O levantamento foi feito pelo CESeC com 1.500 moradores de favelas do Rio e revela que a violência policial impede o acesso aos serviços de saúde e afeta a saúde mental
Foi lançado hoje pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) a terceira etapa do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, que traz análises sobre os impactos da violência armada na Segurança, Educação, Saúde e território. O estudo Saúde na Linha de Tiro: impactos da guerra às drogas sobre a saúde no Rio de Janeiro, lançado hoje, revela que moradores de favelas e periferias, expostos à violência policial são impedidos de acessar os serviços de saúde e podem desenvolver doenças físicas e transtornos mentais. Os dados mostram, também, que o Estado gasta ainda mais dinheiro público para tratar doenças e transtornos que ele mesmo provoca.
A pesquisa entrevistou 1.500 moradores maiores de 18 anos, de seis favelas cariocas: Vidigal, Nova Holanda, na Maré; CHP-2 em Manguinhos, Parque Proletário dos Bancários na Ilha do Governador; Parque Conquista no Caju e Jardim Moriçaba, na Zona Oeste.
As favelas foram divididas em dois grupos: Nova Holanda, Vidigal e Manguinhos que são frequentemente afetadas por tiroteios com a presença de agentes de segurança; e Parque Proletário dos Bancários, Parque Conquista, Jardim Moriçaba que não são atingidas pelo mesmo tipo de violência, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Foram considerados os tiroteios registrados a um raio de até 400 metros das unidades de saúde desses locais. Elas foram escolhidas por serem semelhantes do ponto de vista socioeconômico, mas expostas a diferentes níveis de violência armada.
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A pesquisa demonstra que a rotina de medo, a insegurança e as incertezas provocada pelas constantes operações policiais nas favelas cariocas têm impactos imediatos e causam prejuízos à saúde física e mental dos moradores no longo prazo. Vejam alguns dos resultados:
- A maioria (59,5%) dos moradores de favelas sujeitas a tiroteios com participação de agentes do Estado disse que a unidade de saúde já havia sido fechada como resultado da violência; o índice cai a 12,9% entre os respondentes de comunidades menos expostas;
- Moradores expostos à violência têm 42% mais risco de desenvolver hipertensão quando comparados ao grupo de moradores de localidades menos afetadas;
- Quase um terço (26,5%) dos moradores de favelas mais prejudicadas já adiou a procura por um serviço de saúde, contra apenas 5,9% dos que residem em comunidades sem tiroteios;
- O fechamento de unidades de saúde em comunidades com maior ocorrência de episódios de violência custa mais de R$ 300 mil aos cofres públicos e a sociedade;
- Moradores mais expostos a violência perdem por ano R$ 1,4 milhão, impedidos de realizar atividades habituais por problemas de saúde.
“A guerra às drogas afeta toda a sociedade brasileira. Mas, são os moradores de comunidades, pobres e negros que mais adoecem com essa escolha política do Estado. Com essa pesquisa, queremos chamar atenção da sociedade para essa realidade.”
Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir
Principais destaques da pesquisa
As proporções de adultos com hipertensão arterial, insônia prolongada, ansiedade e depressão são maiores nas favelas onde esses episódios se repetem sistematicamente se comparadas a outras áreas sem tiroteios constantes. Cerca de 51% dos moradores das comunidades mais expostas a tiroteios com presença de agentes de segurança sofrem com algumas dessas condições, em comparação a 35,9% dos moradores das comunidades não afetadas por esses casos.
Dos moradores das favelas mais afetadas por tiroteios 29,6% relataram sintomas típicos de depressão em comparação aos 15,7% dos moradores das demais comunidades.
Além disso, moradores que convivem com tiroteios têm um risco 42% maior de desenvolver hipertensão e o dobro da chance de sofrer com sintomas típicos de ansiedade em relação aos moradores das outras três com menor incidência desses episódios.
A publicação Saúde na Linha de Tiro apresenta uma série histórica dos tiroteios com a presença de agentes de segurança nas comunidades selecionadas entre 2017 e 2022. Esses dados revelam que o grau de exposição à violência nas comunidades analisadas não se alterou profundamente ao longo dos anos, indicando que pode haver um efeito acumulado dessa violência no estado de saúde dos moradores.
Outra condição clínica associada à violência armada é a insônia prolongada. A pesquisa estima que a probabilidade de ter insônia é 73% maior para pessoas que moram em comunidades expostas à violência armada.
A violência provocada por agentes do Estado também interfere na oferta dos serviços de saúde, resultando no fechamento de unidades, na ausência de profissionais e na impossibilidade de deslocamento até os serviços.
Nas favelas mais expostas a violência do Estado, 59,5% das pessoas disseram que a unidade de saúde já havia sido fechada em algum momento; 31,6% souberam de algum episódio em que profissionais de saúde deixaram de trabalhar e 26,5% informaram que já haviam sido obrigados a adiar a procura por um serviço de saúde em função dos conflitos armados.
Nas favelas que não foram afetadas por esses episódios, esses percentuais são consideravelmente menores, como pode ser visto no gráfico abaixo.
Cerca de 30% dos moradores submetidos à violência armada relataram efeitos negativos imediatos como sudorese, falta de sono, tremor e falta de ar durante episódios de tiroteio, e 43% dessas pessoas relataram sentir o coração acelerado ao ouvir tiroteios próximos às residências.
Equivalência monetária das perdas
A pesquisa mensura ainda uma parte dos prejuízos econômicos da guerra às drogas no adoecimento de pessoas. Na Nova Holanda, na Maré, CHP-2, em Manguinhos e no Vidigal, 6,8% dos adultos ficaram impedidos, por pelo menos um dia, de realizar atividades rotineiras, como estudar e trabalhar, por questões de saúde, enquanto nas demais comunidades 4,8% dos entrevistados relataram o mesmo.
A não realização dessas atividades gerou uma perda de R$ 1.391.209,00 em um ano para o conjunto dos moradores das três favelas mais expostas à violência armada provocada pelo Estado.
O custo das interrupções de atendimento nas unidades básicas de saúde
Considerando que as unidades de saúde das favelas es mais expostas a tiroteios provocados por agentes de segurança não possam funcionar aproximadamente três dias a mais por ano em comparação às unidades das outras comunidades, o custo anual desses fechamentos para os cofres públicos e para a sociedade é de R$ 316.963,72 . Em 2022, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, foram contabilizados 445 fechamentos de unidades de saúde em função da violência.
O aumento do adoecimento nas comunidades mais afetadas pela violência provocada por agentes de segurança acarreta um custo adicional para o Estado. O custo anual do tratamento de paciente com hipertensão arterial e depressão, pode variar entre R$ 69 mil e R$ 95 mil, em valores de 2022.
“O contexto da violência armada no Rio de Janeiro tem uma singularidade em relação às outras cidades no Brasil. Nossos dados mostram que a guerra às drogas impede que as pessoas tenham acesso a um direito básico e universal como a saúde. Compreender os impactos dessa violência é essencial para a formulação de políticas que possam transformar essa realidade.”
Mariana Siracusa, coordenadora da pesquisa
A primeira fase do projeto, lançada em março de 2021 com o relatório Um Tiro no Pé, revelou os impactos do proibicionismo — mote da atual política de drogas do país — no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo. O segundo relatório Tiros no Futuro, divulgado em fevereiro de 2022, apresentou dados sobre o impacto da guerra às drogas no desempenho escolar dos alunos da rede pública municipal do Rio de Janeiro.
Para ter acesso ao estudo “Drogas: Quanto Custa Proibir”, clique aqui.
E para o relatório completo “Saúde na Linha de Tiro”, aqui.