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Minha escola tem um nome e eu sei quem é

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A identificação das pessoas que dão nome as escolas da Maré

Hélio Euclides

Quando nascemos, já recebemos um nome. É a nossa identidade. Isso acontece também com as escolas, creches e Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs). O aluno começa a se identificar com a unidade escolar, professores, diretores, funcionários, colegas e com o nome da Instituição de Ensino. Para a escolha da denominação das novas escolas, o Coletivo Maré que Queremos, que reúne as 16 associações de moradores, indicou alguns nomes. A Maré conta hoje com 45 unidades, uma ainda aguardando inauguração, no Salsa e Merengue. São 18 escolas regulares, seis Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), sete creches, 13 EDIs e um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA).

Denise Souza é mãe de Rian Silva, que está no 6º ano. O primeiro colégio do seu filho foi o Paulo Freire, onde foi feita uma apostila para falar da história do homem que deu nome à escola. Esse ano, o seu filho já frequenta outra Unidade. “Agora meu filho estuda no Bartolomeu, apesar de a escola ser acolhedora, não sei quem foi ele. Acredito que seja importante saber, pois tudo é conhecimento. Ajuda o aluno a tomar gosto pela escola”, afirma Denise.

 

O desejo de ensinar na Maré

Andreza de Souza Alves é professora do CIEP Hélio Smidt. Ela trabalhou na Maré e saiu para dar aulas na Ilha do Governador, mas não aguentou a saudade e voltou. “Para trabalhar aqui tem de ser engajado, abraçando a escola”, confessa a mestre, que ainda diz que é valioso trabalhar a história. “No aniversário do CIEP trabalhamos a identidade e a história da escola e da moradia”.

Sua colega de profissão, Jozélia de Souza Cabral, atua no EDI Cremilda da Silva Santos. Quando a escola comemorou cinco anos, foi explicado quem foi a Cremilda. “Penso que isso é importante, saber quem foi a pessoa que dá nome à escola, na minha infância não tinha esse pensamento. É indispensável que o aluno se sinta parte integrante da escola. Entenda que a escola faz parte da vida dele e de seus familiares”, avalia.

Outro caso de identidade com a Maré é Nicilene Alexandre da Silva, com 18 anos de magistério, sendo 17 dedicados à Escola Teotônio Vilela. “Estudei aqui e escolhi essa escola, pois é minha segunda casa. Tenho raízes aqui. Em 1985, minha mãe foi para a Avenida Brasil pedir a abertura da escola, que não tinha mobiliário. Logo depois funcionou. Outro caso é o meu irmão, que estudou aqui e hoje é diretor da Escola Genival Pereira de Albuquerque”, revela. Ela entende que o nome da escola tem a sua importância. “Já trabalhamos aqui o patrono da escola, uma pena que o nome desta escola não foi a comunidade que escolheu. Minha preocupação é que não se tem arquivo da escola, então a história se perde”.

A educadora acha que os pais precisam acompanhar os seus filhos. “Tivemos a Semana da Família. Dos 700 alunos, só 50 responsáveis compareceram. Faltou valorizar os filhos e a escola”, reclamou. Para melhorar essa situação, ela tenta conscientizar seus alunos. A escola precisa se tornar do aluno, com acolhimento. Eu mostro a importância da preservação. A escola é um ato de resistência. Aqui sonhamos com um futuro, mostramos que o estudo abre portas”, ressalta.

Natássia Gonçalves é diretora do CIEP Hélio Smidt há seis anos. “Passo mais tempo aqui do que na minha casa. A vontade de trabalhar é maior que as dificuldades. Precisamos transformar a realidade, mostrar oportunidades”, diz. Um dos funcionários do CIEP, Rafael da Silva Clementino, atua há sete anos como agente de preparo de alimento, revela: “acredito que é uma grande oportunidade de trabalhar numa escola boa, não quero sair daqui. Na Maré é uma pena ter gente que ainda depreda a escola. Acredito que a solução é ter mais projetos e atividades”, avalia. A diretora acrescenta que a educação é o caminho. “Atuamos com vidas, e o papel da educação é de transformação. A sociedade que queremos depende do Magistério. Nossa sociedade está doente, e a educação é o remédio”, afirma.

 

Clique aqui para ver a tabela com os nomes das escolas em seu tamanho original.

O retrocesso no cuidado da Saúde Mental no Rio de Janeiro

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Profissionais e pacientes temem corte de recursos e no orçamento

Jorge Melo

Segundo a OMS – Organização Mundial da Saúde, existem 700 milhões de pessoas no mundo com transtornos mentais. E muitos não procuram tratamento em função dos preconceitos que envolvem essas doenças. Classificadas pela OMS como grupo vulnerável e como uma das populações mais marginalizadas dos seus países, as pessoas com transtornos mentais enfrentam muitas dificuldades em seu cotidiano. Até os anos 1990, muitos pacientes iam para hospícios, eram retirados do convívio social, “entupidos” de remédios, recebiam choques elétricos, perdiam totalmente o controle sobre a vida. Da mesma forma eram tratados aqueles que faziam uso abusivo de álcool e drogas. Hoje, sabe-se que o alcoolismo e o uso de drogas são doenças, que têm sempre uma razão que vai além do consumo. Por isso, os tratamentos mudaram, e a reforma psiquiátrica que prevê tratamento humanizado, fora de hospícios, entrou em vigor.

Os CAPS – Centros de Atendimento Psicossocial

Um bom exemplo é o CAPS AD – Centro de Atendimento Psicossocial Miriam Makeba, que atende um milhão de pessoas, incluindo moradores da Maré. Inaugurado em abril de 2014, presta um serviço que busca se integrar na cultura, valores, hábitos e nas relações pessoais do paciente. Funciona 24 horas, voltado principalmente para os casos mais graves e para as situações de crise, de modo a evitar internações psiquiátricas. É considerado a porta de entrada do SUS para estes casos. Ou seja, a partir dali o paciente pode ter acesso a outros tipos de atendimento.

O Miriam Makeba é responsável pelo cuidado em Saúde mental de pessoas com problemas relativos ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Além da Maré, abrange áreas de Manguinhos, Bonsucesso, Complexo do Alemão, Ilha do Governador, Ilha do Fundão, Ramos, Olaria, Penha, Penha Circular, Brás de Pina, Cordovil, Jardim América, Parada de Lucas e Vigário Geral. O serviço conta com uma equipe multiprofissional composta por terapeutas ocupacionais, psicólogos, médico generalista, médico psiquiatra, educador físico, farmacêutico, enfermeiros, musicoterapeuta, oficineiros, técnicos de enfermagem e grupos terapêuticos, além de realizar reuniões diárias com o paciente. Para os que têm problemas mentais moderados a graves, que não são relativos ao uso excessivo de álcool e drogas, o atendimento para adultos é no CAPS Magal, em Manguinhos, e para crianças e adolescentes, no CAPS Visconde de Sabugosa, em Ramos. Tratamentos de transtornos mentais como depressão podem ser feitos em clínicas de família.

A Crise na Saúde Mental

Há um clima de apreensão entre os profissionais que trabalham no sistema de Saúde Mental da Prefeitura do Rio de Janeiro, principalmente nos CAPS-ADs, como o Miriam Makeba, por causa da falta de recursos, corte nos orçamentos e a possibilidade de que o método de tratamento utilizado atualmente, que aposta no diálogo, atividades lúdicas e integração social, método, conhecido como Antimanicomial, que cuida do paciente em seu meio social, evitando ao máximo as internações.

Desde o meio do ano, os recursos para a Saúde e, especificamente, para a Saúde Mental foram reduzidos. A falta de dinheiro está afetando a qualidade e a própria manutenção dos serviços.  O CAPS-ADs Paulo da Portela, em Madureira, teve a energia elétrica cortada, em setembro, por falta de pagamento. Na época, os funcionários estavam com os salários atrasados. A Organização Social Viva Rio, responsável pela gestão do CAPS-AD Paulo da Portela, informou que não recebeu recursos da Prefeitura.

No Miriam Makeba, também sob a gestão da Viva Rio, os profissionais estão apreensivos. No dia primeiro de novembro, o contrato entre a Viva Rio e a Prefeitura do Rio de Janeiro expirou e ainda não foi renovado. Os profissionais temem pelo atraso nos salários, como já aconteceu em outras Unidades. Eles também já sentem a redução dos insumos e medicamentos necessários ao funcionamento do Centro.

Redução de Danos: humanização no tratamento tem de continuar

Em relação ao método de tratamento, segundo Cristiana Brasil, musicoterapeuta do Miriam Makeba, “são muitos os índicos de que mudanças nesse sentido se aproximam, principalmente no tratamento de distúrbios mentais e consumo abusivo de álcool e drogas”. Cristiana afirma que a grande maioria dos profissionais da área defende os tratamentos sem internação, “porque são mais humanos, não retiram o paciente do seu círculo social e o próprio paciente participa do processo de recuperação”. As internações são usadas apenas em casos de surtos que podem representar riscos para terceiros e para os próprios pacientes.

A precursora do tratamento humanizado no Brasil em Saúde Mental estimulando atividades artísticas de inclusão social foi a psiquiatra Nise da Silveira, que tem um hospital psiquiátrico com o mesmo nome no Engenho de Dentro, onde funciona um dos melhores ambulatórios de Saúde mental da cidade. Até hoje, o hospital trabalha essas atividades artísticas de inclusão e é contrário às formas agressivas de tratamento como eletrochoque.

Lidiane Malanquini é assistente social do Convivências na Flávia Farnese”, um projeto que nasceu de uma pesquisa com usuários de crack na Rua Flávia Farnese e que hoje tem três frentes de trabalho: um fórum articulador de políticas públicas; desenvolvimento de ações lúdico artísticas e de mobilidade com os usuários pela cidade e também de acompanhamento social com escuta qualificada.  Segundo ela, “ a política de redução de danos, que é utilizada em várias partes do mundo, é a mais indicada, porque está provado que a abstinência total é um processo muito doloroso e pode ter consequências muito danosas para o paciente. A internação isola durante um longo período o paciente e, por isso, é grande o número de casos de pacientes que voltam ao vício depois da saída das clínicas de recuperação”.

Um exemplo de tratamento de redução de danos é o Atenda – Espaço de Atendimento Integrado, que reúne várias entidades do governo de saúde, saúde mental, assistência social e organizações não governamentais, e que desde junho, desenvolve um trabalho perto da passarela 10 da Avenida Brasil, onde se reúnem usuários de drogas. Segundo Rodrigo Nascimento, também integrante do Projeto Convivências na Flávia Farnese, “esse trabalho consiste no diálogo com os usuários, buscando criar vínculos, entender aquele ser humano, a razão do problema e propor saídas. Nem todos os que usam álcool e drogas se excedem no consumo. As atividades em grupo, teatro, música, leitura são essenciais para a recuperação e garantia dos direitos de cidadão. E é oferecido a ele assistência médica e assistência social”.

A preocupação dos profissionais é maior porque o atual coordenador do Ministério da Saúde para Saúde Mental Álcool e outras drogas, Quirino Cordeiro, defende o aumento do número de leitos em hospitais psiquiátricos. Essa posição vai na contramão da reforma psiquiátrica vigente há mais de 16 anos no País.

Desde 2001, com a Lei 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, mudou o modelo assistencial em Saúde Mental no Brasil. O SUS priorizou o atendimento ambulatorial, ou seja, os pacientes recebem todos os cuidados no ambulatório e depois vão para casa. Desde 1987, setores da Saúde Mental lutavam pelo fim dos manicômios no País.  Entre 2001 e 2014, houve uma expansão dos serviços comunitários, como os CAPS, que seguem orientação da OMS e a OPAS – Organização Pan-americana de Saúde. “No entanto, estamos temendo um retrocesso, até porque há um movimento para transferir parte dos tratamentos para comunidades terapêuticas muitas ligadas a entidades religiosas e que utilizam métodos que, em muitos casos, ferem os direitos dos pacientes, inclusive os direitos humanos”, afirma Lidiane. Enquanto isso, só resta aos profissionais da Saúde Mental fazerem protestos pela cidade para convencer a população carioca sobre o tamanho retrocesso que está prestes a acontecer.

Doação de leite materno

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Para você, um presente saudável, para a criança, vida

Hélio Euclides

A doação de sangue não é única forma de salvar vidas. A doação de leite materno, ou leite humano, preserva a saúde de bebês que necessitam desse alimento, por terem nascido prematuros ou por alguma dificuldade da mãe em amamentar.

Para ser uma doadora de leite materno, é exigido que a candidata esteja em boa saúde, não use medicamentos, álcool ou drogas, e não seja fumante. Elas fazem os exames e preenchem fichas. A primeira doação é feita no posto de coleta, onde é dado treinamento de higienização adequada das mãos e dos mamilos, para evitar contaminação. “Em casa, é pedido que a mãe use touca e máscara e coloque o leite num copo de vidro esterilizado. Depois é necessário colocar na geladeira, mas não pode ficar abaixo de 10 graus. Após a entrega aqui no posto, encaminhamos para o Hospital Herculano Pinheiro”, revela Eudenia Pereira, técnica de enfermagem, do Centro Municipal de Saúde (CMS) Samora Machel, na Nova Holanda.

Qualquer pessoa pode colaborar, levando até a unidade os potes de vidro, com tampa de plástico, tipo de café. “As embalagens são lavadas e retirados os rótulos e passam por dois testes na incubadora, por um período de três horas. O vidro é esterilizado na autoclave”, detalha Maria Cristina, agente comunitária. Com a mãe doadora, o vidro pode passar sete dias e, no freezer, no máximo 15. Quando chega ao hospital, o leite passa por um teste e é pasteurizado para ser utilizado pelos bebês internados nas unidades neonatais.

O Centro Municipal de Saúde Samora Machel tem, no momento, seis doadoras de leite materno. “Muitas vezes, a futura doadora é convidada já na hora do teste do pezinho na criança. Conscientizamos, incentivamos e mostramos que não precisa ter receio de acabar o leite, pois quando se doa, logo se produz mais”, explica Vanessa Felix, agente comunitária. Cada pote salva 10 vidas. “O primeiro mês é fundamental para o bebê. Quem doa, ajuda também a si própria, pois o leite não empedra”, ensina Marineide Santos.

 

Operação leite materno, eu apoio!

 A consulta pré-natal também serve para mostrar que o leite materno é o alimento apropriado para o recém-nascido. “Quando a criança nasce, o primeiro passo é dar o peito, é benéfico até para a mãe, pois diminui o sangramento, e o colo uterino volta ao normal”, lembra Maria Cristina.

As profissionais ressaltam que é importante o uso exclusivo do leite materno durante os seis primeiros meses da criança. “Na madrugada, a mamada deve ser de três em três horas, sem esquecer de colocá-lo para arrotar. Um obstáculo que deve ser superado é o mito do leite fraco. No início da mamada o leite é rico em água, para matar a sede do bebê, depois vem a gordura. Por isso, é importante completar a mamada no mesmo peito até ele esvaziar, o que acontece em cerca de 30 minutos”, conclui Vanessa.

 

Amamentar, um gesto de amor

A professora Dayana Sabany alimenta exclusivamente seu filho de seis meses com leite materno. “É um desafio para as mulheres, pois até no núcleo familiar as pessoas ficam dando palpite que já é o momento da papinha”, reclama.

Apesar de a recomendação dos seis meses de amamentação, o retorno ao trabalho é aos quatro meses. “Seria mais fácil se estendessem o retorno, pois é um sacrifício e entendo que nem todas conseguem. Voltei ao trabalho, mas deixo o leite em casa, é um investimento para o bebê, vale a pena”. Afirma Dayana, que acredita que esses primeiros meses são de aproximação. “É muito cruel voltar a trabalhar e nos privar do ato da amamentação. Um momento de ligação entre mãe e filho, de uma construção de amor”.

Maré de Notícias #83

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Mulher negra ainda é mais discriminada no trabalho

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Homens brancos ganham mais que mulheres brancas, mulheres brancas ganham mais que homens negros. E mulheres negras ganham menos que todos.

Por ThamyraThâmara

Em maio de 2016 fez 118 anos que a escravidão foi abolida no Brasil através de uma lei chamada Áurea. Mas os negros e as negras ainda sofrem com a estrutural discriminação racial que caracteriza, de maneira profunda, a sociedade brasileira.  Isso se evidencia no fato de que os negros e as negras têm mais dificuldades de ingresso ao mercado de trabalho, sofrem com as oportunidades  desiguais em relação aos brancos, dificilmente chegam a cargos de chefia e de destaque nas empresas e, ainda, mais da metade dessa população ainda está em atividades informais.

No mercado de trabalho, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 aponta a permanência de grandes desigualdades de gênero e raça no Brasil, atingindo especialmente as mulheres negras.  O aumento do desemprego impactou mais profundamente o grupo de mulheres e homens negros do que os brancos. Assim, homens e mulheres que se declaram negros representam 60,3% de todo o aumento de desemprego gerado entre 2013 e 2014. Em 2014, o Brasil possuía 2,4 milhões de mulheres negras desempregadas e 1,2 milhão de homens brancos na mesma situação. Apenas 31,3% das mulheres negras ocupadas com 16 anos ou mais, em 2014, possuíam carteira assinada, taxa muito inferior ao percentual de homens, na mesma situação, uma década antes. Os homens brancos ainda recebem rendimentos 60% superiores aos das mulheres negras. Nos cargos diretivos, apenas 10,8% delas ocupam estes cargos.“Há décadas a mulher negra vem sendo apontada como aquela que experimenta a maior precariedade no mercado de trabalho brasileiro”, afirma a Coordenadora do Centro de Estudos das Relações do trabalho e Desigualdade – CEERT, Cida Bento.

As mulheres negras são ainda mais discriminadas por questões étnicas e de gênero. Larissa Neves, estudante de psicologia, conta que quando tinha 18 anos conseguiu emprego como recepcionista numa empresa multinacional, mas acabou tendo que sair por não aguentar mais ataques e piadas preconceituosas por ser negra. “Na época eu estava começando meu processo de transição, tinha parado de relaxar o cabelo e cortei ele bem curtinho. Quando ele começou a crescer começaram a dizer que minha aparência não era compatível com o trabalho, me questionaram se eu não iria relaxar o cabelo. Até que um dia eu estava na sala e começaram, além de fazer piada, a colocar objetos do escritório na minha  cabeça”.

Histórias como essas acontecem todos os dias e é preciso denunciar. Atos de discriminação por raça e cor são considerados crimes no Brasil, desde 1989. Pela lei, está sujeito à pena de dois a cinco anos de prisão quem, por discriminação de raça, cor ou religião, impedir pessoas habilitadas de assumir cargos no serviço público ou se recusar a contratar trabalhadores em empresas privadas. Existem muitas formas de denunciar. É possível prestar queixa nas delegacias comuns e nas especializadas em crimes raciais como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi-RJ).

            Por outro lado, estudo publicado pelo IBGE mostra que, nos últimos 10 anos, quase triplicou o percentual de negros e negras no Ensino Superior, devido a políticas afirmativas como as cotas para negros na universidade. Entretanto, segundo Cida Bento,negras e negros, continuam pressionando o mercado de trabalho em busca de inserção.E nos meios digitais, Cida denuncia: “nas grandes corporações, por exemplo, já não têm muitas mulheres, mas negras não têm. Nos comitês de diversidade dessas corporações não tem mulher negra, não tem representação. Isso coloca muitos conceitos em xeque, porque as mulheres negras não avançam em sua agenda de forma alguma”, finaliza.

Racismo e desigualdade no Brasil

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Como a discriminação da população negra historicamente enraizada no modelo socioeconômico impede a redução da desigualdade

O trabalho social sempre mobilizou a mineira Helena Edir Vicente pela melhoria da qualidade de vida na favela onde vive e contra as desigualdades. Ainda jovem atuava nos segmentos organizados da Igreja Católica, na cidade natal, Conselheiro Lafayete, uma das mais antigas do estado, a cerca de 100 km de Belo Horizonte. Ela veio para o Rio de Janeiro, aos 20 anos, em 1970. E em 1974 passou a residir na Nova Holanda, na Maré, por ficar mais perto da empresa onde trabalhava, em São Cristóvão. Era um tempo difícil, não tinha água, a luz elétrica era precária e Helena não correu da luta.

Hoje Helena Edir integra a direção da Redes da Maré e não se furta a contar histórias e episódios que viveu por ser uma

Foto: Elisângela Leite

mulher negra. “Uma vez um rapaz, que não me conhecia, deixou o copinho de café cair no chão e eu estava chegando na sala naquela hora. Ele olhou para mim e disse: vá buscar um pano de chão para limpar essa sujeira. E eu respondi: tem pano na copa. Você pode ir pegar para limpar. Sabe o que é? Ninguém está acostumado a ver uma mulher negra ocupar um cargo de direção de uma instituição”.

De fato, pesquisadores têm mostrado que o senso comum no Brasil, a partir de papeis definidos e estratificados no sistema socioeconômico nacional, se espanta ao encontrar mulheres negras no comando de uma empresa ou instituição, como se espanta também ao encontrar homens brancos que estejam na condição de trabalhadores domésticos ou diaristas. E estudos feitos regularmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, Dieese,reforçam que Helena Edir tem razão. As negras e negros têm os empregos mais precários e os menores salários. E num momento de crise, como agora, são ainda os mais atingidos pelo desemprego.

A Organização das Nações Unidas, a ONU, atesta que entre 94 e 2014 o Brasil tomou iniciativas para reduzir as desigualdades sociais e raciais, mas declara que o país fracassou na tentativa de mudar a realidade de discriminação contra a população negra. Em seu relatório sobre Direito de Minoria, concluído ainda no primeiro semestre deste ano, diz que “lamentavelmente, a pobreza continua tendo cor”: das cerca de 16 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza no país, mais de 70% delas são “afro-brasileiros”. E os salários médios dos negros são mais de duas vezes mais baixos. Mesmo com projetos como Bolsa Família, “a desigualdade continuou”. Para os pesquisadores da ONU, o mito da democracia racial, que, durante muito tempo, levou ao entendimento de que “marginalização da população negra” era apenas uma questão de classe, impediu o enfrentamento de questões como o preconceito contra o afro-brasileiro.

Para Marcelo Paixão, economista e Coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, autor de obras importantes como “500 anos de solidão: Ensaio sobre as desigualdades raciais no Brasil”,o racismo neste país tem caráter estrutural: “A marca racial das pessoas é uma variável decisiva no processo de classificação social. Ou seja, as pessoas são constantemente valorizadas, ou desvalorizadas, de acordo com a cor de sua pele, tipo de cabelo e traços faciais que revelem sua ancestralidade. Isto vale para o acesso aos mecanismos de mobilidade social e aos direitos sociais coletivos. Por exemplo, para pessoas socialmente identificadas como negras (os pretos e os pardos, tal classificados pelo IBGE) a taxa de desemprego costuma ser maior e a remuneração no trabalho costuma ser pior que o das pessoas brancas. Em grande medida, estas dimensões dialogam com os diferentes ciclos de desvantagens que aquelas pessoas vão acumulando ao longo de suas vidas. Finalmente, considerando o peso relativo dos negros na população brasileira, 52%, tais processos acabam impactando nossa pirâmide social e o formato assumido pelas desigualdades sociais no país. Estes são alguns dos motivos que me fazem apontar que as desigualdades raciais são estruturantes das assimetrias sociais”, afirma Marcelo.

A afirmação do Coordenador do Laeser da UFRJ remete luz sobre a discriminação enraizada e pobreza que pesam sobre a população negra brasileira que se revelam em estatísticas repetitivas e detentoras de um certo cinismo histórico:

O recente sistema de cotas raciais, adotado por universidades federais e diversos concursos em redes públicas de ensino,

“A marca racial das pessoas é uma variável decisiva no processo de classificação social. As pessoas são constantemente valorizadas, ou desvalorizadas, de acordo com a cor de sua pele, tipo de cabelo e traços faciais que revelem sua ancestralidade”, Marcelo Paixão, Coordenador do Laeser da UFRJ
“A marca racial das pessoas é uma variável decisiva no processo de classificação social. As pessoas são constantemente valorizadas, ou desvalorizadas, de acordo com a cor de sua pele, tipo de cabelo e traços faciais que revelem sua ancestralidade”, Marcelo Paixão, Coordenador do Laeser da UFRJ

aumentou o número de estudantes negros na educação superior e em escolas de excelência. Mais ainda é insuficiente e precisa ser expandido para outras áreas, como o Judiciário, por exemplo. “As políticas de ação afirmativa têm seu fundamento no tratamento desigual a pessoas desiguais visando justamente a redução destas desigualdades em termos sociais, econômicos e políticos. Elas podem ser adotadas pelo setor público e privado. E onde foram adotadas acabaram tendo um impacto positivo em termos das reduções das desigualdades de gênero e racial. Portanto, as ações afirmativas, somadas a outras medidas visando a redução das desigualdades e das injustiças sociais, são instrumentos valiosos no sentido da construção de uma nova sociedade fundada em valores mais fraternos e igualitários”, conclui o economista Marcelo Paixão.