Home Blog Page 457

Pedacinho do céu

0

Um dos moradores mais conhecidos de Rubens Vaz, Jorge Bob’s concorda que aquela favela é um pouco do Paraíso

Maré de Notícias #100

Hélio Euclides

Jorge Geraldo de Souza, o popularmente conhecido Jorge Bob’s, tem 57 anos. Desde pequeno sua história é de luta. Ele teve poliomielite, aos nove meses – algo que ele leva numa boa, tanto que, muitas vezes, se esquece da deficiência. Popular, sempre é abordado pelos moradores e não deixa de mostrar um samba novo, uma vez que também é compositor. Para ele, não há limites.

Ele nasceu em uma clínica em Bonsucesso. Seu primeiro lar foi na casa da avó, na Rua Oliveira, na Baixa do Sapateiro. Depois foi morar com outra avó, no Parque União. Por último,em 1963, veio para a Rua Massaranduba, em Rubens Vaz. Aos nove anos, começou a trabalhar como engraxate no Parque União, mas foi no estacionamento do Bob’s, no qual realizou seu ofício por 32 anos e 10 meses, que adquiriu o apelido que o acompanharia para sempre.

Batalhador, Jorge Bob’s cruzava a cidade para trabalhar. Nos fins de semana, vendia bronzeador na Praia de Copacabana. “Precisamos nos mexer, não tem emprego, mas trabalho existe”, comenta. Recentemente, se aposentou, mas promete não descansar.

Vaquinha

Jorge Bob’s adora relembrar o passado no bairro que tanto ama, gosta de lembrar de quando a casa era um barraco na palafita e a luz, de lampião de querosene. “Com o passar dos anos, começamos a fazer vaquinha para comprar fio e chegar luz a todos. Depois veio o aterramento. Antes, para ir para Feira da Teixeira Ribeiro [Nova Holanda], era necessário ir até o extinto Beco do Seu Zé. Para ir ao Parque União, tinha de pegar a Avenida Brasil, pois não existia a Rua Principal.Lembro que tinha gente contra abrir a Rua Principal”, conta. ARua Principal foi aberta em 1990, segundo o presidente da Associação de Moradores de Rubens Vaz, Vilmar Gomes, o Magá.

Sem zoeira

Para Jorge Bob´s, Rubens Vaz é como uma cidade do interior: todos se conhecem, é calma e pacata. “Não há zoeira. Meu amigo fala que, aqui, é um pedacinho do céu. São apenas três ruas, João Araújo, Massaranduba e Nova”, conta. Ele só acha que os moradores não podem se acomodar. “Temos de lutar juntos, a população necessita de um Banco, de uma agência de Correios e falta um local de fisioterapia na Maré. É preciso cobrar melhorias à RA (Região Administrativa) e ao CCDC (Centro Comunitário de Defesa da Cidadania), que são os representantes da Prefeitura e do Estado na Maré”, reclama.

Uma de suas paixões são os sambas-enredo. Ele já compôs mais de 20, chegando à final nas escolas de samba com uns quatro. “Não tenho voz, mas uso a mente”, explica.

Inspiração

A pedido do Maré de Notícias, o Nova Raiz ficou de compor uma homenagem ao Jorge Bob’s.  Cante com a gente!

Samba do Parque Rubens Vaz

Composição Jorge Bob’s e Hélio Euclides

Sou morador do Rubens Vaz

Lugar de povo capaz

De melhorar a favela

E se transformar em enredo de novela.

No passado (oh no passado)

Era um condomínio fechado

Mas abriram a Principal

Assim aumentou o pessoal

Veio gente da Nova Holanda

E do Parque União

Todos com bastante emoção,

Trazendo alegria no seu Coração.

Sou morador do Rubens Vaz

Lugar de povo capaz

De melhorar a favela

E se transformar em enredo de novela.

Quem não se lembra

Da passarela caracol

Que era um caminho

Iluminado pelo sol

De um lugar pequeno

De apenas três ruas

Doce como o mel

E é o meu pedacinho do céu

Você sabia?

  • Formou-se a partir de 1954. Já foi conhecida por Areal e também Caracol.
  • O nome Parque Rubens Vaz foi oficializado em 1965, em homenagem do governo ao militar da Força Aérea Brasileira (FAB), o Major Rubens Vaz.
  • Possui 2.395 domicílios e uma população estimada de 6.222 pessoas.

Um cabra arretado

0

Uma vida que conta a história e a luta dos moradores do Parque Maré

Maré de Notícias #100

Hélio Euclides

José Gomes Barbosa, mais conhecido como Zé Careca, foi presidente da Associação de Moradores do Parque Maré.

Como muitos moradores da Maré, Zé Careca era nordestino, de Campina Grande. Na adolescência, aprendeu a profissão de torneiro mecânico e atuou numa fábrica, que fechou. Então, veio tentar a vida na Cidade Maravilhosa.

As primeiras palafitas e precários barracos do Parque Maré começaram a ser erguidos no início da década de 1950, a partir dos mangues existentes no final das ruas Flávia Farnese e 17 de fevereiro. Em 1951, Zé Careca se encanta com o balanço da maré e vem morar na favela. Quando chegou, o Beco do Relojoeiro era o endereço de todo mundo para receber cartas.

Com o contato de amigos caminhoneiros, Zé Careca conseguiu aterrar áreas de palafitas. Isso era facilitado pelo fim dos morros na Cidade, gerando muito material para fazer aterros. Dizem que até pó de serra (serragem) foi usado para aterrar. No Parque Maré, teve a sorte de conhecer Dona Nilza. Viveram juntos por 48 anos. Eles trabalhavam muito no bar e no forró da família, onde os nordestinos se reuniam. Em 1978, tiveram uma loja de móveis, na qual vendiam colchão de capim, facilitando, ao máximo, o pagamento. Às vezes, chegava a dar móveis e enxovais. Para a família era Zequinha. Tinha o coração bom. Tinha energia, era um homem de trabalho, um porto seguro.

Um dos momentos marcantes da sua vida aconteceu em 1979, quando o Governo federal queria mandar seu povo para Santa Cruz. Ele lutou contra a desapropriação na Maré e bateu nessa tecla com o Ministro Mario Andreazza, numa reunião no Teatro Nelson Rodrigues. Esse paraibano arretado dobrou o ministro, que acabou não tirando os moradores das proximidades.  Líder comunitário, compôs um grupo que lutou para abrir a Rua Teixeira Ribeiro. Começaram a conversar sobre o assunto entre 1960 e 1961, o passo seguinte foi conseguir trazer o governador Carlos Lacerda no local para dar início à obra. Zé Careca teve um trabalho comunitário forte, em especial na época do Projeto Rio, onde todas as lideranças se uniram. Além de ser diretor da Associação de Moradores do Parque Maré, foi seu presidente de 1998 até 2010.

Zé viveu a história da Maré, na prática. Após sair da associação foi trabalhar no projeto de fisioterapia, que começou em 2004, realizado pela associação, depois pela Prefeitura. Em seguida, com recursos próprios, comprou o espaço onde funcionava o projeto, pois sabia do benefício para os moradores. O projeto foi interrompido há nove anos, mas Zé Careca tinha o último sonho de voltar a esse trabalho. Nos últimos dois anos, Zé Careca sofreu com Alzheimer. Mas foi um guerreiro, nunca se abateu.

(Obituário escrito a partir do depoimento de José Carlos Gomes Barbosa, conhecido como Carlinhos, e Nilza Alves da Silva, respectivamente filho e viúva de Zé Careca).B

Em julho de 2010, Zé Careca deu o seguinte depoimento (ainda inédito) para o Maré de Notícias:

 “Na época das palafitas o povo ficava até acostumado, só era ruim quando bebiam, alguns até de terno branco caiam no mangue. Mas a água potável era difícil, tinha gente que atravessava a Avenida Brasil, que naquele tempo não tinha divisória, com rola-rola e galão. A minha caixa-d’água era um latão de óleo e o vaso sanitário era um buraco. Naquela fase, as pessoas chamavam a todos de compadres e comadres, os barracos podiam ficar abertos. Essa era a vida real da comunidade, assim nasceu a Maré”.

Você sabia? Segundo o Censo Maré 2013, o Parque Maré conta com 13.164 habitantes e 4.552 domicílios.

Costura de melhorias

0

Alfaiate relembra a costura de melhorias em tempos de palafitas

Maré de Notícias #100

Hélio Euclides

“Na Baixa do Sapateiro, encontrei um dia, a morena mais frajola da Bahia…”, essa canção de Ary Barroso, de 1938, menciona a localidade do Nordeste, mas poderia muito bem falar do amor à nossa Baixa do Sapateiro. Esse amor contagiou Atanásio Amorim, que, ao conhecer o espaço, se apaixonou. A Baixa do Sapateiro teve sua ocupação em 1947, a partir de um pequeno grupo de palafitas de madeira conhecido como Favelinha do Mangue de Bonsucesso. Segundo o Censo Maré 2013, a Baixa do Sapateiro tem 9.329 habitantes e 3.287 domicílios.

Existem três versões para a origem do nome: haveria um sapateiro na ocupação inicial; uma alusão à Baixa dos Sapateiros, de Salvador, na Bahia; ou, ainda, uma referência à vegetação de manguezal, denominada popularmente como sapateiro. Atanásio tem uma quarta versão. “Aqui não era habitado, e tinha um capinzal, no pé do morro. Vinham soltar os burros aqui. O dono pediu para cercar e colocou um vigia, que era sapateiro”, comenta.

Atanásio nasceu em Santo Antônio dos Pretos, no Maranhão, há 88 anos. Em 1954, já com a profissão de alfaiate, saiu de São Luiz e veio para o Rio de Janeiro, direto para a Baixa do Sapateiro, na Rua Pedro Torres. Ele relata que na favela todos colocavam o endereço de Antônio Bento, morador em cuja casa o carteiro deixava as correspondências de todos os moradores da Baixa do Sapateiro. Ao buscar as suas cartas, encontrou o seu amor. Assim, se casou e construiu uma casa feita de estuque. Isso há 58 anos.

Sua primeira luta foi no final dos anos 1960. Na época, a energia era fornecida por cabines de luz, cada uma gerenciada por um morador. “Celso deixou a dele com os outros para tomar conta e apareceram extensões, que não pagavam, e a Light cortou. Formamos uma comissão, pagamos a dívida e transformamos em cabine Santa Luzia, de responsabilidade da Comissão de Luz”, detalha. Ele lembra que a sua casa na Travessa Oliveira foi a primeira que teve iluminação na frente, antes era um breu. A comissão de luz também conseguiu que a Light colocasse iluminação nas ruas.

Atanásio esteve no Primeiro Encontro Estadual de Favelas e já no segundo, o vice-presidente da Baixa do Sapateiro propôs a tese, que foi aprovada, de que as favelas que tinham 20% de construção de alvenaria não poderiam ser removidas, só em caso de utilidade pública. “Combinei com o presidente da Associação do Parque União, Francisco de Souza, para incentivarmos escondidos a construção de alvenaria das casas, para o encaixe no projeto. Esse foi um triunfo”, destaca. Os moradores que não tinham condição de passar para alvenaria, a associação ajudava.

Seu Atanásio foi vice-presidente por oito anos. Na sua gestão não tinha água encanada. “Nos juntamos e trouxemos água da Avenida Brasil, mas na maioria dos dias a torneira ficava seca. Uma vez ficamos uma semana sem água. Procuramos o Departamento de Água, eles disseram que nossa água era clandestina”, conta. A resposta da distribuidora é que não tinha verba para subir com a água. Conseguimos o dinheiro e a distribuidora colocou uma caixa d’água, isso na década de 1970.

Um marco do bairro foi a formação da Comissão de Defesa da Maré (Condefam), que tinha seis representantes de associações. “Lembro de Zé Careca e Agamenon, dois guerreiros. Pela proximidade, eu estava sempre junto com Agamenon, um homem bom, que sempre procurava a união”, conclui.

Atanásio, primeiro à esquerda, na década de 1980: reunião para discutir os problemas da comunidade

Amor incondicional

0

Agamenon lutou pelas conquistas e mudanças na favela

Maré de Notícias #100

Hélio Euclides

Joaquim Agamenon Santos nasceu em Fortaleza, no Ceará, no ano de 1936. Aos nove anos de idade, veio para o Rio de Janeiro trabalhar como cobrador. Conheceu Nadir de Araújo Santos, apelidada de Dinda, isso há 52 anos. Após dois anos se casaram. Começavam aí duas paixões para toda a vida de Agamenon: a Dinda e o Morro do Timbau. Apresentado à associação de moradores por Hélio Borges, que era o presidente, Agamenon se encantou e foram 32 anos à frente da instituição.

Palavra nascida do tupi-guarani, “thybau” quer dizer “entre as águas”. A ponta (ou Morro do thybau), uma das únicas localidades em terra firme, era constituída de rochas. Com a abertura da Avenida Brasil, em meados da década de 1940, a ocupação nessa área tomou impulso. Em 1954, fundou-se uma das primeiras Associações de Moradores de Favela do Rio de Janeiro. Segundo o Censo Maré 2013, o Morro do Timbau tem 6.709 habitantes e 2.359 domicílios.

Agamenon desejava o básico, como água e luz. Foi o pioneiro do projeto de colocar caixas d’água no Timbau. Foram três, uma está em funcionamento até hoje. Sem falar na vez em que, com seu pulso de ferro, conseguiu que ligassem a energia elétrica. “No dia de Natal faltou luz no Morro, e veio uma equipe da Light, que não encontrava a solução, então ele ofereceu a própria casa para os funcionários da empresa passassem a ceia, mas que eles não fossem embora. Agamenon foi para a Associação e chorou por não poder fazer nada. Mas a luz retornou”, destaca Dinda.

Ela lembra das lideranças da época, com as quais o marido tinha proximidade. “Pedro Justino, Manolo, Clóvis, Teófilo Dias, Atanásio, Zé Careca e Euclides. Eram lideranças de sangue quente. O Atanásio era o calmo do grupo. Até hoje ele é calmo até para falar”, conta.

Para Dinda, o marido foi um marco para o Morro, um local antes e outro depois de sua atuação. “Corria atrás quando as bombas hidráulicas das caixas queimavam, até que comprou reserva. Pegava mensalidade dos moradores, mas prestava conta e fazia ata”, revela.

“Agamenon é do meu tempo. Morreu de câncer, aos 82 anos. Ele foi chefe da associação de moradores durante alguns anos. Só fez coisa boa, gostava da amizade dele, da conversa, não elogio só porque ele morreu. Era uma pessoa que não tinha inimigo”, comenta Bento Valadares, o sapateiro do Morro do Timbau. Marainez Ferreira, distribuidora do Maré de Notícias no Morro do Timbau, percebe que a favela perdeu um amigo. “No passado ajudou muito a comunidade. Uma pessoa do bem, que brincava com os moradores. Adorava ler o Jornal Maré de Notícias”, lembra.

Para os vizinhos, Agamenon era um visionário. “Trabalhou na associação e na sua vendinha. Uma pena que não está mais aqui. Não me esqueço do serviço que ele implantou de autofalantes, que tocava música, falava do aniversário das pessoas e até dava recado para os namorados”, relembra Telma Porto. Para Elenir Valadares, Agamenon marcou a história do território. “Corria atrás, pelo bem de todos”, resume.

 “Era perseverante e tinha vontade de mudar o morro. Aqui, quando chovia, virava lama. Então, ele pedia sobra de cimento e asfalto do metrô, e quantas vezes na madrugada estava ele a espalhar o material”, relembra Dinda. Ela acredita que, com esses atos, ele conseguiu respeito. O tempo para a família era pouco. “Era do trabalho para a associação, só chegava em casa às 10 horas da noite. Deixava de ver a mãe e ia para a praia correndo para voltar para a associação. Muitos ainda lembram dele, da melhoria que trouxe para os moradores”, diz. Agamenon morreu em 31 de outubro de 2018, e deixou saudades. Pelo visto, muitas.

Está no ar o 1º podcast das wowsers!

0

Por Juliana Sá

As wowsers são um grupo de jovens mulheres mareenses que pesquisam e compartilham a história de outras mulheres da Maré. Um trabalho de construção da memória do território feito boca a boca, de família em família. O grupo foi formado no Festival Mulheres do Mundo WOW realizado em novembro de 2018, por iniciativa da Redes da Maré. Hoje atuam como um projeto de formação e mobilização no eixo de desenvolvimento territorial da organização.

Aperta o play e curte esses minutinhos que elas preparam com todo carinho e animação. E acompanhe que vem mais coisa boa por ai!

Primeiro Sarau do Preparatório da Redes da Maré discute racismo

0

Jovens mareenses que frequentam o curso produziram materiais com provocações sobre o tema

Por Jéssica Pires

O primeiro Sarau do Preparatório do ensino médio e 6º ano da Redes da Maré reuniu produções dos alunos sobre um tema importante e presente na vida de muitos mareenses desde a infância – o racismo. Os jovens debateram o assunto durante as aulas e produziram textos, cartazes, material audiovisual, apresentações musicais e uma peça de teatro com provocações sobre a pauta. O Sarau aconteceu na última sexta-feira, 12, no Centro de Artes da Maré (CAM), na Nova Holanda.

Além de viabilizar o acesso dos jovens a escolas técnicas federais e outras, um dos objetivos dos preparatórios também é melhorar a qualidade do aproveitamento escolar das séries do Ensino Fundamental e Médio e ainda fortalecer a relação dos estudantes e suas famílias com a escola. Os preparatórios também exercem um papel importante na inserção da discussão sobre temas políticos na vida das crianças e jovens.Atualmente são 88 alunos cursam os preparatórios do Ensino Médio e do 6º ano na Redes da Maré. Desses, 56 participaram do Sarau e seus responsáveis também marcaram presença na atividade. “O Sarau foi pensado a partir dos 21 dias de Ativismo Sobre o Racismo [campanha contra a desigualdade e o preconceito vivenciados pela população negra], e a proposta foi que os alunos pudessem falar sobre o tema de forma livre”, comentou Aline Ádria, coordenadora do projeto.