“Garotas da Maré”, página de comunicação tocada por duas mulheres da Maré e direcionada principalmente para o público feminino, aborda temas da atualidade com muita informação e clareza
Maré de Notícias #110 – março de 2020
Flávia Veloso
Política,
feminismo, cultura, entretenimento, atualidades, história… O perfil no
Instagram das “Garotas da Maré” tem como objetivo atingir o público –
principalmente o feminino – com informação, embasamento, clareza e leveza na
escrita: um papo de mulher para mulher. Com cerca de quatro meses de atividade,
suas criadoras e administradoras, as irmãs Simone
Lauar e Anna Cláudia Neves,
moradoras do Salsa & Merengue, na Maré, selecionam diariamente conteúdos
informativos que conversam com a atualidade e colocam leitores e leitoras para
pensar e refletir sobre os acontecimentos e a sociedade.
Simone viu que
faltava algo na comunicação que retratasse a Maré além das questões da
segurança pública: “As coisas que eu mais vejo sobre a Maré nos veículos de
comunicação sobre tiroteio e morte, e acabam associando a gente a só isso. Eu
queria fazer algo que fugisse disso e ainda assim que falasse do território,
porque aqui dentro tem cultura, informação e outros assuntos que não a
violência. E o conteúdo da gente não deixa de ser jornalístico, mas é feito de
uma forma mais branda, mais leve e mais objetiva.”
Um novo olhar para o território
Mesmo morando
na Maré há 20 anos, Simone Lauar, que é quem escreve e faz as publicações, não
se sentia parte da favela. Anos depois, terminando o ensino médio no Colégio
Estadual César Pernetta, localizado no Parque União, assistiu a uma palestra da
jornalista Gizele Martins no colégio, que despertou em Simone interesse pela
comunicação. E foi essa ferramenta que abriu seus olhos para a importância e a
riqueza do lugar onde já morava há anos.
Foi voluntária
de um jornal comunitário da Maré durante quatro anos, mas sentia que precisava
de um espaço onde pudesse falar de outros assuntos que considerava relevante
para o público. Foi quando resolveu criar o “Garotas da Maré”, que é, como diz
em sua página: “notícias pelos olhos de garotas mareenses”.
Marielle plantou semente
“Foi lá [no
jornal em que trabalhei] que eu conheci a Marielle. Não falo que sou semente
dela à toa, só para parecer bonito. Ela realmente ampliou minha visão para
muitas coisas, em relação à política, à favela. Eu achava que morar aqui era um
castigo, mas ela me fez perceber que a favela, na verdade, me enriquecia muito.
Ela é minha maior inspiração, eu aprendi com ela muito do que sei”, disse
Simone.
As donas do
blog fazem questão de sempre incentivar a leitura e a busca por conhecimento:
“Se nós temos o país que temos hoje, é porque as pessoas não estão sintonizadas
principalmente com a história, com o passado. Um exemplo disso é quando as
pessoas exaltam a ditadura e pedem sua volta. Meu avô foi perseguido na época
da ditadura militar, ele era sambista, e ser sambista naquela época era
sinônimo de ser vagabundo.”
Lauar pretende
estudar comunicação e fazer cursos na área, pois tudo o que aprendeu até então
foi praticando a profissão. Entretanto, os planos de estudo não param por aí. A
comunicadora pretende cursar Ciência Política, o que também pode servir como
embasamento para seus conteúdos de opinião. Descendente de família mineira e de
mulheres cozinheiras, Simone quer ainda se aperfeiçoar na culinária, com uma
faculdade de gastronomia, área em que já trabalha fazendo quentinhas
vegetarianas e veganas que entrega dentro e fora da Maré a preços acessíveis.
E, aos poucos,
o objetivo de informar – especialmente o público feminino – das Garotas da Maré
vem se cumprindo. Mulheres da família, amigas e vizinhas já comentam com Simone
e Anna que suas publicações as levaram a questionar, pesquisar e buscar
respostas. Daqui pra frente, é fazer o público crescer ainda mais.
Siga e acompanhe os conteúdos das Garotas da Maré em seus canais de
comunicação
Instagram: @garotasmare
Twitter: @GarotasdaMare
Siga o serviço de culinária vegetariana da Simone Lauar no Instagram:
@lauarhome
Violações e 300 horas de operações policiais marcam lançamento de dados sobre violência armada na Maré em 2019
Maré de Notícias #110 – março de 2020
Jéssica Pires e Dani Moura
O lançamento
da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré reuniu cerca de 100
pessoas na tarde de 14 de março no Centro de Artes da Maré para apresentação e
análise dos dados sobre violência armada na região em 2019.
Os dados
coletados e apresentados pelo projeto “De Olho na Maré”, do Eixo Direito à
Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, revela que os moradores
da Maré viveram cerca de 300 horas de operações policiais, o que representou
uma operação a cada 9 dias. Foram 49 mortes, num aumento de mais 100% em
relação a 2018 (34 em decorrência de ação policial e 15 por ação dos grupos
armados) e 45 feridos por arma de fogo na região em 2019. O relatório traz
dados e análises dos impactos da violência armada nas 16 favelas da Maré
durante o ano de 2019.
O caráter
racista das mortes foi evidenciado na fala dos debatedores presentes: Aline
Maia, coordenadora do eixo de Direito à vida e Segurança Pública do
Observatório de Favelas; Pedro Abramovay, diretor regional da Fundação Open Society
para a América Latina e Caribe; Vitor Santiago, morador da Maré alvejado por
agentes das Forças Armadas em fevereiro de 2015 e Camila Barros, coordenadora do projeto “De olho na Maré”, da Redes
da Maré. “Falar da mulher, sobretudo da mãe favelada, é muito emblemático. Os
dados quantitativos falam sobre os jovens negros que mais morrem, mas os
qualitativos evidenciam a presença das mulheres que estão próximas nesse
momento de luto”, observou Camila.
O debate
aconteceu entre moradores, ativistas dos direitos humanos, comunicadores e
organizações locais sobre os dados monitorados no ano de 2019 pelo projeto, que
também revelam que a saúde e a educação
dos que residem e trabalham na Maré também foram diretamente afetadas pela
violência armada. Foram 24 dias sem aulas nas nas escolas da região,
totalizando até 12% dos dias letivos perdidos e 25 dias sem atendimento médico
nas unidades básicas de saúde estimando-se que 15.000 atendimentos não foram
realizados por conta de operações.
Desde 2016,
quando o monitoramento dos dados começou
a ser feito, foi identificado que as incursões suspendem os direitos básicos
dos moradores e com grande uso de aparato bélico. Para a coordenadora do Eixo
Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, Lidiane Malanquini, o Boletim surge da
ausência de dados que contemplem o impacto das operações policiais na Maré.
Para ela, o dado que mais chama a atenção é o recorde de 34 mortes praticadas
por agentes do Estado em 2019 sendo 100%
pretos e pardos, demonstrando que a política de segurança pública do Rio de
Janeiro tem alvo seletivo e atua para reforçar o racismo estrutural da
sociedade brasileira, atingindo sobretudo jovens negros das favelas e
periferias. “O Boletim surge para construir novos parâmetros de avaliação
pensando como isso impacta no cotidiano de quem mora e está na Maré.
Historicamente, os indicadores de sucesso de uma operação policial são medidos
através do número de pessoas presas, apreensão de drogas e armas. A produção de
dados e narrativas de quem sofre os impactos severos desta política de
segurança que não preserva a vida, fecha escolas, postos de saúde e limita
tantos outros direitos, é fundamental para pensarmos como as políticas públicas
podem se estruturar a partir das necessidades e das demandas locais”, destacou
Lidiane.
Confira a íntegra da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré com os dados completos: www.redesdamare.org.br e nesta edição um resumo especial sobre o levantamento.
Introduzindo uma série de matérias sobre “mobilidade urbana” no Rio de Janeiro e no Conjunto de Favelas da Maré, o Jornal Maré de Notícias apresenta os principais problemas enfrentados pelos moradores, para transitar na cidade.
Flávia Veloso
A Lei brasileira entende como mobilidade urbana o
deslocamento de pessoas e cargas em um espaço urbano. De acordo com a Lei da
Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/de
2012), para que os municípios brasileiros alcancem o ideal em termos de
mobilidade, é necessária
uma série de medidas que não visam, somente, ao
ir e vir. São colocadas,
em pauta,
a qualidade da
acessibilidade, questões ambientais, segurança, planejamento, para melhor
locomoção e,
ainda,
muitos outros fatores que têm
o objetivo de garantir o bem-
estar do cidadão. A partir desta
compreensão,
é que vemos como o município do Rio de Janeiro ainda está muitodistante de ser
uma
cidade em que
a mobilidade urbana seja
prioridade.
Os sinais da falta de mobilidade
no Rio de Janeiro podem ser
vistos, inclusive, em números.
Uma pesquisa realizada pelo aplicativo Moovit – plataforma sobre mobilidade
urbana que oferece informações dos transportes públicos da cidade – apontou que
o carioca é quem mais gasta tempo dentro do transporte público. Na Região Metropolitana
do Rio, uma pessoa
passa,
em média,
67 minutos (mais de uma
hora) numa condução, para chegar ao
local de destino
E antes fosse somente o tempo gasto dentro dos transportes. É
recorrente que o carioca reclame – e com razão – de outros problemas, como a
falta de higienização dos
ônibus, linhas extintas ou reduzidas e sem climatização e tudo isso quando se
promete,
desde 2012,
que 100% da frota estariam
com ar-condicionado. Desde então, a tarifa já foi aumentada cinco vezes e é a 8ª mais cara dentre as 26 capitais do País, mas a cidade não tem mais que 75% da frota
climatizada.
Menos
opções de ônibus
Karolina
Paulino é moradora da Vila do João e trabalha de segunda a
sexta-feira
na Barra da Tijuca. Para chegar ao trabalho, Karolina pega o ônibus 315, na
Avenida Brasil, pela manhã. Mesmo vindo cheio, ela conta que o transporte passa em intervalos
de 10 minutos, quando então
consegue pegá-lo com facilidade. O problema maior, na verdade, é na hora de voltar
para
casa, que os intervalos chegam a meia hora e,
às vezes,
os motoristas nem param, pois os ônibus já estão lotados.
Um levantamento feito pelo Jornal O Globo mostrou que mais de 1.200 ônibus foram
tirados de circulação do município do Rio de Janeiro nos últimos anos. Algumas das linhas extintas passavam em partes das favelas da
Maré, como as linhas 955 e 957, que iam até a Barra da Tijuca, e serviam como opção para
Karolina, que poderia fazer o caminho de ida e volta do trabalho para sua casa com mais conforto e sem esperar tanto tempo.
No caso das favelas da Maré, além das linhas que não existem mais,
há também os ônibus que tiveram seus trajetos diminuídos e não circulam
pela região, que tem uma população de
140 mil
habitantes. Na realidade, a situação ficou bastante crítica, já que os
moradores tiveram seus acessos dificultados em
locais como Centro, Zona Sul e Baixada Fluminense. E pensar que as favelas da
Maré estão localizadas entre as principais vias
de acesso à
cidade do Rio de Janeiro –
Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela.
A Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) justifica a redução
da frota pela fato de haver muitas
irregularidades com os carros em
circulação, além da baixa procura dos usuários. De acordo com a
SMTR, sua equipe faz constantes fiscalizações em terminais, garagens e ruas, para verificar as condições dos carros e se os
contratos estão sendo cumpridos.
Acessibilidade dificultada
Lorrayne Gomes relata dificuldades para deslocamento em transportes coletivos e passarelas | Foto: Douglas Lopes
Com um filho de 13 anos, Isaac, que necessita de cadeira de rodas
para se locomover, Lorrayne Gomes,
moradora da Vila do João, já desistiu de tentar transitar pela cidade de
ônibus, metrô ou trem. Ela não consegue trabalhar fora de casa, pois a demanda para cuidar do
filho é muito grande. Ela tem sobrevivido com uma ajuda de custo do Estado.
Boa parte desse auxílio vai para pagar carros particulares para levar o filho a
consultas médicas e exames. Para conseguir sair da Vila do João para outros
bairros, ela e o filho precisam enfrentar calçadas estreitas, sem rampas,
cheias de barreiras e até quebradas.
Passados esses obstáculos, ainda tem de
contar com a “sorte” de pegar ônibus com elevadores adaptados para
cadeiras de rodas que funcionem e motoristas que saibam operar o maquinário.
A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Tecnologia
(SMDT) não tem,
nas suas funções, nenhum poder de fiscalização do funcionamento dos
elevadores ou da operacionalização feita pelos
condutores. Seu trabalho é buscar parcerias para promover campanhas de
conscientização, como foi o caso da “Rio + Acessível”, que realizou com a
Secretaria Municipal de Transportes. Em 2019, foram feitas
blitzes em vários pontos
da cidade, para fiscalizar se os carros estavam com seus elevadores em pleno
funcionamento.
Outro problema enfrentado por Lorrayne para se movimentar com seu filho na cidade é quando precisa
usar a passarela para acessar o outro lado da Avenida Brasil. A passagem que fica mais próxima da sua residência é de ferro e madeira e só tem
degraus. Esta era para
ser provisória,
mas já dura quase 10 anos, inclusive o assunto foi pauta do Jornal Maré de Notícias nos anos de 2011 e 2012. [Para ler, acesse o www.mareonline.com.br]
O
que você paga dá conta?
“O valor das passagens de ônibus são
direcionados aos custos e investimentos em operação, compra e manutenção de
carros e garagens, pagamento de pessoal, combustíveis entre outras coisas”, explica Rosangela
Luft, professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os gastos com manutenção e melhorias de ruas e calçadas são de responsabilidade
do poder público, então, o valor da tarifa não entra nessa conta.
É previsto no contrato de concessão entre as empresas de ônibus e
a Prefeitura
que o dinheiro arrecadado das passagens de ônibus cubra integralmente os gastos
com a frota, mas essa é uma conta que o carioca desconhece. As empresas de
ônibus não disponibilizam suas contas ao público, o que dificulta saber para como os recursos são utilizados
para o serviço de transporte,
que é um dos direitos de toda a população.
Essa questão, sobre o valor justo a ser pago por uma passagem, é
um das muitos temas levantados
pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Ônibus, que tem como responsabilidade garantir a transparência
na gestão das empresas que controlam as linhas no
município.
Soluções
para “desafogar” o tráfego
Rosangela Luft lista diversos caminhos para melhorarar a situação dos transportes. Ela começa citando a
restrição para o uso de veículos
individuais, o que reduziria espaços para estacionamento. Poderia ser
feito a partir da cobrança de taxas para uso em determinados locais, dias e
horários, por exemplo. Rosângela ainda aborda uma questão bem mais complexa,
que são as centralizações de áreas econômicas em determinados lugares do Rio.
Para ela, as atividades econômicas, residenciais e sociais devem ser
distribuídas por toda a cidade, diminuindo a necessidade de longos
deslocamentos.
Outro ponto abordado pela professora é o de integração de meios de transporte e de tarifas, uma solução partilhada por Jailson de Souza e Silva, professor universitário aposentado, fundador do Observatório de Favelas e do IMJA (Instituto Maria e João Aleixo). Em entrevista ao Maré de Notícias, em dezembro de 2016, Jailson aponta, como possíveis medidas para melhorar a situação do transporte urbano no Rio de Janeiro, a expansão das linhas de metrô, sua integração com os trens e investimentos em ciclovias e nas barcas: “O direito à mobilidade não é uma preocupação dos governantes, afirmou. Seria fundamental estudar possibilidades para o estado: o metrô para Itaboraí e adjacências, o modal alternativo que seriam as ciclovias, as hidrovias, como uma barca de São Gonçalo à Praça XV. E por fim, a transformação dos trens em metrô e, nesse segmento, criar mais linhas de metrô por superfície.”
Passarelas da Avenida Brasil, que há pelo menos 10 anos são provisórias, dificultam acessibilidade | Foto: Douglas Lopes
Mestre-sala e porta-bandeira de Ramos se destacam e são premiados
Hélio Euclides
O mestre-sala e a porta-bandeira do Grêmio Recreativo Escola de Samba Siri de Ramos não andam para trás e nem para o lado, seguem em frente e sambam para alavancar a agremiação. A apresentação aconteceu na terça-feira de carnaval, na Avenida do Povo, como é conhecida a Estrada Intendente Magalhães, em Campinho. A escola ficou em quarto lugar, com 267, 6. O destaque da agremiação, localizada na favela Roquete Pinto, na Maré, foi o segundo casal de porta-bandeira e mestre-sala, Patrícia Machado e Gabriel Coleto.
Os dois foram premiados na oitava edição do “Samba na Veia”, prêmio que valoriza e reconhece o carnaval das escolas de samba da Intendente Magalhães. Patrícia, de 45 anos, se sentiu surpresa com a homenagem. “Uma felicidade grande, especialmente para alguém que ficou afastada por 18 anos, receber esses dois prêmio, foi muito compensador e prazer em dobro, porque eu fiz os meus dois figurinos um dia antes do desfile”, conta ela, que também foi premiada pela atuação no Acadêmicos do Dendê. A agremiação da Ilha do Governador ficou em quarto lugar no Grupo de Avaliação, antigo Grupo E, o que garante em 2021 desfilar no Grupo de Acesso da Intendente, antigo Grupo D.
Este ano foi a primeira vez que ela desfilou pela Siri de Ramos, e a segunda do parceiro de passos, o mestre-sala Gabriel. A modelista, costureira e empresária de uma marca de moda infantil diz que esse amor pelo carnaval se mostrou aos sete anos. “Eu pegava uma toalha e amarrava no cabo de vassoura e ficava tentando ser uma porta-bandeira. Um dia, nos ensaios, repeti a façanha, e o diretor de harmonia da Dendê me ensinou a arte e pela primeira vez desfilei na Rio Branco, defendendo o pavilhão. Realizei um sonho”, comenta.
O estudante Gabriel, de 18 anos, começou no samba como passista no bloco de enredo Tigre de Bonsucesso. Na época tinha cinco anos e veio na ala das crianças. Em 2017, foi aprovado para ser passista da Alegria da Zona Sul. “Realizei o sonho de desfilar pela primeira vez na Sapucaí e descobri pelos amigos do meu pai que eu tinha um riscado de mestre-sala”, explica. Ele entrou na escola de mestre-sala do mestre Dionísio. Com a arte da elegância, desfilou no Aprendiz do Salgueiro e duas vezes pela Mangueira.
Ao assistir uma final de escolha de samba do Siri de Ramos, encantou-se pela escola e se integrou à agremiação. Também recebeu o convite para bailar na Acadêmicos do Dendê. “Na escola da Ilha do Governador conheci essa pessoa tão amável, que é a minha porta-bandeira. Mas tenho um grande amor por essas duas agremiações. Me tratam com carinho surreal e meu sentimento é de ser filho das duas escolas”, conta. Gabriel comemora esse primeiro prêmio. “Eu me sinto muito feliz, é sinal que estou no caminho certo”, conclui.
Carnaval de 2021 ainda não está definido.
Março começou, mas três agremiações brigam pelo direito de subir para a Série A. Porém, só existem duas vagas, garante a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Lierj), que administra as agremiações que desfilam na sexta-feira e sábado na Sapucaí.
Para a Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil (Liesb), sobem Lins Imperial e da Em Cima da Hora, respectivamente, campeã e vice-campeã do desfile organizado por ela. Só que a dissidente Liga Independente das Verdadeiras Raízes das Escolas de Samba (Livres), reivindica uma das vagas para a Tradição. Em janeiro, a Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur) afirmou que tanto a Liesb quanto a Livres compartilhariam os desfiles carnavalescos. Que todas as filiadas, de ambas as Ligas, desfilarão, em dois momentos diferentes, iniciando o desfile da Liesb, às 18h e a Livres, às 23h.
“O combinado não foi respeitado, as nossas escolas entraram para desfilar às quatro da manhã, com término depois das nove horas. Mesmo assim fizemos desfiles com dignidade e garra”, falou Rafhaela Nascimento, presidente da Livres, em apuração no Terreirão do Samba, ao Jornal Maré de Notícias. Ela promete tomar medidas cabíveis para que a Tradição desfile em 2021 na Sapucaí. A Livres reúne seis escolas: Arame de Ricardo, Unidos de Lucas, Tradição, Siri de Ramos, Vizinha Faladeira e Alegria da Zona Sul.
Outra reclamação foi a mudança no carnaval da Intendente. Em 2018, os desfiles eram divididos em Grupo B, C, D e E. O Grupo B tinha apenas 13 escolas. Esse ano a Liesb realizou a fusão do Grupos B e C, fundando o Grupo Especial da Intendente, com 20 escolas. O Grupo D foi batizado de Grupo de Acesso da Intendente. Já o Grupo E foi definido como Grupo de Avaliação. No ano de 2021, a promessa é que o Grupo Especial da Intendente terá 26 escolas. A medida dificulta o compartilhamento da terça-feira de carnaval com a Livres, como foi feito este ano.
Fórum Permanente Sobre população Adulta em Situação de Rua e Fórum Interinstitucional de Atenção ao Uso de Álcool e Outras Drogas promovem encontro para discussão sobre avanços, retrocessos e possibilidades neste campo
Jessica Pires
O seminário reuniu cerca de 400 pessoas no Teatro Odylo no Campus Maracanã da UERJ, na terça dia 10, para um intenso debate sobre o cenário, avanços e retrocessos sobre as políticas de álcool, outras drogas e a população de rua envolvendo assistentes sociais, estudiosas e usuárias da rede de apoio, e no público muitos estudantes e profissionais da área.
A primeira mesa do seminário, “Perspectivas do cuidado em saúde mental e uso prejudicial de álcool e outras drogas”, chamou atenção para o trabalho de pesquisa e produção de dados sobre quem são, e quantas são, as pessoas que fazem o uso abusivo de álcool e outras drogas e em em situação de rua. A condição de gênero e raça também foi um fator abordado. De acordo com Rita Cavalcante, assistente social, doutora pela UFRJ e professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, o uso de drogas contribuem para atenuação do sofrimento e por isso a reflexão sobre gênero e raça são importantes. Às necessidades de pessoas LGBTQI+ também foram citadas no debate por Beatriz Brandão dos Santos, doutora em Ciências Sociais pela PUC Rio e pesquisadora do Ipea na Pesquisa Nacional sobre Metodologias de Cuidado a Usuários Problemáticos de Drogas.
Já no segundo debate “A vida na rua e as experiências em Redução de Danos”, os desafios do cuidado do trabalho da redução danos em pessoas em situação foram abordados por Valeska Holst, médica pela PUC/RS que atua na estratégia de saúde da família/ Consultório na Rua, Lorrani Sabatelly, travesti, agente de promoções de saúde e redutora de danos, e Lídia Marins, psicóloga do Caps AD III Miriam Makeba. Valeska, que também apoia a gestão da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde, enfatizou às deficiências das políticas públicas do campo, e a forte ameaça que a rede vem sofrendo devido à falta de investimento.
“Eu sou modelo do que o trabalho da redução de danos feito num CAPS pode fazer com uma pessoa em extrema vulnerabilidade social”, finalizou Lorrani Sabatelly, ao compartilhar a trajetória que foi de pessoa em situação de rua e no uso abusivo de drogas. O seminário foi encerrado com homenagens à mulheres que marcaram a luta por direitos no campo da saúde mental, gênero e muitas outras questões como Marielle Franco e Nise da Silveira.
O Fórum Permanente Sobre População Adulta em Situação de Rua e Fórum Interinstitucional de Atenção ao Uso de Álcool e Outras Drogas promovem atuam há mais de 20 anos no Rio de Janeiro e reúnem organizações da sociedade civil que se interessam pelo debate de políticas públicas sobre este tema. O Espaço Normal, espaço da Redes da Maré, referência no atendimento à população em situação de rua e usuários de crack e outras drogas na Maré também faz parte dos dois fóruns.
O Atenda, uma ação coletiva que reúne organizações para atividades de acolhimento na cena de uso de drogas da passarela 9 na Avenida Brasil, também foi mencionada no seminário. A ação é realizada nas tardes das segundas-feiras e conta com a participação do Espaço Normal, CAPS AD III Miriam Makeba, CAPS Carlos Augusto Magal, Consultório na Rua e Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua). O objetivo é integrar o atendimento das frentes da rede de apoio e construir reflexões sobre as experiências atendidas e ouvidas na ação.
O Espaço Normal fica na Rua das Rosas, 54 na Nova Holanda, na Maré , telefone 3105-4767
Na recepção oficial de alunos, falas reforçaram a importância da inserção do favelado na Universidade e de se valorizar a Educação pública e gratuita
Flávia Veloso
A aula inaugural oficial de 2020 do curso pré-vestibular (CPV) da Redes da Maré foi realizada na noite do dia seis de março, no Centro de Artes da Maré. O evento reuniu os alunos das três unidades: Vila do João, Vila dos Pinheiros e Nova Holanda.
Introduzindo as falas da noite, a coordenadora do projeto, Luana Silveira, apresentou ao público a equipe do CPV: coordenadores administrativa, pedagógico e do Eixo de Educação da Redes, além de assistente de coordenação, psicóloga e professores.
O curso pré-vestibular da Redes é o principal projeto da instituição, tanto por ser o primeiro, iniciado em 1998, quanto por ter o compromisso de aumentar o ingresso de mareenses na Universidade. Mesmo vizinha de uma das maiores universidades federais do país, a UFRJ, dados indicam que somente 2,4% de moradores da Maré entraram no ensino superior, e somente 1% concluiu a faculdade.
Kelly Marques, coordenadora do Eixo de Educação, ressaltou a importância do compromisso que o aluno deve ter com o CPV, considerando a dificuldade que é acessar o ensino superior, principalmente em um contexto de desmonte da Educação pública, sobretudo para o favelado.
Professor da disciplina de Movimentos Sociais e Atualidades, Daniel Remilik fez uma fala sobre o significado do nome ‘Redes da Maré’, explicando aos estudantes que eles também tecem essas redes: “Temos que ouvir mais, trocar mais e fazer novas conexões, e vocês também fazem parte dessas conexões. Somos todos tecedores.”
“Embora a Universidade esteja mais aberta a receber pessoas diferentes das classes média e alta, ainda está muito enraizada em comportamentos e assuntos elitizados. Cabe a cada um de nós continuar levando as demandas da favela, é assim que essa Universidade vai se abrir cada vez mais e sair daquele modelo do início do século XX”, falou o coordenador pedagógico e professor de Língua Portuguesa, Vitor Félix.
Ex-alunos do curso encerraram a noite contando suas experiências de entrar na faculdade. Aconselharam aos alunos que persistissem em seus objetivos, mesmo não passando na primeira, segunda ou até terceira tentativa. E acrescentaram um alerta: estar atento aos seus limites e respeitá-los.
Algumas dicas de estudo também foram incluídas às pautas da aula inaugural, como evitar faltar às aulas, seguir indicações de materiais, filmes séries e livros dos professores, prestar bastante atenção às aulas e mais ainda às de matérias específicas do curso superior desejado. Não menos importante, ajudar os colegas de classe com os estudos e também dando apoio emocional.
O espaço universitário não é pensado para a favela, tanto pela peneira que barra a entrada de estudantes periféricos quanto pelos problemas que eles enfrentam ao conseguir ingressar: questões econômicas, de conteúdo acadêmico e psicológicas. Por mais um ano, o CPV espera ajudar a inserir mais favelados na Universidade, para que eles possam ditar o rumo para uma verdadeira Educação democrática.
O curso pré-vestibular da Redes da Maré já ajudou a inserir mais de 100 pessoas em universidades públicas. As inscrições abrem todo final de ano, e são gratuitas. Siga a Redes na Maré nas redes sociais e acompanhe as novidades sobre este e mais projetos.
“Vaquinha” on-line para ex-aluna do CPV, graduando em Odontologia
Camila Felippe passou em 2019 para Odontologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e precisou criar um financiamento para custear os materiais que precisa comprar para os oito períodos do curso. Para ajudar a Camila, acesse o link.