Home Blog Page 522

A alternativa pela Baía

0

Maré de Notícias #87 – abril de 2018

Com o trajeto de barco menos carros, menos poluição e mais acesso ao Fundão

Hélio Euclides

Nos dias de hoje, o simples ato de sair de casa já nos causa desânimo. Os congestionamentos são os principais responsáveis por fazer o carioca perder tempo. Buscando uma alternativa para o caos no trânsito, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) realizou um estudo que mostra as barcas como o meio de transporte ideal para desafogar as vias da Região Metropolitana. O estudo indica ainda que existe demanda suficiente e, portanto, viabilidade, para a criação de 14 novas linhas hidroviárias na Baía de Guanabara e nas lagoas da Barra da Tijuca.

A Maré seria beneficiada por uma linha ligando a Cidade Universitária à Praça XV. “No Fundão ainda vai ocorrer o estudo de viabilidade ambiental e econômica, para a escolha do lugar da estação. Há dois locais possíveis: o Parque Tecnológico e próximo ao BRT. No Parque Tecnológico, o custo seria maior, por causa da logística”, avalia o ambientalista Sergio Ricardo.

Na conclusão do estudo, o local indicado para a estação ficaria próximo ao terminal de pescadores. “Seria uma boa as barcas, algo mais viável para o município. O local ideal entendo ser aqui junto ao BRT e da futura rodoviária do Fundão. Só que não acredito no projeto, pois as empresas de ônibus não vão deixar ter novas linhas de barcas”, acredita o pescador profissional, Carlos Augusto.

Mesmo com o assoreamento da Baía, o ambientalista Sergio Ricardo avalia como positivo o projeto: “a FIRJAN consolidou novas linhas do sistema aquaviário, o que representaria 10 mil veículos a menos nas ruas. Sabemos que em alguns pontos será necessária a drenagem. O ideal será a utilização de embarcações menores, de 120 lugares”.

O primeiro plano hidroviário da Baía aconteceu em 1984, com três linhas saindo da Praça XV. Uma seguiria até São Gonçalo, outra até Magé e a única que saiu do papel foi a de Cocotá, na Ilha do Governador. Segundo Sergio Ricardo, “no momento só temos transporte pela Baía para a Ilha Grande, Cocotá, Paquetá e Niterói, é muito pouco”.

Projeto já está aprovado

A Assembleia Legislativa aprovou a lei de novas linhas de barcas, em maio do ano passado, e há promessa de uma licitação. A princípio, teria uma linha ligando o Armazém 18, no porto, a Duque de Caxias; isso pode favorecer tanto Magé, como o Fundão”, avalia Sergio. Essa nova linha deve ser licitada com outras duas: Praça XV- São Gonçalo e Praça XV-Galeão.

O analista de Estudos de Infraestrutura do Sistema FIRJAN, Isaque Ouverney, explica que a Instituição encomendou o estudo preocupada com a mobilidade urbana, que atinge a indústria e as pessoas envolvidas. No estudo, foi analisado o transporte de passageiros. O Plano mostra que todos os modais são complementares e que são necessários investimentos urbanos para esses corredores que vão transportar muitas pessoas. É importante o uso da Baía, para que o carioca busque comodidade e conforto”.

 Na linha específica do Fundão, houve outro estudo em 2014. O resultado foi que 30% das viagens da Ilha do Fundão vão para o Centro ou a Zona Sul. Com esse trabalho, foi revelada a possibilidade do uso das barcas por meio da demanda de passageiros.  Esse estudo também mostra que a linha específica Praça XV – Ilha do Fundão\Galeão equivale a 10.640 viagens/dia e 3.941 veículos fora de circulação/dia, ou seja, 3,3 km de vias desocupadas por dia, com potencial de redução dos congestionamentos em 18,7% nos horários de pico.

 A moradora da Vila do Pinheiro e funcionária da UFRJ, Elza Carvalho, acredita que “esse meio de transporte contribui muito para a cidade. No geral, o trânsito é muito tenso e com as barcas agiliza a vida, proporciona um tempo maior para outras coisas que ficar no engarrafamento”.

 

Intervenção sem resultado para quem?

27 pessoas já morreram em operações policiais desde anúncio de Intervenção Federal

Maria Morganti

Desde último sábado, (24/03), 9 pessoas foram executadas na favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro. A menos de 70 km de lá, em Maricá, na Região Metropolitana, uma chacina aconteceu na madrugada de domingo (25/03). Cinco jovens, Sávio de Oliveira Vitipó, Mateus Bitencourt da Silva, Patrick da Silva Diniz, Matheus Barauna dos Santos e Marcus Jonathas, foram executados em um conjunto habitacional. Segundo moradores, grupos armados teriam rendido os adolescentes e matado um a um com tiros na cabeça, após a saída de um evento cultural. A principal linha de investigação da Polícia Civil é que execução tenha sido cometida por milicianos.
A mãe de uma das vítimas, July Mary Ribeiro de Andrade, afirmou que eles eram conhecidos por estarem sempre presentes em eventos de batalha de passinho e Hip Hop da cidade. Eles eram produtores culturais. Na Rocinha, a morte de um Policial Militar na noite da última quarta-feira (21/03), teria motivado as ações que começaram no sábado e duram até hoje com um claro caráter de vingança. O morador, Antonio Ferreira da Silva, conhecido como Marechal, também morreu no tiroteio que acontecia.
Em pouco mais de seis meses, 50 mortes aconteceram na Rocinha. Desde que a vereadora Marielle Franco foi assassinada, no dia 14 de março, 25 pessoas foram assassinadas. Desde o dia 16 de fevereiro, quando o anúncio da intervenção foi feito, 36 mortes em comunidades,segundo dados do aplicativo Fogo Cruzado.

Com autoridades que não se pronunciam diante de execuções como essas, a pergunta “até quando” continuará sendo ecoada por todos nós. O que será necessário fazer para que vidas de moradores de periferias parem de ser ceifadas? O direito à vida é um direito fundamental de todo e qualquer ser humano. Até quando precisaremos conviver com essa triste realidade?

Dia de comemorar… cuidando da saúde!

0

Os principais atendimentos que as mulheres precisam fazer para prevenir doenças

Maria Morganti

No “Dia Internacional da Mulher”, 8 de março, é mais comum vê-las, não importa a idade, ganhando chocolates, buquê de flores, perfumes. Mas por que não aproveitar a data para pensar na saúde e se cuidar? Para a médica ginecologista e obstetra do Hospital Federal de Bonsucesso, Carolina Azevedo, uma alimentação saudável, atividade física regular, o uso de preservativo no ato sexual e a realização do autoexame das mamas são o carro-chefe para melhorar a qualidade de vida em longo prazo e evitar doenças.

Rosemary Felix, 45 anos, moradora do Parque Rubens Vaz, diz que tenta fazer todos os anos exames de sangue, urina, fezes e até eletrocardiograma. Ela conta que, no ano passado, só não conseguiu realizar a mamografia, mas segue na fila de espera do SISREG, Sistema que organiza as marcações de exames da Prefeitura do Rio, para ficar em dia com uma vida saudável”.

De outra geração da Maré, com 26 anos, Letícia Santos começou a ter uma preocupação maior com a saúde por causa de um susto: “há um ano e meio, eu senti um carocinho no meu peito e fiz vários exames. Mas graças a Deus não deu nada”, diz, aliviada.

A prevenção é o caminho

No entanto, como diz o ditado popular “há males que vêm para o bem”. Letícia acabou fazendo outros exames e, para a sua felicidade, tudo estava bem. “Do mesmo jeito que não foi nada, poderia ter sido também. Então, temos de ficar atentas ao nosso corpo”, conta a jovem.

A médica Carolina alerta para o fato de que, além dos exames preventivos, existem outros procedimentos, como o ultrassom transvaginal ou pélvico, que “na verdade não são preventivos”, mas, segundo a médica, “procedimentos assim serão feitos se houver queixas como infertilidade, sangramento uterino anormal e dor pélvica. Ou se, no preventivo, tiver sido diagnosticada alguma alteração”.

A boa notícia é que a maioria dos exames ginecológicos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS): preventivo, ultrassom transvaginal, ultrassom de mama e mamografia. Sobre este último procedimento, entrou em vigor em 2015 a Lei nº 11.664, que determina a realização obrigatória, no sistema público de saúde, para todas as mulheres, a partir dos 40 anos.

No Complexo da Maré, existem sete espaços destinados à Saúde que realizam consultas e encaminhamentos para exames, como a Clínica da Família Diniz Batista de Souza, que fica na Avenida Brigadeiro Trompovski, s/nº, ao lado da Estação Maré do BRT Transcarioca, inaugurada no mês passado.

As dores e alegrias de ser mulher na Maré

0

Andreza Jorge

Mestranda em Relações Étnico-Raciais, Coordenadora Pedagógica do Projeto da Casa das Mulheres e Coordenadora do Projeto Mulheres ao Vento

No segundo semestre de 2017, foi realizada uma pesquisa sobre violência contra a mulher no Conjunto de Favelas da Maré. Formávamos um grupo de cinco entrevistadoras, com profundas e distintas relações com o território:  duas moradoras, crias da Maré; uma moradora recém-chegada do Ceará e outras duas com anos de trabalho e trocas com o local.

O processo de entrevistar mulheres, a partir de uma amostragem específica para os parâmetros de coleta de dados, possibilitou a surpresa dos acasos. A cada rua, a cada endereço, novas possibilidades de encontros e histórias compartilhadas pela entrevistada, que nesse momento tornava-se nosso maior foco de atenção. O papel de entrevistadora, nesse instante, se fundia com o de ouvinte atenta e empática.

Bater em portas, convidar mulheres a responder um questionário que tinha como fim levantar/ouvir possíveis momentos de violência vividos foi, sem dúvida, uma tarefa muito difícil. E, ao passo que nos fortalecia como ouvintes e admiradoras, nos atingia como golpes certeiros, que nos comoviam e lembravam como é ser mulher em uma sociedade estruturalmente machista, racista e desigual.

Mulheres negras

Ao pensar nas favelas como espaço de ausências de direitos básicos, as demandas específicas referentes às mulheres tornam-se maiores, fazendo com que   tenham seus direitos violados e quase nenhuma chance de recorrer.

Além das desigualdades de gênero, é importante pontuar a relação de vulnerabilidade das mulheres negras em contraponto às mulheres não negras, pois ao pensar nas relações sociais de poder estabelecidas, as mulheres negras acabam por ocupar um posto abaixo, devido à junção dos preconceitos racial e de gênero. Com isso, temos um campo de pesquisa totalmente atrelado a questões e relações subjetivas que, como pesquisadoras e mulheres, não podíamos imaginar a proporção dos atravessamentos provocados.

Em campo

Muitos foram os encontros e, como parte da metodologia da pesquisa, nos reuníamos semanalmente com a equipe de campo da pesquisa, para trocar ideias sobre a experiência, sobre o que tinha nos tocados mais e nos fortalecer para que o trabalho fosse realizado de uma forma positiva e os resultados, os dados obtidos, pudessem ter retornos práticos e concretos.

 A partir da experiência, pudemos desfrutar de uma heterogeneidade que nos chamou a atenção durante toda a pesquisa. Os relatos de violências vividas nos aproximavam, tornavam visíveis nossas próprias experiências de violências sofridas e nos transformavam a todo instante em ouvinte, mais que isso, ouvintes confidentes, sendo, em muitas vezes, a primeira pessoa a quem aquela mulher relatou tais dores.

Muitas foram as vezes em que, ao finalizar uma entrevista-conversa, foi preciso parar um tempo antes de seguir para outra, seja para pensar em tudo que foi dito-ouvido, seja para sorrir e tomar para si aquele momento de inspiração, ou para sentar em uma calçada afastada e chorar um choro sentido e frustrado por não poder fazer mais nada por aquela mulher.

Os sentimentos eram muitos e o desafio era equilibrar a função de entrevistadora com o desejo de poder acabar com a violência contra mulher do mundo inteiro, de peito aberto, doía, e doía tanto, que quase sempre, depois de um dia de entrevistas a gente precisava de colo, precisava pôr pra fora todo o sentimento que inflava nossa coragem e enchia nossos olhos. Tivemos a honra de conhecer mulheres que nos ensinaram a erguer a cabeça, a não desistir, a rir, a servir um café, uma água, um suco, uma refeição. Uma das pesquisadoras até se emocionou ao receber de sua conterrânea uma quentinha em um dia de trabalho.Conhecemos mulheres que dividiram conosco momentos felizes de suas famílias, compartilharam histórias engraçadas, felizes, e abriram a porta e o peito para nos acolher com nosso questionário na mão, com nossos dias difíceis e sentimentos confusos.

Foi, sem dúvida, uma experiência incrível, capaz de transformar e aprimorar olhares, inspirar e dar muita força e energia para seguir acreditando que nada deve parecer impossível de mudar…

 

Tereza Onã, Alessandra Pinheiro e Juliana Alves participaram da pesquisa na Maré | Foto: Elisângela Leite

O resultado dos confrontos armados na Maré

Saiu o Boletim de Segurança Pública na Maré de 2017

Daniele Moura

Desde 2016, a Redes da Maré monitora os dados referentes à Segurança Pública e seus desdobramentos, nas 16 favelas que fazem parte do território da Maré. Em 2017, esse monitoramento incluiu os confrontos entre grupos armados, além dos agentes de Segurança Pública. Foram coletados dados de todas as operações policiais (todas as polícias e Forças Armadas) e também dos grupos armados rivais, de janeiro a dezembro de 2017.  Esses dados foram reunidos de várias formas: por uma equipe da Redes da Maré, constituída por moradores em sua maioria,  que fica de plantão  quando acontecem os confrontos armados; pelo relatos de moradores que procuram o serviço de  orientação jurídica oferecido pela Organização para denunciar violações de direitos; por reportagens publicadas na Imprensa  e pelas informações dadas pelas assessorias de comunicação das Polícias Militar e Civil e das Secretarias Municipais de Saúde e Educação da cidade do Rio de Janeiro.

A pesquisa registrou 41 episódios de operações policiais (8 a mais que 2016), 41 confrontos entre grupos armados e 26 eventos com disparos sem confronto, ou seja, promovidos por um único grupo.

 Os abusos

Os dados mostram que houve abusos cometidos pelos policiais. Um exemplo ocorreu em março de 2017, quando o roubo de um veículo de um policial civil na Ilha do Governador fez com que, no dia seguinte, sábado, 25 de março, dia da Campanha de Vacinação contra a Febre Amarela, alguns policiais se juntassem para ir à Maré tentar recuperar o veículo.  A consequência foi um intenso confronto armado, que deixou três mortos e um ferido, além da interrupção das atividades de vacinação nas Unidades de Saúde. Não há informações oficiais sobre a ação nem sobre quem autorizou a intervenção policial. Consultadas, as Polícias Militar e Civil declararam desconhecer o planejamento de qualquer operação policial naquele dia. Esse é um fato gravíssimo, porque revela o descontrole do Estado e de suas forças policiais, que agem à revelia ou com a conivência de agentes públicos, realizando ações sem qualquer respaldo legal.

As consequências

Os confrontos armados, tanto os provocados por intervenção policial quanto por grupos armados, resultaram em 42 mortos e 57 feridos. Foram 35 dias sem aulas e 45 dias sem funcionamento de Postos de Saúde.  Profissionais de Educação e da Saúde já foram atingidos por disparos de arma de fogo enquanto trabalhavam.  E o número de casos de violação de direitos quase dobrou em relação a 2016, passando de 28 para 52 pessoas. Na mesma proporção, o número de relatos de violência também cresceu, passando de 32, em 2016, para 67, em 2017. Esses dados foram coletados a partir do atendimento do Maré de Direitos. Imaginando que nem toda pessoa que sofre violência ou que tenha algum direito violado vai buscar atendimento, esse número, apesar de assustador, pode ser maior, pois tudo indica que há subnotificação.

A duração das operações também interfere no cotidiano das comunidades. Doze operações policiais, durante 2017, ultrapassaram 8 horas de duração. As operações, além do desgaste da população, interferem na Economia local, pois, ao encerrar as atividades mais cedo ou com intervalos ao longo do dia, o comércio local é afetado pelos confrontos, sem contar o número menor de dias letivos e a interrupção dos serviços de assistência à saúde nos Postos da Prefeitura.

Os confrontos armados são a maior causa morte na Maré. E um dos objetivos desta pesquisa foi, justamente, chamar a atenção para a incapacidade de o Estado proteger a população. Esses dados confirmam que o Estado, com a complacência de parte da sociedade, considera que as favelas não têm garantidos direitos básicos, como os direitos à segurança e à vida.