Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI) e, no ano de 2016, foi
promulgada a Lei 13.257 – Marco Legal da Primeira Infância. Essa Lei estabelece princípios e diretrizes para a
implementação de políticas públicas voltadas às crianças desde a gestação até
os 6 anos de idade, evidenciando os primeiros anos de vida para o
desenvolvimento infantil e o desenvolvimento do ser humano.
O Brasil apresenta significativos avanços em
relação aos direitos da infância, embora viva-se, no presente, processos de
desmonte no que tange aos direitos humanos. Estudos sobre a infância brasileira
revelam que há situações de disparidades e violações de direitos das crianças
que interferem no seu desenvolvimento pleno e saudável. No caso das crianças na
Primeira Infância, circunstâncias desfavoráveis as silenciam e suas demandas e
até mesmo sua existência, ficam invisibilizadas. É o caso daquelas que crescem
em contextos que as vulnerabilizam, seja em áreas de favela, periferias urbanas
ou em zonas rurais. Pesquisas realizadas pela equipe do CIESPI/PUC-Rio vêm
apontando a inexistência de espaços seguros, onde possam brincar livremente.[1]
Vejamos, por exemplo, o caso das favelas
brasileiras. Nelas, as crianças ocupam as casas, travessas, becos e vielas com
suas brincadeiras e vivacidade. Estas localidades, porém, não constam nos mapas
oficiais, tampouco nos indicadores estatísticos e orçamentos públicos. As ações
a seu favor são descontinuadas, sua priorização é menosprezada e há prejuízos
na execução das políticas públicas a elas destinadas. As condições de vida
desiguais violam os direitos humanos das crianças que vivem em contextos de
favela desde o início da vida.
Sabemos que as populações faveladas criam
estratégias diante dos desafios diários e as crianças vivem, participam e
crescem compartilhando essas lutas e resistências. Pesquisas acadêmicas sobre a
escuta de crianças vivendo em contextos de favelas ainda são escassas. Uma
pesquisa recente sobre o assunto aponta para a relevância de ouvir a criança,
como forma de garantir seu direito de ser escutada e de participar, e conclui
que as crianças podem oferecer importantes pistas ao nosso aprendizado, compromisso e responsabilidade como
adultos diante das infâncias e seus direitos (Borges, 2019).[2]
O Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre
a Infância em convênio com a PUC-Rio (CIESPI/PUC-Rio), na pesquisa Espaços Seguros para Crianças na Primeira
Infância, revela a precária situação das crianças na Primeira Infância, que
vivem em contextos de favelas. Dados censitários da pesquisa realizada na
Rocinha descrevem locais onde as crianças podem brincar e aprender fora de sua
própria casa. Os resultados aplicam-se a outras localidades similares, como a
Maré, onde espaços seguros são insuficientes para que as crianças pequenas
tenham tranquilidade para brincar. Constatou-se que as instituições locais são espaços cruciais para o suporte e
atendimento às crianças em seu cotidiano, porém, grande parte enfrenta sérios
problemas de sustentabilidade e manutenção da qualidade dos serviços oferecidos
e serve apenas a uma fração das crianças e suas famílias.
As pesquisas resultaram em algumas recomendações:
melhorar e multiplicar os espaços institucionais às crianças na Primeira
Infância; reduzir a exposição das crianças à violência armada; melhorar a
estabilidade financeira das instituições; ordenar o trânsito, criar e manter
espaços de lazer, bem como ampliar e aprimorar as ações de apoio às famílias. O
Plano Municipal pela Primeira Infância do Rio de Janeiro (PMPI-RJ, 2013),
deliberado pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
(CMDCA-Rio), apresenta estratégias para a priorização de políticas, entre elas,
aquelas destinadas à promoção de espaços seguros para as crianças.
No âmbito das políticas públicas, é preciso garantir orçamento e espaços de escuta, assim como fortalecer as perspectivas intersetoriais no trato com as causas infantis, a despeito do atual cenário, em tempos de retração de direitos. Isso implica também contar com a mobilização de moradores e sua articulação com a gestão municipal (Segurança Pública, Transportes, Esporte e Lazer, Cultura, Educação, Assistência e Saúde, entre outras). Uma coisa é certa: quanto mais as crianças permanecerem silenciadas e invisíveis, maior a persistência das discriminações e violações de seus direitos.
[1]
Publicações, como os Cadernos de Pesquisa e Políticas Públicas do
CIESPI/PUC-Rio, apresentam resultados sobre o assunto (disponíveis em
www.ciespi.org.br).
[2]
Borges, Eliane G. Escuta de crianças na Primeira Infância em contextos de
favela: aproximações e distanciamentos entre saberes e direitos das crianças na
Rocinha (Rio de Janeiro). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da PUC-Rio, 2019.
Na terceira série de reportagens sobre a Primeira Infância, o Maré de Notícias traz a questão de espaços seguros para crianças até os 6 anos de idade: por que é tão importante que os pequenos cresçam em lugares, internos e externos, seguros?
Maré de Notícias #108 – janeiro de 2020
Flávia Veloso
O
ambiente no qual uma criança vive e aqueles que ela frequenta influenciam
diretamente sua qualidade de vida em diferentes aspectos. Não é à toa que
saúde, educação, moradia, saneamento e lazer são direitos de toda a população,
sobretudo a infantil. Ter acesso a estes e a outros direitos garante
desenvolvimento digno à criança, até mesmo de suas estruturas cerebrais.
O
período que corresponde à Primeira Infância – até 6 anos de idade – é a fase em
que as estruturas neurais estão em formação e o indivíduo detém uma grande
capacidade de absorver informações. Desta maneira, a criança precisa receber
estímulos positivos, pois essa período será a base para toda a sua vida.
O que são espaços seguros?
O Marco
Legal da Primeira Infância é uma Lei federal que aborda, dentre outros pontos,
a necessidade de se proporcionar, aos pequenos, espaços de brincadeiras,
aprendizados, bem-estar, estímulo à criatividade e ao convívio com outras
crianças em espaços públicos e privados, assim como ambientes livres e seguros
nas proximidades de onde moram. Lugares que possuem estes elementos são
chamados “espaços seguros” para a Primeira Infância.
As crianças estão seguras na favela?
As
favelas da cidade, e a Maré não foge disto, não dispõem de espaços preparados para
acolher adequadamente sua população infantil. A escassez de bibliotecas e
brinquedotecas vai na contramão de atender às demandas das crianças por estes
tipos de espaços, que estimulem aprendizado formal, imaginação, criação e
divertimento.
Fernanda Oliveira Ribeiro de Medeiros é moradora da Nova Holanda e frequenta o Clube de Leitura
da Biblioteca Lima Barreto, uma das únicas três de todos os 16 territórios que
compõem a Maré. Durante a atividade, deixa as filhas Alice e Sophia, de 5 e 19
anos, na sala infantil da Biblioteca Maria Clara Machado. Fernanda conta que,
depois que as meninas passaram a frequentar o local, suas vidas mudaram: “As
brincadeiras e atividades de leitura e artes da biblioteca deram a elas outra
visão de mundo. Estão melhores na escola e mais falantes.”
As
áreas externas da Maré também não passam segurança. Ao invés de proporcionar os
benefícios das atividades ao ar livre, em ruas, praças e playgrounds, a intensa circulação de veículos criam um ambiente
externo inseguro para lazer e circulação. Outra questão das áreas externas da
Maré é a exposição das crianças ao cenário da violência causada por grupos
civis armados e conflitos bélicos constantes que envolvem agentes do Estado.
Somente em 2019, cinco crianças foram mortas por arma de fogo, quatro delas em
favelas.
Além de
interromper as vidas dessas crianças, ambientes de conflito geram estresse
tóxico, muito prejudicial, que se dá a partir de adversidades extremas,
frequentes e contínuas, sem apoio de um adulto. Negligência, abusos físicos e
psicológicos e violência são algumas causas de estresse tóxico, que pode
atrasar o desenvolvimento e causar problemas de saúde.
A mãe de Alice e Sophia receia em deixar suas filhas brincarem na rua, por conta da insegurança causada pelos veículos e as armas. Ela também reconhece que faltam espaços de desenvolvimento para as crianças na Maré: “Sinto falta que elas brinquem com outras crianças fora da escola, hoje em dia não tem muito isso.”
Mas na Maré, há organizações não governamentais que oferecem atividades educacionais, artísticas, esportivas e de lazer para crianças que se articulam com os territórios para trazer qualidade de vida aos pequenos mareenses, a fim de mobilizar políticas públicas que possam garantir os direitos da Primeira Infância.
O calendário de matrículas das Redes Municipal e Estadual de Ensino, iniciado em 2019, tem continuidade este mês. Confira as datas e os processos que ainda estão abertos
Maré de Notícias #108 – janeiro de 2020
Eliane Salles
REDE MUNICIPAL:
As inscrições devem ser feitas no sitematricula.rio(não precisa colocar www no navegador). A Secretaria Municipal de Educação disponibiliza acesso gratuito à internet e funcionários para auxiliar no preenchimento do formulário a todos que não têm acesso à internet. O atendimento será de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, a partir do dia 7. A relação dos locais com conexão gratuita pode ser consultada pelo telefone 1746. A informação também está disponível nas secretarias das escolas municipais. Em breve será divulgado o início das aulas e o calendário escolar de 2020.
Transferência
interna da Pré-escola, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos:
inscrições de 7 a 10 de janeiro
Novos alunos para
Pré-escola, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos: inscrições de 16
a 21 de janeiro
REDE ESTADUAL
De acordo com a Assessoria de Comunicação da
Secretaria Estadual de Educação, as inscrições e acompanhamentos devem ser
feitos pelo sitewww.matriculafacil.rj.gov.br
Para aqueles que não possuem acesso à internet
ou têm dificuldade em utilizá-la, as escolas estarão à disposição para
auxiliá-los. No entanto, não souberam informar quando as secretarias voltam a
funcionar e nem o horário de funcionamento. Orientaram a procurar a unidade
desejada para obter mais informações.
De acordo com o siteMatrícula Fácil, as
próximas etapas de inscrição são as seguintes:
Confirmação da 1ª fase da Matrícula Fácil: 6 a 8
de janeiro
Inscrição da 2ª fase da Matrícula Fácil
(exclusivo para os candidatos não alocados na 1ª fase): 21 e 22 de janeiro
Confirmação da 2ª fase da Matrícula Fácil: a
partir de 21 de janeiro
Inscrição da 2ª fase da
Matrícula Fácil (aos candidatos não alocados, aos que não confirmaram matrícula
e aos novos do Ensino Fundamental e Médio): a partir de 23 de janeiro
Cadastro para transferência informatizada: a
partir de 27 de janeiro
Transferência informatizada (com vaga imediata):
a partir de 27 de janeiro
Profissionais sem salários, população sem atendimento: é a realidade da Saúde no Rio
Maré de Notícias #108 – janeiro de 2020
Hélio Euclides
Há um ano, em janeiro de 2019, a Edição
96 do Maré de Notícias abordava a ameaça da diminuição das equipes nas Clínicas
da Família no território. Era o início de uma crise na Saúde. E de lá pra cá,
infelizmente, a situação piorou muito, com profissionais sem salários há três
meses, sem dinheiro para pagarem suas contas e comprarem comida. A contratação
de profissionais de Saúde no município do Rio se dá por meio de organizações
sociais (OS). Na Maré, a OS que administra a Saúde é o Viva Rio, que é
responsável pelas quatro Clínicas da Família, dois Centros Municipais de Saúde,
o CMS João Candido (Marcílio Dias) e a única Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) da região. Mas verbas chegam pela Prefeitura.
Além dos profissionais de Atenção
Básica da Saúde passarem por problemas salariais, nos hospitais os
pacientes se amontoam nos corredores. Apesar disso, o prefeito Marcelo Crivella
publicou, nas redes sociais, vídeo em que afirma que a crise na Saúde é
“falsa”. No dia 12 de dezembro, Daniel Lima, morador da Nova Holanda,
precisou acionar uma equipe de reportagem da TV Globo para conseguir
atendimento para sua mãe, Maria do Carmo, de 56 anos, que esperava há 12 horas
no Hospital Souza Aguiar. “Minha mãe estava com dores, com problema renal,
precisava de atendimento para colocar um cateter. Então, entrei em contato com
a imprensa. O prefeito fala que a Saúde está boa, mas não vê os banheiros do
hospital que estão sujos e a enfermaria com infiltração e mofo”, informa.
Para Joelma de Sousa, assistente
social da Redes da Maré, a situação preocupa, pois a população procura um “plano
b”, para achar uma solução: “O que vem acontecendo são as idas às clínicas de
preços populares, onde pagam e são atendidos. Logo surgem os comentários que é
preferível pagar, pois o de graça é ruim. Esse é o pensamento que sugere uma
privatização do Sistema Único de Saúde. Só que Saúde pública é um direito, não
pode ser violado, está na Constituição”, afirma. Ela acrescenta que a
privatização não é a solução, pois nem todos têm dinheiro para pagar uma
consulta.
Profissionais no meio do furacão
Todos os profissionais de Saúde ouvidos
na matéria não quiseram ser identificados, com medo de represálias. Um deles
nosdisse que nas Unidades faltam médicos e remédios. “O salário foi a
gota d’água. No Américo Veloso, por exemplo, o aparelho de raio X está quebrado
há cinco meses. A fusão com o antigo Posto de Saúde 14 de Julho diminuiu o
número de especialistas que atuavam naquela Unidade. A culpa não é da empresa
que administra (Viva Rio), pois funcionava na gestão anterior”, comenta. Ela
declara que para consulta de especialistas fora da Maré, o paciente é
encaminhado ao SISREG (Sistema Nacional de Regulação), que demora mais de dois
meses para atendimento.
Um outro agenteacredita que na
gestão anterior foram inauguradas muitas Clínicas da Família sem planejamento.
Já, hoje, está sendo desmontada a Saúde Básica. “Um dos problemas é a falta de
remédios e materiais básicos, como gases. Não entramos em greve só pelo salário
e, sim, por melhores condições de trabalho. Não se pode sucatear a Saúde Primária,
pois enche as UPAs e os hospitais”, conta. Ele critica o SISREG, que trava o
processo, deixando o paciente aguardando. Esse é o mesmo pensamento de Aldecir
Lima, moradora do Rubens Vaz. “A consulta para especialista demora até quatro
meses. Muito tempo para atendimento, é preciso melhorar o sistema”,
sugere.
Um enfermeiro entrou em contato
com o Maré de Notícias para pedir ajuda: “Estamos sem dinheiro para comer,
estou chorando de tristeza com a falta de valorização do meu trabalho. O
pagamento não chega. Estão acabando com a atenção básica, pois falta tudo. Já
são quase três meses nessa situação, pedimos a força das associações de
moradores e dos pacientes”, diz. Uma outra agente de saúde concorda que a
situação está difícil e triste. “Os enfermeiros não têm dinheiro nem para pegar
um ônibus e participar de manifestação. A clínica onde atuo está fazendo apenas
vacinação, curativo e remédio injetável se o paciente trouxer”, desabafa.
A saída: paralisação
A greve que deixou pacientes sem
consultas teve como estopim a falta de pagamento. Para um funcionário da OS
Viva Rio há duas questões importantes. “Primeiro, a questão jurídica, que é a
falta de repasse. Segundo, sobre a parte humanitária, as pessoas que estão sem
receber. O repasse dos recursos vem do município, a gente só faz a gestão. Um
outro problema não divulgado são os fornecedores que não recebem há, pelo menos,
seis meses. Tem Unidade que não tem sequer dipirona. Já nos hospitais, falta
equipamento nas enfermarias”, afirma.
Carlos Vasconcelos é da
direção do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, trabalhou na Clínica da
Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda, que se encontra fechada por
falta de óleo diesel para o gerador de luz. Ele revela que, na cidade, há
profissionais de Saúde passando fome. “Para ajudá-los, estamos fazendo
arrecadação de alimento, o problema é que alguns não têm nem dinheiro da
passagem para ir buscar a cesta”, conta.
São 22 mil pessoas que estão sem
salários há quase três meses. “São boletos atrasados, despejos, dívida na Justiça
e acúmulo de contas. Os profissionais que recebem menos é que estão em situação
pior. Tem de haver mudança na administração. Acredito que, para reverter essa
situação difícil, vai demorar um tempo”, diz. Carlos detalha que o modelo
primário de Saúde já chegou a 70% de cobertura da população, mas que hoje foi
reduzido a 50%.
“A Prefeitura esperava uma arrecadação
que não veio, então gastou mais do que podia. Além disso, gastou com o que não
era essencial. A verba destinada para a Saúde vem diminuindo a cada ano; em
2017 era de 25%, no ano passado caiu para 21% e, em 2019, não ultrapassou os
18%”, explica. Nesses três anos, a Prefeitura do Rio deixou de aplicar mais de
dois bilhões na Saúde. “O correto era a Prefeitura fazer a gestão de toda a Saúde
e não deixar nas mãos das OSs. Essa terceirização desmotiva o profissional, o
trabalho de um médico virou um bico. Para dar certo o Programa Médico de
Família é necessária uma confiança, que se conquista com o tempo”, conclui.
A Saúde enferma
A coordenação de Atenção Primária da
Região da Leopoldina da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro emitiu Nota na
qual informa que as unidades de Atenção Primária que atendem a Maré apresentam
equipes de Estratégia de Saúde da Família formadas por médicos, enfermeiros,
técnicos de enfermagem e agentes comunitários de Saúde. Que ao todo, são mais
de 38 equipes da Saúde da Família. Completou que nestas unidades são oferecidas
vacinas, consultas com o médico de Saúde da Família, de pré-natal,
puericultura, atendimento bucal, atividades em grupos educativos, como o de
gestantes, além do Programa Academia Carioca. Por fim, negou que haja falta
generalizada de medicamentos e insumos nas unidades, apesar das evidências.
No início de dezembro, o Tribunal Regional do Trabalho bloqueou as contas da Prefeitura para garantir o pagamento dos profissionais da Saúde terceirizados. Mas até o fechamento desta Edição, nenhum pagamento havia sido feito e a Clínica Jeremias Moraes da Silva, que atende à Nova Holanda, Rubens Vaz e Parque Maré estava fechada, após o dia 20 de dezembro, por falta de luz e de profissionais. A novela, que parece mais um filme de terror, ao que tudo indica, está longe de ter fim, e quem paga, literalmente, por tudo isso, é a população.