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A mais perfeita tradução do termo comunidade

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Para Dona Irene, solidariedade e senso de coletividade são os pilares da favela

Maré de Notícias #100

Camille Ramos

O início da década de 1980 traria novidades para a Maré e também para a família de Dona Irene da Cruz Gomes. Naquele ano, nascia a Vila do João, um conjunto habitacional cujo objetivo era abrigar moradores das palafitas da Baixa do Sapateiro e do Parque Maré e que, ao todo, destinou 1.500 domicílios aos moradores dos barracos. Um deles foi recebido pela família de Dona Irene, constituída, à época, pelo marido, sete filhos, muitos cachorros (cuidados em regime de “guarda compartilhada” com os vizinhos) e uma alegria imensa. “Quando a gente se mudou, parecia que a gente tava indo morar na Barra. As casas eram bem parecidas. Todo mundo se perdia. A minha casa tinha um quarto e dormíamos todos apertados, mas muito felizes”, recorda Dona Irene.  

 A remoção para a Vila do João aconteceu em 1982, com a atuação do Projeto Rio, uma iniciativa do Governo para urbanizar favelas, cujo objetivo era pôr fim às construções precárias. O projeto, no entanto, gerou falatório, pois o Governo se limitou a remover os moradores das áreas alagadas. Segundo levantamento inicial, nesta época um terço dos habitantes da Maré morava sobre palafitas, principalmente nas comunidades da Baixa do Sapateiro e Parque Maré. Depois de muita polêmica, os moradores começaram a ser transferidos para o primeiro conjunto habitacional.

 “Familhão”

Na Vila do João, a família de Dona Irene aumentou: nasceram mais três filhos, completando 10. E deles, vieram 18 netos e seis bisnetos –  isso sem contar as muitas crianças que Dona Irene ajudou a criar: “Eu considero, como família, mais de metade dessa comunidade. Todo mundo ou me chama de tia ou me chama de avó. Aí viramos um ‘familhão’”.

A chegada

Em 1968, Dona Irene chegou à Maré com seu marido, Walter, para morar na Baixa do Sapateiro. Grávida de seu primeiro filho, eles começaram uma família em cima do mar. Para ajudar nas despesas, Dona Irene areava panelas e, à noite, carregava água para seus vizinhos por alguns trocados. A família morou em uma palafita alugada até ser despejada. Sempre muito querida e respeitada na comunidade, viu seus vizinhos construírem uma palafita para que a família fosse abrigada num momento de grande dificuldade. Os problemas – e a solidariedade dos vizinhos – não cessaram com este episódio. Por volta de 1980, a casa veio abaixo e, mais uma vez, os vizinhos a reconstruíram, sempre se utilizando das extensões das madeiras da última palafita construída.  Ao todo, foram 14 anos de muitas dificuldades antes de se mudarem para a Vila do João, mas tanto na primeira quanto na segunda comunidade, Dona Irene e suas filhas Ana Lúcia e Ana Cristina [presentes na entrevista] afirmaram terem sido muito felizes. Com aqueles sorrisos estampados nos rostos, não há como duvidar.

Você sabia?

* A Ditadura militar impôs o nome do conjunto como uma homenagem dos moradores ao então Presidente da República, General João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985).

*As casas eram coloridas com um ou dois andares e simbolizavam prosperidade para os militares.

* A Vila do João possui 4.453 domicílios, que abrigam 13.046 pessoas (Censo Maré 2013).

O nome é Esperança, mas podia ser resistência

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Moradores, como a Vó da Padaria, são exemplos de luta, trabalho e conquista por um lugar sob o sol da Maré

Camille Ramos

Entre o prédio de expansão da Fiocruz e o Canal do Cunha, foi erguido, em 1982, o Conjunto Esperança. Os 1.400 apartamentos divididos em 35 edifícios receberem cerca de sete mil pessoas – uma delas foi Elcyr Paixão de Albuquerque, ou, como é mais conhecida, a “Vó da Padaria”.

A história de Dona Elcyr, hoje com 97 anos, começa muito longe da Maré, em São Luís do Maranhão, cidade de onde veio fugida de seu marido, quando tinha lá pelos 37 anos. Ao chegar ao Rio, com uma maletinha amarela e uma criança de seis anos, não poderia imaginar que teria um lugar reservado pra chamar de seu: a Maré. O que primeiro chamou sua atenção no bairro não foi muito bom: lonas pretas esticadas nas beiradas da Avenida Brasil. Na época, por falta de passarelas e pelo pouco conhecimento dos perigos de uma via expressa, as pessoas atravessavam a avenida e eram atropeladas.

Um lugar chamado Esperança

Ao chegar, Dona Elcyr foi morar nas palafitas do Parque União. Depois, por causa das remoções do Projeto Rio*, iniciado em 1979, ganhou um apartamento no Conjunto Esperança. Em 1982, depois de ter se mudado para o Conjunto Esperança, começou a trabalhar na padaria, onde virou quase “uma lenda”. “Esse Conjunto foi construído em cima de um mangue e ele ainda existe. O cheiro era muito forte. Aqui, era uma construção para abrigar militares e nós conseguimos vir antes deles e tomamos conta”, brinca. Detalhe importante: entre os antigos, comenta-se que alguns prédios seriam mesmo ocupados pelos militares e que os moradores tomaram posse antes e ficaram até hoje.

Os prédios eram coloridos e próximos à Avenida Brasil. Por falta de comércio na região, foram se improvisando espaços – o que originou, às margens da Baía de Guanabara, um conjunto de casas construídas pelos próprios moradores, que foi chamado de Vala Shopping (por causa da proximidade com o Canal do Cunha), que tinha construções com lojas no 1º andar e casas no 2º. O local também é conhecido como Vila Esperança ou Pata Choca.  “Eu vi tudo isso crescer”, conta a senhora que, ao longo de quase quatro décadas, virou símbolo e patrimônio do Conjunto Esperança.

Você sabia?

*Em 1979, o Ministério do Interior idealizou o Projeto Rio, que foi posto em prática pelo Banco Nacional da Habitação (BNH). Seu objetivo era remover palafitas, aterrar aquela parte da Baía de Guanabara, expulsar a população que há décadas residia na região e, assim, torná-la mais “moderna e civilizada”. De acordo com o site www.rioonwhatch.org.br (relatos das favelas cariocas), os conselhos de moradores resistiram à ofensiva. O governo recuou e permitiu que os moradores permanecessem no local. As palafitas, no entanto, foram removidas e seus moradores realocados em complexos habitacionais construídos em aterros próximos. Assim, surgiram os conjuntos habitacionais Vila do João, Vila do Pinheiro, Conjunto Pinheiro e Conjunto Esperança.

*O Conjunto Esperança tem cerca de 1.870 domicílios e 5.356 habitantes. (Censo Maré 2003.

Meu lugar no mundo

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Músico, ambientalista e agitador cultural, Bhega escreve para o Maré de Notícias sobre a Praia de Ramos

Maré de Notícias #100

Bhega

Meu nome é Lindenberg Cícero da Silva, tenho 60 anos e sou conhecido como Bhega. Nasci na Rua B, nº 45, na Praia de Ramos, com a ajuda de uma parteira. Meus pais vieram de Remígio, na Paraíba. Naquela época, as pessoas se ajudavam para “subirem” os barracos. Minha irmã mais velha conta que, em 1958, aconteceu um incêndio na Praia de Ramos e as pessoas perderam suas casas. Meu pai tinha uma birosquinha de madeira e o fogo lambeu tudo. Por causa disso, ganhamos uma das casas feitas pelo governo, na obra do Parque Proletário, se não me engano. Os barracos foram construídos em vilas com ruas de A a Z e tinham piso de madeira. Crescemos ali.

A Colônia de Pescadores Z-11 doava peixes para todos os moradores. Tinha de chegar às 4h da manhã. Eu tinha uns 10 anos nessa época, por volta de 1969. Na Praia tinha campeonato de futebol de areia e era uma maravilha! Saíram muitos craques daqui, que chegaram a jogar profissionalmente em clubes do Rio e até em São Paulo. Existia o Clube de Futebol do Cerfa, time de terceira divisão, que recebeu, na década de 1960, o Rei Roberto Carlos, que estava começando na Jovem Guarda, para cantar no clube. E nos anos de 1987 ou 1988, teve até loteria esportiva do campeonato de areia da Praia de Ramos.

A Praia de Ramos era um dos pontos mais “bombados” da Zona Norte, imortalizada nas canções de Dicró e em filmes que foram gravados por aqui e pela Roquete Pinto. Antigamente, a região era um balneário e, onde hoje é a escola, funcionava um local em que as pessoas alugavam biquínis e se trocavam pra praia. O historiador João Lima conta que ali seria um cassino, pois tinha-se uma visão de que o ambiente ia crescer. João também conta que o Pixinguinha tomava banho na Praia de Ramos e que chegavam ônibus [feitos] de madeira, fazendo excursão. No verão, as famílias dormiam na areia por causa do calor. Levavam esteiras de palha e dormiam na beirada do mar. A gente não tinha ventilador em 1968.

Lembro-me da Praia de Maria Angu, antes de se chamar Praia de Ramos. Ela ia do Iate Clube Ramos até a Colônia dos Pescadores. Lembro-me dos desfiles de blocos que aconteciam na orla. “Banho de Mar à Fantasia” – o último aconteceu por volta de 1976 ou 1977. No final, tinha de entrar no mar com as fantasias de papel crepom. Era lindo demais! Não tinha briga, nem confusão.

No ano de 2000, teve o acidente do derramamento de óleo da Petrobras na Baía. Lembro-me que organizamos um evento chamado Abraço de Ramos. Eu, como músico, fui convidado pra cantar “SOS Praia de Ramos”, uma composição minha, de cima de um helicóptero, abrindo a cobertura que um jornal estava fazendo. O evento deu mais de 20 mil pessoas. Em 2001, inauguraram o Piscinão. Mas a ideia do Piscinão surgiu em 1992, de um amigo meu, chamado Vicente Paulo de Araújo. Morei na Praia de Ramos por 30 anos, saí quando me casei, mas continuo indo lá toda semana, é o meu lugar no mundo.

Você sabia?

*A Praia de Ramos tem 3.221 habitantes e 1.064 domicílios.

*É a única praia da Zona da Leopoldina.

*Já foi tema de música e teve papel de destaque em filme e novela.

Compartilhando memórias que fortalecem a luta

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Griots têm o dom da oralidade e a responsabilidade de eternizar a história do território

Maré de Notícias #100

Jéssica Pires

A história da Maré é de luta, já sabemos. E da importância dessas histórias serem contadas, dos nossos ancestrais para nós “contemporâneos”, nascem as “griots” da Maré – moradoras que acumulam a história do território, juntamente com a história de suas vidas. Griots são pessoas que tinham o compromisso de preservar e transmitir histórias, fatos históricos e os conhecimentos ao seu povo. Elas e eles ensinavam a arte, o conhecimento de plantas, tradições, histórias e davam conselhos aos jovens príncipes na África. A Maré também tem griots, e a Nova Holanda é o lugar de duas delas: Durvalina e Aidê, que carregam a oralidade – esse dom que traz embutido a responsabilidade de compartilhar a memória do nosso território.

Durvalina Pacheco de Souza tem 88 anos e chegou à Maré em 1979. Ela saiu de Teófilo Otoni em direção a Belo Horizonte, com os filhos e, depois de 10 anos, veio para o Rio de Janeiro. Ao chegar, foi para a casa de uma das filhas que já morava aqui na Maré, na Nova Holanda. Nessa época, segundo a griot, “a Maré não tinha nada, a não ser Deus”. A água era garantida pelo esforço hercúleo das mulheres. Elas a traziam da Avenida Brasil em tambores chamados “rola”. Os “rolas” eram empurrados pela força da cintura das mulheres. Durvalina tomava emprestado com vizinhos um desses tambores, que deveria ser devolvido cheio, em troca do favor.

 As memórias de Durvalina são compartilhadas com quem estiver disposto a ouvir. Ela diz que a sua vida é contar histórias. Enquanto tiver saúde, vai seguir compartilhando suas memórias. Ela as conta, por onde circula, para crianças, jovens, artistas e quem estiver disposto a fazer essa troca, de preferência acompanhada de um cafezinho. Mas, sem dúvidas, sua grande família é privilegiada. Só na Maré são 16 netos, 32 bisnetos e 36 tataranetos. Família negra da qual se orgulha. Um ponto, inclusive, observado por ela é que a Nova Holanda é ocupada por uma grande população negra, que se misturou com os migrantes africanos.

 Durvalina e Aidê se conheceram quando Durvalina chegou à Maré. Aidê, que na verdade se chama Maria Augusta da Conceição, com 87 anos, conheceu e conta sobre uma Maré ainda mais precária e com menos estrutura. Ela chegou ao Rio de Janeiro, de Minas Gerais, com os pais, aos 12 anos de idade e o apelido “Aidê”, que ganhou assim que chegou, tornando-se praticamente seu nome oficial. O primeiro destino da família foi o Morro do Querosene, no Rio Comprido. Muitas famílias de lá foram removidas para a região da Nova Holanda na época. A favela foi aterrada, planejada e construída pelo poder público no início da década de 1960 e as famílias que ocuparam a região vinham de remoções da cidade.

Aidê acompanhou as maiores transformações da Maré. A Maré que via, quando chegou, era “água pura”, “lama”. Quando chovia, as ruas ficavam cheias de água e tomadas por insetos. “Tinha muito mosquito, barata, mosca”, conta a griot. Mas foi aqui que ela construiu a família com quatro filhos (três homens e uma mulher), de que, hoje, assim como a sua companheira de histórias, se orgulha.

A Nova Holanda e a Maré são lugares de encontros. Encontros de crenças, de trajetórias, de culturas, de partidas e de destinos. Valorizemos essas memórias que dão sentido e favorecem a nossa luta, tanto a diária, quanto por direitos coletivos e maiores.

Você sabia?

*Nova Holanda tem 4.601 domicílios e 13.799 habitantes (Censo Maré 2013).

*Sua ocupação é diferente das demais realizadas na mesma época: a Nova Maré foi planejada e construída pelo poder público na década de 1960, sob o governo de Carlos Lacerda, para abrigar moradores de morros demolidos para a ampliação da cidade.

* O grande porte do aterramento feito influenciou a escolha do nome do empreendimento: Nova Holanda – uma referência ao país europeu, localizado, em grande parte, abaixo do nível do mar.

Organização e luta para conquistar direitos

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União e senso de vida comunitária marcam a história do Parque União desde seus primórdios

Maré de Notícias #100

Jéssica Pires

Uma das figuras que incorporaram, em sua trajetória de vida, a luta por direitos pelo Parque União nos conta, com orgulho e saudade, o que viu e o que vê desse lugar que chama de seu. Seu. Aluísio, querido e conhecido tanto pelos mais antigos quanto pelos mais contemporâneos, é um simpático morador da Rua Conquista e um dos primeiros presidentes da Associação de Moradores do Parque União. 

De onde você é e quando chegou no Rio de Janeiro, veio direto para a Maré?

Sou Aluísio de Andrade Campos, tenho 88 anos e fui um dos primeiros presidentes [de associação de moradores] do Parque União. Vim de Aracajú (SE). Cheguei em 1953 e fui morar perto da Igreja Santa Luzia, na Coab, em RamosMinha mãe e minha família já moravam lá e eu vim para a casa deles. 

E como você veio parar aqui?

Por meio da minha profissão[barbeiro], fui conhecendo outros lugares. Fui fazendo clientes e amigos, conhecendo pessoas. 

Como era o Parque União naquela época? 

Praticamente não existia. Só era uns barraquinhos de madeira. Tinha as palafitas e uns barraquinhos no chão mesmo. 

Por que o senhor decidiu se candidatar a presidente da associação de moradores?

Me convidaram. Eu sentia que o pessoal gostava muito de mim, mas achava que o presidente tinha de ser um homem de cultura e eu não tenho cultura nenhuma, só sei ler e pra mim. Decidi concorrer e perdi. Quem ganhou era um homem muito vaidoso, mal falava com os moradores. Passou um tempo e eu dizia: “Deus me livre de concorrer de novo a nada aqui”. Na eleição seguinte, de tanto o povo pedir, eu disse: “Vou concorrer e vou vencer”. Lembro da festa que o pessoal fez na apuração e quando saiu o resultado. 

Quais foram as principais conquistas para o Parque União durante seu período como presidente?

Tudo que tem no Parque União, hoje, é continuação de um presidente e outro, com a ajuda dos moradores, mas que começou naquela época. Água, luz. Um grupo de empresários chamado Ação Comunitária do Brasil nos ajudou muito. Sempre com muita ajuda dos moradores que trabalhavam junto, para as coisas acontecerem.

O que motivava essa busca por mais estrutura e direitos?

A vida e a luta dos próprios moradores. O Parque União e o povo mereciam viver melhor. Fomos fazendo de acordo com a necessidade, sempre juntos. 

O que o Parque União é para você?

O Parque União representa, pra mim, a minha família, a minha terra, a minha vida. Eu tenho orgulho de morar no Parque União. 

Você sabia?     

*O Parque União se formou a partir de um loteamento promovido por um advogado que demarcou lotes, vendendo-os por valores acessíveis. O projeto inicial era o de criar um bairro popular, com boa infraestrutura urbana.

*Outras fontes apontam, no entanto, que a comunidade é fruto de uma das primeiras invasões urbanas planejadas, de que se tem notícia. Isso no fim da década de 1950.

*As casas eram construídas, primeiramente, em madeira. Internamente, os moradores levantavam as paredes de alvenaria. O governo proibia essa forma de construção. A madeira só era retirada quando a casa já estava praticamente pronta.

*O Parque União possui 20.567 moradores, que vivem em 7.600 domicílios (Censo Maré 2013).

Um lugar pra ser feliz

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Seu Irineu e Dona Creuza: satisfeitos com a vida que têm, há 40 anos, na Roquete

Maré de Notícias #100

Camille Ramos

Entrando pela Rua Ouricuri da Passarela 12, na Avenida Brasil, não tem quem não saiba indicar onde mora o Seu Irineu Ferreira da Silva, 79 anos, e a Dona Creuza Oliveira Azevedo, 77, ou Dona Irinete, como as pessoas insistem em chamá-la. Juntos há 39 anos, eles traduzem bem a história da Roquete Pinto. Seu Irineu veio de Pernambuco e Dona Creuza, do Espírito Santo – ambos buscando melhores condições – e foi na Maré que eles construíram a vida.

Dona Creuza chegou primeiro na Roquete. Ainda existiam as antenas da Rádio que deu nome à comunidade e elas ficavam em meio ao mangue, próximas de onde Dona Creuza construiu sua primeira casa, um barraco de madeira onde cabia apenas um fogão e um sofá fechado, no Beco da Serragem. Com conhecidos, conseguiu os entulhos das obras de modernização do Centro da cidade, entre as décadas de 1960 e 1970, e aterrou a área onde subiu uma casa de tijolos. Com esse mesmo entulho, grande parte da Roquete Pinto foi aterrada.

Luta por condições básicas

Nessa época, conheceu Seu Irineu e abriram a primeira sapataria da Roquete. Tempos depois, se mudaram pra Rua Ouricuri. “Eu já tinha saído da lama e o Irineu queria me trazer pra dentro dela novamente, eu não queria vir morar aqui”, conta dona Creuza. A Rua Ouricuri, uma das principais da Roquete Pinto, não tinha asfalto, não tinha poste e o saneamento era menos que o básico. “A Rua era só lama, barracos de madeira e as palafitas no final”, conta seu Irineu.

A água da Rua Ouricuri era encanada, mas ruim, como conta Seu Irineu, que para melhorias da comunidade entrou para a associação de moradores. “Fui a muitas reuniões para conseguirmos o asfalto, a luz nos postes e para algumas casas. Isso na década de 1980. Na comunidade, tudo é difícil até hoje. Agora temos uma água muito boa, mas os esgotos entopem com frequência”, conta Seu Irineu e completa: “Na década de 1950, o mangue ia até a Avenida Brasil, a maré chegava na Passarela 12.

Melhor lugar do mundo

A comunidade fica próxima à Praia de Ramos, que Dona Creuza e Seu Irineu frequentavam, desde quando ainda a chamavam de Praia de Maria Angu. “A água nunca foi muito limpa, mas a gente sempre tomou banho. Antigamente, ali também tinha pontos de prostituição, por volta dos anos 1970. A gente saía pra trabalhar ainda no escuro e tinha um monte de mulher pelada”, conta Dona Creuza.

O tempo passou e mesmo com muitos problemas de infraestrutura, seu Irineu não hesita em dizer: “Aqui é o melhor lugar do mundo pra se viver. Aqui construí minha vida e, hoje, eu me considero milionário! ”  

“Aqui construí minha vida e hoje eu me considero milionário! ” Irineu Ferreira da Silva

Você sabia?

*O local começou a ser ocupado em 1955. Os aterros foram feitos pelos próprios moradores.

*A favela tem esse nome por causa das torres transmissoras da Rádio Roquete Pinto, cravadas no mangue da região.

*Em 1995, os transmissores da estação foram roubados. Por isso, a Rádio ficou fora do ar até julho de 2002.

*A Roquete tem 2.867 domicílios, nos quais vivem 8.132 pessoas, segundo o Censo Maré 2013.