Cria da Maré, Mariana Aleixo tempera gastronomia com impacto social

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A chef está na lista 50 Next, o Oscar da gastronomia. Apenas dois brasileiros compõem o ranking

Por Tamyres Matos em 04/07/2021 às 07h

“A brasileira nascida em favela transformando a vida de mulheres através da comida”. Essa é a chamada inicial no site “50 Next” no texto de apresentação de Mariana Aleixo. Aos 33 anos, a coordenadora do Maré de Sabores é celebrada como uma das pessoas que está mudando o mundo da gastronomia de um jeito único.

No entanto, Mariana faz questão de colocar a coletividade acima da visibilidade individual alcançada com a presença na prestigiada lista. Ela e Thiago Vinícius de Paula da Silva, de São Paulo, são os únicos brasileiros que integram a relação que aponta para o futuro da gastronomia mundial. “É definitivamente uma conquista coletiva do Maré de Sabores, especialmente por podermos contar com a experiência das mulheres que compõem e fortalecem as redes de apoio. Meu nome foi parar nessa lista por causa de uma indicação. Um dia, recebi uma ligação com a notícia e fiquei desconfiada. Mas é algo bom, pois leva o nome do projeto para o mundo”, relata.

A mareense aponta que a escolha pela gastronomia aconteceu de forma inconsciente, mas, hoje em dia, ela percebe que os encontros de família no compartilhamento das refeições foram muito marcantes. “Minha avó materna era a cozinheira da família. Sempre nos reunia em volta de algum ingrediente especial do Nordeste. A experiência com comida me tocava muito, fazia com que eu acessasse a minha ancestralidade”, afirma.

A relação com a cultura nordestina, aliás, é uma marca especial do buffet Maré de Sabores. Com elementos como croquete de banana da terra com queijo coalho, quadradinho de tapioca e nhoque de aipim recheado de camarão, o cardápio deixa qualquer amante das delícias do Nordeste com água na boca. 

O quadradinho de tapioca, uma das especialidades do Maré de Sabores

Elitização versus pertencimento

É muito comum que a palavra gastronomia seja aplicada para descrever espaços elitizados. Muitas vezes com a presença de elementos europeus e valores exorbitantes. Após entrar para o curso na área, a jovem Mariana teve passagens por locais como o Copacabana Palace e o hotel Fasano. Ela aponta que a experiência foi importante, pois ela via estes lugares como espaços inacessíveis e chegou a ouvir frases como: “isso não é lugar pra você”.

Mas estava faltando algo na sua trajetória e ela sentiu isso desde cedo. “Ter acessado esses espaços foi muito importante porque auxiliou diretamente na minha reorganização com a Maré. Teve um dia de trabalho em que percebi que o meu salário era o mesmo valor gasto por um casal no restaurante e isso me marcou. O acesso à educação muda a nossa perspectiva. Eu sempre pensava sobre a minha prática, refletia sobre o que estava fazendo e por que estava fazendo”, explica a chef, que possui mestrado e doutorado em engenharia de produção na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Mariana Aleixo sempre esteve destinada a usar seu aprendizado para melhorar a vida das mulheres da Maré”. Este é outro trecho da apresentação da chef no “50 Next”. E, para que isso se tornasse realidade, o lado empreendedora ajudou muito. Mariana conta que há uma tradição de empreendedorismo na família e o espaço destas ações sempre foi a Maré. Em 2010, a semente do Maré de Sabores estava prestes a ser plantada.

Empreendedorismo social

O Maré de Sabores, que já formou mais de 800 profissionais, tem suas origens na demanda das mães de alunos do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Operário Vicente Mariano, na Baixa do Sapateiro. Cursos de qualificação profissional passaram a ser oferecidos em 2010 junto à promoção de hábitos baseados em uma alimentação mais saudável e sustentável.”Nosso interesse era (e continua sendo) produzir políticas públicas para o território. Para melhorar a educação é importante dar uma atenção especial à alimentação. As mães responsáveis terem acesso a essa formação ajudava a melhorar a saúde das crianças. O projeto cresceu tanto e tão rápido que logo havia gente de fora da escola interessada na oficina”, relata.

Michelle Nogueira Gandra, 46 anos, é uma dessas mães que compôs a primeira turma de formação da oficina, ainda no Ciep. Atualmente, 11 anos depois, ela é gerente operacional e instrutora de gastronomia no módulo avançado. “Eu já tinha feito um curso de gastronomia anteriormente na Vila do João. Ou seja, tinha identificado o início dessa paixão pela gastronomia, mas não imaginava que seria uma profissão de fato, algo tão significativo na minha vida. O Maré de Sabores fez tudo isso acontecer”, conta Michelle.

Um dos eventos que o Maré de Sabores serviu o buffet .
Foto: William Nascimento

No ano seguinte, o Maré dos Sabores extrapola os limites da escola e passa a ocupar a Lona Cultural Herbert Vianna, no Parque Maré. E o próprio conceito do projeto também se expande. “Nós começamos a colocar em prática a formação de gênero e sociedade e a compreensão dos marcadores sociais que envolvem a gastronomia na realidade das mulheres. Além de estudos sobre raça, classe, cidade e demandas coletivas,  a ideia era (e ainda é) formar mulheres para serem protagonistas do desenvolvimento territorial”, explica Mariana.

Com o crescimento do alcance da iniciativa, o Maré de Sabores ganhou uma nova ramificação: o buffet. Mais uma estratégia para gerar trabalho e renda de forma contínua. O buffet já produziu mais de 2.500 eventos, entre coffee break, brunch, almoço, coquetel, jantar e alimentação terceirizada para empresas, além de atender mais de 175 mil convidados, gerando renda direta para mais de 220 famílias da Maré.

Casa das Mulheres

Desde 2016, a sede do Maré de Sabores é a Casa das Mulheres. Na edificação de quatro andares na Rua da Paz, Parque União, existem diferentes frentes de trabalho: qualificação profissional, enfrentamento das violências contra as mulheres, atendimento sociojurídico e psicológico e a articulação territorial para a criação de uma agenda positiva nas políticas públicas para as mulheres.”Trata-se de uma rede de acolhimento e proteção para as mulheres. A partir desse trabalho, temos acesso a dados que ajudam a pensar maneiras de transformar a realidade para que cada uma delas possa explorar o próprio potencial”, analisa.

Mariana na Casa das Mulheres recebendo o chef francês Claude Troisgros
Foto: Douglas Lopes

Mariana relata que durante todo o ano de 2020, a Casa das Mulheres foi o único equipamento que não fechou as portas devido à pandemia. Não por deixar de reconhecer o risco, mas pelo entendimento de que era de extrema importância acompanhar a questão da vulnerabilidade social (respeitando os devidos protocolos sanitários).”Insegurança alimentar também é uma violência sofrida. Nós atendemos a população em situação de rua, temos uma parceria com o Conexão Saúde e atendemos programas de segurança alimentar de parceiros. Nós servimos 65 mil refeições ano passado e, até junho de 2021, foram 26 mil refeições esse ano”, quantifica.

 Comida: desejo, necessidade, vontade

Durante as entrevistas, Mariana e Michelle usaram algumas vezes a palavra desejo. E na continuidade da conversa foi possível perceber que essa “elaboração de desejos” conversa com a palavra potência. Além da clara associação entre comida e satisfação de desejos, necessidades, vontades. O Maré de Sabores surgiu desse anseio e tem seu trabalho pautado nisso. Assim como Mariana Aleixo.

“Com o Maré de Sabores, trabalhar com gastronomia faz sentido pra minha vida. Eu me sinto totalmente conectada com a gastronomia. A gente criou outras formas de estar e ocupar esse setor, que é tão elitizado, e se tornou referência para as outras partes da cidade, como a Baixada e outras regiões da Zona Norte. Para mim, foi muito importante encontrar um lugar para esse meu desejo de acessar espaços que achava que não eram pra mim. E acho que isso acontece com outras pessoas também. Nosso trabalho atua diretamente na sensação de pertencimento”, pondera Mariana.

A mesa do buffet do Maré de Sabores. Os pães também são artesanais, feitos na panificação na Casa das Mulheres da Maré.

Aliás, o Maré de Sabores tem seu delivery para atender as vontades de toda a cidade do Rio de Janeiro. Com seu pensamento voltado para a formação, para o acolhimento e para a aliança entre o saber acadêmico e o conhecimento que surge da prática do dia a dia, fica a certeza de que o futuro da comida deve ser cada vez mais pautado pelo senso de comunidade.”Minha única certeza é que eu desejo estar nesse lugar no meu futuro. Acolhendo mulheres assim como foi acolhida, ajudando com que elas se reconheçam, descubram seus sonhos, realizem seus desejos, busquem fortalecimento profissional e pessoal”, resume Michelle.

CONTATO PARA O BUFFET: 

E-mail: [email protected]
Telefone: (21) 3105-5569
facebook.com/MaredeSabores
Instagram: @Maré Sabores
https://meupedido.delivery/maredesabores

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