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Educação que transforma

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Jovem dá seu primeiro passo rumo ao sonho de ser enfermeira, entrando em uma das mais conceituadas faculdades do estado

Thaynara Santos

Nívia Mariana de Souza Nunes, de 23 anos, se apaixonou pela área biológica enquanto ainda cursava o Ensino Médio. Descobriu na enfermagem uma paixão. Nívia foi uma das primeiras integrantes da família a ingressar numa faculdade e conquistou – de primeira – uma vaga na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), uma das faculdades mais conceituadas do estado do Rio.

Após entrar na Uerj, sua irmã trilhou seus caminhos e conquistou uma vaga na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A partir do momento que eu entrei na faculdade, minha irmã mais nova já se interessou, já começou a fazer o pré-vestibular. A gente acaba motivando as outras pessoas, isso é bem legal. Significa muito para minha família ter suas filhas nas melhores faculdades públicas. Eles ficaram muito felizes”, conta.

O sonho que move

O amor da estudante pela enfermagem começou antes do preparatório. Nívia, que sempre gostou de ajudar aos outros, descobriu sua vocação na área. “Digo que a enfermagem é o que me move. Me apaixonei ainda mais pela profissão fazendo o técnico. No Ensino Médio, fui pesquisar sobre profissões e quais eram as atribuições da enfermagem. Aí pude ver que me encaixava no curso. Depois eu fiz um técnico de enfermagem e conheci mais ainda da profissão, que ajuda e acolhe o paciente no hospital”, explica.

Nívia começou os estudos no CPV por indicação de uma conhecida. “Eu já conhecia a Redes da Maré e sabia que lá tinha um pré-vestibular, mas nunca me interessei. Depois uma moça da igreja comentou sobre [o curso] e falou pra eu fazer porque ela sabia que queria entrar na faculdade. Ela me aconselhou a ir porque conhecia pessoas que haviam feito o CPV e foram aprovadas”.

A jovem moradora da Nova Holanda acredita no poder da educação para transformar sua vida e a história das pessoas a sua volta. “Por meio da educação, eu posso mudar toda a minha realidade. A minha mãe trabalha com serviços gerais e eu não quero. Eu quero algo melhor. Através da faculdade, eu acho que posso conseguir ir muito além do que planejei para a minha vida. Ir muito além nos meus sonhos”.

Juventude favelada na universidade

A estudante afirma que antes de começar o pré-vestibular na Redes da Maré, não conhecia outros jovens que estivessem passando pelos mesmos processos que ela. “Eu só fui conhecer mais jovens que estavam estudando para a universidade quando entrei no CPV. Aí eu pude entender a importância da juventude favelada estar na faculdade e que aquele espaço também é nosso. Que a gente também tem o direito de estar lá como qualquer outra pessoa, não só quem tem dinheiro”, diz a mareense.

Nívia aguarda o início das aulas, que começam no segundo semestre de 2019, mas já está ciente dos obstáculos que serão enfrentados na sua nova empreitada. “Muitas pessoas são contra as cotas e dizem que o rendimento das aulas vai diminuir. Eles são muito preconceituosos com isso. Já foi comprovado que isso é uma mentira. A educação é que vai mudar tudo isso”, conta.


Ação Civil Pública da Maré é anulada pela Justiça

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Após quatro dias seguidos de operações policiais com sérias violações de direitos na Maré, Justiça decide anular ACP

Jéssica Pires

Uma decisão da juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa Castro, da 6ª Vara de Fazenda Pública da Capital, divulgada na última quarta-feira (19 de junho), anula determinações da Ação Civil Pública (ACP) que protegiam moradores da Maré durante as operações policiais. 

A ACP da Maré completa dois anos neste mês de junho. Nela, havia mecanismos de proteção aos 147 mil moradores das 16 favelas da Maré durante as ações e incursões policiais. O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado (Nudedh), em sua petição inicial, pediu que a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio apresentasse um plano de redução de danos às violências durante as operações  – o que foi feito na articulação das organizações locais com os moradores; que fossem  instaladas câmeras de vídeo e áudio nos caveirões; que ambulâncias estivessem disponíveis durante as operações; e que mandados de busca e apreensão fossem cumpridos no período diurno; entre outras.

Em inúmeras operações policiais essas determinações,  previstas na Ação Civil Pública, foram descumpridas. Mas a ACP  trouxe resultados muito positivos para a população da Maré, como a redução do número de mortes, de dias sem aulas e também de dias sem atendimento médico. Só para se ter uma ideia, em 2017 houve 42 mortes em operações policiais. Em 2018, esse número caiu para 24. As escolas, em 2017, ficaram 35 dias sem aula em decorrência das ações policiais. Em 2018, foram 10.

 A decisão judicial  da juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa Castro preocupa moradores, coletivos e organizações locais. A possibilidade de aumentarem as violações de direitos durante as operações, amedronta. A ACP surgiu a partir da articulação das organizações locais de denunciarem a prática de operações violentas e com muitas mortes entre 2016 e 2017. 

Apesar de reduzir os mecanismos de proteção aos moradores da Maré, a juíza, em seu despacho escreveu: “Alguns podem concordar que a técnica escolhida seja a melhor, outros podem dela discordar. Entretanto, o que a Constituição da República não permite é a ingerência de um dos Poderes na competência atribuída a outro, equivalente à proibição de alteração de políticas públicas escolhidas pelo Chefe do Executivo”. Ou seja, os conhecimentos técnicos que traçam a Política de Segurança praticada na Maré e demais espaços da cidade, não podem ser fiscalizados pelo Poder Judiciário e o mesmo não deve intervir. 

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vai recorrer da suspensão da ACP, que deverá ir para a segunda instância. “A decisão de extinção do processo nos causou perplexidade porque ocorreu de supetão, é contraditória a outras decisões, inclusive de instâncias superiores, e às regras processuais elementares. É um retrocesso num processo que já vinha produzindo relevantes resultados de redução de danos e riscos às pessoas que vivem e trabalham na Maré, e que foi fruto de intensa mobilização social na defesa coletiva de direitos fundamentais. Mas não vamos esmorecer. Vamos recorrer. E é muito importante que a população continue mobilizada na defesa de seus direitos. Isso faz toda a diferença”, afirmou Daniel Lozoya, defensor público, que atua no Nudedh.

Você, como morador, pode escrever uma carta à Justiça manifestando sua insatisfação com a decisão de suspender a ACP da Maré.

Clique aqui e confira o modelo!

Use o modelo acima e deixe sua carta na sedes da Redes da Maré (Rua Sargento Silva Nunes, 1012 – Nova Holanda; e CIEP Ministro Gustavo Capanema – Vila dos Pinheiros); no Observatório de Favelas (Rua Teixeira Ribeiro, 535 – Nova Holanda) ou na Luta pela Paz (Rua Teixeira Ribeiro, 900 – Nova Holanda).

A leitura resiste: Biblioteca Nélida Piñon é reinaugurada em Marcílio Dias

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Após anos de crise, o projeto se reergue em um novo espaço; o evento contou com a presença de moradores e da própria escritora Nélida Piñon

Flavia Veloso

“O visionário é aquele que tem a capacidade de sonhar e não teme o sonho. E o sonho nem sempre precisa de gerar bons resultados, o importante é sonhar, é criar uma visão do mundo em que você caiba dentro e seus sonhos caibam junto.”, declarou Nélida Piñon, escritora e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL).

As palavras de Nélida dizem respeito a dois homens visionários, com um sonho em comum: lutar pelo direito ao conhecimento. Geraldo Oliveira e Severino Honorato, coordenadores da Biblioteca Nélida Piñon, reinauguraram a biblioteca, agora em um novo espaço, mas ainda em Marcílio Dias, no Complexo da Maré. O evento foi realizado na última sexta-feira (21), com a presença de alguns projetos da Maré, moradores, crianças e, claro, a própria Nélida Piñon, cujo nome foi incorporado pela biblioteca. 

“Foi uma luta intensa, com muitas preocupações, mas hoje a gente vê novamente esse sonho sendo realizado”, disse Geraldo Oliveira, idealizador do projeto, sobre ter superado uma etapa de grave crise financeira, que quase fez a biblioteca fechar definitivamente. O espaço é mantido com recursos próprios de Geraldo, que paga aluguel e as demais despesas. 

Uma ajuda para o recomeço

Certo dia, Geraldo recebeu uma ligação sendo convidado a participar de um programa de TV. Pensou ser trote, mas logo se deu conta de que dali poderia surgir a oportunidade de dar continuidade a seu sonho. O prêmio que recebeu no programa não foi suficiente para conseguir comprar um imóvel para a biblioteca, como Geraldo gostaria, mas deu visibilidade ao projeto, que recebeu doações de livros, estantes e em dinheiro, através de um financiamento coletivo on-line.

Geraldo ainda falou sobre a importância da persistência e de se estar conectado às pessoas: “Tudo é possível para quem crê. Temos que acreditar sempre nas pessoas, nos nossos projetos. Enquanto estamos trabalhando e buscando, outras pessoas nos ajudam e, no final, conseguimos conquistar aquilo que tanto almejamos. Não devemos desistir nunca dos nossos sonhos.”

O novo local de funcionamento da Biblioteca Nélida Piñon é na Travessa Luiz Gonzaga, 58 – Marcílio Dias (Complexo da Maré).
Ajude a biblioteca a continuar levando cultura ao Complexo da Maré: http://www.vakinha.com.br/vaquinha/nao-deixe-a-unica-biblioteca-da-favela-morrer

O futuro engenheiro elétrico da Maré

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O jovem reconheceu a importância de se estudar quando se viu diante de um grande desafio: passar no vestibular

Flávia Veloso

Pedro Henrique da Silva dos Santos fez a alegria dos pais, e não era para menos. O rapaz é o primeiro da família a ingressar em uma faculdade pública, e ainda passou para três: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dividindo suas escolhas de curso entre Matemática e Engenharia Elétrica, foi esta que escolheu, na UFRJ.

Morador da Nova Holanda, Complexo da Maré, Pedro conheceu o Curso Pré-Vestibular (CPV) da Redes através da irmã, que também foi aluna, e começou quando estava no terceiro ano do Ensino Médio, estudando de manhã no colégio e à noite no CPV. Na primeira vez que concorreu pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), no ano seguinte, passou para a UERJ, em primeiro lugar na lista de cotistas raciais e sociais, e para a UFRRJ, mas o jovem queria mesmo a UFRJ. No segundo Sisu, garantiu sua vaga na federal carioca.

Falta de preparo para a universidade

“A gente acha que vai estar preparado para a universidade, mas chega lá e percebe a defasagem de ensino que vem das escolas públicas. Na faculdade, tem que correr atrás disso, mas a gente consegue se adaptar e conciliar”, conta Pedro, hoje já com 20 anos e no segundo período de Engenharia Elétrica.

CPV complementando os estudos

O jovem sentiu ainda mais carência de conteúdo porque, no segundo no Ensino Médio, os colégios públicos enfrentaram as greves de professores, em 2016. O Colégio Estadual Professor Mendes de Moraes, onde Pedro estudava, chegou a ficar três meses sem aula, e os conteúdos não foram repostos. Ele diz que o CPV da Redes preencheu essa falta de conteúdo, e que foi graças ao curso que conseguiu ir bem nos vestibulares.



Por uma política de segurança que preserve vidas

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No mês em que a Ação Civil Pública comemora dois anos, Justiça suspende normas para operações na Maré e a possibilidade de mais violações assusta moradores

Jéssica Pires

As operações policiais que durante três dias levaram medo e morte à Maré no mês de junho descumpriram, claramente, as determinações judiciais da Ação Civil Pública, uma enorme conquista de moradores e organizações que atuam no bairro. Uma das determinações da ACP fala sobre o horário das operações, que devem acontecer no período diurno. No segundo dia de ação, a operação foi iniciada por volta da meia-noite. Nas operações, não foram identificadas a presença de ambulâncias. No último dia de ação pessoas foram feridas e poderiam ter sido socorridas caso essa determinação tivesse sido cumprida.

 Houve também a morte de Sheila Machado de Oliveira, de 28 anos, atingida por tiros enquanto ia para o trabalho. Para a equipe do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, essa morte poderia ter sido evitada, se a ACP estivesse sendo cumprida e a operação contasse com uma ambulância. De acordo com a equipe, mortes e pessoas feridas jamais podem ser consideradas e contabilizadas como efeitos colaterais das ações. “A gente precisa exigir que os órgãos e o sistema de Justiça cobrem do Governo do Estado o cumprimento de determinações que não proíbem a atuação da Polícia, mas, sim, fazem com que a Polícia repense sua maneira de atuar, de forma a preservar as vidas de quem mora na Maré”, acrescenta Lidiane Malanquini, coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes.

Retrocesso

Após esses três dias de operação, a Justiça do Rio intimou o secretário de Estado da Polícia Militar, coronel Rogério Figueiredo de Lacerda, e o Comando de Operações Especiais da Corporação (COE), para prestarem esclarecimentos sobre a operação policial que resultou na morte de Sheila. Uma audiência na sede do Tribunal de Justiça marcada para o último dia 27 foi cancelada. A medida atendia a um pedido da Defensoria Pública do Estado e cobrava explicações sobre denúncias de violações dos direitos humanos durante a ação do dia 12.

 Para nossa surpresa – e motivo de grande preocupação das organizações locais que lutam pela garantia de uma política de Segurança pública que preserve vidas, de moradores da Maré e de defensores de direitos humanos – uma decisão da juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa Castro, da 6ª Vara de Fazenda Pública da Capital, suspendeu a liminar que tornava vigentes as determinações da Ação Civil Pública da Maré no dia 19 de junho. Isso quer dizer que todas as normativas da Ação Civil Pública da Maré podem ser anuladas, aumentando a possibilidade de violações de direitos nas operações policiais da Maré.

 Em seu despacho, a juíza escreveu: “Alguns podem concordar que a técnica escolhida seja a melhor, outros podem dela discordar. Entretanto, o que a Constituição da República não permite é a ingerência de um dos Poderes na competência atribuída a outro, equivalente à proibição de alteração de políticas públicas escolhidas pelo chefe do Executivo”. De acordo com a juíza, os conhecimentos técnicos que traçam a política de Segurança praticada na Maré e demais espaços da cidade só podem ser fiscalizados pelo Ministério Público e não é função do Poder Judiciário intervir. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Redes da Maré e outras organizações locais irão recorrer da decisão.

A luta continua

As favelas da Maré são marcadas por uma trajetória de mobilização popular que inventa e reinventa os espaços e as dinâmicas do território. A garantia de direitos também passa por esse processo. O Maré de Notícias já contou histórias de pessoas e movimentos que lutaram pela garantia do acesso à água, à educação, à cultura, à saúde e a outros recursos. A disputa pelo direito a uma política de Segurança pública que preserve vidas também segue essa lógica. E os moradores da Maré não vão desistir.

O aumento dos episódios de violações de direitos fundamentais durante as operações policiais na Maré, que vão da violência psicológica ao assassinato, motivou uma mobilização popular para discussão e encaminhamentos sobre a política de Segurança pública do território e estratégias de redução de danos. Em 2017, o Fórum Basta de Violência Outra Maré é Possível, já abordado no Maré de Notícias (inclusive na Edição 99), colheu ideias de moradores para sistematizar um Plano de Redução de Danos às Violências na Maré. Era o embrião da ACP.

Mas o que é uma Ação Civil Pública?

A Ação Civil Pública é um instrumento jurídico que representa e manifesta um ou mais direitos coletivos e parte da mobilização de uma quantidade significativa de pessoas que têm problemas parecidos e que precisam assegurar direitos previstos na nossa Constituição. Então, em vez de cada cidadão abrir um processo individualmente, são colhidas informações e provas que denunciam um padrão de violação e que resultam em medidas obrigatórias que precisam ser seguidas para a garantia do bem comum. A ACP busca reprimir ou prevenir, entre outras coisas, danos ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público, aos bens e direitos de valor artístico, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos e religiosos, podendo estabelecer multa ou obrigando a cumprir determinados tipos de ações. Uma ACP pode apresentar decisões nos níveis municipal, estadual e/ou federal.

 “Apenas com a execução de uma política pública de Segurança cidadã, que não trata o território da favela como local de exceção, é que será possível garantir os direitos fundamentais e o direito à cidade com serviços essenciais à população do Rio de Janeiro que mora nas favelas”, afirma Maria Júlia, defensora pública há 18 anos e coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública. O Plano foi desenvolvido com propostas de 287 moradores, colhidas nas redes sociais e nas ruas. A pergunta que orientou a consulta pública foi “O que o Estado pode fazer para diminuir as violências na Maré?” e resultou em 20 ações que se organizam a partir de cinco metas prioritárias a serem cumpridas pelo Estado. Esse Plano orientou a produção da Ação Civil Pública da Maré, pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. É importante ressaltar que a Maré é o único conjunto de favelas que tem uma Ação Civil Pública.   

O fato é que sem a mobilização de organizações e moradores da Maré, a Ação Civil Pública não existiria. “Na verdade, a prestação de contas e o controle da atividade policial deveriam ser algo normal em qualquer democracia, mas não é por aqui. Desde então, uma das pautas principais do Fórum Basta de Violência tem sido a ACP. Nos mobilizamos para que suas decisões sejam cumpridas e para que moradores e trabalhadores da Maré saibam dos seus direitos”, comenta Lola Werneck, coordenadora de liderança juvenil da organização Luta Pela Paz. Desmontar a ACP não é só contrariar o desejo de moradores e organizações que lutam pelo direito à vida no território. É expor, ainda mais, 140 mil pessoas à morte, à violência física e psicológica e à lógica perversa que classifica a perda de homens, mulheres e crianças faveladas como simples “danos colaterais”.

Junho de 2013, junho de 2016, junho de 2018 e junho de 2019

 O mês de junho, tragicamente, tem um histórico de operações marcadas por muitas mortes e violações de direitos na Maré. Junho de 2013 ficou marcado como o “mês da chacina”. Foram 10 mortes durante uma operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope). A motivação da operação foi um assalto que aconteceu na Avenida Brasil e a morte de um policial que entrou na Maré em decorrência do assalto. A Maré viveu uma madrugada sangrenta, com ações truculentas dos homens do Bope em diversos pontos da favela. A operação teve uma grande repercussão nas mídias sociais e imprensa, e mobilizou moradores e organizações da sociedade civil a se manifestarem. 

 Em 2016, a ação do dia 29 de junho também foi um marco: a intervenção violenta dos homens da Polícia aconteceu em locais próximos às escolas na Maré. A Redes da Maré abrigou mais de 200 pessoas durante a operação. Organizações locais e presidentes de Associações de Moradores se uniram para denunciar as violações desta operação no Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).  O resultado foi o fim imediato da operação e a proibição da realização de operações policiais na Maré durante a noite. O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio iniciou, então, a produção de uma ação maior.

 Em 2017, entrava em vigor a Ação Civil Pública da Maré, que determinava que a Secretaria de Estado de Segurança apresentasse um plano de redução de riscos e danos para se evitar violações de direitos humanos durante operações policiais no Complexo da Maré. Se as determinações da ACP fossem cumpridas, talvez a Maré não teria perdido o jovem Marcus Vinícius, em junho de 2018.

 O mês de junho de 2019 não foi diferente. A Maré viveu três dias de terror e medo nos últimos dias 10, 11 e 12. Os três dias de operação contaram com a forte presença armada de policiais do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar (COE), do Batalhão de Operações Especiais (Bope), do Batalhão de Choque (BPChq), do Batalhão de Ações com Cães (BAC) e do Grupamento Aeromóvel (GAM). Foram relatadas inúmeras violações de direitos nas favelas Conjunto Esperança, Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Salsa & Merengue, Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda e Parque Maré; e o resultado fúnebre: três pessoas feridas e uma mulher morta. Sem falar nas unidades de saúde e das escolas, cujos atendimentos foram interrompidos.

A ACP da Maré estabeleceu que:

• a Secretaria de Segurança do Estado definisse um plano de redução de danos para o enfrentamento das violações de direitos humanos na Maré;

• fossem instaladas câmeras de vídeo e de áudio e implantado o sistema de localização por satélite (GPS) nas viaturas;

• uma ambulância ficasse de plantão na Maré nos dias de operação;

• mandados de busca e apreensão só devem ser cumpridos no período diurno;

• fosse feita fiscalização da atuação dos policiais durante as operações, em tempo real, por meio do monitoramento das câmeras nas viaturas.

Apesar das determinações da ACP nem sempre serem cumpridas, de 2017 para 2018 o número de operações policiais e mortes diminuíram na Maré:

Operações (2017) 41 x 16 (2018) 

Confrontos armados (2017) 41 x 27 (2018)

Mortos (2017) 42 x 24 (2018)

Dias sem aula (2017) 35 x 10 (2018)

Dias de fechamento dos postos de saúde (2017) 45 x 11 (2018)