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Seremos muitas Marielle’s

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Kamilla Valentim em 01/07/2018 para o Maré de Notícias

Era noite de 14 de março de 2018.

Quando recebi a infeliz notícia, através do celular

“Vereadora Marielle Franco morta a tiros”

Eu lia e relia, mas não queria acreditar

 

Abri a geladeira e a cerveja. Parei, sentei e ali permaneci

Tentando pensar: Alguém vai desmentir

Me obriguei a ir dormir pra tentar absorver, esquecer, procurar outra faceta

Sonhei com Djamila Ribeiro, outra mina preta

Acordei confusa, afinal, quem morreu? Foi Djamila, Marielle ou fui eu?

 

Já era quinta-feira de manhã. A notícia se confirmou

Que tiro foi esse? Não foi um arraso! Mas sim, me arrasou.

Me arrasaria mesmo se fosse apenas um. Mas foram nove

Tamanho o ódio que uma mulher preta vereadora promove

Nove tiros no carro, em Marielle, no meu espelho

Não consigo me ver por inteira. Só vejo pedaços. Só sinto receio.

 

Fui pro velório na Cinelândia, abraços apertados, dor, desesperança…

Chovemos sem parar naquela quinta de sol

E depois de um dia intenso, estou a me perguntar: Existe algo que possa nos blindar?

A sensação é de que não. Nada nos blinda e nem nos protege

Nem mesmo graduação, dissertação ou tese

 

É Marielle, sejamos Francos: Quantos de nós já te executamos?

Como explicar a ausência de mulheres como você no Legislativo, no Judiciário e no Executivo?

É execução que se fala? Invisibilidade que se fala?

Racismo, machismo ou lesbofobia que se fala?

Talvez sejam todos esses fenômenos juntos. Porque nossa existência é holística

 

É, Marielle, você sequer foi ameaçada.

Mas um corpo preto nunca precisa de ameaça pra ser morto.

A gente tá sempre na linha de frente

 

Marielle, você sabe… Sabia…

Nossos heróis e heroínas não morrem de overdose

Morrem executados

Enforcados

Ensanguentados

Desfigurados

Você virou símbolo porque sabia disso! Porque lutou contra isso!

Símbolo de um luto coletivo. De uma luta coletiva.

Você ocupou! Denunciou! Transformou! Nos representou!

Você tentou mover estruturas

E foi essa estrutura que se incomodou!

 

Seu assassinato nos apavora, mas nos deixa um recado:

Além da dor, a certeza de seu enorme e potente legado

A certeza de que não podemos ser UMA Marielle, senão viramos alvo

Temos que ser muitas, cada uma em sua esfera

Porque somos mulheres pretas, ninguém aqui é Cinderela

Não perdemos sapatos. Perdemos nossos filhos, irmãos, primos…

Perdemos nossa própria vida numa rua da Estácio…

São sempre nossas vidas. Não importa se na favela ou no asfalto.

 

E sim Marielle, nós não seremos interrompidas!

Seremos protagonistas

Nossos corpos vão ocupar diferentes espaços

Por falar em corpo, Marielle, levaram o seu…

Num assassinato brutal um silenciamento material

Era só isso que esses covardes podiam tentar

 

As águas de março fecharam o verão

Não sei dizer se há promessa de vida em meu coração…

Mas a sua existência, Marielle, com certeza não foi em vão.

Porque assim como Martin Luther King, Marielle

I still have a dream!

Eu ainda tenho um sonho! E não, não serei interrompida!

Reunião entre Redes da Maré e Associações de Moradores da Maré com o Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro

Em 25/06/2018

A Redes da Maré participou hoje de uma reunião com o chefe da Polícia Civil com as Lideranças comunitárias da Maré, moradores, DPE – Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Entidades de Direitos Humanos e o Fórum Basta de Violência, Outra Maré É Possível. As propostas firmadas pelas instituições na reunião foram: acompanhamento dos homicídios na Maré; uma agenda de reuniões permanentes entre a Defensoria e moradores da Maré para a construção do plano de redução de danos da Policia Civil; criação de um protocolo para o uso de Helicópteros em operações policiais nas favelas. A #RedesdaMaré está acompanhando junto à Defensoria Pública, e Delegacia de Homicídios o caso da chacina que deixou 5 mortos: Kelvin Duarte Santana, Francisco Felipe Pereira, Paulo Henrique Silva de Oliveira, Igor Barbosa dos Santos, Marcos Vinícius, na última semana no Conjunto de Favelas da Maré. Os estudantes
Marcos Vinicius, de 14 anos, e Levi, de 18, também foram mortos nesta operação.

Clique aqui e confira a carta que os membros do “Fórum das Associações de Moradores da Maré – A Maré que Queremos
e Fórum Basta de Violência! Outra Maré é Possível!” entregou ao Chefe da Polícia Civil.

Uma manhã de saúde na Baixa do Sapateiro

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Em 25/06/2018

Hélio Euclides

Moradores da Baixa do Sapateiro participaram da 2ª Ação Social de saúde promovida pela Associação de Moradores e CECAMP (Centro Educacional Cassandra e Marcelo Paes), na manhã de 02 de junho. O evento reuniu 25 alunos do curso técnico de enfermagem, que promoveram serviços gratuitos, como teste de glicemia, verificação de pressão arterial, acompanhamento de índice de massa corporal e vacinação contra a gripe influenza em gestantes e idosos.

“A ação visa o acesso da população aos serviços. O objetivo é sensibilizar e promover saúde preventiva”, analisa Letícia Correa, enfermeira responsável pelo evento. No stand do NUSOMAR (Núcleo de Socorristas da Maré), palestras sobre de primeiros socorros foram oferecidas. “Cuidar da saúde sem precisar ir distante de casa é muito bom”, comenta a moradora Sônia Maria. A ação realizou 210 imunizações e cerca de 500 atendimentos.

30 mortes por uma operação

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Por Ane Alves , estudante, 17 anos e moradora da Maré

Em 22/06/2018

Os fogos pareciam uma versão violenta daquela kombi que passa anunciando “30 ovos por 10 reais!”. Já os fogos diziam “30 mortes por 1 operação!”.
Fechei os olhos e me escondi embaixo da cama.
O helicóptero da polícia voava tão baixo que parecia que estava dentro da minha casa… Embaixo da minha cama, comigo. Me apertei ainda mais contra a boneca que eu segurava. Fechei os olhos e pensei na minha irmã, que estuda bem ali na divisa (entre a Baixa do Sapateiro e a Nova Holanda) e na minha mãe, que estava trabalhando ali no Fundão.
Fechei os olhos pensando nas crianças que estavam na escola ou em casa. Pensei nas tias que vão pra Vila Olímpica nesse horário.
– Tra, tra, tra, tra, tra! –
Ouvi mais uma rajada. O helicóptero atira sem parar contra o asfalto. Fechei os olhos mais uma vez.
Ouvi um grito. Um grito desesperado. Ouvi alguém gritar:
– “Meu filho!”
Mais um que se foi. Mais uma mãe que grita de dor. Mais uma mãe que teria que confrontar a mídia ao afirmar que o filho não era bandido.
E se ele fosse? O que o sistema tinha feito pra impedir? O sistema matou mais um. Mais um pra conta do governo que está no vermelho há tantos anos que, talvez, seja impossível pagar.
O sistema tira um pouquinho da gente todos os dias. Só entram na favela durante a época de eleição, a fim de reacender aquela chama de esperança de que as coisas vão melhorar, para depois atirarem sangue nela pra apagar.
“Mais um…”
Pensei que eu poderia ser a próxima “Mais um…” na estatística de mortes dentro da favela.
O sistema é foda! Ele é falho, fraco e opressor. Não assegura uma oportunidade de não ser bandido mas, já de primeira, sempre nos chama de bandido. Marginaliza ao invés de desenvolver.
Minha Maré sofre repressão há tantos anos, que é  impossível um cálculo exato de tamanho sofrimento e resistência.
A gente sangra todos os dias. A cada operação é um anúncio:
– “30 mortes por 1 operação!”
São 30 não só aqui mas também na Rocinha, Alemão, CDD, entre outras. Pro sistema, bandido só tem na favela. Mas quando eles vão perceber que os bandidos…são eles?
– Tra, tra, tra, tra! –
Mais uma rajada. Mais um grito. Mais um aperto no coração e mais uma mãe chorando.
Respirei fundo e fechei os olhos, me preparando para o próximo grito.

A tal guerra não é contra o tráfico é contra a gente, é contra quem ta vivendo na base do sistema e tem que lutar todo dia pra existir e resistir. Afinal… viver na base é resistir, ou melhor lutar para sobreviver.

“Aqui estou, mais um dia.

Sob o olhar sanguinário do vigia.”

-Diário de Um Detento,Racionais MC’s

A dor que une Marielle, Marcus Vinícius e a Maré

Eliana Sousa Silva – Para o Jornal do Brasil – em 22/06/2018

Começo este texto completamente atordoada. No último dia 14, completamos três meses do assassinato da vereadora Marielle Franco, “cria da Maré”, como ela mesma se definia, sem qualquer conclusão a respeito da identidade de seus algozes. Nesse sentido, a situação de exceção que vivenciamos no Rio de Janeiro — e eu diria, no Brasil — nos desafia e nos supera na nossa capacidade de entender, em profundidade, as violações e desrespeitos às leis e à justiça, violações e desrespeitos que nos acometem por iniciativa de governantes e outros poderes, nos últimos tempos. É óbvio que, no lugar onde enuncio o meu discurso, sempre aconteceram violações de direitos, já que venho de um lugar — a favela Nova Holanda, na Maré — onde moram pessoas empobrecidas, pobres e negras, na sua maioria; e parai-banas, como eu, que migraram para a cidade em busca de trabalho, de uma sobrevivência digna. Logo, a violência dos governantes se revela dupla: quando não as-segura os direitos fundamentais para a garantia da vida urbana a esses moradores e quando não os reconhece com o direito básico à vida e à segurança pública.

A operação policial, envolvendo agentes da Polícia Civil e homens das Forças da Intervenção Militar no Rio de Janeiro, ocorrida nesta quarta-feira, no conjunto de favelas da Maré, é um desses episódios em que o padrão de desrespeito aos moradores de favelas fica ainda mais estampado e límpido. A ação começou na Vila dos Pinheiros e na Vila do João, onde uma casa foi invadida e cinco jovens, assassinados; em outra casa, outro jovem, de apenas 18 anos, sofreu o mesmo fi m pelas mãos de agentes do estado. Quem são esses jovens? O que, de fato, ocorreu para que todos tenham morrido? As suas mortes são justificadas, na imprensa, a partir de uma versão da polícia segundo a qual os referidos rapazes faziam parte dos grupos armados que estão na Maré. Até que ponto é verdadeira essa afirmação? Se estavam em um contexto suspeito, deveriam ser assassinados? Foi feita perícia? Como obter essas respostas considerando uma lógica de intervenção militar que não dá o menor valor às vidas dos moradores das favelas e periferias, o que sempre caracterizou as forças policiais cariocas?

O processo da operação se estendeu ainda a outras favelas, como Nova Maré, Nova Holanda e Parque União. Um helicóptero foi utilizado como plataforma de tiro — medida ilegal e imoral, cabe dizer. Nessa situação, ficam claros a lógica e o entendimento de que se estabeleceu uma guerra, e os moradores de favelas são considerados parte do exército inimigo.

No percurso, o helicóptero vai atirando, atingindo o que tem pela sua frente: casas, espaços culturais, como a Lona Cultural Hebert Vianna, o chão das ruas, onde ficam gravados os muitos furos das balas, e, como não podia deixar de acontecer, pessoas que circulam no momento dos disparos. Chegamos, então, ao Marcus Vinícius da Silva, um adolescente de 14 anos que estava no caminho de sua escola. A sétima vida abreviada em mais uma escolha do estado em insistir na lógica de extermínio da juventude negra deste país. Por isso, indagamos, mais uma vez: até quando? Por isso, no meio da dor, choro e tristeza, nos indignamos e não admitimos que a nossa voz nos seja tirada. Queremos justiça, queremos o fim do genocídio e responsabilizamos o estado por manter uma lógica bélica que continua destruindo a vida e a esperança do povo das favelas e periferias no Rio de Janeiro e no Brasil.

A ilegalidade dos “Caveirões Voadores“

A ilegalidade dos “Caveirões Voadores”

Em 20 de junho de 2018

Por Maria Morganti

Sete pessoas assassinadas, entre elas dois adolescentes (Marcos Vinicius da Silva de 14 e Levi de 18) , um mototáxi atingindo por estilhaços de bala, estas foram algumas das consequências da operação policial de hoje, na Maré. Por volta de 9h30, Conjunto Esperança, Vila do João, Vila dos Pinheiros, Pinheiro e Salsa & Merengue viviam momentos de pânico, com o início da operação conjunta da Polícia Civil e Exército. Moradores registraram em vídeos o helicóptero, apelidado de “caveirão voador”, atirando para baixo indiscriminadamente. É importante lembrar que essa é uma prática ilegal, que a Polícia Civil vem recorrendo nas últimas operações na Maré, conforme registramos há 9 dias nas favelas da Nova Holanda e Parque União.

Hoje, o chão da favela está com muitas marcas de tiro e com restos de munição. Nas ruas da Vila dos Pinheiros e na Praça do Salsa, o cenário é aterrorizante: na B1, em um perímetro de 280m a equipe da Redes da Maré, contabilizou 59 marcas de tiro no chão. Ainda nessa região, muito próxima as escolas do Campus Maré II e Creche da Vila dos Pinheiros, registramos mais de 100 marcas de tiro do chão, deixando evidente o risco a que estavam submetidas crianças e adolescentes que se encontravam nas escolas.

Na Vila dos Pinheiros, moradores relataram que 5 jovens foram executados por agentes do Estado. Segundo informações colhidas pela equipe da Redes da Maré os policiais utilizavam luvas e teriam desfeito a cena do crime jogando os corpos dos jovens pelo segundo andar da casa onde ocorreu o crime, demonstrando a não garantia de investigação e perícia.

Por volta das 11h, policiais dificultavam a circulação de moradores na favela e a tensão ainda era muito grande. Ainda segundo relatos, casas foram arrombadas e invadidas pelos agentes do Estado mesmo sem mandado judicial, outra ilegalidade.

A equipe da Redes da Maré também entrou em contato com a Polícia Civil, mas não obteve qualquer resposta sobre a operação. Em contato com a assessoria de imprensa do Exército, esta afirmou por email que “apoia a operação da Polícia Civil logisticamente com dois veículos blindados”.

Ações como as de hoje demonstram o quanto a política de Segurança Pública, não cumpre seu papel na garantia de direitos. Ações policiais nas proximidades de escolas, uso de helicóptero blindado atirando de cima para baixo, o desprezo do Estado pelas vidas de moradores da Maré – com a execução sumária de 5 jovens – é um verdadeiro absurdo.

Porém, a Maré já se levanta. Menos de uma hora após cessar os confrontos, moradores da Maré, Associações de Moradores e a equipe da Redes da Maré sinalizavam com tinta ( como o trabalho da perícia) contabilizando os tiros dados pelo “caveirão voador”. Uma moradora falava em alto e bom som: “Se eles vem aqui nos matar e não fazem perícia, nós temos que fazer”. Outros movimentos e manifestações contra a barbárie desse dia 20 de junho, estão sendo planejadas por moradores.

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