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Atenção ao curtir e/ou compartilhar

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Maré de Notícias #91 – 01/08/2018

Como se proteger dos perigos na internet e as consequências dos crimes cometidos nas redes sociais

Maria Morganti

O que antes da vida digital e da existência das redes sociais poderia ser uma fofoca, espalhada boca a boca, com a internet pode chegar a causar mortes. Este foi o caso de Fabiane Maria de Jesus, que foi espancada até morrer no litoral de São Paulo, em maio de 2014. A vítima foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças, que teve seu retrato falado divulgado por uma página na internet. Quando a confusão foi desfeita, e a identidade de Fabiane reconhecida, já era tarde demais.


Fake News

Um dos casos mais recentes de vítimas de mentiras, as chamadas fake news, envolveu o jovem Marcus Vinicius da Silva, de 14 anos, assassinado quando estava indo para a escola durante uma operação conjunta da Polícia e do Exército aqui na Maré, no último dia 20 de junho. Imagens de um garoto com uma arma na mão foram publicadas na rede social Facebook, com legendas que afirmavam ser fotos de Marcus Vinicius. “Muita gente ficou revoltada com aquela mentira. Saiu muita gente em defesa dele, porque essa fake news que foi feita não foi aqui na nossa comunidade. Foi de fora, de gente que a gente nunca viu na nossa vida. E a galera toda, a Maré inteira e a comunidade inteira ficaram surtando quando viram essas coisas. A Maria Vitória (irmã de Marcus Vinicius) ficou arrasada, porque ela sabe que o irmão não era aquilo.  “As pessoas ficam usando a internet pra fazer isso. O Facebook deveria ser processado também. Porque antes dessas coisas se espalharem, ele é obrigado a fazer uma verificação dessas coisas. Ninguém verifica nada. Chega lá, comenta e publica o que quer”. “O Facebook tem milhões e milhões de pessoas. Eles não poderiam fazer isso? Filtrar essas coisas antes de ser postadas? Poderiam! Além de sofrer com a morte do meu filho, ainda tive de sofrer com fake news”, afirmou Bruna da Silva, mãe do Marcus.

O Tribunal de Justiça do Rio determinou, no dia 29 de junho, que a rede social tirasse as imagens do ar sob multa de R$ 100 mil. Os advogados que entraram com esse recurso foram os mesmos que defenderam o caso da ex-vereadora Marielle Franco, também vítima de fake news, após ser assassinada no dia 14 de março.


Muita atenção ao compartilhar

Está em análise na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6812/17, que tornam crimes a divulgação e o compartilhamento de notícias falsas. A pena prevista é de prisão de 2 a 8 meses e o pagamento de 1,5 a 4 mil reais de multa por dia. Para evitar situações como estas, existem vários sites de checagem e informações pelo mundo. No Brasil, há o www.boatos.org, que identifica as notícias mentirosas por aqui. O site nexo também listou medidas para evitar o compartilhamento de informações falsas: saber o histórico do site onde a notícia foi publicada, principalmente quando está falando mal de alguém; desconfiar, quando uma notícia tem muitos adjetivos, tanto positivos quanto negativos; e o mais importante: não compartilhar informações que você tenha ficado na dúvida se é verdade ou mentira, mesmo se for para “ajudar alguém”, como nas diversas correntes por WhatsApp que aparecem todos os dias.   

O site SaferNet Brasil, uma das entidades de maior referência no enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na internet, recebe, em média, 2.500 denúncias por dia envolvendo páginas com evidências de crimes de pornografia infantil ou pedofilia, racismo, neonazismo, intolerância religiosa, apologia e incitação a crimes contra a vida, homofobia e maus tratos contra os animais.

Caso Carolina Dieckmann

No Rio de Janeiro, crimes praticados na internet como injúria, estelionato, ameaça e extorsão podem ser denunciados na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI). Criada em 2000 para prevenir e reprimir as infrações penais cometidas com recursos tecnológicos de informação computadorizada (hardware, software e redes de computadores), como descrito no Decreto Estadual, a Lei 12.737 de 2012 ficou mais conhecida após a repercussão do caso da atriz Carolina Dieckmann.       

A atriz foi chantageada por um grupo de hackers do interior de Minas Gerais e de São Paulo, que invadiu o e-mail da artista e roubou imagens pessoais. Eles cobraram R$ 10 mil para que as fotos não fossem publicadas. A equipe de policiais da DRCI usou programas de contraespionagem para chegar aos suspeitos, que foram processados por extorsão, difamação e furto.

A força do episódio contribuiu para sancionar a Lei, que ficou conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que torna crime a invasão de aparelhos eletrônicos com multa e detenção de seis meses a dois anos -e que pode aumentar de um a dois terços, se houver divulgação, comercialização ou envio de informações como dados sigilosos. Depois da Lei, as informações do cartão de crédito passaram a equivaler aos dados de documentos particulares, para que os autores sejam punidos como falsificadores de identidade.

A Delegacia Especializada fica na Avenida Dom Hélder Câmara, nº 2066, no Jacarezinho, dentro da Cidade da Polícia. “Lá é uma das que ficam mais cheias”, disse um policial da Central de Atendimento ao Público, que encaminha a pessoa para a sala da DRCI, “segue em frente, e desce a rampa. Fica na primeira à esquerda”, orientou.

  O atendimento é por ordem de chegada e, apesar de ser possível realizar um registro de ocorrência pela internet, o mais indicado é ir pessoalmente e, de preferência, levando o celular e/ou o computador para ser analisado. Outra orientação é levar os impressos com o endereço do site (url) em que houve o crime no topo da folha. A maioria das ocorrências são de ofensa, estelionato, pedofilia virtual e ameaças de extorsões graves, segundo o inspetor da Delegacia, que não quis se identificar.

Como se proteger?

Qualquer pessoa que tenha acesso à internet pode ser vítima de criminosos virtuais. Por isso, está em processo de criação uma cartilha da DRCI com orientações para se proteger. Enquanto ela não sai, o ideal é fazer logoff, sair da sua conta, toda vez que acessar um site como e-mail ou perfil nas redes sociais. Outra dica é fazer senhas que sejam difíceis de deduzir, evitando datas, placas de carro, endereço, time de futebol, nome de pessoas próximas ou apelidos, e não economizar na hora que for instalar um antivírus. Também é importante ter cuidado na hora de se relacionar na internet, e sempre com pessoas que você já conheça (pessoalmente ou indiretamente), e nunca compartilhar dados, senhas, imagens ou fotos íntimas, como as chamadas “nudes”.

Profissão: youtuber

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Maré de Notícias #91 – 01/08/2018

Três crias da Maré no caminho da “profissão do futuro”

Maria Morganti

Likes, compartilhamentos e comentários se transformaram em ferramenta de trabalho para jovens como Bianca Andrade, a dona do blog “Boca Rosa”, Ana Helena Pisponelly e Renato Cafuzo. Os três são “crias” da Maré e youtubers. O trabalho de produzir vídeos sobre qualquer assunto e de onde estiver, para a rede social YouTube, foi transformado em profissão após a revolução digital, e caminha para ser uma daquelas chamadas “profissões do futuro”.

Segundo o Relatório YouTube Insights 2017, divulgado em julho do ano passado, o site atingiu a marca de 98 milhões de usuários mensais no Brasil, sendo que 35 milhões só nos últimos dois anos. O levantamento afirmou que 96% dos jovens entre 18 a 34 anos acessam a plataforma, e 76% dos brasileiros consomem vídeos de moda e beleza. E foi falando de moda e beleza que “Boca Rosa”, a Bianca Andrade, ex-moradora do Parque União atingiu cinco milhões de inscritos no YouTube e mais de seis milhões de seguidores no Instagram. Já foi protagonista de sua própria peça de teatro, colunista do programa “É de Casa” da TV Globo e estrela de peças publicitárias de uma grande empresa de telefonia.

Não se mete, Marilene

Conhecida também como “próspera”, Ana Helena Pisponelly tem mais de 100 mil inscritos no seu canal – o que a fez receber do YouTube uma plaquinha e ter acesso a um estúdio para criação de conteúdos. Ana Helena ficou conhecida depois que seu vídeo viralizou nas redes sociais. Nas imagens, ela aparece deitada, falando sobre quando um cantor olhou pra ela durante um show. No relato, Ana Helena diz que seu namorado, que estaria do seu lado da cama, teria ficado com ciúmes, porque o artista “estava olhando pra ela”. Até que a jovem é interrompida pela mãe, que diz que “não tem ninguém aí”. Nesse momento, Ana Helena responde o que virou o bordão: “Não se mete, Marilene”.

Produtores de conteúdo

“Se você trabalha com conteúdo, tem de ficar postando direto. Por exemplo, vai fazer um mês que não posto um vídeo novo no YouTube, mas eu fico postando no Instagram. Mesmo eu não colocando vídeo, o meu número de inscritos no canal só aumenta e, se eu continuar, a tendência é só crescer. Infelizmente, eu gravo quando surge uma vontade. Se eu falar que vou postar, acabo não postando, é no meu tempo. Não tinha de ser assim, tinha de ter um compromisso, mas eu acho que assim pode acabar caindo na rotina, e eu não consigo. O meu trabalho é bem espontâneo, tenho de estar com aquele espírito de querer fazer”, relata Ana Helena. Mas nem tudo são flores. “Eu fico mal com comentários negativos. Às vezes, alguém manda mensagem no direct do Instagram me ofendendo. Quando acontece, eu fico chateada. Eu estou tentando trabalhar isso, de não me abalar, porque é a minoria que faz”, desabafa a “próspera”. 

Renato Cafuzo, “cria” do Morro do Timbau e hoje morador de Jacarepaguá, tem um canal no YouTube com mais de 600 inscritos, que aborda super-heróis e quadrinhos com protagonistas negros, o Niggek. Em um dos vídeos, ele apresenta a história da irmã gêmea negra da Mulher-Maravilha e, em outro, comenta o filme “Pantera Negra”. “É raro ver pessoas negras na mídia. Na ficção isso também acontece. Eu acho preocupante demais não darmos a devida atenção ao que é criado ou transmitido às crianças que estão desenvolvendo seus próprios valores ali enquanto sonham. Quando fiz o canal, em janeiro, fiz pensando em propor esse diálogo”.

Profissão rentável?

Apesar de já ter seu canal monetizado, ou seja, já receber dinheiro por número de visualizações e inscrições, a “próspera” Ana Helena não revela quanto ganha, mas diz que não se sustenta com os vídeos. “Não é nem por causa do dinheiro, porque eu não vivo de vídeo, é porque eu fico muito feliz quando eu posto uma coisa e a galera começa a comentar e os comentários são uma coisa mais engraçada que a outra. Ao receber mensagens como eu recebi ontem, ‘poxa Ana, eu estava muito triste e você me alegrou; os seus stories são a única coisa que me alegra na semana’, eu fico pensando: será que vale a pena desistir disso tudo? ”

Alguma coisa está fora de ordem

Maré de Notícias #91 – 31/07/2018

Operação policial usa helicóptero ilegalmente para disparar tiros pela Maré

Hélio Euclides

Foram três operações policiais no Rio, em junho, com uso de helicóptero como plataforma de tiros em comunidades. A ação – que é ilegal – ocorreu no dia 7, na Cidade de Deus. A segunda operação, no dia 11, na Maré, nas localidades do Parque Maré, Nova Holanda, Rubens Vaz e Parque União. E a última, no dia 20, também na Maré, entre o Conjunto Esperança e a Baixa do Sapateiro, que deixou sete mortos, entre eles, um adolescente uniformizado a caminho da escola.

A operação do dia 20 de junho reuniu policiais da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas, com apoio das Forças Armadas. Segundo informações da Polícia Civil, o objetivo era cumprir 23 mandados de prisão e checar informações de inteligência. A ação contou com um helicóptero da Polícia Civil e o uso de seis blindados, sendo dois do Exército. Segundo moradores, o “caveirão voador” fazia voos rasantes e de cada um deles eram disparados tiros, que deixaram rastros pela comunidade da Vila do Pinheiro. Apesar de nenhum dos mandados de prisões terem sidos cumpridos, e das execuções, o relatório policial entregue ao Ministério Público e à Justiça avalia essa operação violenta como de “grande êxito”.

A ação deixou um rastro de sangue e terror na Maré. As marcas no chão da favela deixaram moradores chocados. O número de mortos ainda poderia ser maior: em um dos casos o morador tentou se proteger no carro e teve o veículo alvejado, numa total prova do despreparo da ação. Moradores e integrantes do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré assinalaram as vias da comunidade onde havia marcas de tiro. A equipe contou 59 em um espaço de 280 metros, somente na Via B/1, Vila do Pinheiro. Várias outras vias estão na mesma situação. Foram mais de 150 tiros contabilizados.

No dia 25 de junho, moradores da Maré, instituições e órgãos públicos se reuniram com a chefia da Polícia Civil para definirem um protocolo referente ao uso de helicópteros em operações policiais. Nesse encontro, foi entregue um documento pedindo a adoção de medidas para diminuir a letalidade das operações. Helicópteros são, por lei, usados como Rádio Patrulha, auxiliando policiais que estão em terra. Fazer do helicóptero plataforma de tiro, onde alvos não são específicos e os tiros são dados a esmo é desrespeitar direitos, como o de ir e vir, e o mais fundamental de todos, o direito de viver.

Gente como a gente

Foram seis pessoas executadas na operação, pessoas que não tiveram seus direitos fundamentais respeitados pelos agentes do Estado. Segundo relatos de moradores, os cinco rapazes se renderam e, ainda assim, foram sumariamente assassinados. Policiais são acusados ainda de alterarem a cena do crime, jogando os corpos do 2° andar de uma casa e movendo-os para outra residência. Os policiais utilizaram luvas e depois as descartaram. Os cinco rapazes mortos são: Felipe Francisco Pereira, de 39 anos; Igor Barbosa dos Santos, de 22 anos; Paulo Henrique Silva de Oliveira, de 29 anos; Kelvin Duarte Santana, de 18 anos e Manoel Lopes da Silva Junior, de 24 anos.

O sexto jovem é Levi Moreira Pessoa, de 18 anos. Ele estava dormindo quando foi surpreendido por policiais e morto com um tiro de pistola. Levi estudou até a 5ª série. “Não sai da memória o que vi na Maré. Foi uma chacina, algo muito violento. Ele estava dormindo e o local não tinha duas saídas, então não tinha como ele fugir”, desabafa José Feliciano Pessoa, pai de Levi.

Outra vítima foi o estudante Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, que estava uniformizado, a caminho do CIEP Operário Vicente Mariano. A Delegacia de Homicídios abriu inquérito para apurar as circunstâncias da morte do estudante. Foi feita uma reconstituição para determinar de onde partiram os tiros. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) revela que Marcos foi baleado pelas costas. De acordo com os peritos, a bala não ficou alojada no corpo do adolescente e saiu pela barriga.

Marcos nasceu no Hospital Federal de Bonsucesso no dia 3 de fevereiro de 2004. Estudou no CIEP Gustavo Capanema, na Escola Professor Paulo Freire, na Escola Bahia e no CIEP Operário Vicente Mariano. Fora da escola praticava karatê e Jiu-jitsu, e gostava de assistir jogos do Flamengo. Era vaidoso. “Não esqueço quando ele me pedia dinheiro para cortar o cabelo, algo que fazia sempre, queria ficar impecável. Estou de luto, mas não posso parar, tenho de cobrar do Estado”, desabafa Bruna.

Um abraço pela paz

No dia 27 de junho, as 45 escolas da Maré junto com organizações das comunidades fizeram um ato pela morte do menino no CIEP Operário, onde Marcos Vinícius estudava. Faixas e cartazes com mensagens contra a violência foram erguidos, e houve um abraço simbólico em homenagem ao adolescente. “A morte do Marcos não pode cair no esquecimento. A Maré necessita de paz. Fica difícil se pensar em melhorar a educação, sem paz”, enfatiza a professora Fátima Barros, responsável pela 4ª Coordenadoria Regional de Educação. “Quando se mata uma criança, se mata a esperança. É preciso lutar pela vida, contra a violência que atinge crianças que se defendem com o lápis”, acrescenta Carlos Renato, pai de uma aluna de outra escola da Maré.

Um vizinho da Maré

Bem ao lado do Conjunto Esperança encontra-se o prédio da expansão da Fiocruz, um edifício que já abrigou o Ministério da Saúde. A operação do dia 20 de junho levou pânico para funcionários e pacientes. “Nesse dia, tivemos de evacuar o prédio de extensão, que abrigava cerca de mil pessoas. Teríamos um debate com o teólogo Leonardo Boff, que vinha de Petrópolis, mas teve de voltar. Paramos os serviços, como o da bactéria que elimina o mosquito da dengue. Um risco para o projeto, que funciona 24 horas por dia”, relembra Valcler Rangel Fernandes, médico, chefe de gabinete da presidência da Fiocruz. “Para nós, é estranho e nada trivial um helicóptero dar voos rasantes, caçando pessoas dentro de um bairro. Isso é um exagero, igualmente o caveirão dando tiros nas ruas. A Justiça é que pode dizer quem é bandido, e não um policial que está num helicóptero. Pedimos uma audiência com o interventor. Queremos reiterar que queremos paz”, relata o médico.

Nísia Trindade de Lima, presidente da Fiocruz, se sentiu atônita com a operação. “Não podemos achar normal a Fiocruz ter parado por causa da violência. Paramos de fazer vacina de sarampo e poliomielite, logo neste momento que o País passa. Trabalhamos contra a ideia de uma cidade em guerra, pois não se pode tudo”, afirma.

 

Intervenção para quem?

A intervenção militar teve início no dia 16 de fevereiro de 2018, por Decreto do presidente Michel Temer, que instituiu o general Walter Souza Braga Netto como interventor federal. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), entre janeiro e maio de 2018 as delegacias fluminenses registraram 606 mortes pela polícia, um aumento de 25% e 123 vítimas a mais, em comparação com mesmo período em 2017. Apenas no período de intervenção, entre março e maio de 2018, o ISP contabilizou 352 mortes decorrentes de ações policiais, um aumento de 17% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Para Luiz Eduardo Soares, cientista político, a intervenção é um barco à deriva. “A intervenção militar teve motivação eleitoreira, instrumental, demagógica, oportunista e irresponsável. O Exército se sente muito mal, instrumentalizado pela Presidência da República, porque sabe que essa não é a solução para o problema de violência do Rio. As Forças Armadas ficam numa situação delicada, pois percebem que é um ato sem planejamento. O general Eduardo Vilas Boas já tinha declarado, a respeito da ocupação na Maré, que esse tipo de intervenção não funciona, o Exército não está preparado, essa não é a sua função”, enfatiza.

“Num ambiente militarizado, a ideia de combate e guerra se fortalece, e surgem práticas de violação e brutalidade, um ciclo vicioso que cria muito mais dificuldades.  A Segurança Pública do Rio de Janeiro precisa de uma reforma profunda das polícias, de uma repactuação com as comunidades, para acabar com a continuidade desse genocídio de jovens pobres e negros nos territórios vulneráveis”, acrescenta Luiz.

O Fórum Basta de Violência, outra Maré é Possível realizou, no dia 5 de julho, o debate público “Perturbando Juízo!”, para propor canais de diálogo e transparência do poder público sobre a  Ação Civil Pública da Maré (ACP Maré). Os representantes das Polícias e da Segurança Pública do Estado foram convidados, mas não apareceram, apenas a Defensoria Pública participou.

 

Um balanço do mercado imobiliário da Maré

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Maré de Notícias #91 – 31/07/2018

Corretores dizem que a crise derrubou procura de imóveis na favela

Hélio Euclides

Durante muito tempo o comércio de imóveis na favela foi algo muito vantajoso. Hoje, apesar das novas construções e reformas espalhadas pela Maré, tanto o aluguel quanto a venda tiveram quedas. Segundo as imobiliárias, a crise, o arrocho econômico e o desemprego desaqueceram o mercado, ocasionando perda do poder aquisitivo, trazendo algo não comum na Maré: a pouca procura e o grande número de imóveis ofertados.

No Maré de Notícias, Edição 17, de maio de 2011, foi citada a especulação imobiliária. Naquele ano, quem tinha alguma receita, como indenizações trabalhistas e fundo de garantia, investia em imóveis. Isso reduzia a oferta de casas e pontos comerciais na favela. A busca era grande e o preço também aumentava, ocorria a lei da oferta e da procura.

O tema voltou ao Maré de Notícias, na Edição 50, em fevereiro de 2014. O texto mencionava os preços dos imóveis na Maré, que estavam nas alturas. Apesar do preço, os imóveis para venda e aluguel estavam concorridíssimos. Hoje, quatro anos depois, as coisas se inverteram. “Os preços ficaram mais baixos por causa da situação do País. Diminuiu o valor dos aluguéis, em média de 700 reais, para 500 reais, isso para segurar o inquilino antigo. Já para a compra é a melhor oportunidade”, comenta Robson da Silva, dono da imobiliária Robvendas.

Robson entende que a crise evoluiu para mudanças nos hábitos de vida. “As famílias estão se adaptando, tem filho saindo do aluguel e construindo na laje dos pais”, argumenta. Para ele, o Parque União é o lugar mais caro, por ficar próximo da entrada da Ilha do Governador. Já na Nova Holanda, encontra-se casas de dois quartos ao preço de 80 mil reais.

Desânimo sim; desistir do negócio, jamais

Pedro de Oliveira mora na Vila do Pinheiro e tem outro imóvel da família que colocou à venda. “Já estou tentando vender há um tempo. Mas veio a crise e os preços dos imóveis tiveram de cair. O preço inicial era 150 mil reais, hoje reduzi para 120 mil”, relata. “Acredito que estão com medo de investir, deixando o dinheiro no Banco. Mas a favela é o melhor lugar para se morar”, lembra Ana Paula, dona da imobiliária Irmãs Guimel.

O Índice de Velocidade de Locação revela que houve crescimento do número de negócios fechados na cidade do Rio, aumentando 17,6%, em comparação a março de 2017. Ana Paula discorda da pesquisa. “Só lá fora que dizem que aumentaram as transações de imóvel, o que é mentira das grandes imobiliárias. A verdade é que tivemos de reduzir o preço; um exemplo é a quitinete, que hoje sai por 15 mil reais; outro é a laje, por 20 mil. Um imóvel já chegou a ter o valor três vezes maior do que vale hoje”, expõe.

Para Josemar Nazário, da Corretora Novo Lar, é preciso usar a criatividade para superar as dificuldades financeiras do ramo. “O que estamos usando para fugir da crise é a venda parcelada”, explica. Ele acredita que se crédito imobiliário fosse possível na favela, seria outra facilidade, mas a inviabilidade se dá na falta de documentação necessária. A esposa Natali Nazário detalha que os locais mais caros estão em Bento Ribeiro Dantas, pela proximidade com Linha Amarela, e no Morro do Timbau, que tem casas grandes e não coladas. Já na Vila do João é o acesso à Avenida Brasil. “Pela falta de dinheiro na rua, as vendas acontecem por troca de casa dentro da Maré, e outras para voltar à terra natal. Tem também casos de pessoas que voltam para cá depois do susto com os gastos fora da favela”, acrescenta.

 

VALORES DE COMPRA DE MORADIA NAS DIVERSAS FAVELAS DA MARÉ

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Samba e pagode: Maré, terra de bamba

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Maré de Notícias #91 – 31/07/2018

Para todos os gostos, quase todos os dias da semana o ritmo de quem é bom da cabeça e não é doente do pé

Maria Morganti

Quinta, sexta, sábado e até domingo. Na Nova Holanda, Vila do Pinheiro ou Piscinão de Ramos. O que não falta nas 16 favelas da Maré é opção para quem quiser curtir um samba ou um pagode, com direito à cerveja gelada e música da melhor qualidade, é claro. “O samba sempre foi forte aqui na Maré, porque é raiz, não tem como você tirar. Em qualquer lugar o samba é forte. Não tem isso ou aquilo. O samba está na raiz do povo brasileiro, não vai se perder nunca”, constata Alexandre de Mello Gonçalves, o Dão, integrante do Grupo Nova Raiz do Samba.

Nascido no Morro da Formiga e “cria” da Baixada Fluminense, dos 41 anos de vida 25 foram vividos no samba. Mas foi por outro ritmo que Dão veio parar na Nova Holanda: “eu vim pra conhecer o famoso baile do CIEP da Nova Holanda. Nessa época que eu frequentava baile funk,  fui vítima de violência. Fui agredido sem ter feito nada. Dois dias depois eu queria me vingar.  Acabei me envolvendo em briga de corredor e depois já estava até praticando alguns atos criminosos. Eu sinto até vergonha, mas tenho de falar, porque eu sirvo como exemplo pra mostrar que com oportunidade você consegue mudar a direção das pessoas. Tem uma música do Bezerra da Silva que fala que “se não fosse o samba, quem sabe hoje em dia eu seria do bicho”, porque a vida é complicada. Nesse momento da minha vida, digamos que o samba me escolheu. O moleque apareceu na minha porta lá e o samba me levou em lugares que eu nem imaginava. Viajei Brasil afora por causa do samba, foi uma grande oportunidade na minha vida”.

Batucada boa

O “moleque” a quem Dão se refere é um menino que ficava “que nem um maluco, tocando sozinho na rua”. Até que ele próprio, depois de ver um amigo morrer enquanto assaltava e experimentar a paternidade, tudo ao mesmo tempo, começou a “brincar com ele”.

“Eu sempre gostei de samba, na época do Morro da Formiga, a gente descia pra carregar água no botijão, no galão de água, e ficava batucando, cantando as músicas do Almir (Guineto), do Bezerra (da Silva). Aí veio tudo na minha memória de novo. Eu falei, ‘eu sei fazer isso aqui’. A gente começou a interagir com aquele pagode, a fazer churrasco… Tinha um amigo que tinha um cartão de crédito legal, aí fomos na loja e compramos uma porção de instrumentos, caixa de som, microfone. Aí todo domingo a gente fazia o nosso pagode”. Dão conta que, na época, já existiam alguns grupos na comunidade e que eles começaram a seguir também, como o Grupo Lá Samba, da Maré.  

Para Pedro Artur da Silva, o Pedrinho, de 34 anos, morador de Rubens Vaz e integrante do Grupo Fundamental, o que não faltou foi inspiração. Tanto do Nova Raiz, de Dão, como do Lá Samba. “A gente tem os grupos antigos daqui como espelho nosso, tem o grupo La Samba, a galera que hoje é o Nova Raiz. São uns caras que a gente já assistia tocando e já servia de inspiração pra gente”.

O Samba na Maré

“Eu vejo bem o samba na Maré, tem uma galera boa trabalhando firme. Porque durante muito tempo houve muita dificuldade pra você registrar o seu trabalho, você gravar discos se não tivesse gravadora, se não tivesse um grande empresário, você sozinho não conseguia. Hoje você consegue fazer um trabalho, você tem as redes sociais que te ajudam. Tem uma galera boa aí na Maré trabalhando firme”, conta Dão.

Já Pedrinho tem outra visão: “eu tenho uma opinião muito polêmica. Primeiro, a gente é muito desvalorizado. As pessoas não acreditam nos grupos que tem aqui, mais por parte das pessoas que contratam. Porque você vai dar um preço pra fazer um show e a pessoa quer te diminuir, e isso é ruim. E a outra coisa é que os grupos não são unidos. A gente no Fundamental preza muito essa união e a gente vê muito o desprezo dos outros”.

Samba ou Pagode?

Os dez anos que separam os integrantes do Grupo Nova Raiz e do Fundamental não fazem diferença quando o assunto é “samba x pagode”. “O pagode e o samba, na verdade, são a mesma coisa. Só que hoje a gente usa o pagode pra falar das músicas mais românticas, mais lentas, porque tem o partido alto, o samba, o samba de escola de samba. A diferença é mais na batida, na levada de como você conduz a música. A gente defende o samba e pra mim o samba é muito amplo”, explica Pedrinho.

Dão só é um pouco mais contundente: “isso é de uma ignorância tremenda. Porque não existe diferença, tudo é samba. É igual rock. Tudo é rock, tem o metal, tem o rock mais pro lado romântico. Tem várias vertentes. Eu não vejo tanto separatismo. A não ser para o fã, para o ouvinte, cada um tem seu gosto. Agora, para os músicos não pode haver esse tipo de interferência, não pode existir essa coisa do preconceito. Muitas portas se abriram por causa do pagode dos anos 1990. Muitos hoje que batem no peito dizendo que são sambistas, porque tocam numa roda de samba mais tradicional, começaram a ouvir esses ritmos, Katinguelê, Negritude Júnior. Daí o cara começa a conhecer a estrutura do pagode que eles tocam, tem pandeiro, tem cavaco, tem surdo, tem violão, tem tantan, tem repique é samba. Sendo que é uma outra linha de samba. É um universo apaixonante e que não pode ser fechado para uma vertente ou para outra”.

Fundamental sem fronteiras

A música “Dê outra chance” do grupo Fundamental cruzou a fronteira da Maré e é uma das mais tocadas na cidade de Campos Novos, em Santa Catarina, no Sul do Brasil, segundo Pedrinho. “É uma música estourada aqui na comunidade e está em primeiro lugar lá. Isso fez com que a galera goste de nós, mesmo sem a gente entender”, conta rindo.

Dão diz que, para ele, o melhor momento da roda de samba é quando “todo mundo está cantando”. “O Nova Raiz não tem vocalista, todo mundo canta. Aliás, a gente nem gosta de cantar, a gente gosta de ver os outros cantando, o povo. Quando está todo mundo cantando na roda de samba é o melhor momento que tem”.

E o público reconhece o sucesso: “que papai do céu abençoe o grupo Fundamental, vocês ainda vão chegar muito longe, pela humildade de vocês”, diz pelo áudio do WhatsApp um fã, arrancando lágrimas de Pedrinho. “Quem não entende muito bem são as nossas esposas, porque tem o ciúme e tal”, confessa o músico.