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Seu dinheiro pode caber no seu bolso

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Aprenda como poupar  e terminar o mês fora do vermelho

João Ker

Aumento na conta de luz, salário atrasado, período de desemprego, gasolina cara e o preço das compras de supermercado só cresce de mês em mês. Às vezes, pode parecer quase impossível sair do vermelho no fim do mês e fazer com que seu salário renda 30 dias. Bem, esse até pode ser o caso em algumas situações, mas saiba que é sempre possível enxugar alguns gastos extras aqui e ali, para melhorar seu orçamento. Abaixo, o assessor de investimentos Miguel Milanez[1] dá algumas dicas de situações que você pode e deve evitar para não se ver preso em dívidas que se tornem uma bola de neve:

Para começar o mês bem:

– Nunca planeje gastar tudo o que você recebe no mês. Se você tem uma renda fixa ou mesmo se seu pagamento varia de um período para o outro (de acordo com vendas ou comissões, por exemplo), lembre-se sempre de guardar uma quantia “por precaução”. Pense que a qualquer momento você pode perder o emprego e que alguns meses podem ser piores que outros. Uma reserva também pode ser útil para se precaver para situações como um conserto de última hora, até uma enfermidade.

No supermercado:

– Faça uma lista de compras antes de ir ao mercado e seja fiel a ela. Pequenas compras impulsivas podem fugir do seu controle. Às vezes, um item acaba se tornando dez e, no final do mês, o dinheiro pode lhe fazer falta.

– Compare preços antes ir às compras e, se necessário, divida os produtos entre dois ou mais estabelecimentos. No fim das contas, o que você poupou com promoções, descontos e pequenas vantagens entre um produto e outro significa um dinheiro extra no orçamento do mês.

Com cartão de crédito e parcelamentos:

– Mantenha seu próprio controle de tudo o que gastou no cartão de crédito. Lembre-se de comparar o limite restante com o que você ainda tem sobrando. Nunca deixe ultrapassar o que você tem pra gastar esse mês.

– Tente pagar tudo à vista e sempre negociar descontos para essas compras. Ao parcelar, mesmo que sem juros, você pode se esquecer do valor total da compra e focar apenas no preço da parcela, o que tende a se tornar uma bola de neve para quem tem dificuldade de se controlar com cartões de crédito e cheques.

– Planeje compras grandes com o máximo de antecedência possível, seja uma nova TV, um celular ou, até mesmo, aquela máquina de lavar que precisa ser trocada. Também evite ao máximo fazer financiamentos e parcelamentos com juros, mesmo que eles pareçam pequenos a princípio.

– Não deixe a fatura do cartão para depois. Muito menos parcele ou pague apenas o valor mínimo, que representa uma parte bem pequena do problema real. Lembre-se de que, no mês seguinte, você precisará pagar o restante da parcela, uma multa por atraso e as próximas compras.  Essa bola de neve criada pelo cartão também gera outro gasto: os juros rotativos, que podem chegar a taxas de até 15%.

– Se tudo der errado e você não conseguir pagar a fatura do mês, retire a quantia da reserva de emergência. Se ainda assim não for suficiente, tente negociar com o Banco um empréstimo – as taxas continuarão menores que aquelas cobradas pelo cartão. Caso chegue a esse ponto, pegue apenas o valor necessário e negocie o menor número possível de parcelas para o seu orçamento.

Conseguiu juntar dinheiro no fim do mês?

– Guarde essas reservas e force os juros a trabalhar para você, e não contra. Investir dinheiro não é necessariamente “coisa de gente rica” – existem modelos pequenos que chegam a 100 reais por mês. A poupança já é uma ótima maneira de começar: simples e não requer um valor mínimo.

– Preocupe-se com o seu futuro e pense que investimentos são como uma bola de neve do bem. É possível investir um pouco todos os meses e, daqui a 15 ou 20 anos, comprar um carro ou até mesmo uma casa. Isso sem falar na sua aposentadoria, assim você não depender da previdência do governo.

[1] João Miguel Milanez é assessor de investimentos pela XP Investimentos, sócio da RJ Investimentos, formado em administração pela UFRJ e atualmente mestrando no Coppead/UFRJ.

 

 

Maré de Notícias #77

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Um mar de gente nas ruas pedindo paz

Moradores da cidade inteira, juntos no “Basta de Violência! Outra Maré é possível…”

Roberto de Oliveira e Hélio Euclides

O dia era de sol e mais de mil pessoas aguardavam o início da Marcha Basta de Violência! Outra Maré é Possível, na Praça do Parque União, um dos dois pontos de partida da passeata. O outro local de encontro era a Associação de Moradores do Conjunto Esperança, onde mototaxistas, artistas e moradores cantavam trechos do Rap da Felicidade, um dos maiores sucessos do funk carioca.

O começo foi tímido, mas cada vez que aumentava o número de participantes o grupo ganhava força e manifestantes seguravam cartazes e distribuíam rosas. Alunos e professores estavam presentes na Marcha: “liberamos as aulas para que todos participem desse movimento contra a violência. É bom lembrar que esse tema é trabalhado nas nossas escolas”, conta Cesar Benjamin, Secretário Municipal de Educação.

“É um momento ímpar de buscar a valorização desse espaço. Queremos a garantia para nossos alunos terem todas as aulas do ano letivo. A sociedade precisa olhar para a Maré”, destaca Simone Aranha, diretora da Escola Teotônio Vilela.

O evento foi organizado pelo Fórum Basta de Violência que, desde março de 2017, reúne moradores, líderes comunitários e trabalhadores da Maré para encontrar soluções que possam dar fim às violências causadas por confrontos entre grupos de Um mar de gente nas ruas pedindo paz civis armados e operações policiais que, sob o discurso da guerra às drogas, coloca a polícia do Rio de Janeiro na posição de uma das que mais matam e que mais morrem no mundo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pedro Arthur, funcionário da ONG Luta Pela Paz disse que o fato de não poder sair de casa o incomoda. “A gente não aguenta mais tanta violência de todos os lados. É doloroso ter a sensação de que você está preso dentro de casa”, disse o músico.

Em frente ao CIEP Operário Vicente Mariano, os atores representaram os mortos, vítimas da violência. “Mais uma vez queremos reivindicar o direito de ir e vir. Esse é o desejo de toda a cidade”, desabafa Marielle Franco, Vereadora. Nos muros da Escola Escritor Bartolomeu Campos de Queiros, cartazes com trabalhos dos alunos chamavam a atenção.

Moradores da cidade inteira participaram do evento | Foto: Elisângela Leite

A passeata levou cinco mil pessoas para a Rua Evanildo Alves, ponto de encontro das “duas Marchas”. Conhecido popularmente como “Divisa”, o local é marcado por inúmeros confrontos com vários mortos. “Eu estudava no Colégio Elis Regina e muitas vezes eu ia pra escola e tinha gente morta no pátio, então ver tanta gente aqui hoje é algo sentimental”, afirma Fagner França, morador da Baixa do Sapateiro.

A “divisa” deu lugar a apresentações artísticas. Alunos da Lona Cultural Herbert Vianna fizeram paródia com a canção “Não deixe o samba morrer”. Uma Mc do Morro do Alemão recitou uma rima sobre machismo, violência, racismo e pobreza. Mães da Maré e de Manguinhos falaram das ausências de seus filhos vitimados. “Lutamos, pois nossos filhos têm mãe, pai e voz. Nós queremos viver. Nós temos direito ao luto”.

O evento ainda contou com a apresentação do grupo de capoeira da Instituição Luta Pela Paz, da Orquestra Maré do Amanhã, e do grupo Nova Raiz, que cantou a música “Chega”.

Alexandre Rossi, produtor cultural do Circo Voador (Lapa), levou a namorada finlandesa para conhecer um Rio de Janeiro que não aparece na mídia e Camila Pitanga, atriz, que chegou à passeata de mototaxi, declarou: “como carioca é um dever estar aqui, pois essa violência não é só da Maré, é sofrida por todos nós”. Perto de Camila, Jaqueline Souza de Lima, moradora da Maré, gritava: “eu tenho direito de levar minha filha pra escola todo dia”.

Nos primeiros três meses de 2017, ocorreram 14 operações policiais na Maré. Nesses confrontos, 18 pessoas morreram, número maior que o total de mortes em 2016. As atividades do Fórum Basta de Violência! Outra Maré é Possível vão continuar após a Marcha, para construir caminhos e espaços coletivos de escuta, acolhimento e formulação de propostas para conquistar, de forma organizada, o direito à Segurança Pública na Maré.

SAIBA MAIS EM: http://facebook.com/forumbastadeviolencia

A luta sem fim contra as violações de direito na favela

Parcerias com Ministério Público e Defensoria, campanhas informativas, plantão em dia de operações policiais são algumas das iniciativas do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré

Adriana Pavlova

A cena, até outro dia, poderia parecer um sonho para os moradores da Maré. Num transporte oferecido pelo Ministério Público do Estado do Rio, um grupo formado por parentes e vítimas de violências policiais segue em direção ao Centro do Rio de Janeiro para um encontro com Procuradores da Justiça do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) do Ministério Público do Rio. Há um misto de ansiedade e preocupação. Ao chegarem, escutam uma palestra sobre seus direitos e, em seguida, cada vítima ou parente tem a chance de ser ouvida de forma particular e exclusiva por um promotor, com total privacidade para, a partir daí, os representantes do Ministério Público Estadual buscarem informações sobre inquéritos ou mesmo instaurar procedimentos. Aos poucos, a tensão vai dando lugar a rostos mais relaxados. Na volta, a caminho da Maré, todos parecem bem mais tranquilos.

“As vítimas de violência ou seus parentes esperam uma explicação. Se há inquérito já aberto, é importante informar como está transcorrendo”, explica a procuradora Viviane Tavares Henriques, coordenadora do GAESP, apontando para uma nova fase dentro do próprio Ministério Público. “Nós do Ministério Público sentimos a necessidade de não ficar mais trabalhando só no papel, distantes. Queremos mais diálogo com as comunidades, como a Maré. Queremos cada vez mais aproximação, atendendo e analisando os casos de perto. Mas, sobretudo, trabalhar preventivamente para que as violações não ocorram. Não queremos apenas a punição, não queremos mortes, queremos que nada disso aconteça e para isso temos de trabalhar antes.”

A visita de vítimas de abusos policiais ao Ministério Público do Estado do Rio, organizada em parceria com o Eixo de Segurança Pública da Redes de Desenvolvimento da Maré, é mais um dos resultados concretos do trabalho diário da Redes  buscando a ampliação de direitos dos moradores do território da Maré. Um trabalho árduo que envolve diretamente uma equipe de cinco pessoas que, nos últimos anos, tem ampliado suas ações: indo para as ruas divulgar, de casa em casa, os direitos dos moradores; criando novas parcerias com Órgãos de Justiça e instituições civis; fazendo circular informação de violações da polícia contra a população, tão comum em favelas, ou tentando intervir em casos de abusos de policiais militares ou civis em dia de operação na Maré, atendendo aos moradores com auxílio de assistente social e advogado; e ajudando a barrar – por meio de liminar – operações policiais noturnas na favela, o que é proibido por lei, mas que muitas vezes não é respeitado.

“Experimentamos estratégias, porque o espaço da Segurança Pública no Rio de Janeiro e no Brasil é muito frágil. Nosso trabalho é pensar numa prática de Segurança cidadã, com ações coordenadas que se encaixem na realidade da vida na Maré. O nosso principal foco é o morador da Maré”, diz a Assistente Social Lidiane Malanquini, coordenadora do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré.

O trabalho de conscientização de moradores | Foto: Elisângela Leite

Telefone para ajudar em dia de operação policial

Uma das ações mais importantes e que, ao mesmo tempo, têm dado resultados concretos é o plantão da equipe do Eixo em dias de operação policial nas comunidades da Maré, iniciado em 2016. Há um telefone disponível (99924-6462) e, caso os moradores peçam ajuda, uma dupla de profissionais se dirige ao local para mediar conflitos. A simples presença de profissionais como advogado e assistente social já costuma arrefecer a truculência dos policiais. As demandas vão desde a denúncia de arrombamento de casas até o pedido para acompanhamento de pessoas presas, que não são levadas imediatamente para a delegacia e correm mais risco de sofrerem violência.

“Fazemos uma mediação entre a polícia e a população. O clima de uma operação policial na favela é tenso, nada agradável, mas quando nós chegamos o trato é outro. Infelizmente, a polícia ainda tem a convicção de que a favela é um território sem lei, de que as pessoas não vão lutar por seus direitos”, explica a pedagoga Shyrlei Rosendo, da equipe do Eixo de Segurança Pública.

Como as ações de Segurança Pública são todas interligadas, um projeto ou uma campanha acabam se conectando de forma natural. Assim, os dados de violação colhidos durante o Projeto de Acompanhamento Permanente das Ações das Forças de Segurança Pública, por exemplo, muniram a primeira edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, lançado em 2017, com informações de 2016. Segundo a publicação, no ano passado aconteceram 33 operações policiais na Maré, com 17 mortes em decorrência de intervenção policial e 20 dias de atividades suspensas nos serviços públicos de educação e saúde.

Dados tão alarmantes confirmam a necessidade de trabalho contínuo junto aos moradores, como a campanha “Somos da Maré. Temos Direitos”, que tem como objetivo divulgar o que é legal e ilegal durante abordagens policiais. O projeto teve início em 2012 e ano passado, a partir da demanda dos próprios moradores, ganhou uma segunda edição. Como num trabalho semelhante ao de formiguinhas, a equipe do Eixo de Segurança sai sempre em duplas para visitar residências nas diferentes comunidades da Maré. Até hoje, já conseguiram visitar – e muitas vezes revistar – cerca de 50 mil domicílios.

“É um trabalho pedagógico, processual, não adianta ir somente uma vez, é uma conversa, porque é preciso absorver todas as questões, sentir que o morador está pronto para lutar pelos seus direitos e que ao mesmo tempo não está só”, diz a pedagoga Shyrlei.

Operação policial de 2009 foi marco

Historicamente, o Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré tem origem num trabalho de acompanhamento de famílias de alunos das escolas da região que participavam do Programa Criança Petrobras na Maré, nos anos 1990. Nos atendimentos, surgiam questões relacionadas às violações de direitos e violências domésticas. Até que, em 2009, uma operação policial na Maré deixou marcas muito fortes. Segundo se recorda Núbia Alves, Assistente Social e Advogada, a situação foi tão crítica que se percebeu a necessidade mais premente de um trabalho focado em Segurança Pública: “morreram 14 pessoas naquela operação, tudo foi fechado, foi uma situação nunca vivenciada aqui. Naquele momento, tivemos certeza de como o acesso à Justiça é difícil para quem mora na favela. Nós acompanhamos os moradores, os ajudamos a fazer o Registro de Ocorrência”, lembra Núbia.

Defensoria Pública

Neste processo, uma parceria importante é com o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública (NUDEDH) do Estado do Rio de Janeiro, firmada oficialmente em 2016, mas construída desde 2014. A Defensoria presta assessoria jurídica para os moradores vítimas de violência ou mesmo a parentes das vítimas, a partir das denúncias recebidas na Redes.

“Os abusos praticados pelos policiais, que são agentes do Estado, tornam-se uma violação grave. Se o Estado gerou a situação de risco, há direito à reparação.”, explica o defensor público Daniel Lozoya Constant Lopes, que ressalta que qualquer vítima de policiais durante uma operação pode pedir reparação ao Estado, até mesmo sem conseguir comprovar o abuso.

Esta parceria com a Defensoria também foi fundamental para uma liminar inédita que garantiu, em junho de 2016, a suspensão de operações noturnas de buscas em casas da Maré. A proibição de busca domiciliar durante a noite já é prevista na Constituição, mas frequentemente era desrespeitada nas favelas. A liminar deu início a um processo que visa traçar parâmetros jurídicos para as operações policiais nas favelas, com obrigatoriedade de prestação de contas e transparência.

O ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Pedro Strozenberg, afirma que todo o trabalho de garantia de direitos e os debates sobre a Segurança Pública promovidos, hoje, na Maré beneficiam e repercutem no Rio de Janeiro como um todo: “as propostas discutidas e formuladas pela Redes da Maré falam do Rio. A presença em conselhos de direitos, as articulações e campanhas trazem um pertencimento da Redes, que valoriza e afirma o território, mas dialoga com as políticas gerais.”

O abuso sexual de crianças e adolescentes além das estatísticas

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Como é possível combater um crime que muitas vezes passa despercebido?

João Ker

De acordo com dados levantados pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, 1.517 mulheres foram sexualmente violentadas apenas nos 4 primeiros meses de 2017.  684 eram crianças de até 13 anos. Mas números não são o suficiente para ilustrar essa realidade, sobretudo aquela enfrentada por quem vive em comunidades periféricas da Capital fluminense. As nuances e variáveis entre um caso e outro não podem ser generalizadas apenas em estatísticas, mesmo quando mostram que somente na região do Complexo da Maré as denúncias ouvidas chegaram a 47 no último levantamento.

“É muito fácil generalizar e não investigar os dados, mas isso é um discurso usado por quem não quer ou não aguenta mergulhar nessa história”, frisa Denise Valéria Montezuma, Psicóloga atuante no Conselho Tutelar de Bonsucesso e que atende ao Complexo da Maré desde 2013. Ela conta que, em boa parte dos crimes, a criança não é capaz de identificar ou até mesmo entender o abuso. “O assédio é muito forte e é por onde eu acho que a discussão deve partir, porque muitas vezes esse tipo de violência não passa pelo viés da denúncia”, explica.

Os motivos pelos quais crianças e adolescentes não relatam o abuso são vários e, de acordo com Denise, o tabu que a educação sexual tem no âmbito familiar é um dos principais responsáveis para que esse segredo se perpetue. Principalmente porque, como aponta o Dossiê da Mulher, 36% dos casos são cometidos por algum parente, sendo a figura paterna – pai ou padrasto – a mais comum. “É um tabu mesmo. São ataques bem sutis e, quando [a vítima] tenta falar, [o abusador] já fez a cabeça da mãe. Muitas vezes com medo de destruir a família, a menina fica quieta e cria ódio da mãe pela negligência. A mãe, por sua vez, se reconhece no erro, na escolha de ter um filho com o homem errado e de não ter visto a situação. E assim o abuso se perpetua”, aponta a Psicóloga.

A vergonha, o medo e a culpa são características recorrentes entre os casos que chegam até o Conselho Tutelar. “O abusador sempre tenta prejudicar a imagem da adolescente, isolando a menina e criando conflito entre ela e os familiares. Ele cria uma situação na qual se faz de bonzinho e de amigo, desqualificando a menina”, explica Denise, que ainda afirma: “o Conselho não tem papel de polícia. O nosso papel é cuidar, zelar e proteger a criança e o adolescente. A violência no ambiente doméstico tem essa prerrogativa de tratar a mulher sem precisar da queixa. Nós empoderamos e damos autonomia com dignidade, para ela poder sair desse papel e desse lugar, sem destruir a família”.

Não à toa, o Conselho Tutelar é o primeiro Órgão acionado quando as denúncias chegam à Defensoria Pública por meio do Disque 100, como explica Eufrásia Souza. Atuante no tema há 22 anos, a Coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente explica: “o mais importante é preservar a vítima e, se necessário, afastar esse agressor, algo que é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Principalmente se for alguém da família. Se não for possível, a primeira medida é colocá-la em outro local sem expô-la. Nós, inclusive, acionamos a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) para a apuração da responsabilidade”, esclarece e acrescenta que a pena para esse tipo de crime pode chegar a 15 anos de prisão.

 

O Papel da Escola na percepção dos sinais

Renata Costa, da 4ª Coordenadoria Regional de Educação, trabalha com moradores do Complexo da Maré há 15 anos e explica que o Órgão presta todos os tipos de suporte necessários às instituições escolares: “se lá eles não sabem o procedimento, nós auxiliamos, de forma pedagógica.” Ela conta que as escolas têm um comprometimento com a educação sexual dessas jovens desde o 4º ano: “no conteúdo de Ciências, os professores abordam o corpo humano de forma bem específica. Quando é algo voltado para a sexualidade ou ligado à proteção do corpo, nós fazemos parcerias com o Conselho Tutelar e com a Clínica da Família, que também falam sobre cuidado e preservação, com foco na saúde”.

A Redes da Maré também tem acompanhado de perto a forma como crianças e adolescentes se expressam e reagem quando o assunto discutido durante as oficinas é relacionado à sexualidade e/ou ao abuso. “[As crianças] não chegam a fazer a denúncia. Durante o trabalho, nós abordamos muito a questão dos direitos e da literatura. A partir disso, surge algo que é mais um compartilhar que uma queixa. Nós, então, registramos esse relato e damos sequência ao apoio e tratamento do caso”, explica Inês Cristina Di Mare Salles, responsável pelo projeto de educação Nenhum a Menos.

De segunda a sexta-feira, Inês recebe até 20 crianças na Lona Cultural da Maré, para atividades pedagógicas complementares, sempre focando em temas que os mobilizam e, ocasionalmente, partem deles mesmos. “Muitas famílias vêm de religiões em que falar sobre sexo é difícil e que não deixa a criança à vontade para perguntar. Nós, então, assumimos essa responsabilidade. Contamos o que outras meninas estão fazendo para combater o problema e trabalhamos a noção de que mesmo sendo favela, a Maré faz parte da cidade e tem seus direitos. A partir daí, elas sentem as relações de poder e, principalmente, que isso pode mudar. Não é uma mudança simples ou fácil”, explica.

O trabalho é direcionado para a conscientização do problema e as formas de combate possíveis para essas crianças, principalmente a busca de um refúgio seguro em meio à comunidade e o incentivo ao diálogo, seja com a própria rede de tecedores da ONG, com os professores, assistentes sociais ou qualquer adulto em quem elas confiem. “Sentimos que isso ajudou até os meninos, já que dentro dessa cultura patriarcal eles sentem que não podem falar. É muito interessante ver que os encaminhamentos e o diálogo com um profissional preparado vão construindo potências e as coisas vão se reconfigurando”, aponta Inês.

 

Abuso disfarçado de consentimento

R M, diretora de um colégio no Complexo da Maré que atende até o 6º ano, preferiu manter-se anônima, mas nega ter vivenciado qualquer tipo de denúncia ou caso dessa natureza na escola que dirige. O que ela percebe, entretanto, é uma configuração igualmente alarmante: jovens de 12 a 14 anos já estão iniciadas sexualmente. “Algumas vezes, a própria família sabe e até incentiva essa postura”, destaca a Pedagoga.

O quadro também é percebido por P Y, enfermeira que trabalha em um dos Postos de Saúde da Família na região há mais de 4 anos, e estima que,  das 48  gestantes atendidas, 80% são menores de idade. “Nenhuma delas se considera violentada, todas dizem que consentiram o ato. O que eu percebo é que essa questão muitas vezes está atrelada ao status que essa menina ganha ao estar saindo com esse ou com aquele cara. No geral, percebe-se que é um ciclo, incentivado muitas vezes pela própria mãe, que já passou por essa situação e não vê outra forma de saída”, esclarece.

A Psicóloga explica que, por mais que essas situações ocorram sob a alcunha de “consensuais”, elas raramente o são. “Os hormônios começam a trabalhar em certa idade e a criança ou a adolescente começa a querer aquilo, mas na realidade ela não sabe lidar com isso, porque ainda é muito imatura. Garotas de 14 e 15 anos são realmente inocentes, e acabam sendo estupradas ou se colocando em situações que elas não sabem o que significam”, ressalta, e alerta: “a pessoa fica depressiva. Se a família não percebe, ela já pensa que ninguém liga pra ela e começa a se envolver com drogas, quer se suicidar, é tomada por uma tristeza que não tem fim e acaba revoltada. Quando é mais velha então, se acha suja. E o mesmo acontece com meninos”, explica.

Perante a Lei, entretanto, a questão de a vítima acreditar que o ato sexual tenha sido “consensual” ou não, é questionável. Como Eufrásia Souza ressalta: “mesmo com consentimento, a relação sexual com um vulnerável – meninas de até 14 anos – pode levar a até 15 anos de prisão. Basta a criança falar”.

1ª Mostra de Cultura e Cidadania LGBT de Favelas acontece na Maré

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Opressão e homofobia foram temas do encontro

Roberto de Oliveira

O Brasil é o país onde mais se comete crimes contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros.  A intolerância à orientação sexual fez com que um LGBT fosse assassinado a cada 25 horas, em 2016. Os dados são da pesquisa do Grupo Gay da Bahia, Organização que apura esses números há 37 anos, com base em notícias publicadas na imprensa, na internet e em informações passadas por amigos e parentes das vítimas.

A 1ª MOSTRA LGBT NO CENTRO DE ARTES DA MARÉ

Gabriel Horsth integra o grupo de teatro Atiro, participa do projeto Teatro em Comunidades e  também do Centro de Teatro do Oprimido, grupo criado pelo teatrólogo Augusto Boal nos anos 1970.

As técnicas do Teatro do Oprimido são utilizadas no Laboratório LGBT de Teatro para debater as formas de opressão que afetam a população LGBT jovem da Maré. Gabriel dirige as atividades do laboratório, que conta hoje com 13 adolescentes.  Inspirado na iniciativa, o diretor de teatro idealizou a Mostra LGBT, e venceu um Edital da Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude. Além das apresentações artísticas, debate e exposição, foi lançado durante o evento o Prêmio de Cultura e Cidadania LGBT Gilmara Cunha, criado por Gabriel para homenagear pessoas que possuem militância no combate à homofobia.

A importância de levar a discussão para a favela é porque os territórios periféricos estão atrasados na garantia dos direitos aos LGBTs. “As políticas públicas não entraram na favela. Se eu for agredido ou morto aqui, a polícia não virá investigar”, diz Gabriel.

Mais de 120 pessoas assistiram os alunos do Laboratório LGBT apresentarem uma peça com o tema: “Se eu morrer, alguém poderá realizar meu sonho?”. Marcos Carvalho, de 17 anos, participa do Laboratório de Teatro LGBT e diz que hoje se sente mais seguro para enfrentar o preconceito. “A solução para a homofobia é o respeito, só assim poderemos ter um mundo melhor”, disse o jovem que tem o sonho de se tornar chef de cozinha.

A programação também incluiu a peça “Agora Sei o Chão Que Piso”, interpretada pelo grupo Atiro e “Dandara através do espelho”, com a atriz Dandara Vital.