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Um Rio realmente para todos

João Ker

“Como é o Rio de Janeiro no qual você quer morar pelos próximos 4 anos? O que precisa mudar para que ele se torne realidade? Como você, morador da Cidade (nem sempre) Maravilhosa, pode contribuir para que essas mudanças sejam feitas?”. Essas e outras perguntas deram o tom do “Encontro de Favelas”,no Centro de Artes da Maré, em 26 de agosto. Por lá, mais de 90 representantes da sociedade civil se uniram para debater o Plano Estratégico organizado pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB) e apresentar uma nova versão do documento, para que as necessidades da periferia não fossem ignoradas.

O Plano Estratégico é o contrato que  Crivella firma com o Rio para o seu mandato: o que ele pretende implementar, mudar e melhorar está escrito ali em forma de metas. A sociedade carioca deve reavaliar e reinvidicar as 65 iniciativas e 101 metas propostas pela Prefeitura, em até 90 dias após a entrega do Plano, que começou a ser articulado pela Casa Fluminense, que produziu três oficinas abertas sobre o tema. O resultado dessas discussões foi entregue aos responsáveis na 1ª audiência pública realizada pela Prefeitura.  “Na nossa forma de atuação, temos uma preocupação com o monitoramento de políticas públicas, sempre buscando isso de forma participativa”. ”, explica Henrique Silveira, 31 anos, coordenador da Casa Fluminense. “Agora, iremos consolidar uma segunda versão desse documento. Precisamos de uma audiência com a Prefeitura e outros membros da sociedade civil para negociar quais são as mudanças possíveis.

Mas Prefeitura do Rio não parece estar muito engajada com o que os cidadãos realmente querem. A plataforma digital oferecida pelo governo havia prometido várias etapas de consulta pública, mas dois meses depois de entregar o Plano, apenas uma sessão foi realizada. A participação foi mínima:  354 pessoas responderam a um levantamento que nem fazia menção às metas. As audiências públicas, graças à falta de divulgação, não tiveram representatividade popular  expressiva , assim como não houve um trabalho de conscientização que explicasse, de forma clara, qual a base e as propostas do Plano.

Os três encontros públicos organizados pela Casa Fluminense ajudaram a consolidar um novo documento de demandas populares. Nele, são estabelecidos 12 pontos prioritários, além de 44 metas comentadas e reavaliadas com base no que o povo precisa. “Precisamos fazer um esforço em cima das metas que queremos alteradas. Queremos ver acontecer! Os políticos deveriam ter mais cautela na hora de prometer qualquer coisa. E a sociedade precisa estar mais atenta para cobrar tais promessas”, finaliza Henrique Silveira.

PRINCIPAIS PONTOS E REINVIDICAÇÕES:

SEGURANÇA PÚBLICA

Não à toa, esse foi o Grupo de Trabalho com o maior número de participantes, um fato que por si só já diz bastante sobre as demandas da periferia. Basicamente, a discussão pode ser resumida em um pedido: que a segurança do Rio de Janeiro seja acessível para toda a cidade, e não apenas para o entorno da orla, como o Plano prevê. “Não acreditamos que segurança comunitária se faça com mais polícia. Hoje, mesmo sem ter esse poder, a Guarda Municipal já é repressiva, violenta e abusa do uso desmedido da força. É preciso uma capacitação melhor desse serviço.” explica Marina Motta, da Redes da Maré.

EDUCAÇÃO

O ponto prioritário é o aumento de 73,7% das matrículas em tempo integral na Rede pública, até 2020. No caso específico da Maré, um dos pontos mais cruciais foi a suspensão das aulas por causa das operações policiais no horário escolar. “Os únicos comentários feitos eram sobre a reposição de aulas. O que nós queremos é a ausência de operações nesse horário, até porque as reposições nunca são no mesmo nível”, explica Alexandre Dias, professor de uma escola municipal da comunidade: “a Secretaria de Educação tem de discutir com a Secretaria de Segurança Pública do Estado”, afirma. Dentre os outros pontos que mereceram destaque nas rodas de conversa e não foram contemplados pelo Plano Estratégico estão o acesso de jovens com problema de mobilidade às escolas; o número de alunos em sala de aula; e a falta de auxiliares da educação – pedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais.

SAÚDE

A falta de transparência nas propostas foi o maior incômodo para os moradores de favela, já que o Plano não explica como as metas lançadas – como a abertura de novas Clínicas de Especialidades – podem ser efetivadas com o atual orçamento carioca.  “Isso não é um mal negócio, mas precisamos entender que não pode haver nenhuma diminuição. E é importante que esse atendimento não seja feito à custa de quem mora na favela”, aponta André Lima, Conselheiro de Saúde em Manguinhos. O Grupo de Trabalho também levantou um plano de carreira para agentes de saúde; questionou a falta de atenção à saúde mental e a dificuldade de acesso aos tratamentos pela rede pública.

CULTURA

A carência de um entendimento amplo e inclusivo sobre o que é a cultura evidenciou a necessidade de mais fomento ao setor, assim como  maior democratização do  acesso. “O direito aparece só no que diz respeito ao consumo da cultura em padrões já pré-estabelecidos. Não há nada sobre a produção ou mobilização. É um lugar no qual você não tem nem autonomia de escolha no que quer consumir – é apenas voltado para o que eles acham válido”, explicam Isabela Souza,  do Observatório de Favelas; Luiza Fenizola, da Comunidades Catalisadoras; e Jaqueline Andrade,  assistente social da Redes da Maré.

Outra ideia rechaçada pelo Grupo foi a criação de um Museu da Escravidão. “O objetivo é debater que tipo de memória queremos. Quando você cria um museu com esse nome, está restringindo a história negra aos movimentos de escravidão e liberdade. O pior é que não fala exatamente sobre a cultura negra, mas sobre a escravidão, uma pauta eternamente ligada à negritude. É como se a gente só fosse isso”, queixou-se Jaqueline.

MEIO AMBIENTE

Uma das principais falhas do Plano é a falta de atenção a áreas que não têm interesse turístico ou comercial. Com isso, a necessidade de coleta seletiva e saneamento básico para toda a cidade, assim como a inclusão dos catadores nesse processo mostrou-se essencial; o aumento da área verde em periferias, com a implementação do Parque Urbano de Madureira e do Parque Urbano da Serra da Misericórdia, e a criação de uma Política Municipal de Agricultura Urbana foram pontos levantados. “Nós queremos aproveitar essas ações para gerar trabalho e renda nas próprias comunidades, com a permacultura. Por que não capacitar a comunidade para fazer os serviços e gerar não só renda, mas também responsabilidade social na manutenção desses aspectos?” – questiona Edson Gomes,  do projeto Verdejar Socioambiental.

HABITAÇÃO E MOBILIDADE

Aqui, mais uma vez, a sociedade pede transparência, honestidade e bom senso. É o caso do estudo levantado em 2014 e nunca divulgado  sobre o custo real e o faturamente dos transportes públicos, assim como o cumprimento da promessa de construir habitações de interesse urbano no Porto Maravilha. “Tocamos muito no assunto das remoções, que realocaram pessoas em condomínios habitacionais longe de onde  moravam anteriormente. O ideal é existir uma oferta de espaço para os negócios no território onde essas casas são construídas. Isso já acontece na Maré e em outras favelas, até porque os desenhos dessas moradias não contemplam a realidade das famílias que vivem ali”, esclarece Renan Braga, dos projetos Maré Sem Fronteiras, Piratas de Bici e MobRio.

Ilustração feita para o evento

Ilhas de calor urbanas

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Estudo mostra que algumas áreas com menos verde sofrem com a temperatura elevada

Hélio Euclides

Está fervendo, pegando fogo, que lua, maçarico ligado, que calor dos infernos…”. Essas são algumas expressões que ouvimos no período do verão, ou quando o calor invade outras estações do ano. Percebe-se que a temperatura é maior em alguns locais da cidade que em outros, principalmente onde há mais construções e menos vegetação: essas são as ilhas de calor urbanas. Este fenômeno não causa apenas desconforto às pessoas, mas podem ser motivo de doenças, aumentando as taxas de mortalidade, além de elevar a demanda de energia e o aquecimento global. Esse fato estimulou Carolina Hartmann Galeazzi, arquiteta urbanista e doutoranda, a estudar este fenômeno na Maré e as possibilidades de diminuir seus efeitos.

A ilha de calor é um fenômeno climático em que as temperaturas são mais altas nos espaços mais urbanizados, com concentração de asfalto, alta densidade de prédios e materiais que absorvem mais energia solar. O aumento da temperatura se deve, sobretudo, a áreas com ausência ou baixa ocupação de vegetação e pouca permeabilidade do solo. “Podemos sentir que o calor é maior perto da Avenida Brasil, por exemplo. O asfalto absorve calor, além do alto fluxo de carros que soltam altas concentrações de gás carbônico, que também ajudam a aquecer o ar. Quando chove na terra, a água é armazenada e evapora assim que o solo começa a aquecer, diminuindo a temperatura do ar, o que não acontece no asfalto que esquenta e libera calor”, comenta Carolina.

No mapa de ilhas de calor da Região Metropolitana do Rio de Janeiro existe uma grande mancha vermelha sobre a Zona Norte, o que simboliza um local muito quente. Foram identificadas temperaturas mais altas que no centro da cidade, exatamente onde se concentra a maior parcela da população carioca, de 40,2%. Na Zona Norte também há grande número de favelas da cidade, entre elas a Maré. “A Zona Norte é muito densa e tem menos árvores. Um exemplo da baixa arborização é a Praça do Parque União, que sem o sombreamento, se torna um espaço desconfortável termicamente para o seu uso durante o dia, permanecendo vazia”, revela Carolina. Para ela, um dos maiores erros é cimentar o quintal, pois a terra e a vegetação ajudam a amenizar as temperaturas do ar, e ainda auxiliam no controle de enchentes.

Assim como em outros locais da cidade, na Maré se encontram materiais que contribuem com as ilhas de calor: o asfalto, as lajes de concreto e as telhas de fibrocimento, que ficam pretas com o tempo. “A deficiência de ventilação também causada pela densidade construída que impede a circulação de ar penetre nas ruas no nível do pedestre, também auxilia no aumento do calor e, dentro das casas acarreta, além do aumento do calor, aumento da umidade e do mofo e maior risco de se ter doenças respiratórias”, explica a pesquisadora. As ruas estreitas e casas coladas impedem que o ar circule, favorecendo o calor. As casas ficam sem ventilação, e essas edificações não podem se refrescar. Ao circular na Vila dos Pinheiros, percebe-se que as casas próximas ao Parque Ecológico são menos quentes.

 

Amenizar os efeitos das ilhas de calor

Algumas ações podem ser tomadas para diminuir as ilhas de calor, como a valorização das áreas verdes. É preciso sombrear as vias, com arborização das ruas, praças e, porque não, usar vegetação nas fachadas das casas. A vegetação ajuda muito no controle da temperatura, pois, além de sombrear as superfícies que absorvem calor, e quando ela absorve a radiação solar libera vapor d´água, o resultado é menos calor no ambiente. Para lugares em que não há espaço para o plantio de árvores, por exemplo, o jardim vertical pode ser uma solução.

Para ela, plantar hoje é uma solução eficiente para o futuro. O aquecimento excessivo da cidade intensifica o aquecimento global, podendo acarretar outros problemas, como áreas da cidade passíveis de alagamento, pela elevação do nível do mar. “Algumas regiões da Maré estão apenas a um metro e meio do nível do mar, o que pode ser preocupante”, calcula Carolina. Além disso, pode-se melhorar os materiais usados nas construções. A pesquisadora acredita que para contornar a problemática das ilhas de calor é necessário, a princípio, pouco gasto, como pintura da laje e de telhado ou uso do telhado verde. “O ideal é pintar as casas, lajes e telhas com cores claras. As cores, além do seu efeito visual, interferem na capacidade dos materiais de absorver radiação do sol, de refletir, de armazenar e transmitir calor. Um exemplo são os tecidos, as roupas brancas são mais frescas que as pretas. O preto do tecido também absorve calor, já o branco reflete”, lembra Carolina.

Uma solução que se torna problema é o uso do ar condicionado. Quando se instala um ar condicionado a parte interna da edificação fica fria, mas joga ar quente para fora de casa, aquecendo ainda mais a cidade. Na Maré existe um grande número de aparelhos instalados. “É importante que os moradores da Maré tomem conhecimento das causas e consequências das ilhas de calor e que conheçam as formas de suavizar seus afeitos para que possam agir na comunidade pela melhoria do conforto térmico e pela promoção da saúde nos lugares em que moram e trabalham. É importante também que as escolas façam um trabalho educacional com as crianças, mostrando a importância do verde para a própria comunidade, por meio da plantação de hortas e árvores na escola e no entorno. Não entendo essa cultura de ter que ser tudo asfaltado, do campo de futebol ser sintético, e de cimentar o próprio quintal”, questiona a pesquisadora.

Uma Maré de temperatura quente

Na tarde de 11 de setembro, a pesquisadora percorreu as ruas da Maré e entorno, e mediu a temperatura de superfície de diversos pontos, com uso de uma câmera especial: na Avenida Brasil, altura da passarela 10, a medição do asfalto ficou em 37º graus na sombra, e 45º ao sol. Já numa loja da própria via, com fachada preta, a temperatura chegou a 52º graus. O que mostrou a problemática do uso da cor escura. No Centro de Artes foi feita três verificações, com 45º graus na cobertura, telhado externo 52º, e fachada branca 34º. Em uma casa com vegetação na frente, a temperatura era amena, só 30º graus. Outro ponto, se repetiu a temperatura agradável, na Rua dos Lírios, um logradouro com vegetação. Numa laje sem pintura, e batendo sol, a temperatura foi ao limite de 55º graus. No campo sintético da Rubens Vaz, o clima não era para futebol, com 44º graus.

 

Uma pesquisa sobre a favela

O projeto de título “O mar que virou sertão: as ilhas de calor e o conforto térmico na Maré” só está no início. A previsão é, no mínimo, um ano de pesquisa de campo para estudar as ilhas de calor na Maré e as maneiras eficientes de reduzi-las. A Nova Holanda foi escolhida como primeira etapa, depois as análises devem seguir para outras comunidades. “Eu espero que com este trabalho, os moradores possam ter as ferramentas para melhorar o conforto térmico na Maré, dentro do possível, e exigir melhorias no entorno com o objetivo de melhorar a qualidade de vida na Maré e na cidade como um todo, por um futuro mais saudável e sustentável para todos. Outro objetivo é conscientizar os governantes para a necessidade de a população ter um ambiente confortável”, conclui.

O geógrafo Andrews Lucena, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), entende que o estudo das ilhas de calor objetiva identificar os espaços mais quentes na cidade e possíveis estratégias para amenizar seu efeito no conforto térmico da população. “O morador terá condições de compreender como acontece o fenômeno e participar de fóruns junto ao poder público para buscar soluções de diminuir o desconforto térmico no bairro. As soluções passam pelo uso de novos pavimentos e revestimentos nas ruas e casas, além da necessidade de criação e manutenção de áreas verdes”, finaliza.

A cor preta da fachada da loja faz a temperatura chegar perto dos 53 graus, conforme a máquina fotográfica da pesquisadora, que consegue captar o calor por infravermelho | Foto: Carolina H Galeazzi

Consumo ou carinho?

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Para o 12 de outubro, pais tentam ajustar o orçamento à demanda dos filhos. Mas o que fazer quando isso não é possível?

João Ker

Enquanto uns esperam ansiosos a chegada de 12 de outubro, outros começam a se desesperar com o significado perdido da data e a demanda incessante de presentes que ela cria na mente do público infantil. Na TV, na escola e na internet, o Dia das Crianças já começa a espalhar sua publicidade agressiva e a incentivar o consumismo desenfreado dos brasileiros. Mas como lidar com o fato de que nem sempre é possível presentear seu filho ou sua filha com a última boneca da moda, o celular mais incrível ou aquela roupa de marca que todos estão usando? Como dosar o excesso de bens materiais com a oferta de carinho à criança?

Brinquedos por toda parte expostos em uma loja da Vila dos Pinheiros | Foto: Elisângela Leite

“Uma das grandes ilusões dos pais modernos é exatamente a de poder preencher, agradar ou satisfazer seus filhos com o próximo produto a ser oferecido. A mesma ilusão é produtora de sentimentos de culpa, fracasso e desvalorização pessoal quando não pode suprir as expectativas dos filhos. O produto em lugar do afeto e da atenção”, observa Roberto Stern, psicólogo e integrante da Comissão Regional de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do Rio. De acordo com ele, há um perigo latente em pais que não conseguem dizer ‘não’ aos filhos e atendem a todas as suas vontades, sem pensar nos danos imediatos e futuros que isso possa causar. “As crianças, provocadas e estimuladas a partir da propaganda e do conhecimento, naturalmente têm demandas sempre renovadas que expressam no interior da família. Quando esta responde atendendo continuamente a estes anseios, cria um padrão de relacionamento onde a oferta dos produtos é o significante do afeto. A criança pode só se sentir amada na presença dos presentes”, explica.

Entretanto, o psicólogo alerta que o problema principal não é a quantidade de presentes que uma criança recebe nesta ou em qualquer outra data, mas a forma como os pais atendem a esse pedido. “Quando eles participam do uso e permanecem próximos aos filhos, isso não funciona de forma equivalente àqueles que meramente entregam o mesmo presente e se distanciam”, aponta Roberto, acrescentando que ainda assim é preciso tomar cuidado com a “bonificação” desenfreada, que também pode ser nociva ao comportamento infantil.

Na escola, esse excesso de produtos e de consumo pode gerar uma diferenciação de certas crianças em relação a outras, um problema que ataca ambos os lados: os que têm demais e os que não conseguem ter. Há mais de 20 anos dando aulas na Ilha do Governador, nas redes pública e particular, para alunos que vão do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, Claudia Thompson conta como alguns alunos mais pobres se comportam próximo ao Dia das Crianças: “alguns criam uma fantasia porque ouvem o tempo inteiro na televisão que precisam comprar isso ou aquilo, ter o celular ou a roupa tal. A gente sabe que aquela família não tem nada disso, conhece a realidade, conhece pai e mãe, mas as crianças vivem em um mundo alternativo. Como você diz para a criança que ela não vai conseguir?” – questiona a professora de Geografia.

De acordo com ela, essas crianças normalmente se sentem isoladas e viram alvos temporários. “Não chega a haver uma inclusão. Quem ganhou quer mostrar que ganhou, a não ser que seja uma pessoa muito amiga. Mas isso depende bastante do aluno. Alguns menosprezam muito o outro, e isso vai da índole de cada um. É um fenômeno que eu observo tanto no ensino particular quanto no púbico. É uma questão de educação”, explica Claudia, que conta já ter ouvido até de alguns pais insensíveis que, se os filhos têm presentes, eles têm o direito de se exibirem.

Essas crianças precisam de atenção.

Ainda que as crianças em situação econômica mais vulnerável possam sofrer bullying ou mesmo uma tristeza temporária por não terem “o presente ideal”, isso não significa que aquelas presenteadas se sintam tão melhores assim. Para Claudia, existe um problema muito mais latente no ensino particular: pais que tentam corrigir a ausência afetiva com bens materiais. “Eu vejo muito disso na classe mais alta, de o pai tentar compensar o amor com presente”.  Ela conta que também já conheceu famílias em que os responsáveis passam o dia trabalhando fora e ainda assim não conseguem suprir algumas necessidades dos filhos: “Eles sempre vão tentar fazer de tudo pela criança, não importa a renda que tenham”, comenta.

Essa impossibilidade muitas vezes gera o processo inverso, como ela observa. Os pais se sentem culpados por não poderem presentear os filhos e, ao invés de suprirem a carência financeira com amor, acabam se distanciando ainda mais. “Quando eles têm problemas com os pais, passamos por situações muito complicadas na escola, porque fica evidente a falta que isso faz. Já tive caso de alunas que tentaram se matar no meio da escola, falando:  “por que meu pai tem filho se não quer saber da gente? Por que ele briga comigo por estar desempregado? Eu não tenho culpa!”, relata.

Com suas mais de duas décadas dedicadas à convivência com crianças e pré-adolescentes dos mais diferentes recortes sociais, Claudia afirma ainda que a necessidade do consumo infantil não é nenhuma novidade e que ela também passava por isso quando tinha essa idade. A mudança real está na relação entre pais e filhos, algo que ao longo do tempo se perdeu de uma forma nada positiva. “As pessoas não estão dando carinho. Em todos os níveis sociais, o que mais falta é atenção. E não precisa ser uma família no modelo tradicional, com pai, mãe e filhos – é só ter alguém que goste e demonstre. O resto, as crianças vão aceitando se você conversar”, alerta.

No âmbito escolar, ela conta que professores, orientadores e pedagogos fazem uma força conjunta para ajudarem os estudantes que eventualmente possam se revoltar com isso: “O que tentamos fazer é mostrar que pode não estar ganhando o presente que se quer hoje, mas no futuro poderá dar aquilo para o seu próprio filho. É preciso fazer um trabalho muito intenso para eles não ficarem perdidos, mas com conversa eles entendem. No fundo, a criança não está preocupada em ganhar presentes. É um problema apenas afetivo”, complementa, reconhecendo que ao longo da carreira já encontrou colegas com pensamentos diferentes e com certa relutância em incentivar alunos a se desenvolverem.

Roberto também afirma que trocar o carinho familiar por presentes, ou mesmo anular a atenção em função deles, pode gerar sequelas no comportamento das crianças. “O desenvolvimento da personalidade de uma criança, até que se torne adulta, está condicionado por muitos fatores e não apenas por um aspecto. Uma família que responda a essas necessidades de atenção, sempre e principalmente com a oferta de produtos, pode facilitar a estruturação de uma pessoa que compulsivamente necessite consumir para aplacar suas ansiedades. Isso pode ir desde um mero hábito consumista até uma situação patológica de consumo compulsivo”, alerta.

Para o psicólogo, as afirmações prestadas por Claudia estão corretas e devem ser levadas em consideração: o mais importante para o desenvolvimento saudável da mente de uma criança está longe de ser o que ela vai ganhar em qualquer data comemorativa: “naturalmente, a sociedade que diferencia e hierarquiza as pessoas por suas diferenças de posses, de cor, de região, de habitação é tremendamente perversa com as crianças, pois estas são afetadas diretamente pela propaganda. Porém não são produtos, mas atenção e afetividade que podem conter e evitar os sentimentos de desvalia que tendem a ser desenvolvidos neste processo”.

Movimentos: Drogas, Juventude e Favela

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Grupo de jovens de diferentes favelas  põe em discussão as políticas de drogas afetam a vida das  periferias do Brasil

Texto feito de forma  coletiva pelos moradores : André Galdino, Aristênio Gomes,  Henrique Gomes, Karina Donaria e  Mayara Donaria

Fala, morador! Ficou sabendo o que aconteceu na Nova Holanda no dia 2 de setembro? O lançamento do “Movimentos: Drogas, Juventude e Favela”, no Centro de Artes da Maré. O Movimentos é um grupo de jovens de diferentes favelas que discute como as políticas de drogas afetam e atrapalham, diariamente, a vida de quem mora nas periferias do Brasil. O Movimentos é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, o CESeC. Há mais de um ano esses jovens se reúnem para trocar informações e ideias sobre esse tema, em oficinas e grupos de estudo, com a presença de vários especialistas no assunto. Por que isso é importante? Por que nós, moradores de favela, temos de estar envolvidos nesse debate, uma vez que somos nós quem mais sofremos com as políticas feitas em nome da “guerra às drogas”, que na verdade é uma guerra aos pobres e pretos. Por isso mesmo, somos os mais capazes de dizer qual o melhor caminho para seguir.

O lançamento teve a presença de pessoas que trabalham com o tema e chegaram na intenção de contribuir. Na mesa, junto aos jovens do Movimentos, estava Djamila Ribeiro, filósofa e feminista negra; o professor de história e coordenador da UNEGRO Douglas Belchior; e Flávia Oliveira, jornalista. O debate rolou durante duas horas, com participação de uma plateia de mais de 300 pessoas, na sua maioria jovens, negros, de periferia, e de mais de 11mil pessoas que acompanharam o debate por meio da internet, pela página do grupo no Facebook. Ao final, um ataque poético dos Poetas Favelados, dando início às apresentações artísticas dos integrantes do Movimentos, que estão formando uma banda para difundir as ideias pela música e conseguir atingir mais gente de outra forma. Enquanto tudo isso acontecia, três projeções revelavam ao público vídeos dos encontros que aconteceram durante o processo de formação do grupo, com depoimentos dos jovens integrantes do Movimentos. Ainda, durante o processo de formação, esses jovens construíram uma cartilha informativa sobre tudo o que aprenderam e ensinaram. A cartilha, que também está disponível no site do grupo, está sendo distribuída ao público, para fazer o debate sobre drogas chegar em lugares onde dificilmente chega, nas favelas e periferias. A informação é nossa principal ’ “arma’’.

Dos 14 jovens que formam o Movimentos, cinco são moradores da Maré. André Galdino, 30 anos, morador do Parque União, foi agente de saúde durante quatro anos, é estudante de Economia e trabalha com a venda de quentinhas. Aristênio Gomes, 26 anos, paraibano e morador do Parque União desde os 8 anos de idade, é estudante de História e atua como Educador de História e Sociologia no Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM). Henrique Gomes, 34 anos, morador da Nova Holanda, trabalha com produção musical. Há sete anos, começou a trabalhar com pesquisa nas áreas de Segurança pública e política de drogas. É pesquisador na Redes da Maré e integra a equipe do projeto “Convivências na cena na Flávia Farnese”. Karina Donaria, 22 anos, moradora do Parque União, trabalha na produtora AMaréVê, é fotógrafa e videomaker. E Mayara Donaria, 21 anos, moradora do Parque União, trabalha com comunicação, audiovisual e também faz parte do AMaréVê.

Esses jovens estão no início de um caminho que ainda é difícil trilhar no Brasil: falar sobre drogas. Debater sobre esse tema é complicado, porque existem muitos mitos e tabus, mas é necessário. Muito do que pensamos saber sobre drogas está errado, e muitas das políticas feitas não têm funcionado! Em vários lugares do mundo essa transformação vem sendo feita, e novas políticas têm dado resultados positivos – o que nunca aconteceu em mais de um século de gastos com repressão e confrontos nas favelas e periferias brasileiras. Quer saber mais? Nos procure pela favela e em nossa página. http://www.facebook.com/Movimentos2017/

http://www.movimentos.org.br/publicacoes (cartilha)

 

Duas novas clínicas da família na Maré

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Clínicas da Família nascem de reivindicação feita pela população da Maré

No início da década de 1990 foram criados seis postos de saúde na Maré, que funcionavam nos CIEPs e eram administrados pelo Movimento Maré Limpa. De lá para cá, a Maré cresceu e os “postinhos” se sobrecarregaram. Apesar de terem status de Centros de Saúde, as instalações não tinham o tamanho das necessidades médicas. O Coletivo Maré que Queremos, que reúne 16 associações de moradores, percebeu o sofrimento da população e entregou um documento à antiga gestão municipal, com reivindicações, entre elas a criação de quatro Clínicas da Família.

A Secretaria Municipal de Saúde já queria devolver os espaços para as escolas. Os profissionais que estavam alocados no CIEP Leonel Brizola foram para o novo prédio do CMS Américo Veloso, na Praia de Ramos. Foi criada a primeira Clínica da Família da Maré, Augusto Boal, onde existia o antigo SESI, que acomodou os pacientes e profissionais do CMS Operário Vicente Mariano. Depois veio a Clínica da Família Abid Jatene, que extinguiu o CMS Ministro Gustavo Capanema, na Vila dos Pinheiros.

Duas novas clínicas

Ao lado do BRT Maré, no Parque União, ainda em outubro deve ser inaugurada a terceira Clínica da Família: “irão ser instalados os equipamentos da saúde bucal, as adequações das instalações de água e ligações de luz”, destaca Luiz Octávio, coordenador de demandas institucionais da Área de Planejamento. A unidade vai receber os profissionais e pacientes do CSM Hélio Smidt e CSM Parque União.  “Para a abertura, aqui no Parque União, vai ter um mutirão da Comlurb e do Parques e Jardins. A CET Rio vai instalar um semáforo no local”, afirmou Hildebrando Gonçalves, o Del, superintendente regional de Ramos.

A quarta Clínica da Família vai funcionar dividindo instalações com o CVT. “Estamos em fase de fechamento de projeto, para adaptar o local para uma Clínica da Família. Com essa quarta clínica, a saúde sai das estruturas dos CIEPs”, revelou Mariana Scardua, coordenadora-geral da AP 3.1. Para essa Clínica serão transferidos pacientes e funcionários do CMS Samora Machel e do CMS Nova Holanda, que funciona no CIEP Elis Regina.

Ato de Amor pelo Samora

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Hélio Euclides

Queremos o Samora de volta!” Essa era a reivindicação que estava em uma das faixas da manifestação do CIEP Presidente Samora Machel. O protesto Ato de Amor pelo Samora contou com profissionais, pais e alunos, que se reuniram em frente ao colégio no dia 6 de setembro e saíram pelas ruas da Maré em caminhada, para a retomada das obras no prédio, o fim dos arrombamentos e depredações e o retorno das aulas.

A passeata seguiu até a Avenida Brasil e o trânsito foi interrompido duas vezes. Motoristas entenderam o protesto, buzinaram como forma de apoio. “É um movimento de luta da comunidade que precisa da escola. Não aceitamos o fechamento do colégio e a paralisação da obra”, diz Rafaela Brito, mãe de um aluno.

Os professores vestiam camisas pretas, com os dizeres “SOS Samora”, para chamar atenção para as condições do CIEP. “O incêndio ocorreu por falta de conservação. Antes já tinha ocorrido três pequenos curtos-circuitos. Agora queremos a retomada da obra”, revela uma professora que preferiu não se identificar. Na passeata, os pais também empunhavam cartazes pedindo a atenção das autoridades. “Estamos aqui pela educação das crianças”, resume Mônica Loreto, mãe de aluna.

Instrumentos musicais e gritos de ordem animavam o protesto: “Aha, uhu, o Samora é nosso”. “No dia do incêndio eu estava ajudando. O poder do morador foi mostrado no ‘Maré de Notícias’, e desejamos continuar lutando pela educação. Quero minha filha no CIEP, e não em outra escola. É uma honra gritar pelo Samora e repetiria isso mil vezes, pois foi a escola em que estudei”, afirma Adriana Custodia, do Conselho Escola Comunidade.

 “Participei deste protesto, pois vi esta escola ser construída, e não aceito essa situação. Essa união vai nos ajudar a alcançar o nosso objetivo”, comenta Silvana Araújo, moradora da Maré. “Na Maré não precisamos pegar ônibus para levar os filhos à escola, ela está na nossa porta, por isso não podemos abandoná-la”, disse Aline Cristian.

Ao final da atividade, houve uma reunião da direção, profissionais de ensino e funcionários com Nilo Albuquerque, coordenador regional da Maré; Marisa Barros, subgerente de educação; e Hildebrando Gonçalves, o Del, superintendente de Ramos. Na reunião foram detalhadas as obras necessárias e todos saíram com uma boa notícia: “a reforma vai ser retomada no dia 11 de setembro”, declarou Del.