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‘Urbanização sim, remoção não’

Luta popular e políticas públicas foram essenciais para urbanização das favelas brasileiras

Por João Guilherme Tuasco, sob a supervisão da jornalista Carol Correia. Editada por Daniele Moura.

A primeira favela do Brasil, localizada no morro de Santo Antônio, Rio de Janeiro, foi removida e o local demolido para dar espaço às reformas urbanas da década de 1920. A remoção de favelas norteou a ocupação das cidades brasileiras até a década de 1970, quando este paradigma da habitação mudou. Nesse momento, entendeu-se a necessidade de melhorias nos assentamentos precários sem remover os habitantes do local em que viviam, como clamava a Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara no slogan “Urbanização sim, remoção não”. 

A transformação dessas áreas é assunto do livro Urbanização de Favelas no Rio de Janeiro, lançado neste mês de agosto pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Observatório das Metrópoles, vinculado ao Ippur/UFRJ, que retoma aspectos tratados em Urbanização das Favelas no Brasil, de 2022, em que se analisa o assunto em oito metrópoles brasileiras. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 13.151 favelas que comportam mais de 5,1 milhões de residências, segundo dados de 2019. Número que pode ser ainda maior com o Censo 2022, ainda não divulgado. 

Parte dessas comunidades foi urbanizada entre 1970 e os dias atuais. Temos como exemplo uma área da Rocinha, na zona sul do Rio, onde ruas foram alargadas; e a Maré, na qual a população da Nova Holanda foi realocada das palafitas, pelo Projeto Rio, para conjuntos habitacionais na Vila do João e Vila do Pinheiro. Nesse contexto, políticas públicas, investimentos internacionais e a atuação dos movimentos sociais foram importantes para este cenário. Entretanto esses movimentos, em meio à Ditadura Militar, foram “muito massacrados e perseguidos; algumas lideranças foram presas e desapareceram”, segundo Adauto Cardoso, professor do Ippur e um dos organizadores dos livros.

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Moradia como direito constitucional

A Constituição Federal de 1988 garante o direito à moradia, regulamenta a função social dos imóveis e define a possibilidade de adquirir propriedades por meio de usucapião. Esse instrumento possibilita que quem mora por cinco anos numa área que não seja dele possa requerer regularização, a menos que outra pessoa reclame a posse do terreno. O texto é um marco que impede juridicamente a remoção das favelas, apesar de a regularização fundiária ser um “nó” nas políticas de urbanização, como pontua o professor.

Antes mesmo dessas diretrizes federais, cidades como Belo Horizonte, em Minas Gerais, Recife, em Pernambuco, Santo André, em São Paulo, e Rio de Janeiro, analisadas em Urbanização das Favelas no Brasil, desenvolveram políticas de habitação e órgãos específicos para a urbanização de favelas. O pioneirismo na criação e na consolidação de mecanismos institucionais propiciou que esses governos municipais pudessem ser a principal linha de frente sobre o tema. 

“As políticas de habitação federais dependem muito da atuação dos municípios, que precisam ter capacidade de técnica de gestão, porque vão subcontratar as obras, contratar uma empreiteira ou empresa de engenharia ou de arquitetura para fazer o projeto. A gestão disso, o gerenciamento da obra, a própria definição da contratação, a análise do contrato e a definição do projeto, tudo isso depende muito de uma capacidade política, institucional e técnica da prefeitura, principalmente”.

Adauto Cardoso, professor do Ippur/UFRJ

Outros municípios, como Curitiba, no Paraná, Fortaleza, no Ceará, e Campina Grande, na Paraíba, criaram programas para a urbanização de favelas a partir da década de 1980, mas foram afetados por questões políticas que descontinuaram os processos. Das oito cidades analisadas no livro, Pelotas, no Rio Grande do Sul, foi a que não desenvolveu experiência municipal independente do governo federal.

Agenda internacional pela habitação

Desde a década de 1970, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid) e outras organizações internacionais investiram na urbanização das favelas. Com isso, criaram parcerias com os governos regionais e o Banco Nacional de Habitação (BNH), criado em 1979, para pôr essa agenda em pauta. Na década de 1980, o Banco Mundial deu recursos ao Projeto Recife, que objetivava reassentar populações que viviam à margem do rio Capibaribe, e, em 1990, ajudou na recuperação ambiental da Bacia do Guarapiranga e na urbanização de uma área de Salvador.  

Décadas depois, o Ministério das Cidades, de 2003, e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de 2007, foram criados para melhorar a infraestrutura das cidades. Eles ajudaram os municípios com obras iniciadas por meio da cooperação internacional. No Rio de Janeiro, o PAC destinou 279 milhões de reais para a urbanização de favelas no Complexo do Alemão, em Manguinhos e na Tijuca, além de moradias em Marechal Hermes pelo programa Favela-Bairro. A iniciativa buscava a urbanização integrada, trazendo para perto serviços básicos como saúde, educação, lazer e moradia adequada. O professor Adauto Cardoso acredita que a aliança entre o Estado e organismos internacionais deixou uma marca na urbanização das favelas. 

“A característica mais marcante é a história da incompletude por causa dos muitos projetos que ficaram incompletos. Isso porque, por mais que essa questão tenha entrado na agenda e tenha tido recursos durante certo período importante, e seja em algumas prefeituras assunto presente, nunca é tão prioridade ao ponto de ter todos os recursos que seriam necessários.”

Adauto Cardoso, professor do Ippur/UFRJ.

Desafios atuais 

A capacidade de crescimento de favelas já urbanizadas faz com que o processo de urbanização seja contínuo das favelas brasileiras, sobretudo nas capitais. Além disso, a reconstrução do Ministério das Cidades, extinto em 2019 pelo governo de Jair Bolsonaro e recriado por Luiz Inácio Lula da Silva neste ano, o financiamento federal para a habitação e a capacitação de profissionais municipais são alguns dos problemas de hoje.

Maré

A história da Maré começa em 1920 quando moradores começaram a habitar em volta do Porto e da Praia de Inhaúma. Na década de 1940, as palafitas – barracos de madeiras erguidos acima da água – começaram a aparecer, além do aterro da Ilha do Fundão, com a instalação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao longo dos anos, os moradores aterraram outros espaços e novas favelas se formaram – hoje são 16 favelas, o maior conjunto do Rio de Janeiro com 140 mil habitantes.

Em 1980, o Projeto Rio, foram criados conjuntos habitacionais na Vila do João e na Vila do Pinheiro para receber os moradores das palafitas que haviam sido removidas parcialmente, e integralmente com o passar do tempo.

Na década seguinte, as grandes chuvas com as precariedades que atingem a população favelada, fez com que fossem criados mais programas de intervenção – como por exemplo a Salsa e Merengue, uma das favelas da Maré que recebeu moradores desalojados de Manguinhos, favela vizinha.

Saiba Mais:

Cartilha Direito À Moradia Na Maré da Redes da Maré
Livro Urbanização de Favelas no Brasil
Redes da Maré: A luta pela moradia é coletiva

Ginecologia natural: Cuidados ancestrais promovem autoconhecimento e autonomia

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Ginecologia natural busca melhorar cenário sobre dado que aponta desconhecimento das mulheres sobre diferentes fases do ciclo menstrual

Maré de Notícias #151 – agosto de 2023

Por Teresa Santos e Rahzel Alec

Segundo uma pesquisa do site FAMIVITA feita em 2021 com mais de seis mil mulheres de todo o país, 55% das brasileiras não sabem identificar as diferentes fases do seu ciclo menstrual. A ginecologia natural busca melhorar este cenário a partir do resgate da autonomia sobre o próprio corpo, entendendo a pessoa que menstrua (em especial as mulheres) em sua complexidade física, emocional, energética e mental.

O ciclo menstrual é uma função fisiológica, assim como o ciclo digestivo ou urinário, e deveria ser encarado com naturalidade, e não permanecer um tabu. A cor, volume e consistência do sangue da menstruação é um dos indicadores do bem-estar geral das mulheres e pessoas que menstruam.

Resgate ancestral

Bel Saide é médica e especialista em ginecologia natural. Ela define o método como um resgate ancestral da forma como eram os cuidados ginecológicos. Segundo a ginecologista, este movimento compreende de forma mais integral o papel das emoções no adoecimento; ele busca a causa das doenças e não apenas remediar os sintomas. 

“Na ginecologia atual, há uma prevalência gigantesca de prescrição de medicamentos hormonais artificiais como pílulas, injeções, DIU, implantes, que bloqueiam o ciclo menstrual”, explica.

A ginecologia natural, por sua vez, preza pela manutenção do ciclo: “O objetivo é reequilibrar a saúde do útero através de diversos recursos, como alimentação, estilo de vida, terapias, plantas medicinais, óleos essenciais. Uma série de coisas que vão fazer com que a mulher se ‘rearmonize’”.

O método na Maré

Edneide da Silva Pereira atua com ginecologia natural na Maré. A pedagoga é formada em terapia menstrual, florais, fitoterapia e doulagem — este último, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). 

Ela começou a atender mareenses no Espaço Casulo, um lugar para práticas de fortalecimento, saúde e autogestão, feito prioritariamente para mulheres pretas e faveladas.

Atualmente, Edneida faz atendimentos individuais, e também participa de oficinas no Núcleo de Bem-Estar e Saúde (NUBES), sede do Instituto Yoga na Maré. Nas oficinas, ela aborda questões relacionadas ao autocuidado e autoconhecimento e à autonomia feminina. 

“Meu trabalho é muito de escuta, de orientar a mulher de alguma forma, de estar junto dela construindo essa busca”, destaca, acrescentando que a prática envolve a prevenção de problemas ginecológicos de forma natural.

Benefícios 

Marli Fonseca, moradora do bairro de Olaria, participa das oficinas promovidas por Edneide desde 2018. Ela conta que buscou a ginecologia natural após o diagnóstico de endometriose. 

“Todo o conhecimento adquirido com a ginecologia natural me trouxe muitos benefícios. Comecei a conhecer realmente meu ciclo menstrual, as cólicas terríveis passaram e não tive mais as TPMs”, conta.

Já a assistente social Amanda Mendonça, moradora da Vila dos Pinheiros, lembra se sentir distante do seu próprio corpo, não conhecia seu ciclo menstrual e que usou por mais de 15 anos contraceptivos hormonais. O cenário mudou depois que começou a participar de rodas de mulheres. 

“Antes minha menstruação só descia na forma de borrões escuros, mas logo no primeiro floral da lua, que é um tratamento natural com ervas, minha menstruação desceu normal, sangue vivo, sem cólicas. Esta foi minha primeira aproximação da terapia menstrual”, conta.

Sem reconhecimento

Iniciativas como a do Espaço Casulo e do NUBES surgem contrapondo as falhas no acompanhamento ginecológico recomendado pelo sistema de saúde, mas ainda carecem de reconhecimento. 

É o que pontua Caroline Amanda, educadora menstrual e criadora da comunidade Yoni das Pretas, uma plataforma virtual e presencial que compartilha saberes sobre saúde e bem-estar de mulheres e pessoas com vulva, útero e vagina, de forma afro-referenciada. 

Caroline diz que “o acesso à ginecologia em territórios que são historicamente marginalizados e criminalizados sofre com o reflexo do racismo no cuidado às pessoas com útero, vagina e vulva”. Ela defende que “as especificidades da população negra periférica e a leitura humanizada das suas experiências são essenciais para um bom atendimento médico”. 

Vale ressaltar que a ginecologia natural não pretende ser uma troca da medicina tradicional pela terapia. Ela é indicada para cuidados simples, não em casos de doenças graves ou crônicas, e para ajudar a mulher a ter autonomia sobre sua saúde e a fazer melhores escolhas.

Ministro das Comunicações visita a Maré

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Ministro visitou instituição com projeto voltado à tecnologia e instalações de antenas para telefonia móvel

O Ministro da Comunicação Juscelino Junior realizou nesta segunda-feira (28) uma visita à sede da AfroGames, projeto do AfroReggae, localizado na Nova Holanda. O objetivo foi conhecer a iniciativa que oferece formação tecnológica e também visitar as instalações de antenas de telefonia na favela.

O Ministério da Comunicação é responsável por fomentar o desenvolvimento tecnológico e regular o setor de telecomunicações do país, abrangendo serviços como telefonia e tecnologia digital.

Durante seu discurso diante da imprensa, o ministro expressou gratidão pela oportunidade de conhecer o espaço e elogiou o trabalho realizado para atendimento aos jovens. Juscelino destacou que projetos como a AfroGames têm o poder de transformar vidas e ressaltou a importância de iniciativas como essa para os jovens.

Ministro falou sobre inclusão digital em visita na Maré. (Foto: Affonso Dalua / Maré de Notícias)

Alcance de rede de telefonia móvel

Após a fala, o ministro prosseguiu com a visita, dirigindo-se para o locais de instalações das antenas realizada pela IHS Tower, empresa parceira do AfroReggae. Na região da Maré, a conectividade enfrenta desafios significativos, o que viabilizou a existência da parceria, que visa melhorar a cobertura da rede de telefonia móvel na área.

As antenas instaladas na Maré oferecem sinal de telefonia 4G. No entanto, as operadoras de telefonia têm planos de utilizar essas instalações para aprimorar o acesso à internet na região por meio da implementação do 5G.

“É com o apoio das empresas e das operadoras que vamos tornar o 5G de fato para todos. O presidente Lula tem determinado que a gente chegue para todos e a gente faça dessa conectividade instrumento de transformação na vida das pessoas.” pontua.

Conectividade nas escolas

Além da visita ao Afro Games e as antenas, o ministro também oficializou a entrega de cerca de 100 computadores em escolas da região. A entrega dos equipamentos faz parte do Programa Computadores para Inclusão, do Ministério das Comunicações.

A visita do ministro foi acompanhada por representantes das escolas beneficiadas, entre elas a Escola Nova Holanda. A diretora Renata Ramos contou que os computadores foram instalados no final de semana e que “Vai ser muito bom para melhorar o acesso das crianças [a internet] e melhorar o desempenho delas.” comenta.

Crianças da Maré publicam nove livros baseados em suas vivências

Iniciativa veio através do clube de leitura com as crianças da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto

Maré de Notícias #151 – agosto de 2023

A Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto, em parceria com a Sala de Leitura Jorge Amado (que fica dentro da Lona Cultural Municipal Herbert Vianna), colhe agora os frutos de ter editado, em abril, uma coleção de nove livros. Os títulos foram produzidos em parceria com os projetos Era Uma Vez e Escritor para o Futuro, com o objetivo de fomentar o gosto pela leitura e escrita a partir de atividades lúdicas e prazerosas.

Com 18 anos de atividade completados em 2023, o equipamento cultural gerido pela Redes da Maré é estratégico na busca pelo incentivo e pela prática da leitura e escrita para moradores de todas as idades das 16 favelas do conjunto. 

O início

Em março de 2020, devido à pandemia, a biblioteca foi fechada e precisou se reinventar. Os encontros do Clube de Leitura, que já aconteciam semanalmente, passaram a ser virtuais. Para as crianças, saudosas do espaço de atividades, foi criado o Clubinho de Leitura, também com atividades online, além de distribuição em domicílio de kits de livros e materiais de desenho e pintura.

O projeto dos livros começou com uma atividade da biblioteca chamada Encontro com o Autor, onde o escritor apresenta sua obra literária e desenvolve alguma dinâmica, como contação de história ou roda de conversa. Participaram da atividade autores como Alexandra Lima da Silva, Laure Garancher, Maxilene Tomaz, Ivan Zigg, Patrícia Montês,  Marcos Diniz ,Marcelo Moutinho, Lúcia Vermon, entre outros. E também nomes internacionais como o poeta e escritor angolano Ondjaki e o ilustrador português António Jorge Gonçalves.

 “As crianças participaram com muito entusiasmo dessas atividades. São importantes esses momentos que oportunizam a troca entre todos. A criança conhece a obra e pode saber como é o processo de criação de um livro: as ideias que levaram a ele, a redação, a publicação. A partir dessas atividades, percebemos o despertar do desejo da escrita coletiva nas crianças”, conta Luciene de Andrade, coordenadora da biblioteca.

Nos livros, os escritores mirins expressaram preocupações durante a pandemia e outros temas – Foto: Douglas Lopes

Bibliotecas unidas

Crianças e adolescentes que acessam a Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto, sediada na Nova Holanda, juntaram-se a outros frequentadores da Biblioteca Popular Municipal Jorge Amado, na Nova Maré. 

Sandra Cristina é bibliotecária do espaço sediado na Lona Cultural Herbert Vianna e destaca que, para a maioria dos frequentadores, a contação de histórias é o primeiro contato que a criança tem com o livro. 

“Buscamos produzir nos livros histórias do dia a dia deles, como a construção da Praça da Paz. Eles contam que antes a praça era um local sujo, mas com a mobilização de moradores foi possível criar o local de lazer”, diz.

Pandemia e eleições

Os nove livros infantis escritos de forma coletiva têm os seguintes títulos: Se eu fosse presidente…; Se eu governasse a Maré!; Maré herança ancestral; O diário de uma pandemia; O monstro que invadiu o mundo; Maré de alegria; Maré de encontros; e A construção da Praça da Paz.

As preocupações com a covid-19 estão presentes nas obras O diário de uma pandemia e O monstro que Invadiu o mundo. As crianças falam sobre o isolamento social, o distanciamento dos amigos e dos parentes, longe dos espaços que utilizavam como lazer, e não esquecem da situação financeira preocupante da família e do desemprego. 

Elas também tiveram um olhar para a Fiocruz, da importância da pesquisa científica e do Vacina Maré: um dos livros traz na capa a ilustração de uma seringa, como uma super-heroína

Já no livro Se eu fosse presidente…, as crianças mostram preocupação e envolvimento com a campanha eleitoral de 2020. Temas como a fome, o racismo e a violência são retratados. Os pequenos escritores pedem por saúde de qualidade e pelo direito de ir à escola, muitas vezes suspenso pelas operações policiais.

Incentivo às crianças

Para os familiares dos escritores, foi um momento de entusiasmo. “É um grande incentivo para as crianças, pelo desenvolvimento da capacidade de criar e escrever todo seu sentimento. A liberdade de expressar tudo o que há de melhor dentro de si. Espero que no futuro meu filho consiga realizar seus sonhos, como ser um grande escritor”, conta Leide Costa, moradora do Parque Maré.

Suelen Silva, moradora da Nova Holanda, diz que o Clubinho de Leitura fez muito bem para sua filha: “Esse trabalho foi um incentivo na vida dela: estimulou a escrita, os trabalhos manuais como dobraduras, e os desenhos. Isso também ajudou a sair do celular. Acho importante o estímulo do hábito da leitura por meio dos livros, algo que faço desde os primeiros anos de vida dela, como contar história antes de dormir, algo que nunca tive.”

A filha, Marina Lima de Souza, de 12 anos, acredita que ler livros é bom para o aprendizado: “O clubinho me ajudou a perder a timidez. Eu vivia muito reprimida, não convivia com muitas crianças e não sabia interagir. Sempre gostei de livros e de desenhar. Participar do clubinho, me ajudou a evoluir mais na minha criatividade.”

Continuidade

No dia 29 de julho, a convite da Secretaria Municipal de Cultura, as crianças estiveram presentes como autores convidados da Expo Favela Innovation Rio 2023. Contaram sobre seu processo criativo e a elaboração dos nove livros. A coordenadora Luciane narra que  “participar da Expo Favela com as crianças e seus familiares foi mais um importante momento de validar o protagonismo infantil, e também um lugar de reafirmação da potência que é a favela.”

O projeto também estará presente na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que acontece em setembro.

Atividades

A Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto com um acervo de mais de 14 mil títulos, e tem uma média anual de 12 mil atendimentos, entre empréstimos e consultas do acervo. O espaço tem como parceiros apoiadores o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Deloitte e a Luxor, que apoiam  as atividades da biblioteca com o projeto Maré de Ler. Neste momento também acontecem as atividades do projeto Livro Labirinto, parceria da Redes da Maré com a revista Caju, que ajuda na articulação  para que todos os participantes dos Clubes de Leitura ganhem os livros que fazem parte dos encontros. Neste momento não há vagas para o Clubinho de Leitura , mas as inscrições estão abertas para o clube de jovens e adolescentes (de 12 a 17 anos). As atividades acontecem todas às quintas-feiras, das 18h às 19h.  As inscrições podem ser feitas diretamente na biblioteca (Rua Sargento Silva Nunes 1014, Nova Holanda) entre 10h às 21h, ou pelo e-mail [email protected] (Assunto: Inscrição Clube de Leitura  /  Adolescente).

A mobilização e a resistência às remoções fortaleceram o Parque União

A mobilização feminina, como a carta de Dona Mironeide ao então presidente João Figueiredo na tentativa de despejo da favela, foi vital para a resistência do territórios

Maré de Notícias #151 – agosto de 2023

O Parque União se estende no entorno das avenidas Brasil e Brigadeiro Trompowski. Oficialmente, a favela viu serem erguidas as primeiras habitações em 1961. Dois anos antes, a área fora aterrada por uma empresa particular e depois, e loteada pelo advogado ligado ao Partido Comunista Brasileiro Margarino Torres. Os lotes, vendidos por valores acessíveis, foram rapidamente ocupados pelos primeiros barracos.

Como em outras favelas da Maré, os moradores construíram as casas em madeira para, de forma escondida, depois levantarem as paredes em alvenaria (o que era proibido pelos militares do então vizinho 1º Batalhão de Carros de Combate). 

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Além do advogado, outros moradores continuaram a organização da favela, como Geraldo dos Santos e Cândido. Outra liderança foi posteriormente homenageada na clínica da família da favela: Diniz Batista dos Santos, um dos primeiros moradores e pioneiro no comércio do lugar (eram dele um barzinho e um armazém). 

Antes e depois da Rua Ary Leão, uma das mais movimentadas do Parque União. Favela é a mais populosa da Maré, com mais de 20 mil moradores – Fotos: Acervo Numin (Esqueda) e Gabi Lino (Direita)

Ampliação legal

A partir do ano 2000, o Parque União teve ampliado o seu espaço geográfico com a aquisição dos terrenos de antigas fábricas, que foram loteados legalmente pelos moradores, chamadas popularmente de Sem Terra. Das 16 favelas que formam a Maré, o Parque União é a mais populosa, com 14,8% dos 140 mil moradores dos territórios (mais de 20 mil pessoas). 

Para chegar ao que é hoje, a mobilização das mulheres foi fundamental. Uma delas foi marcante no início da década de 1980, quando ocorreu a tentativa de desocupação da favela. 

Dona Mironeide Rezende enviou carta ao então presidente João Figueiredo (que, em resposta, garantiu que a favela não seria desocupada) e, com isso, conseguiu frear a remoção dos moradores. 

Amor pela favela

Muitos moradores se apaixonaram à primeira vista pelo Parque União e não querem sair dali nunca mais. É o caso de Genilda Rodrigues, de 65 anos, que chegou à favela com cinco anos.

“Minha casa era um barraco de madeira que meu pai construiu, porque tudo era lama. Nos fins de semana, nós nos reuníamos e organizávamos festas, cada um levava um petisco e uma bebida. No fim, sentávamos nas calçadas e tínhamos só bons papos até o dia amanhecer. As festas juninas só acabavam na alvorada, com a vaquinha para enfeitar a rua”, conta.

Esse pensamento é compartilhado por Roberto Estácio, presidente da Associação de Moradores do Parque União, que sente amor pelo lugar onde mora desde que nasceu. 

“Aqui aprendi muito, esse lugar formou o meu caráter e me preparou para derrotas e vitórias. Tenho uma gratidão e respeito por todos que comandaram a associação, pois investiram seu tempo para lutar pela comunidade”, diz.

Segundo ele, “o diferencial do Parque União do passado para o de hoje é ter a internet como o veículo de diálogo com o morador. Sei que tenho uma responsabilidade, a de ser um elo com o poder público para que aqui prospere, pois favela é potência.”

Gastronomia

O Parque União é conhecido pelo seu polo gastronômico. Há 12 anos Ana Paula Azevedo é proprietária, junto com o marido, do restaurante Galeto Dourado.

“Não tenho vontade de sair do Parque União, pois é muito bom dar trabalho para os nossos 80 conterrâneos. Abrimos diariamente, só fechamos no Natal e Réveillon. Há dois anos começamos com o serviço de entregas”, explica.

Para Ana Paula, “para melhorar é só o poder público regularizar o esgoto e a coleta domiciliar de lixo, acabando com os contêineres”. 

Em setembro o rolê pelas favelas que formam a Maré tem encontro marcado com a Nova Holanda.

Até lá!

Orquestra Maré do Amanhã volta de turnê internacional e inspira novos sonhos

Com notas que cruzam fronteiras Orquestra Maré do Amanhã impacta e transforma a vida dos jovens músicos da Maré

Foto: Marco Brendon

“Nunca passou pela minha cabeça quando fundei a Orquestra chegar tão longe”, essa frase, carregada de emoção foi dita por Carlos Prazeres, de 59 anos, fundador da Orquestra do Maré do Amanhã (OMA) após voltar de uma turnê internacional com mais de 20 alunos. Apesar de não imaginar que ultrapassariam os limites nacionais, Carlos levava a certeza de que um dia tornariam-se referência dentro da Maré inspirando outras crianças. 

O grupo voltou da viagem que passou por Portugal e Reino Unido no início deste mês, mas segue com entusiasmo e com mais sede de música. Andressa Lelis, de 15 anos, é aluna da orquestra desde 2019, ela foi uma das musicistas que participou da turnê. Lelis conta que seu sonho desde criança sempre foi viajar e conhecer o mundo, no entanto, acreditava que isso demoraria muitos anos para acontecer. Ao cair a ficha que já estava acontecendo com apenas 15 anos, a violista não conseguiu conter o choro. 

“Ela estava chorando tanto que as pessoas acharam que ela estava com medo de avião, mas não, ela estava emocionada porque ela não imaginava que iria conseguir na vida pegar um avião para ir à Europa.”, lembra Carlos afirmando que foi um dos acontecimentos mais marcantes da turnê. 

“Eu nunca tinha entrado num avião na minha vida e estava sentada do lado de uma pessoa que já foi várias vezes, então eu ficava perguntando para ela quando que ia levantar vôo e como a gente ia saber. Ela me respondeu que eu sentiria o avião pegando velocidade, quando eu senti e olhei aquela paisagem linda lá de cima que caiu a minha ficha que eu estava saindo da Maré e conhecendo o mundo através da música, chorei muito.”, complementa Andressa, moradora da Vila do Pinheiro.

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Outro momento marcante para Carlos foi ver Débora Choi, de 25 anos, que foi professora de violoncelo da Stephany, hoje com 17 anos, se apresentarem juntas nessa turnê. Isso porque em 2017 quando Débora foi para Roma, a aluna se inspirou nela e se perguntava se um dia chegaria sua vez de fazer a viagem internacional a partir do trabalho com a orquestra. 

“Foi lindo ver a Débora e a Stephany lado a lado, ou seja, a hora dela chegou. Futuramente é a Stephany que vai dar aula e os alunos dela que vão passar a sonhar e assim você vai mantendo as pessoas estimuladas a estudar e correr atrás dos seus sonhos. Essa é a importância para mim do projeto”.

Entre os mais de 10 concertos que aconteceram ao longo de 28 dias, o grupo também fez diversos “flashmobs” – apresentações surpresa em locais públicos – pelas cidades europeias.

Orquestra do Amanhã e do hoje

Débora Choi, de 25 anos, moradora de Bento Ribeiro Dantas, região também chamada de “Fogo Cruzado”, garante que existe uma Débora antes e uma Débora depois da viagem. Isso porque, até fazer a turnê com a orquestra, ela estava planejando trilhar outros caminhos profissionais. 

Após turnê com Orquestra do Amanhã pela Europa, Débora retomou o sonho de quando tinha 18 anos: viver da música | Foto: Marco Brendon

“Sempre tive vontade de fazer música, eu também dou aula de violoncelo pela orquestra, mas tinha desistido de seguir carreira. Até pensava em retomar mais para frente, já estava conformada com isso.”, conta. A chave virou para Débora quando durante um passeio em Londres, o grupo visitou a escola de música Royal Academy of Music. “Sabe quando você vê uma coisa que queria muito ver? Fiquei encantada, maravilhada. Eu olhava as salas e me via ali tocando. Eu não estava esperando enxergar a música como profissão de novo. Eu já tinha esquecido. Mas essa experiência trouxe toda minha vontade de quando eu tinha 18 anos de volta.” 

Andressa também recebeu a injeção de ânimo após a turnê: “A Andressa de antes [da turnê] pensava que se trabalhasse muito, conquistasse a estabilidade financeira, talvez um dia conseguisse viajar. A Andressa de depois vê que é possível realizar agora. O futuro é agora. Agora vejo que é mais possível.”

A história da orquestra

Criada em 2010 por Carlos Eduardo Prazeres, o projeto nasce da vontade de transformar a comunidade após uma tragédia pessoal. Em 1999, seu pai, o Maestro Armando Prazeres, foi morto por integrantes de grupos civis armados da Maré. Motivado a transformar sua dor em esperança, deu vida à OMA, fazendo do chão onde o artista teve os sonhos interrompidos um palco para o surgimento de outros tantos.

De lá para cá, o projeto que começou de forma reduzida, porém confiante, com apenas 26 alunos, já alcançou mais de 3500 estudantes pelo territótio, atendendo a todas as crianças matriculadas na região. 

Conquistas e prêmios

  • Em 2023, foram eleitos Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro
  • 3.500 crianças e jovens são atendidos no Rio de Janeiro (todas as crianças matriculadas na região do Complexo da Maré) e no Pará (dois núcleos em comunidades ribeirinhas e quilombolas) 
  • Inauguração de dois núcleos no Pará (em uma comunidade ribeirinha e outra quilombola)
  • Tocaram no Réveillon de Copacabana na virada do ano de 2020, com a cantora Anitta, para um público estimado de 2,5 milhões de pessoas
  • Foram para o Vaticano e tocamos para o Papa Francisco (2017)
  • Participaram do DVD de 50 anos de carreira da cantora Alcione (2022)
  • Participaram do Lud Session, da cantora Ludmilla (2022)
  • Desfilaram na Sapucaí, em 2016, junto da bateria da escola Beija-Flor de Nilópolis (ano em que, pela primeira vez, a bateria venceu o prêmio Estandarte de Ouro)
  • Vencerem três vezes o prêmio Profissionais da Música (Duas vezes por “Melhor Orquestra” e uma por “Escola de Musicalização Infantil”)
  • Estiveram no Palco Favela, do Rock in Rio 2019, tocando clássicos do rock nacional e internacional