Moradores se mobilizam há décadas para garantir saneamento básico (desde o abastecimento de água a coleta de lixo).
Por Shirley Rosendo, Maurício Dutra e Rian de Queiroz(*)
Dia 5 de junho marca o Dia Mundial do Meio Ambiente e as pautas e lutas relacionadas ganham mais espaço na sociedade durante este mês, no entanto, durante todo o ano reforçamos: saneamento básico é um direito. A Lei Federal Nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, Art. 1º, estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Essa lei prevê que todo ser humano tenha acesso à: a) abastecimento de água, b) esgotamento sanitário, e que seu local de moradia possa ter: a) limpeza urbana, b) drenagem urbana, c) manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.
Esse direito iniciou sua chegada à Maré no final dos anos 1980, como resultado da luta de muitos dos seus moradores, sobretudo mulheres, que no passado tinham que atravessar a Avenida Brasil para buscar água, e em outros momentos tiveram que se organizar para demandar do estado esse direito.
Porém devido à falta de monitoramento e planejamento do poder público, seja no que se refere à manutenção e planejamento de toda essa infraestrutura que deve garantir o direito ao saneamento, seja no acompanhamento do crescimento populacional, esse direito foi se degradando nesse território. E é nesse contexto, da população pedir ao Estado que este, viabilize seu direito, que surge a Ação Civil Pública (ACP) do Saneamento Básico de Nova Holanda.
Juiz aceita denúncia sobre o saneamento básico em Nova Holanda
A ACP do Saneamento Básico de Nova Holanda, trata-se de uma Ação Civil Pública (processo de nº: 0313817-60.2017.8.19.0001), movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em cobrança ao Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) e Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro. “Em março de 2012, o Ministério Público Estadual iniciou investigação através do Inquérito Civil 7083 visando apurar a ausência dos equipamentos de saneamento básico e drenagem de águas pluviais na Comunidade Nova Holanda no Complexo da Maré, Rio de Janeiro – RJ”, é parte do texto da ACP.
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Vale destacar que a ACP é resultado de uma denúncia anônima de um morador à Ouvidoria Geral do Ministério Público em 2012 sobre a situação das questões de saneamento na região da Nova Holanda. Na contrapartida, o Município do Rio de Janeiro e a Rio-Águas responderam no processo, que “a ação deveria almejar a condenação dos ocupantes a demolir as construções, a desfazer o parcelamento do solo e a reparar os danos que causam ao ambiente, à ordem urbanística e a economia da Cidade”. Não sendo o suficiente, ambos consideram que “a ocupação, o parcelamento do solo e as edificações clandestinas – inclusive as que deram origem à Comunidade Nova Holanda foram empreendidos em completa desconformidade com as normas jurídicas pertinentes e precisam ser desfeitas”.
Já a CEDAE, informa que “ todos os logradouros da comunidade da Nova Holanda, nos limites assim entendidos pela CEDAE, possuem redes de esgotamento sanitário (…) [que] funciona[m] de forma adequada”.
Por fim, o Estado, afirmou que assinou um Termo de Reconhecimento Recíproco de Direito e Obrigações para a prestação de serviços públicos de saneamento básico, no entanto, a prestação integral desses serviços estaria relacionada à pacificação da região. Depois, alega que a CEDAE implantou os serviços de saneamento básico na Nova Holanda e, por último, argumenta que “os denunciantes reclamam dos eventos transbordantes sempre em dias de chuva. Isso ocorre em razão do lançamento indevido, pela população, de detritos nas galerias de águas pluviais, o que contribui decisivamente para o entupimento das mesmas, provocando, pois, o seu extravasamento inevitável quando das chuvas, uma vez que a rede deixa então de trabalhar de forma adequada já que foi projetada para receber, tão somente, águas de chuvas, e não lixo em grande quantidade”.
Neste momento, o processo está na fase de conclusão da perícia.
A Culpa não é dos moradores
Como se pode notar: o Município, a Rio-Águas e o Estado procuraram se eximir de suas responsabilidades culpabilizando os moradores da região por todos os desafios vividos no cotidiano . No entanto, como pode-se observar no território, em relatos e conversas com os próprios moradores percebemos que não é bem assim.
Foram recolhidos inúmeros relatos que versam sobre algum dos seguintes tópicos:
(1) danos estruturais às casas provocados pelo vazamento de esgoto;
(2) danos à pertences (perdas de móveis e eletrodomésticos);
(3) danos à saúde de moradores;
(4) retornos de esgoto para dentro das residências dos moradores;
(5) Prejuízo no funcionamento de empreendimento ou estabelecimento comercial;
(6) Danos ao funcionamento de atividades como escolas, unidades de saúde, bibliotecas, atendimento e outros serviços.
A maior parte dos relatos feitos pelos moradores estão relacionados ao entupimento das redes de esgoto. Dizem que quando chove é pior, pois gera o retorno de esgoto para dentro das casas levando, assim, prejuízos à saúde e prejuízos financeiros com perdas de móveis, roupas e demais pertences.
Outros falaram que quando a rua fica alagada passa a ter dificuldade de acesso para entrar em casa e, muitas vezes, acabam tendo que pisar no esgoto para depois entrar em casa. Além disso, acaba inviabilizando as brincadeiras das crianças na rua devido a essa exposição.
Vale lembrar que a responsabilidade do abastecimento de água e da coleta do esgoto, na Nova Holanda, assim como em todo o conjunto de 16 favelas, antes da CEDAE, agora é da Águas do Rio. A COMLURB é responsável pela varrição e recolhimento do “lixo”. Por último, mas não menos importante, a Prefeitura é a responsável pela drenagem da água da chuva. Ou seja, são serviços públicos, ou concedidos a empresas que prestam serviço à sociedade.
Mobilização para produção de evidências:
Para compreender as narrativas declaradas de CEDAE e a Rio-Águas, que por um lado culpabiliza o morador e por outro afirma a existência de saneamento básico, com o cotidiano que aponta a ausência e precarização deste direito, o Eixo de Direitos Urbanos Socioambientais da Redes da Maré, foi às ruas da Nova Holanda buscando entender a dinâmica do esgotamento da região.
O diagnóstico preliminar tinha como objetivo:
a) uma vistoria a cada boca de lobo e bueiro da Nova Holanda para averiguar suas condições gerais de conservação;
b) identificar possíveis entupimentos e presença de lixo nos arredores ou dentro das galerias. A vistoria deveria ocorrer em período seco (sete dias sem chuva) e em tempo chuvoso (em menos de 24 horas após cair chuva), para entender a dinâmica dos entupimentos e alagamentos.
Ao sair às ruas, porém, percebeu-se muitas calçadas e pedaços de ruas – ou mesmo ruas inteiras – úmidas ou cheias de poças, mesmo após semanas inteiras de sol forte de verão, indicando possíveis vazamentos de esgoto constante e ininterrupto. Segundo as pessoas que fizeram essa “ronda”, o que aparentava era que o esgoto “minava” por debaixo das casas e emergia nas calçadas e ruas. Em algumas áreas mais críticas, como a Rua do Canal, entre Nova Holanda e Rubens Vaz, e as ruas perpendiculares à ela, não foram poucas as calçadas tomadas por lodo escuro e com mau cheiro.
As evidências apontaram para um dano na própria rede coletora de esgoto da região. As mesmas características foram percebidas em outras áreas, indicando um problema mais estrutural e profundo na rede drenagem da Nova Holanda: por ser interligada, os danos apresentados em pontos específicos significam problemas em toda a rede. A hipótese é que as canalizações implantadas na década de 80, seja por mau planejamento seja por falta de manutenção, não dão conta da demanda de esgoto atual.
Em conversas com moradores, alguns inclusive que presenciaram o período de implantação das canalizações, os mesmos confirmaram essa suposição e garantiram que o material e o diâmetro dos canos estão aquém do necessário: se já na época de implantação geraram dúvidas, sua não substituição e atualização ao longo dos anos precarizou ainda mais a situação.
As observações nas ruas aliada à escuta dos moradores contradizem o senso comum que responsabiliza individualmente o morador pelos alagamentos, entupimentos ou vazamento de esgoto. Anterior a qualquer modificação feita pela população local para sanar os problemas a rede já estaria comprometida, pois não foi planejada para suportar o crescimento da demanda. Situação que se agrava com a falta de manutenção sistemática do poder público – quando há intervenções, costumam tratar de problemas meramente pontuais. A consequência da ineficiência do poder público e dos órgãos competentes é o vazamento constante de esgoto, causando danos de diferentes tipos aos moradores, retorno de esgoto para as casas e alagamentos em períodos de chuva. Ou seja, por sua natureza pública, tanto o problema quanto sua solução não podem ser responsabilidade individual do morador.